Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:00590/05
Secção:Contencioso Administrativo - 2º Juízo
Data do Acordão:03/10/2005
Relator:Fonseca da Paz
Descritores:FACTOS SUJEITOS A PROVA
DEFICIÊNCIA DO REQUERIMENTO INICIAL
INTERESSE LEGÍTIMO
INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO
Sumário:1 - Ficam sujeitos à regra de dispensa de prova e alegação, nos termos do artigo 87.º n.º 2 do CPA, os factos que o órgão competente tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções.
2 - Não constitui motivo de indeferimento o facto de o requerimento de intimação para passagem de certidão não ter sido acompanhado dos documentos que comprovem os factos que o órgão competente tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções, devendo a recorrente suprir oficiosamente aquela deficiência ou convidar a recorrida a fazê-lo, nos termos do artigo 76.º do CPA.
3 - Interesse legítimo na informação pretendida é qualquer interesse atendível protegido ou não proibido juridicamente, que justifique razoavelmente dar-se ao requerente tal informação.
Aditamento:
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Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA 1ª. SECÇÃO, 2º. JUÍZO, DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1. A “APSS - ....., SA”, com sede na Praça ....., em Setúbal, inconformada com a sentença do T.A.F. de Almada que a intimou a passar, no prazo de 10 dias, a certidão requerida, em 25/10/2004, pela “L ....., Lda.”, dela recorreu para este Tribunal, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:
“A) A recorrida tem como objecto social atracações e desatracações de navios, transportes de pessoas e/ou mantimentos de/para bordo dos navios e outros serviços de apoio à navegação;
B) É uma prestadora de pequenos serviços indiferenciados à navegação que não exigem nenhuma especialidade técnica relevante, não sendo detentora de uma qualquer actividade especialmente exigente por via de qualquer especificidade ou exigência técnica ou legal;
C) O requerimento inicial apresentado à APSS foi-o desprovido de qualquer documento probatório do interesse invocado;
D) A recorrida devia ter logo apresentado nesse requerimento os documentos que permitissem à APSS aferir da legitimidade do interesse nas certidões requeridas;
E) Mas não o foram, em clara violação do art. 64º./2 do CPA, que exige que o requerimento seja “(...) instruído com os documentos probatórios do interesse legítimo invocado”;
F) Como a própria sentença refere, “(...) sempre a ora requerente exercerá a sua actividade a par de mais dois novos concorrentes, os concessionários da Zona 1 e da Zona 2 (...)”;
G) Após as concessões de serviço público, decorrentes do concurso público realizado, a requerente continua a poder prestar precisamente os mesmos serviços nas mesmas áreas onde as prestava, antes da concessão do Terminal Multiusos;
H) Contará com mais concorrência mas só neste Terminal Multiusos, já que sempre prestou os seus serviços em toda a área do Porto de Setúbal e não só naquela área e no Terminal Multiusos só na actividade das amarrações;
I) Haverá pois mais concorrência, que não pode ser restringida por via administrativa, e concorrência essa que será exercida por duas concessionárias de serviço público, obrigadas a um exigente conjunto de direitos e deveres técnicos e legais;
J) As amarrações não são uma especialidade ou actividade única e própria, como que um exclusivo ou patente legal, sendo antes uma actividade indissociável da entidade que gere ou administra um cais de movimentação de cargas oriundas de navios, tratando-se obviamente de uma actividade concorrencial, na qual a recorrida e outras empresas concorrem e agora a duas concessionárias de serviço público, numa actividade não restringida ou condicionada;
K) Não tem pois a recorrente, nem o consegue demonstrar, qualquer interesse legítimo nas certidões solicitadas face ao art. 64º. do C.P. Administrativo;
L) Os actos administrativos praticados pela recorrente no âmbito do referido concurso público não produzem nenhum efeito na esfera jurídica da requerente, anteriormente quando era a APSS a gestora do cais, sendo presentemente as concessionárias as gestoras do mesmo;
M) Eventualmente, esses actos terão consequências concorrenciais e económicas, dado que mais duas empresas fornecerão o mesmo tipo de serviço, mas não se pode restringir ou condicionar administrativamente a oferta e a procura;
N) Face aos arts. 40º e art. 55º. do CPTA, não tem a recorrida Luisamar qualquer legitimidade relativamente ao mencionado concurso público;
O) Quer face ao art. 40º, quer face ao art. 55º., nem mesmo com muita boa vontade se poderá encontrar qualquer ténue indício de legitimidade activa da recorrida para judicialmente intervir ou por em causa actos e contratos no âmbito do referido concurso;
P) O que aliás a recorrida Luisamar não faz, apenas referindo em termos amplos o seu direito a defender-se dos dois novos concorrentes na área em questão, omitindo cuidadosamente em que termos é que, obtidas as certidões, recorrerá à via judicial;
Q) Pela violação dos arts. 40º., 55º. e 104º/1 do CPTA e 64º do C.P. Administrativo, deverá a, aliás douta, sentença “a quo” ser revogada”.
A recorrida contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.
O digno Magistrado do M.P. foi notificado para se pronunciar sobre o mérito do recurso, nada tendo dito
Sem vistos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.
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2.1. A matéria de facto pertinente é a que foi considerada provada na sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos do nº 6 do art. 713º. do C.P. Civil.
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2.2. Em 25/10/2004, através de requerimento dirigido ao Presidente do Conselho de Administração da ....., a ora recorrida, invocando ser detentora de um interesse legítimo nos termos do art. 64º. do C.P.A., solicitou a passagem de certidão da deliberação do Conselho de Administração que procedera à “entrega” do exclusivo da actividade de amarração de navios nas zonas 1 e 2 do Terminal Multiusos do Porto de Setúbal (TMUS) às empresas “Tersado” e “Sadoport”, dos instrumentos jurídico-contratuais, regulamentares ou outro em que se materializara essa entrega e das licenças concedidas às referidas empresas para o exercício da aludida actividade de amarração.
A sentença recorrida julgou procedente o pedido de intimação para a passagem da certidão que fora requerida em 25/10/2004 e improcedente o pedido de permissão de consulta do processo de concurso, por este não ter sido anteriormente formulado perante a recorrente.
A recorrente, no presente recurso jurisdicional, contesta a sentença, na parte em que julgou procedente o pedido de intimação, invocando que o requerimento de 25/10/2004 não fora acompanhado de qualquer documento que lhe permitisse aferir da existência do interesse legítimo alegado e que este interesse não existia por os actos administrativos praticados no âmbito do concurso público em causa não produzirem efeitos na esfera jurídica da recorrida, a qual, embora contando com mais concorrência, continua, após as concessões de serviço público, a poder prestar exactamente os mesmos serviços que prestava antes.
Vejamos se lhe assiste razão.
Para demostrar o seu interesse legítimo na informação solicitada, a recorrida invocou, no seu requerimento de 25/10/2004, que, desde 1993, se encontrava licenciada pela “APSS, SA” para exercer a actividade de amarração de navios no porto de Setúbal e que esta atribuíu, às Sociedades “Tersado” e “Sadoport”, o exclusivo dessa actividade nas zonas 1 e 2 do TMUS, o que restringe e afecta a actividade que constitui o seu objecto social.
Ora, estes factos que respeitam a documentos emitidos pela própria recorrente, não poderiam deixar de ser do seu conhecimento em virtude do exercício das suas funções, pelo que, nos termos do nº 2 do art. 87º do C.P.A., não careciam de prova.
Mas, ainda que assim se não entendesse, afigura-se-nos que a referida deficiência do requerimento não constituía motivo para o seu indeferimento, devendo a recorrente suprir oficiosamente aquela deficiência, através da junção dos documentos comprovativos dos factos alegados que tinha em seu poder, ou convidar a recorrida a fazê-lo, nos termos do art. 76º. do C.P.A. (cfr. J. M. Santos Botelho, A. Pires Esteves e J. Cândido de Pinho in “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, 1992, pag. 216).
Portanto, não tem razão a recorrente, quando invoca que o facto de o requerimento de 25/10/2004 não estar acompanhado de qualquer documento justificaria o seu indeferimento.
Quanto à existência de interesse legítimo no conhecimento dos elementos pedidos, entendido como um interesse atendível não proibido juridicamente e que razoavelmente justifique dar-se a informação solicitada (cfr. M. Esteves de Oliveira, P. Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim in “Código do Procedimento Administrativo Comentado”, Vol. I, 1993, pag. 402), parece-nos que a sentença não merece qualquer censura.
Efectivamente, se a recorrida se encontra licenciada e exerce a actividade de amarração de embarcações numa área onde as concessionárias também passam a poder exercê-la, é provável que essa situação se vá repercutir em termos negativos sobre os seus resultados comerciais.
Assim, o facto de a recorrida poder prestar exactamente os mesmos serviços que prestava antes, mas agora em regime de mais concorrência, não põe em causa a conclusão a que se chegou na sentença que ela tinha um interesse próprio, comprovado, sério e útil no conhecimento dos actos, contratos e regulamentos subjacentes à concessão de actividade similar à que exerce na mesma área o qual lhe permitiria o eventual recurso aos meios administrativos ou contenciosos para defesa dos seus interesses.
Nestes termos, improcede o presente recurso.
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3. Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida
Sem Custas, por isenção (cfr. arts. 73º.C, nº 2, al. b), do C.C.J. e 189º., nº 2, do CPTA).

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Lisboa, 10 de Março de 2005
as.) José Francisco Fonseca da Paz (Relator)
António Ferreira Xavier Forte
Carlos Evêncio Figueiredo Rodrigues de Almada Araújo