Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:10692/01
Secção:Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/16/2003
Relator:Cristina dos Santos
Descritores:DENÚNCIA CONTRATUAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
OBJECTO DO RECURSO
Sumário:1. Configura-se como revogação contratual unilateral a deliberação extintiva do contrato de trabalho de exercício de funções docentes no ensino superior politécnico, que nas relações contratuais de execução continuada toma o nome técnico de denúncia, denominação vazada na lei - artº 14º a) DL 185/81 de 1.JUL
2. Essa deliberação de denúncia configura-se como acto administrativo lesivo de direitos no domínio de uma relação jurídica pública, na medida em que dela resulta a produção de efeitos jurídicos concretos plasmados na extinção das relações intersubjectivas estabelecidas e decorrentes do contrato de provimento celebrado.
3. A inobservância do prazo de impugnação de actos anuláveis afasta o regime adjectivo normal do erro na forma de processo, no sentido do aproveitamento da petição inicial e consequente convolação da forma de acção relativa a contrato administrativo para a forma de recurso contencioso de anulação - artº 199º nº 1 CPC e artºs. 28º nº 1 a) e nº 2, 29º nº 1, LPTA.
4. A natureza peremptória e preclusiva do prazo de interposição de recurso de anulação torna inaproveitável o articulado inicial, anulando-se ele também e absolvendo-se o R. da instância - artº 288º nº 1 b) CPC ex vi artº 1º LPTA.
5. O efeito de caso julgado cobre apenas a parte decisória da sentença, pela qual o Tribunal declara o efeito jurídico em função da ou das causas de pedir conhecidas - artºs. 659º nº 2 in fine, 671º nº 1, 1ª parte, 673º, 676º nº 1 e 713º nº 2 CPC.
6. Daqui se conclui que apenas cabe recurso das decisões judiciais e não dos seus fundamentos.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: A....., com os sinais nos autos, inconformado com a sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra que julgou procedente a excepção da inadequação do meio processual empregue e absolveu o R. da instância, dela vem recorrer para o que formula as seguintes conclusões:

1. A decisão recorrida subsumiu incorrectamente ao n° 1 do art. 25° da L.P.T.A o acto de denúncia do contrato celebrado entre o Autor e o Réu, da autoria do Conselho Directivo do ISCAC.
2. O tribunal a quo errou, assim, na determinação da verdadeira natureza jurídica do acto de denúncia do contrato, considerando-o um acto definitivo e executório, jurisdicionalmente recorrível, em violação do disposto na ai. b) do art. 9° e no art. 18°, n° 1, da Lei n° 54/90, de 5 de Outubro, bem como do disposto no art 10°, n° 2 dos Estatutos do IPC (DR-I Série B, n° 298, de 28/12/95) e nos n°s 1. e 1.1. do Despacho 16/XIII/SEES/95 (DR-II Série, n° 300, de 30/12/95).
3. Com fundamento no que antecede, a decisão recorrida interpretou e aplicou incorrectamente o disposto no art. 69°, n° 2 da LPTA, considerando que o Autor, por não ver assegurada a tutela efectiva jurisdicional dos seus direitos e interesses legalmente protegidos através do Recurso Contencioso de Anulação, deveria ter lançado mão da acção de reconhecimento de direito, prevista no n°1 daquele normativo.
4. Com efeito, o tribunal a quo considerou que com o Recurso Contencioso de Anulação o Autor poderia obter a tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, concedendo embora que este recurso poderia falir por ilegalidade (falte de objecto), em virtude de o acto recorrido (denúncia do contrato pelo Conselho Directivo do Réu, ISCAC) já ter sido revogado, rectius não
autorizado, pelo Presidente do IPC
5. Mais considerou o tribunal a quo que nesse caso, ou mesmo independentemente da efectiva interposição do Recurso Contencioso de Anulação (o que a decisão recorrida só deixa eventualmente subentendido, não o expressando com clareza e objectividade), o Autor deveria então ter lançado mão da acção de reconhecimento de direito, neste fazendo alusão às naturais e previsíveis dificuldades processuais do Recurso Contencioso de Anulação,
decorrentes da ilegalidade do Recurso ou mesmo do indeferimento tácito dos seus requerimentos.
6. Sucede, porém, que o acto de denúncia do Conselho Directivo do Réu é um mero acto preparatório, uma vez que quem detém competência própria, exclusiva e definitiva para a rescisão (denúncia incluída) dos contratos dos docentes especialmente contratados das unidades orgânicas do IPC é apenas o Presidente deste, conforme decorre, em primeiro lugar, da ai. b) do art. 9° e da ai. e) do n° 1 do art. 18° da lei n° 54/90, de 5 de Outubro, bem como do art. 10°, n° 2
dos Estatutos do IPC.
7. E conforme também decorre, em segundo lugar, ainda mais inequivocamente (com o que se removem todas as dúvidas que sobre esta matéria pudessem subsistir), do disposto nos n°s 1. e 1.1. do Despacho 16/XIII/SEES/95, de subdelegação de poderes do Secretário de Estado do Ensino Superior, segundo o qual «são subdelegadas nos actuais Presidentes dos Institutos Politécnicos as seguintes competências: «autorizar o recrutamento e o provimento (...) de pessoal especialmente contratado equiparado a assistente (...) bem como autorizar a prorrogação, renovação e rescisão dos respectivos provimentos».
8. Nem deve surpreender que assim seja (a legal atribuição aos Presidentes dos Institutos Politécnicos de competência própria, exclusiva e definitiva para a rescisão dos contratos de tais docentes), atendendo a que a mesma competência no âmbito das Universidades está por lei atribuída aos Reitores e não aos órgãos de gestão das Faculdades (que, entretanto, detêm um grau de autonomia mais elevado do que os estabelecimentos dos Institutos Politécnicos),
como decorre do art. 20°, n° 1, ai. e) da Lei n° 108/88, de 24 de Setembro, que aprovou a autonomia das Universidades, sendo também exemplificativo disso mesmo o disposto no art. 41°, n° 1, ai. e) dos Estatutos da Universidade de Coimbra (Despacho Normativo n° 79/89 - DR -1 Série, n° 197, de 28/08/89).
9. Hoje todas as competências para a rescisão dos contratos do pessoal docente provido por contrato administrativo de provimento, face ao disposto na citada alínea e) do n° 1 do art. 20° da lei n° 108/88, de 24 de julho, pertencem aos Reitores (SAMPAIO DE LEMOS, Estatuto da Carreira Docente Universitária Anotado e Comentado, 1985, Vislis Editora, p. 85) compreendendo-se, por maioria de razão, a existência de tal limitação em relação às competências dos órgãos de gestão das unidades orgânicas dos Institutos Politécnicos, cuja autonomia é reconhecidamente mitigada em relação à das Faculdades das Universidades.
10. Assim, o acto de denúncia do contrato celebrado entre o Autor e o Réu, ISCAC, da autoria do Conselho Directivo deste, não era recorrível perante a jurisdição administrativa, estando legalmente vedado ao Autor, com vista à sua impugnação, lançar mão do recurso Contencioso de Anulação, atendendo ao disposto no art 25°, n° 1, da LPTA.
11. Nem poderia o Autor, que nem sequer dispunha de um verdadeiro acto administrativo de que pudesse interpor Recurso Hierárquico Necessário junto do Presidente do IPC, fazer, como pretende a decisão ora recorrida, «naturalmente alusão às dificuldades processuais derivadas da eventual falte de objecto do Recurso ou à situação de indeferimento tácito», porque não poderia alegar previsíveis dificuldades processuais decorrentes do emprego de um meio processual legalmente inadmissível nem invocar um acto de indeferimento tácito de quem não tinha nem tem competência para o mesmo lhe ser imputado.
12. Razão pela qual a decisão ora recorrida interpretou e aplicou erradamente o art. 69°, n° 2,LPTA, considerando que o Autor deveria ter-se socorrido da acção de reconhecimento de direito como um meio complementar e residual da tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, pois este normativo, ao determinar que as acções para reconhecimento de direito «só podem ser
propostas quando os restantes meios contenciosos (...) não assegurem a efectiva tutela jurisdicional do direito em causa», pressupõe, ao menos, que os restantes meios contenciosos sejam legalmente admissíveis e, portanto, utilizáveis, mesmo que se venham a revelar total ou parcialmente ineficazes, o que, conforme demonstrado, não é o caso dos autos.
13. Seria, pois, necessário que, apesar de legalmente admissíveis, os meios contenciosos comuns não garantissem cabalmente a tutela dos direitos e interesses legalmente protegidos do Autor, tendo este previamente que os esgotar, para só então se poder socorrer da acção de reconhecimento de direito (Ac. STA, de 04/04/89, no Rec. 25908; Ac. STA, de 23/04/96 no Rec. 36597; Ac. STA, de 30/10/97 e Ac. STA de 24/02/98, no Rec. N° 41469).
14. Mas, ainda que se interprete de outra forma o disposto no art. 69°, n° 2 da LPTA, mesmo assim o Autor, ao lançar mão da presente Acção sobre Contrato, empregou um meio processual que, em si mesmo, é próprio e adequado à tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
15. Na verdade, a decisão recorrida também violou o disposto no art. 51°, n° 1, ai. g) do ETAF, bem como o art. 71°, n° 1, da LPTA, que determinam que são competentes para a decisão da questão controvertida da validade de um contrato administrativo os Tribunais Administrativos, não podendo tal questão ser autoritariamente decidida por acto destacável da Administração e sendo o meio processualmente adequado para a sua resolução as acções sobre contratos e sobre a responsabilidade das partes pelo seu incumprimento.
16. É que, sendo o acto de denúncia do contrato do autor, da autoria do Conselho Directivo do ISCAC, um acto meramente preparatório e que não foi autorizado pelo Presidente do IPC enquanto entidade com competência própria, exclusiva e definitiva na matéria, então ta! acto de denúncia não produziu qualquer efeito e o contrato administrativo de provimento celebrado entre o Autor e o Réu renovou-se por um biénio.
17. Em consequência, o Autor considera que o aludido contrato se mantém válido e em vigor, por força de tal renovação (ao contrário do Réu que considera que o mesmo foi validamente denunciado e cessou em 30/09/99), sendo, assim, inteiramente justificado e processualmente adequado que o Autor tenha vindo, como veio, peticionar ao tribunal a quo que condene o Réu a reconhecer a invalidado e a ineficácia daquela denúncia, bem como a renovação e a
consequente validade do contrato, e ainda a executá-lo até ao termo do prazo da sua renovação, nomeadamente distribuindo-lhe serviço docente e pagando-lhe as remunerações que já deixou de receber por causa da denúncia e as remunerações futuras até àquele termo, conforme se encontra consubstanciado nas ais. e) ai) do pedido formulado na P.l. com a rectificação do mesmo constante dos artigos 4º a 6º da Réplica.
18. Ao que acresce que quanto à denúncia prevista na ai. a) do art. 14° do DL n° 185/81, de 1 de Julho, o particular e a Administração estão colocados na mesma posição, qualquer deles podendo usar, sem restrições, da faculdade de denúncia, isto é, não havendo qualquer posição autoritária da administração perante o particular, o que configura a típica igualdade de posições dos contratantes que é pressuposto da utilização da acção sobre contrato.
19. Por outro lado, as acções sobre contratos administrativos na sua forma condenatória, servem, precisamente, para obter a execução dos contratos administrativos ou efectivar a responsabilidade contratual, como é o caso da presente acção, pois o contrato administrativo de provimento celebrado entre o Autor e o Réu não foi por este cumprido nos seus precisos termos, nem quanto ao modo como foi exercido o direito de denúncia (incompetência do Conselho
Directivo do ISCAC), nem quanto a não ter sido distribuído serviço docente ao Autor depois de tal denúncia não ter sido autorizada pelo Presidente do IPC e, portanto, depois de o contrato se ter renovado.
20. Em função do exposto, o tribunal a quo violou ainda o disposto na 1a parte da ai. d) do n° 1 do art 668° do C.P.C., na medida em que não se pronunciou, tendo o dever de o fazer, sobre a questão que consiste em saber qual a natureza do acto e da competência ao abrigo da qual foi proferido, bem como sobre a sua legalidade ou ilegalidade, do despacho do Presidente do IPC que não autorizou a denúncia pelo Conselho Directivo do ISCAC do contrato celebrado entre este e o Autor.
21. A supra referida questão é de direito, sendo a sua apreciação prévia e essencial ao julgamento da procedência ou improcedência da excepção da inadequação do meio processual empregue, conforme resulta do que antecede quanto à inadmissibilidade legal do Recurso Contencioso de Anulação e, portanto, também quanto à inadequação processual da acção de
reconhecimento de direito enquanto meio residual e complementar em relação aos meios contenciosos comuns.
22. E, tendo a decisão recorrida acabado por contraditoriamente se pronunciar sobre o mérito da acção, apesar de ter absolvido o Réu da instância, sempre a esse respeito se dirá que, conforme resulta do teor do despacho do Presidente do IPC que não autorizou a denúncia do contrato, os fundamentos dessa revogação não colidem nem interferem com os «juízos técnicos» do Conselho Científico do ISCAC, invocando tão só a preterição da audiência prévia dos arte.
100° e seguintes e a insuficiência e vacuidade da fundamentação da denúncia, ao abrigo do art. 125° do mesmo diploma.

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O R., Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra, não contra-alegou.
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Em via de despacho no domínio do artº 753º nº 2 CPC, o ora Recorrente produziu alegações, concluindo como segue:

1. O acto de denúncia do contrato do ora Recorrente pelo Conselho Directivo do Recorrido, ISCAC, é um mero acto preparatório, sendo a competência definitiva para a sua aprovação ou autorização do Presidente do IPC (al. b) do artº 9º da Lei 54/90 de 5 de Outubro e Despacho 16/XIII/SEES/95 (DR-II Série, nº 300 de 30.12.95).
2. Por força do despacho de 13.10.99 do Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC) – proferido ao abrigo dos normativos e diplomas supracitados – que expressamente não autorizou tal denúncia - esta foi ineficaz e não produziu qualquer efeito.
3. O Presidente do IPC proferiu o referido despacho de não autorização da rescisão do contrato do ora Recorrente com base em ilegalidades do acto de denúncia, designadamente na sua insuficiente, obscura e ininteligível fundamentação, em virtude de ofender o disposto nos arts. 123°, n° 1, ai. d); 124°, n° 1, ai. a); e 125°, n°s 1 e 2, todos do CPA.
4. E também com base em ilegalidade de preterição de uma formalidade essencial, por não ter sido cumprido pelo ora Recorrido o disposto nos arts. 100° e seguintes do C.P.A., que determinam a prévia audição do interessado sobre o sentido provável da decisão final.
5. O que significa que o contrato administrativo de provimento celebrado entre o ora Recorrente e o Recorrido se renovou, por inexistência de uma sua denúncia eficaz.
6. O Presidente do IPC, ao não autorizar a rescisão do contrato do* Recorrente, com base na insuficiente e obscura fundamentação da denúncia do mesmo, não se substitui aos juízos técnicos, científicos ou pedagógicos do Conselho Científico, nem ofende o princípio da autonomia científica das escolas do ensino superior politécnico, consagrada no art. 2°, n° 4 da Lei n° 54/90, de 5 de Setembro.
7. A invocação pelo Recorrido da falta de uma renovação expressa e fundamentada em deliberação favorável do Conselho Científico não tem em conta que deve fazer-se uma interpretação do art. 14° do DL n° 185/81, de 1 de Julho, no mesmo sentido em que o art. 36° do Estatuto da Carreira Docente Universitária (DL n° 448/79, de 13 de Novembro, alterado, por ratificação, pela Lei n° 19/80, de 16 de Julho) já vinha sendo interpretado e aplicado pelo STA antes da alteração legislativa deste normativo que em 1986 consagrou a dita interpretação do STA.
8. Nem tem também em conta que, salvo melhor opinião, não existem obstáculos legais à aplicação analógica do citado n° 2 do art. 36° do Estatuto da Carreira Docente Universitária a situações em que seja possível de facto a rescisão (não renovação) de contratos de docentes do ensino superior politécnico por inacção dos órgãos competentes.
9. A partir do momento em que a denúncia do contrato do Recorrente foi tornada ineficaz pelo despacho do Presidente do IPC que não autorizou a mesma tendo-se consequentemente renovado o dito contrato, o ora Recorrido deixou de cumprir o mesmo contrato nos seus precisos termos.
10. O Recorrente tem, assim, direito, através da presente acção, a obter a execução do dito contrato administrativo e a efectivar a correspondente responsabilidade contratual, devendo para tanto o Recorrido ser condenado a reconhecer a invalidade e a ineficácia daquela denúncia, bem como que o contrato se renovou e é válido, nomeadamente distribuindo-lhe serviço docente e pagando-lhe as remunerações que tenha deixado de receber por causa da denúncia.

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Nesta sede, o R. também não contra-alegou.

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O EMMP junto deste TCA emitiu pareceres em ambas as situações processuais, pronunciando-se “(..) no sentido de ser dado provimento ao recurso, em consequência se revogando a sentença recorrida, substituindo-a por outra que considere a presente acção como meio processual adequado e condene o R nos termos do pedido.”, “(..) com as alterações decorrentes do facto superveniente alegado a fls. 182 e v.”.
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Colhidos os vistos legais e entregues cópias aos Exmos. Adjuntos, vem para decisão em conferência.

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Pelo Senhor Juiz foi julgada provada a seguinte matéria de facto:

1 Em 1992, o A celebrou com o ISCAC contrato administrativo de provimento, mediante o qual foi provido no lugar de assistente, ao abrigo do art0-. 9°-., n°- .1, l8-, parte do Dec. Lei n0-. 185/81, de 1/7, ao abrigo do qual exerceu funções docentes nos anos lectivos de 1992/93, 1993/94 e 1994/95.
2 O mesmo contrato foi renovado para os anos lectivos de 1995/96, 1996/97 e 1997/98, sendo que a partir de 18/11/98, o A passou a integrar a categoria de docente especialmente contratado, ou docente convidado, equiparado a Assistente do 2°-. Triénio.
3 Em 1/10/98, o A celebrou com o Presidente do Conselho Directivo do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC) o contrato de provimento administrativo de provimento (que consta de fls. 105 dos autos e que aqui se da como reproduzido para todos os efeitos legais), remetendo, além do mais, para as seguintes disposições legais - arts. 8°, 12°e 13° do Dec. Lei nº 185/81, de 1/7 e com validade até 30/09/99.
4 Em reunião de 6/7/99 foi o A informado que no Conselho Científico do ISCAC não havia unanimidade na renovação do seu contrato como docente.
5 Por deliberação de 10/7/99, o Conselho Científico Directivo do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra (ISCAC), decidiu, por voto secreto e de forma unânime não renovar o contrato ao Equiparado a Assistente do Segundo Triénio A..... e denunciá-lo para o termo do respectivo prazo - cfr. acta de fls. 24 e segs., em especial, fls. 26 dos autos e extracto de fls. 17 dos autos - com remissão para o relatório constante de fls. 20 dos autos
6 Por oficio datado de 16/7/99 e recebido pelo A em 19/7/99, foi este informado pelo Presidente do Conselho Directivo do ISCAC que, de harmonia com deliberação unânime desse Conselho Científico, de 12/7/99, foi determinado denunciar o contrato administrativo consigo celebrado e ainda vigente, com termo previsto para 30 de Setembro de 1999 - cfr. documento de fls. 14, 15 e segs, dos autos.
7 Em 16/9/99, o Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra veio revogar o referido acto de denúncia, referido em 6 (nos termos constantes de fls. 35 dos autos), não autorizando a denuncia do contrato.
8 Em 6 de Agosto de 1999, o A endereçou ao Presidente do Conselho Directivo do ISCAC a reclamação de fls. 40 e segs. dos autos, onde solicitava a declaração de nulidade do acto de denúncia (referido em 6) ou, com fundamento na sua anulabilidade, o revogue e substitua por outro que proponha, a quem de direito, a renovação do mesmo contrato.
9 Em 27/9/99, o A endereçou ao Presidente do Conselho Directivo do ISCAC o requerimento de fls. 59 e segs. dos autos, onde solicitava que lhe fosse distribuído serviço docente e fixado o respectivo horário lectivo no ISCAC, para o ano lectivo de 1999/2000.
10 Os requerimentos, ditos em 8 e 9, não obtiveram qualquer resposta. 11. Em Julho de 1999, o vencimento base do A ascendia ao valor ilíquido 238200$00.


Nos termos do artº 712º nº 1 b) CPC ex vi artº 1º LPTA, adito ao probatório a seguinte factualidade:

11. A petição inicial deu entrada no TAC de Coimbra em 26.JAN.2000 – fls. 1 e carimbo de entrada.


DO DIREITO

Vem assacada a sentença de incorrer
nos seguintes vícios:

1. violação primária de direito substantivo por erro de julgamento em matéria de:
a. natureza jurídico-administrativa da denúncia contratual ....................... ítens 1 a 5 das conclusões de recurso;
b. competência para rescisão dos contratos do pessoal docente ......................... ítens 6 a 9 das conclusões de recurso;
c. irrecorribilidade do acto de denúncia ........................... ítens 10 a 13 das conclusões de recurso;
2. violação primária de direito adjectivo em matéria de âmbito de aplicação da acção no contencioso administrativo .......................... ítens 15 a 21 das conclusões de recurso.
3. violação primária de direito substantivo em matéria de pressupostos do acto de revogação do Presidente do IPC ................................. ítem 22 das conclusões de recurso.

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O modelo dualista vigente no quadro do contencioso administrativo, expresso no contencioso das acções – de responsabilidade civil e sobre contratos - e no recurso contencioso de anulação de actos administrativos, tem inequívocos reflexos práticos desde logo no que respeita ao prazo de exercício do direito de acção, pois que a primeira, subordinada à forma do processo de declaração do CPC, beneficia da dedução a todo o tempo - sem prejuízo, óbviamente dos prazos legais de natureza substantiva consignados para o exercício das diversas situações jurídicas - conquanto a segunda implica a observância de prazos relativamente curtos, sob pena de consolidação - cfr. artºs. 28º nº 1 e 71º nº 1 LPTA.
No caso do contrato administrativo de provimento celebrado pelos Recorrente e Recorrida, com termo final a 30.SET.1999, cumpre saber a que figura jurídica se reconduz a deliberação do Conselho Científico do ISCAC, relatada no ofício de 16.JUL.99 e tomada em reunião de 10.JUL.99 atestada em acta nº 6/99, junta a fls. 24/32 dos autos, ponto 5 do relatório da matéria de facto supra.
Ali se reporta, com itálicos nossos, que:
“(..) passou-se a analisar o processo referente ao Equiparado a Assistente do Segundo Triénio, A....., tendo usado da palavra (..) comunicando aos membros que o docente em questão tem demonstrado enormes carências pedagógicas, não atingindo a pontuação prevista na grelha de avaliação para ser considerada a renovação do seu contrato, conforme relatório da área que se dá aqui por integralmente reproduzido. (..) Colocada a proposta à votação, por voto secreto, foi deliberado por unanimidade não renovar o contrato ao Equiparado a Assistente do Segundo Triénio A..... e denunciá-lo para o termo do respectivo prazo. (..)”.

É exactamente esta deliberação que o ora Recorrente peticiona seja declarada nula.

Na medida em que estamos no domínio do ensino superior politécnico rege o complexo normativo do DL 185/81 de 1.JUL, segundo o qual:
Artº 2º - A carreira do pessoal docente do ensino superior politécnico compreende as seguintes categorias:
a) Assistente
Artº 8º nº 1 – Poderão ser contratados para a prestação de serviço docente nos estabelecimentos de ensino superior politécnico individualidades nacionais ou estrangeiras (..).
nº 2 – Para efeitos do disposto no número anterior. As individualidades a contratar serão equiparadas às categorias da carreira de pessoal docente do ensino superior politécnico (..).
Artº 12º nº 1 – O pessoal docente equiparado nos termos dos nºs. 1, 2, 3 e 4 do artigo 8º do presente diploma (..) serão providos mediante contrato com duração inicial de um ano renovável por períodos bienais.
nº 2 – As renovações a que se refere o número anterior deverão ser expressas e fundamentadas em deliberação favorável do conselho científico.
Artº 13º nº 2 - O provimento dos assistentes e do pessoal especialmente contratado nos termos do artigo 8º considera-se sempre efectuado pro urgente conveniência de serviço.
nº 4 - A não autorização do contrato ou a recusa do visto do Tribunal de Contas determina a cessação dos abonos (..).
Artº 14º - Os contratos do pessoal a que se refere o artigo anterior apenas podem ser rescindidos nos casos seguintes:
a) Denúncia, por qualquer das partes contratantes, até trinta dias antes do termo do prazo do contrato;

Ensina Antunes Varela que a denúncia, facto extintivo da relação obrigacional complexa derivada de um contrato e “(..) virada apenas para o futuro, é uma figura privativa dos contratos de prestações duradouras, que se renovam por vontade (real ou presuntiva) das partes ou determinação da lei ou que foram celebrados por tempo indefinido.
A denúncia é precisamente a declaração feita por um dos contraentes, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso (cfr. artº 1055º) de que não quer a renovação ou a continuação do contrato (..) Enneccerus Lehmann (..) define precisamente a denúncia como a declaração de vontade unilateral, receptícia, destinada a pôr termo a uma relação jurídica duradoura ao cabo de certo tempo.(..)” Antunes Varela, Das obrigações em geral, Vol.II, Almedina. 2ª edição, pág.242..
Portanto, atenta a matéria de facto apurada e o complexo normativo aplicável, é límpido que o acto em causa, cuja anulação o ora Recorrente peticiona, integra a figura jurídica da revogação contratual unilateral, procedente do ISCAC e consubstanciada na deliberação do seu Conselho Científico tomada em 10.7.99, no domínio do contrato de trabalho de exercício de funções docentes no ensino superior politécnico celebrado com o ora Recorrente, deliberação extintiva dessa mesma relação contratual que, por se caracterizar como contrato de execução continuada, toma o nome técnico de denúncia, que é exactamente a denominação vazada no artº 14º a), DL 185/81 de 1.JUL.
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Chegados aqui, dúvidas não se suscitam quanto à natureza, em sede jurídico-administrativa, da denúncia do contrato de provimento, pois que, evidentemente, se configura como acto administrativo lesivo de direitos no domínio de uma relação jurídica pública Sérvulo Correia, Noções de direito administrativo, Danúbio, 1982, pág. 288; , na exacta medida em que daquela deliberação de denúncia resulta a produção de efeitos jurídicos concretos plasmados na extinção das relações intersubjectivas estabelecidas e decorrentes do contrato de provimento celebrado.
Não estamos, assim, no domínio da interpretação, validade ou execução dos contratos administrativos - cfr. artº 51º nº 1 ETAF - mas no domínio do “(..) que, tradicionalmente, é qualificado como exercício de poderes de autoridade e que se concretiza na emissão de pronúncias às quais o ordenamento jurídico confere a capacidade de definirem – e, porventura, de modificarem – a situação jurídica de pessoas ou de coisas por forma unilateral e, portanto, sem contar com o concurso de outras vontades que não a do próprio autor da declaração. (..)” Mário Aroso de Almeida, Anulação de actos administrativos e relações jurídicas emergentes, Almedina, Teses, pág. 88; Freitas do Amaral, Direito administrativo, Vol. II, págs. 18 e 20; Vol. III, pág. 69..
Afastada está no presente caso discretear sobre “(..) a vexata quaestio de saber quando é que, na vigência do contrato, nos encontramos na presença de actos administrativos passíveis de impugnação, ou, pelo contrário, perante litígios em que, por não haver lugar à emissão de manifestações de autoridade da Administração, as partes no contrato estão colocadas em posição de paridade. (..)” Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, pág. 91..
Acresce que da factualidade dada como provada no relatório supra, resulta que se mostra ultrapassado o prazo de exercício do direito de impugnação de actos anuláveis, cfr. artºs. 28º nº 1 a) e nº 2, 29º nº 1, ambos da LPTA (2 meses sobre a notificação).
De modo que, o período de tempo que medeia entre a notificação da deliberação de denúncia em 19.JUL.99 ao ora Recorrente e a data de entrada da presente petição em juízo no dia 26.JAN.2000 afasta o regime adjectivo normal do erro na forma de processo - que aqui se verifica como bem declarou a 1ª Instância - no sentido do aproveitamento deste articulado seguido de convolação para a forma de recurso contencioso de anulação, cfr. artº 199º nº 1 CPC.
Dada a natureza peremptória e preclusiva do prazo de interposição de recurso de anulação, ultrapassado que seja torna inaproveitável a petição inicial, anulando-se também ela e, portanto, todo o processado, absolvendo-se o R. da instância – cfr. artº 288º nº 1 b) CPC ex vi artº 1º LPTA.

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Do que vem dito se conclui pela improcedência de todas as questões trazidas a recurso e enunciadas nas conclusões sob os ítens 1 a 21.

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Por último, temos, sob o ítem 22 e no parecer do MP, a questão da alegada pronúncia da 1ª Instância sobre o mérito da acção, pese embora decorra do expresso teor da parte decisória da sentença recorrida, que não existe pronúncia nessa matéria, como se verifica conforme transcrição integral que segue:
“(..)
Pelo exposto, visto o disposto nos artºs. 493º nºs. 1 e 2 e 510º nºs. 1 al. a) e 3, ambos do CPC, julgo provada e procedente a excepção de inadequação do meio processual empregue e, consequentemente, absolvo da instância o Réu, Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra. (..)”.

Decorre das disposições conjugadas dos artºs. 659º nº 2 in fine, 671º nº 1, 1ª parte, 673º, 676º nº 1 e 713º nº 2 CPC que o efeito de caso julgado cobre apenas a parte decisória da sentença, na exacta medida em que é pela decisão final que o Tribunal declara o efeito jurídico em função da ou das causas de pedir conhecidas – cfr. artºs. 497º nº 1 e 498º nº 4 ambos do CPC , ou seja “(..) o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão (..)” Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, págs. 576, 578 e 583, pelo que é neste sentido que se pode afirmar : “(..) só o dispositivo da sentença constitui autêntico judicium capaz de assegurar a autoridade do caso julgado (..)” Anselmo de Castro, Direito processual civil declaratório, Vol. III, Almedina, págs.398 e 402..
Não tem, pois, base jurídica a afirmada pronúncia de mérito, na medida em que a parte decisória não se lhe refere, na exacta medida em que, atento os artºs. 676º e segs. do CPC, “(..) deles se conclui, sem sombra de dúvida, que o recurso cabe das decisões judiciais, e não dos seus fundamentos. Quer dizer, o recurso não pode interpor-se das razões, de facto ou de direito, em que a decisão se baseie, mas sim, e apenas, da parte dispositiva ou decisória do julgado, pois é esta que vincula as partes, que as obriga. (..)” Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra, pág. 266..

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Não procede, pelo exposto, a questão trazida a recurso no ítem 22 das conclusões.


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Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça e procuradoria em, respectivamente, 200 (duzentos) € e 100 (cem) €.



Lisboa, 16.OUT.2003,


(Cristina Santos) ......................................................................................................................

(Ana Portela) ..........................................................................................................................

(Teresa de Sousa) ....................................................................................................................