Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:05641/09
Secção:CA - 2.º juízo
Data do Acordão:12/17/2009
Relator:Fonseca da Paz
Descritores:PROCESSO CAUTELAR.
INTIMAÇÃO PARA ADOPÇÃO DE UMA CONDUTA.
ILEGITIMIDADE PASSIVA
Sumário:I - No processo cautelar de intimação para adopção de uma conduta tem legitimidade passiva a entidade a quem cabe o dever de observar o comportamento pretendido.
II - Não cabendo esse dever à Câmara Municipal de Santarém, mas à “A.S. Águas de Santarém, EM”, já constituída à data da instauração do processo cautelar, o Município de Santarém carece de legitimidade passiva, devendo ser absolvido da instância.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SECÇÃO, 2º. JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1. A...e mulher, B..., por si e na qualidade de legais representantes dos seus filhos menores, C...e D..., inconformados com a sentença do TAF de Leiria que, com fundamento em ilegitimidade passiva, recusou a providência cautelar que haviam requerido contra o Município de Santarém, dela recorreram para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
“1ª. Por forma a garantir o direito à protecção da saúde e o direito ao meio ambiente, constitucionalmente consagrado nos arts. 64º., nos. 1 e 2, al. b) e 66º., da Lei Fundamental, a lei ordinária prevê procedimentos muito rigorosos no que tange a descarga e o tratamento das águas residuais urbanas, designadamente nos arts. 1º., nº 1, 2º., nos 1 e 2, al c), 5º e 7º., com referência à al. i do Anexo II, do D.L. 152/97, de 19/6, no art. 65º., nº 1, do D.L. nº 236/98, de 1/8, nos princípios gerais e nos arts.1º, nº 1 2º., 5º., al. h), 6º. e 25º. da Lei 54/2005, de 15/11, nos arts. 1º., nº 1, als. a) a f), 3º, 46º., nº 1, 56º e 60º. nº 1, als. b), g) e m), da Lei 58/2005, de 29/12 e nos arts. 1º., 48º., nos 2, 3, 5 e 6, 49º., 50º e 75º. do D.L. nº 226-A/2007, de 31/5;
2ª. Ora, os recorrentes alegaram na causa de pedir, e mostra-se sumariamente provado, que o recorrido implantou um sistema de manilhas denominado Interceptor do Choupal , através do qual procede à descarga de águas residuais urbanas da cidade de Santarém num curso de água do domínio público fluvial conhecido por regueirão, que corre a Sul do prédio dos recorrentes (cfr documentos 1 a 3 e fotográficos juntos com a p.i., doc. 6 da Oposição, Factos Provados “E”, “F” e “J”);
3ª. Os recorrentes também alegaram na causa de pedir, e mostra-se provado pelos mesmos documentos, que o referido “regueirão” corre a céu aberto dentro do aglomerado urbano de Santarém, exalando cheiros nauseabundos e provocando o surgimento de hordas de murídeos e enxames de insectos, pondo em perigo a saúde pública a dos recorrentes em particular e causando dano ao meio ambiente e às propriedades limítrofes, factos que se evidenciam nos documentos fotográficos dos autos;
4ª. Os recorrentes alegaram, ainda, na causa de pedir, e mostra-se provado, que o recorrido implantou e vem utilizando esse sistema de descarga de águas residuais urbanas à revelia do competente licenciamento da Administração da Região Hidrográfica do Tejo ARH do Tejo, IP (facto provado “J”) e em violação da transacção referida no Facto Provado “F”;
5ª. Todos os indicados factos evidenciam a legitimidade do recorrido para a presente providência, por força da sua conduta ilícita e ilegal, que vem provocando avultados danos aos recorrentes. Assim não entendendo, violou o Tribunal “a quo” as supra citadas disposições legais;
6ª. Também foi alegado na p.i. e mostra-se provado nos Factos “G”, “H” e “J”, e nos documentos fotográficos dos autos, que o recorrido licenciou uma obra de ligação dos esgotos de um loteamento privado ao Interceptor do Choupal, o que fez à revelia da competente licença da Administração da Região Hidrográfica do Tejo ARH do Tejo, IP, em violação, portanto, de todas as supracitadas disposições legais e dos arts. 18º nº 2, 19º. nos 1 e 11 e 21º, do D.L. 555/99, de 16/12;
7ª. Mostra-se, ainda, provado, pelos documentos fotográficos juntos aos autos, pelo doc. 6 da oposição e pelas fotocópias do processo de loteamento que se encontram no processo que, na mesma data em que se procedia à ligação dos esgotos do loteamento privado ao Interceptor do Choupal, o recorrido procedeu à substituição das manilhas e da boca de descarga desse interceptor por outro de maior diâmetro, aumentando o caudal de águas residuais urbanas despejadas no “regueirão”, potenciando, consequentemente, os danos para a saúde pública em geral e para a dos recorrentes em particular e para o meio ambiente;
8ª. Mostra-se provado pelo facto “J” que, também aqui, o recorrido não obteve o prévio licenciamento da ARH – Tejo, Administração da Região Hidrográfica do Tejo;
9ª. Tem assim o recorrido legitimidade passiva para a presente providência, razão pela qual, decidindo em sentido contrário, violou o Tribunal “a quo” o disposto nos arts. 1º., nº 1, 2º. nos 1 e 2, al c), 5º. e 7º., com referência à al. i do Anexo II, do D.L. 152/97, de 19/6, no art. 65º. nº 1 do D.L. 236/98, de 1/8, nos princípios gerais e nos arts. 1º., nº 1, 2º., 5º al. h), 6º e 25º., da Lei 54/2005, de 15/11, nos arts. 1º., nº1, als. a) a f), 3º., 46º nº 1, 56º e 60º, nº 1, als. b), g) e m) da Lei 58/2005, de 29/12 e nos arts. 1º, 48º. nos 2, 3, 5 e 6, 49º, 50º. e 75º., do D.L. 226-A/2007, de 31/5, nos arts. 18º., nº 2, 19º., nos 1 e 11 e 21º., todos do D.L. 555/99, de 16/12 e nos arts. 26º. do CPC e 10º, nos 1 e 2, do CPTA;
10ª. Finalmente, que a entidade requerida haja delegado na empresa municipal Águas de Santarém, constituída em Dezembro de 2007, “todos os poderes necessários à prossecução do objecto desta”, a saber, “a gestão e exploração dos sistemas públicos de captação e distribuição de água e drenagem e tratamento de todo o tipo de águas residuais na área do Concelho de Santarém”, são evidências que em nada servem a arredar a legitimidade passiva do Município de Santarém;
11ª. Constituiria, aliás, uma flagrante inconstitucionalidade orgânica se o Município de Santarém pudesse, mediante documento, qualquer que ele fosse, delegar parte da sua competência originária numa outra entidade, por si criada cfr. art. 112º. (actos normativos) da Lei Fundamental , sendo certo que nem a própria lei pode “Conferir a actos de outra natureza o pode de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos”, como resulta do nº 5 da mesma norma;
12ª. Assim não entendendo, violou o Tribunal “a quo” o disposto no mencionado art. 112º. da CRP”.
O recorrido contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
O digno Magistrado do M.P. emitiu parecer, onde concluíu que o recurso não merecia provimento.
Sem vistos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2.1. A matéria de facto pertinente é a que foi considerada provada na sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos do nº. 6 do art. 713º. do C.P. Civil.
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2.2. No processo cautelar que intentaram no T.A.F., os ora recorrentes pediram ao Tribunal que ordenasse ao R. que este se abstivesse de efectuar o escoamento de águas residuais urbanas, tal como são definidas pelo art. 2º., 2, c), do D.L. 152/97, de 19/6, ou de quaisquer outras águas, no canal constituída pelas manilhas que desembocam no identificado “regueirão”.
Resulta da petição inicial que o referido “regueirão” corresponde a uma linha de água “cavada, ao longo dos séculos, pela força das águas fluviais”, com o qual confronta o prédio dos A.A. e que nele desaguam, pelas bocas de duas manilhas, as águas residuais urbanas, por a Câmara Municipal de Santarém ter colocado mecanismos vulgo “ladrões” que para ele desviam tais águas.
Nos termos do art. 2º., nº 2, al. c), do D.L. nº. 152/97, de 19/6, águas residuais urbanas são “as águas residuais domésticas ou a mistura destas com águas residuais industriais e ou com águas fluviais”.
Em face do exposto, conclui-se que os recorrentes, ao intentarem o processo cautelar, pretendiam a imposição de um determinado comportamento destinado a assegurar o cumprimento de normas tido por violadas.
E porque esse comportamento não é omissivo, mas activo, por se consubstanciar na cessação da forma como foi efectuado o escoamento das águas no canal constituído pelas manilhas que desembocam no regueirão, parece que a providência cautelar requerida se traduz numa intimação para adopção de uma conduta (cfr. art. 112º., nº 2, al f), do CPTA).
Assim, a legitimidade passiva cabe a quem tem o dever de observar o comportamento pretendido (cfr. art. 10º., nº 2, do CPTA), no caso, o de fazer cessar o aludido escoamento.
Ora, estando provado que, em 14/12/2007, foi constituída a empresa municipal “A.S – Águas de Santarém, EM” para quem foi transferida a competência relativa à gestão e manutenção dos sistemas municipais de águas fluviais e residuais e sendo esta uma pessoa jurídica distinta do Município, não há dúvidas que à data da instauração do processo cautelar era a ela que cabia observar o comportamento pretendido.
Portanto, a sentença recorrida, ao julgar procedente a excepção da ilegitimidade passiva, decidiu correctamente.
Não têm, por isso, razão os recorrentes quando invocam que a legitimidade do Município de Santarém deriva de lhe ser imputável o referido modo de escoamento das águas residuais, porque este facto, se é susceptível de gerar responsabilidade civil e de lhe conferir legitimidade numa futura acção de indemnização, já é completamente irrelevante quando o que se pretende é fazer cessar uma determinada situação, caso em que o que importa averiguar é quem tem competência para o efeito.
Quanto à inconstitucionalidade orgânica a que os recorrentes fazem referência nas conclusões 11ª. e 12ª. da sua alegação, não se vê como pode ter havido violação do art. 112º., nº 5, da C.R.P., sendo certo que eles não fornecem a mínima justificação para a inconstitucionalidade que invocam, o que impossibilita este Tribunal de se pronunciar sobre qualquer questão de conformidade constitucional (cfr. Ac. do T.C. de 22/5/96 in B.M.J. 475º95).
Finalmente, importa referir que a consequência da verificação da excepção dilatória da ilegitimidade passiva é a absolvição do ora recorrido da instância (cfr. art. 288º., nº1, al. d), do C.P. Civil) que não foi determinado pela sentença recorrida.
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3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a excepção da ilegitimidade passiva e absolvendo o ora recorrido da instância.
Custas pelos recorrentes.
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Lisboa, 17 de Dezembro de 2009
as. ) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
Rui Fernando Belfo Pereira
António de Almeida Coelho da Cunha