Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:768/16.2BEALM
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:01/12/2017
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:REGULAMENTO DISCIPLINAR DA POLÍCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA
PENA DISCIPLINAR DE DEMISSÃO
PERDA DO DIREITO À PENSÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
FISCALIZAÇÃO DIFUSA DA CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I – A norma do artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, na medida em que determina para os funcionários e agentes aposentados a perda do direito à pensão pelo período de 4 anos, em substituição da pena de demissão, sem salvaguardar a perceção de um rendimento mínimo que lhe permita satisfazer as necessidades básicas, viola o princípio da proporcionalidade, decorrente do artigo 2.º da Constituição e do artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo.

II - A decisão que aplicou ao Agente Principal da Polícia de Segurança Pública ora Recorrido, a pena disciplinar de demissão, substituída, nos termos do disposto no artigo 26.º n.º 1, alínea c) do RDSP, pela perda do direito à pensão pelo período de 4 anos, é sancionada com a nulidade por ocorrer a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental (direito a uma existência condigna como emanação do princípio da dignidade da pessoa humana), nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 2, al. d), do Código do Procedimento Administrativo.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Horácio …………. (Recorrido) intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada contra o Ministério da Administração Interna e a Caixa Geral de Aposentações, processo cautelar visando a suspensão de eficácia do despacho da Ministra da Administração Interna, proferido em 23.01.2016, que o puniu com a pena de demissão substituída por perda do direito à aposentação, pelo período de 4 anos e no qual se pedia que fosse: «a) Decretado provisoriamente o despacho judicial no sentido de ser retomado o pagamento da Pensão de Reforma do requerente, nos termos do artigo 131º do CPTA; b) Reposto o pagamento mensal da Pensão de Aposentação do requerente Horácio Pereira Prata, por parte da requerida Caixa Geral de Aposentações até decisão final da acção principal pendente; c) Suspensa a decisão do Departamento de Saúde e Assistência na Doença da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública da "Perda da Qualidade de beneficiário Titular do SAD/PSP M/129304 assegurando a assistência»

Por decisão de 6.10.2016 foi decidido antecipar o julgamento definitivo da causa e, apreciando o mérito da pretensão, foi decretada a nulidade do despacho sindicado e as Entidades Demandadas condenadas «a efectuarem todos os actos e procedimentos necessários para reconstituir a situação hipotética do Autor, se o despacho com segmento que foi declarado nulo, não tivesse disso praticado».

Não se conformando com o assim decidido veio o Ministério da Administração Interna interpor o presente recurso para este Tribunal Central Administrativo, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:


A. O Douto Tribunal a quo laborou em erro na aplicação do direito, ao ter decidido como o fez.

B. O Tribunal Constitucional não declarou a inconstitucionalidade do artigo 26°, n°1, al. c), do RD/PSP, "com força obrigatória geral”; limitou-se a julgá-la inconstitucional no caso concreto.

C. Pelo que a Administração não está vinculada a recusar a aplicação da mesma.

D. A Administração não cabe fazer juízos sobre a constitucionalidade das leis cuja aplicação lhe está atribuída, por indicação do legislador.

E. O Regulamento Disciplinar da PSP - que foi aprovado pela Assembleia da República - prevê, no artigo 26°, n°1, al. c), a substituição da pena de demissão pela "perda do direito à pensão pelo período de quatro anos", quando o arguido se encontre na situação de aposentação. À Administração cabe dar cumprimento a tal norma, sem proceder a juízos que são estranhos à sua actividade.

F. Por assim ser - o Acórdão do Tribunal Constitucional n° 858/2014 só produz efeitos no respectivo caso concreto e a Administração está vinculada, isso sim, a dar cumprimento às normas jurídicas que se encontram em vigor na ordem jurídica —, não sofre contestação a decisão punitiva de 26 de Janeiro de 2016, que aplicou ao ora Recorrido a pena de Demissão, substituída pela perda do direito à pensão pelo período de quatro anos, nos termos do artigo 26,°, n°1, al. c), do RD/PSP.

G. Sublinha-se que se está na presença de um agente da Polícia de Segurança Pública que, por Acórdão da Comarca de Lisboa, 2.ªSecção da Instância Central Criminal referente ao processo 659/07.8TABRR no âmbito do processo n°6271/03.3TDLSB foi condenado em cúmulo jurídico na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa por igual período, pela prática de crime de peculato p.p. pelo artigo 375°, n°1, do Código Penal.

H. É, pois, indiscutível que o ora Recorrido cometeu crimes que assumem uma especial relevância na comunidade e que causam um assinalável alarme social, os quais devem, tanto quanto possível, ser erradicados, sobretudo do seio de instituições que têm como função velar pelo respeito da Lei e proteger os cidadãos.

L. À gravidade das infracções praticadas corresponde necessariamente uma pena expulsiva, uma vez que o ora Recorrido revelou não ter perfil para integrar uma força de segurança à qual compete defender a legalidade.

J. Com efeito, o Recorrido constituiu-se como um mau exemplo, seja perante a sociedade, seja perante outros elementos da PSP, pelo que as exigências de prevenção implicam que seja punido com pena expulsiva, em concreto, a pena de demissão.

K. Aliás, não só a pena de demissão se mostra proporcional à natureza e gravidade das infracções, como a Administração goza de uma reconhecida margem de discricionariedade na definição da pena a aplicar.

L. Face ao descrito, é inequívoco que a pena de Demissão é legítima e encontra-se devidamente estribada na lei e no direito aplicável, não padecendo de qualquer dos vícios invocados na Douta Sentença recorrida.

O Recorrido não apresentou contra-alegações.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser dado provimento ao recurso.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito ao ter alicerçado a decisão na declaração de inconstitucionalidade do artigo 26.º, n.º 1, al. c), do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (doravante RDPSP), proferida pelo Tribunal Constitucional no acórdão 858/2014, de 10.12.2014, que não tem força obrigatória geral.


II. Fundamentação

II.1. De facto

O Tribunal a quo deu como assentes os seguintes factos, em decisão que aqui se reproduz ipsis verbis:
1. No âmbito do procedimento disciplinar n°………………… instaurado contra o Autor, a 26 de Janeiro de 2016, foi proferido pela Ministra da Administração Interna um despacho do qual consta designadamente o seguinte:

"...aplico ao arguido, Agente Principal da Polícia de Segurança Pública n°M/129304, Horácio …………., a pena disciplinar de demissão, substituída, nos termos do disposto no artigo 26º n.º 1, alínea c) do RDSP, pela perda do direito à pensão pelo período de 4 (quatro anos) ... " (acordo e comprovado documentalmente pelo doc. nº 1 junto com a p.i)

2. No cumprimento do despacho referido anterior a pensão do Autor deixou de ser paga no mês de Julho de 2016, tendo sido retomado o pagamento da mesma em Agosto de 2016. (acordo)».



II.2. De direito

Vem interposto recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que decretou a nulidade do acto sindicado, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade na parte em que, por aplicação do disposto no artigo 26.º, n.º 1, al. c) do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RDPSP), determina ao Autor, ora Recorrido, a perda de vencimento pelo período de quatro anos como medida substitutiva da pena de demissão.

Para assim decidir, escreveu a Mma. Juiz a quo, no que ao recurso importa, o seguinte:

A questão em apreço nos presentes autos prende-se com a aferição se face à inclusão no nosso ordenamento jurídico, do princípio juslaboral de acordo com o qual o empregador público só tem poder disciplinar sobre o trabalhador enquanto este estiver ao seu serviço ou só poderá executar a generalidade das penas disciplinares, com exepção da repreensão escrita, existirá hoje em dia um fundamento material para a diferenciação dos aposentados da PSP relativamente aos restantes aposentados da função pública, para não estarem sujeitos a esse regime e em caso de resposta afirmativa a essa questão, se essa diferenciação passa no crivo da proporcionalidade.

Vejamos.

O Regulamento Disciplinar da PSP aprovado pela Lei n°7/90, de 20 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n°255/95 de 30 de Setembro, pela Lei n°5/99 de 27 de Janeiro e pelo Decreto-Lei n°299/2009 de 14 de Outubro alterado pelo Decreto-Lei n°46/2014 de 24 de Março, contém a seguinte norma:


Artigo 26.°
Situação de aposentação e de licença ilimitada:

1- Relativamente aos funcionários e agentes aposentados, verificam-se as seguintes especialidades:

a) A pena de suspensão é substituída pela de multa, que não poderá exceder o quantitativo correspondente a 20 dias de pensão;

b) A pena de aposentação compulsiva será substituída pela perda direito à pensão pelo período de três anos;

c) A pena de demissão será substituída pela perda do direito à pensão pelo período de quatro anos.

2 - Aos funcionários e agentes na situação de licença ilimitada são aplicáveis as penas previstas nas alíneas a), b), f) e g) do n.º 1 do artigo 25.º.

O Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de Janeiro, continha uma norma com teor semelhante, a qual prescrevia que a pena de demissão determinava a suspensão do abono da pensão peta período de 4 anos (cfr. artigo 15º n.º 3 do referido diploma legal).

Ou seja, no domínio laboral público vigorava o princípio, comum a todos os funcionários e agentes do Estado, de que mesmo na aposentação encontravam-se sujeitos ao poder disciplinar do empregador público e que as penas disciplinares poderiam ser executadas na aposentação.

No domínio da vigência dos referidos artigos, a jurisprudência dos Tribunais Superiores sempre foi unânime em não reconhecer a sua inconstitucionalidade material (cf. Acórdãos do STA de 14.01.2003, rec. 1047/02, de 14.06.05, rec. 108/05 e de 11.10.2005, rec. 1266/04).

O mesmo acontecendo, com o Tribunal Constitucional, designadamente no seu Acórdão 518/06 proferido no Processo n°256/03.

O Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas aprovado pela Lei 58/2008 de 9 de Setembro, revogou o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n°24/84, de 16 de Janeiro, (embora os agentes policiais da PSP estivessem excluídos da aplicação subjectiva do estatuto - artigo 1°, nº 3), deixou de ter uma norma com conteúdo semelhante ao do artigo 26° n°1 c) do Regulamento da PSP e à do artigo 15° do Estatuto de 1984.

E no seu artigo 4º n.º 8, que regulava o âmbito de aplicação temporal do diploma, previa que cessavam imediatamente a execução de penas e a produção dos respectivos efeitos que se encontrassem em curso relativamente a trabalhadores por motivo distinto do da aplicação da pena de aposentação compulsiva desde que tais trabalhadores não tivessem constituído uma nova relação jurídica de emprego público.

Sendo que, no artigo 4º n.º 4 do referido diploma legal extraía-se que a cessação da relação jurídica de emprego público ou a alteração da situação jurídico-funcional não impediam a punição por infracções cometidas no exercício da função.

Em caso de cessação da relação jurídica de emprego, as penas de multa, suspensão, de demissão ou despedimento por facto imputável ao trabalhador eram executadas desde que os trabalhadores constituíssem uma nova relação jurídica de emprego público (cfr. artigo 12º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas).

Acresce, como dispunha o artigo 11º do diploma legal em apreço as penas disciplinares produziam unicamente os efeitos previstos no referido Estatuto.

Ou seja, a extinção da relação jurídica de emprego público não invalidava que fossem aplicadas as penas correspondentes às infracções praticadas pelos trabalhadores até à data da cessação da relação de emprego público, o que significava que, apesar da extinção do vínculo, teriam de ser abertos ou de continuar todos os procedimentos disciplinares destinados a punir as infracções cometidas aquela data, ficando a execução das penas sujeita a uma condição suspensiva sempre que a pena não tivesse sido aplicada ou ainda não tivesse sido, parcial ou totalmente executada. (Vide neste sentido Paulo Veiga e Moura in Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública pág 14, 2° Edição. Coimbra Editora)

O referido Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas foi revogado pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas aprovada pela Lei n.º 35/2014 de 20 de Junho alterada pela Lei n.º 82-B/2014 de 31 de Dezembro, de cujo âmbito de aplicação o pessoal com funções policiais da PSP se encontra excluído.

Vigorando quanto a estes o Decreto-Lei n°243/2015 de 14 de Outubro.

Com a entrada em vigor da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, passou a vigorar para os trabalhadores que exercem funções públicas, o princípio de que com a cessação da relação jurídica de emprego público cessa o poder disciplinar do empregador público, como se extraí a contrário do artigo 176° n°4 do referido diploma e por contraposição com o teor que tinha o artigo 4° n°4 do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Função Pública.

Do confronto dos referidos regimes jurídicos, extrai-se que o legislador pretendeu deixar bem claro que a Administração não está habilitada a executar a sanção aplicada pela privação da pensão de aposentação ou pela privação de qualquer outra quantia remuneratória que seja devida ao ex-trabalhador.

Assim, será que existe alguma razão para justificar a diferença de tratamento dos aposentados da PSP relativamente aos restantes aposentados que exerceram funções públicas?

Em primeiro não parece existir qualquer razão, apesar de estarem sujeitos a um Estatuto Disciplinar próprio, quando relativamente a esta matéria não havia distinção relativamente aos funcionários em geral, o que implica uma desigualdade de facto injustificada, desde logo no plano económico e social.

Esta disparidade de tratamento relativamente aos aposentados da PSP relativamente aos restantes aposentados que exerceram funções públicas, faz com que um aposentado da PSP possa ser sujeito (ou continuar a ser alvo da execução) de sanções disciplinares por factos cometidos no ativo (seja qual fosse a natureza e gravidade dos factos que lhe forem imputados) enquanto que um aposentado sujeito ao regime disciplinar geral da Função Pública não sofra quaisquer consequências disciplinares por factos cometidos no ativo (seja qual fosse a natureza ou gravidade dos factos que lhe forem imputados)6 //. (nota 6: Vide em sentido semelhante o Parecer do Digníssimo Magistrado do Ministério Público no Processo n°360/2014. do Tribunal Constitucional. ).

Todavia, poderia argumentar-se que a justificação desta diferenciação em relação aos aposentados da PSP, encontra a sua razão de ser na especificidade das funções que exerceram, no carácter de prevenção geral do direito sancionatório ou em razões retributivas e preventivas que visam assegurar o valor comunitário da disciplina funcional da relação jurídica de emprego público, designadamente quando os trabalhadores em apreço têm como função assegurar a manutenção da ordem.

Ora, como supra se referiu, supra, uma desigualdade justificada pela diferença de situações não está imune a um juízo de proporcionalidade.

Apreciando.

Como é doutrinalmente e jurisprudencialmente aceite o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três princípios:

O princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);

O princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

O princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).

"No princípio da proporcionalidade em sentido estrito, o que está em causa é a relação concretamente existente entre a carga coactiva decorrente da medida adoptada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º187/2001, «[t]rata-se [...] de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação 'calibrada' - de justa medida - com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis».7" (nota 7: Vide neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional n°623/08 de 23 de Dezembro de 2008.)

A ordem lógica de aplicação dos três subprincípios, é descrita no Acórdão do Tribunal Constitucional n°632/2008 de 23 de Dezembro de 2008, que pela sua clareza se transcreve:

"devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência do mais abstracto perante o mais concreto, ou mais próximo (pelo seu conteúdo) da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida que se aprecia. Quer isto dizer, exactamente, o seguinte: o teste da proporcionalidade inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípio da adequação. Nele, apenas se afere se um certo meio é, em abstracto e enquanto meio típico, idóneo ou apto para a realização de um certo fim. A formulação de um juízo negativo acerca da adequação prejudica logicamente a necessidade de aplicação dos outros testes. No entanto, se se não concluir pela inadequação típica do meio ao fim, haverá em seguida que recorrer ao exame da exigibilidade, também conhecido por necessidade de escolha do meio mais benigno. "

O princípio da proporcionalidade na sua acepção ampla vincula a acção administrativa do Estado e vincula também o legislador.

Na verdade, "o princípio em causa vale, em Estado de direito, para as acções de todos os poderes públicos. Quer isto dizer que ele se aplicará tanto aos actos da função administrativa quanto aos actos da função legislativa, pois que, em qualquer caso, não pode o Estado (actuando através dos seus diferentes poderes) empregar meios que se revelem inadequados, desnecessários ou não «proporcionais» face aos fins que pretende prosseguir. Certo é, porém, que o poder legislativo se distingue do poder administrativo precisamente pela liberdade que tem para, no quadro da Constituição, eleger as finalidades que hão-de orientar as suas escolhas: disto mesmo aliás se feia, quando se fala em liberdade de conformação do legislador. Daqui decorre que o juízo de invalidade de uma certa medida legislativa, com fundamento em inobservância de qualquer um dos testes que compõem a proporcionalidade, se há-de estribar sempre -como se disse no Acórdão do Tribunal Constitucional n°187/2001 - em manifesto incumprimento, por parte do legislador, dos deveres que sobre ele impendem por força do princípio constitucional da proibição do excesso.8" (nota 8: Vide neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional n°623/08 de 23 de Dezembro de 2008.)

Com efeito, e como se disse, por exemplo, no Acórdão do Tribunal Constitucional n°634/93 (referido também no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/2001), a ideia de proporção ou proibição do excesso - que, em Estado de Direito, vincula as acções de todos os poderes públicos - refere-se fundamentalmente à necessidade de uma relação equilibrada entre meios e fins: as acções estaduais não devem, para realizar os seus fins, empregar meios que se cifrem, pelo seu peso, em encargos excessivos (e, portanto, não equilibrados) para as pessoas a quem se destinem.

Aplicando, os referidos conceitos ao caso em apreço.

Com a aposentação, cessa a relação jurídica de emprego público, assim a execução da pena disciplinar com a supressão do pagamento do valor da pensão, ocorre no domínio de uma relação contributiva.

Ora, essa relação jurídica é uma relação sinalagmática directa entre a obrigação legal de contribuir e o direito às prestações.9 (nota 9: Vide neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional n°188/09 proferido a 22 de Abril de 2009 e cfr. Ilídio das Neves. Direito da Segurança Social. Princípios Fundamentais numa Análise Prospectiva, Coimbra, 1996, págs. 303 e segs.).

Ou seja, já não podem ser razões retributivas e preventivas do valor comunitário da disciplina funcional da relação jurídica de emprego público que devem estar presentes na materialização da diferenciação entre os aposentados da PSP e os demais funcionários, pois quanto a ambos cessou a relação jurídica de emprego público e o direito à prestação social ocorre devido às contribuições efectuadas pelo trabalhador público de modo a assegurar uma existência condigna, quanto pela natureza das coisas, em virtude da idade e condições físicas e psicológicas diminuídas, já não será, a partir de uma determinada altura da sua vida, tão verosímil que encontre outros factores de rendimento de trabalho.

O direito à prestação social não é assim um mero sucedâneo da retribuição mensal auferida pelo trabalhador quando se encontra no activo.

Ou seja, não se mostra adequada de acordo com subprincípio da proporcionalidade, pois não se revela como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos

E na verdade, também não passa no crivo do subprincípio da proporcionalidade, da exigibilidade, o qual impõe que as medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato.

(….).”

Concluindo-se na sentença recorrida, após se socorrer, uma vez mais, da jurisprudência do Tribunal Constitucional, concretamente do Acórdão nº 858/2014, de 11.12.2014 (proferido no âmbito do processo n.º 360/2014, in DR-2ª Série n.º 14, de 27.02, e no qual, aliás, o ora recorrido se apoiou para pedir a ilegalidade do acto sindicado), que “o artigo 26, nº1, al.c) do Regulamento Disciplinar da PSP, padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, nos termos expostos.

Contra este entendimento se insurge o Recorrente, Ministério da Administração Interna, alegando, no que aqui importa, que a sentença acolheu, por remissão, a posição do Acórdão nº 858/14, do TC, que apreciou e declarou a inconstitucionalidade do regime vertido na al. c) do RDPSP, no caso que lhe foi submetido a julgamento. Ora, não tendo essa declaração força obrigatória geral, não está a Administração vinculada a recusar a aplicação da norma em causa.

Antes de mais se diga que é um facto que o citado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 858/2014, proferido no âmbito do processo n.º 360/2014, não declarou a inconstitucionalidade do artigo 26.º, n.º 1, al. c) do RDPSP, com força com força obrigatória geral. Com efeito, julgou inconstitucional, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade, a norma do artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, na parte em que determina para os funcionários e agentes aposentados a substituição da pena de demissão pela perda total do direito à pensão pelo período de 4 anos, por violação do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 2º da Constituição.

Mas tal não pode impedir, como parece pretender o Recorrente, os Tribunais de fazerem um juízo de conformação constitucional – de inconstitucionalidade, mais propriamente - sobre a mesma norma, como o foi no caso dos autos. O Tribunal recorrido foi chamado a pronunciar-se sobre a ilegalidade do acto impugnado por violação dos princípios constitucionais e por referência ao Acórdão do Tribunal Constitucional supra referido. Na verdade, a Lei Fundamental proíbe os tribunais de, nos casos submetidos ao seu julgamento, aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados – artigo 204.º da CRP. É o que nos ensina, também, Jorge Miranda que diz: “ O juiz, dado que não está sujeito a invocação da inconstitucionalidade por uma das partes, não tem de aplicar normas que repute inconstitucionais” (cfr. Manual de Direito Constitucional II, Tomo II, p. 441, Lisboa). Ou seja, mesmo nos casos em que a inconstitucionalidade das normas não é invocada, é insofismavelmente o seu conhecimento oficioso, como, entre muitos, se fundamenta nos Acórdãos do STA de 3.02.1993, rec. nº 13621, de 25.10.1995, rec. n.º 15287, de 17.06.1998, Rec. nº 22421 e de 13.12.2000, rec. nº 24319. Referira-se, ainda, e a este título o artigo 1º, nº 2, do ETAF (na alteração dada pelo DL nº214-G/2015, de 2 de Outubro) que dispõe que “nos feitos submetidos a julgamento, os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal não podem aplicar normas que infrinjam a Constituição e ou os princípios nela consignados.

Daí a sentença recorrida ao ter acolhido os critérios de interpretação sufragados nos arestos do Tribunal Constitucional que cita e transcreve, concretamente o Acórdão do TC nº 858/2014, não padeça do erro de julgamento de direito que lhe vem imputado.

O TAF de Almada apreciou da validade do acto impugnado em razão da declaração de inconstitucionalidade da mesma norma jurídica - artigo 26.º, n.º 1, al. c) do RDPSP - em caso em tudo semelhante ao que foi apreciado pelo Tribunal Constitucional. Também aí estava em causa uma decisão disciplinar, que em aplicação da aludida norma, tinha determinado ao ali recorrente a perda do direito à pensão de aposentação por um período de 4 anos.

E também nós, atenta a similitude da situação, não vemos razões para nos afastarmos da doutrina que emana do referido Acórdão do Tribunal Constitucional, que aqui, com a devida vénia, se transcreve, na parte relevante:

A jurisprudência do Tribunal reconheceu na dignidade da pessoa humana «um verdadeiro princípio regulativo primário da ordem jurídica, fundamento e pressuposto de validade das respetivas normas» (acórdão n.º 105/90), diretamente convocável, também na área de tutela atinente às condições materiais de vida. Nessa jurisprudência, o núcleo essencial da garantia de existência condigna, inerente ao respeito pela dignidade da pessoa humana, tem sido perspetivado, de forma reiterada e constante, por referência ao valor do salário mínimo nacional, considerado como «a remuneração básica estritamente indispensável para satisfazer as necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador». Por tal valor «ter sido concebido como o mínimo dos mínimos não pode ser, de todo em todo, reduzido, qualquer que seja o motivo» (acórdão n.º 62/2002).

É com base em tal enquadramento que o Tribunal tem entendido que a Constituição impõe a impenhorabilidade de pensões sociais de montante reduzido, que não exceda o salário mínimo nacional, e inviabiliza a penhora de rendimentos do trabalho que possa conduzir à privação da disponibilidade do salário mínimo nacional, quando o devedor não for titular de outros bens ou rendimentos suscetíveis de penhora (acórdão n.º 177/2002). Foi ainda à luz da garantia de um mínimo de sobrevivência que o Tribunal considerou constitucionalmente justificável a imposição legal às entidades seguradoras da atualização anual das pensões por morte causada por acidente de trabalho (acórdão n.º 232/91).

E não se vê nenhum motivo para que este mesmo princípio não seja invocável quando está em causa a supressão da totalidade da pensão de aposentação por um período contínuo de 4 anos, ainda que essa supressão resulte da aplicação de uma medida disciplinar.

As medidas disciplinares visam a proteção da capacidade funcional da Administração e têm como principal finalidade a «prevenção especial ou correção, motivando o agente administrativo que praticou uma infração disciplinar para o cumprimento, no futuro, dos seus deveres, sendo as finalidades retributiva e de prevenção geral só secundária ou acessoriamente realizadas» (LUIS VASCONCELOS DE ABREU, Para o Estudo do Procedimento Disciplinar no Direito Administrativo Português Vigente: as Relações com o Processo Penal, Coimbra, 1993, pág. 43). Assim se explica que as medidas expulsivas sejam aplicadas em caso de infração que inviabilize a manutenção da relação laboral e, portanto, naquelas situações em que o agente, pela sua conduta, mostrou não dar garantias de poder continuar a contribuir para assegurar a capacidade funcional da Administração (artigo 26.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar de 1984, replicado no artigo 18.º, n.º 1, do Estatuto Disciplinar de 2008, e no artigo 187.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).

Ao contrário, os fins de prevenção geral no âmbito do direito disciplinar encontram-se desde logo comprometidos pela vigência do princípio da oportunidade, pelo qual a Administração dispõe de liberdade para desencadear a perseguição disciplinar de uma infração, cabendo-lhe decidir, em face das circunstâncias do caso, se é conveniente do ponto de vista do interesse público exercer o poder disciplinar. Alguns afloramentos desse princípio encontravam-se nos artigos 50.º, n.º 1, e 57º, n.º 1, do mesmo Estatuto, que conferiam à entidade competente, logo que seja recebido o auto, participação ou queixa, o poder decidir se há lugar ou não a procedimento disciplinar, e ao instrutor a possibilidade de propor o arquivamento se entendesse que os factos constantes dos autos não constituem infração disciplinar, que não foi o arguido o agente da infração ou que não é de exigir responsabilidade disciplinar por virtude de prescrição ou outro motivo (idem, págs 43 e 51 a 54).

E sublinhe-se que a sujeição ao poder disciplinar dos funcionários e agentes que tivessem passado à situação de aposentados, com a consequente possibilidade de substituição das penas profissionais por sanções de natureza pecuniária, que vigorava no domínio do Estatuto Disciplinar de 1984 (artigos 5.º, n.º 3, e 15.º), deixou de ter aplicação com a aprovação do Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 58/2008, que prevê a extinção da pena com a cessação da relação jurídica de emprego público e desde que esta não volte a ser renovada (artigo 12.º) - o que também explica a cessação da execução das penas em curso, à data da entrada em vigor da Lei, relativamente a trabalhadores aposentados (artigo 4.º, n.º 8, da Lei n.º 58/2008) -, regime que ainda se mantém com a atual Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, como resulta por argumento a contrario sensu do disposto no seu artigo 176.º, n.ºs 3 e 4.

O que significa que o legislador, em consonância com o regime vigente no direito laboral comum, passou a desconsiderar a execução de penas que atinjam o agente na sua carreira profissional ou na sua situação funcional, sempre que se verifique uma outra causa de cessação da relação de emprego (como será o caso da exoneração ou da aposentação), o que aponta para a ideia de que a finalidade característica das medidas disciplinares é a prevenção especial, que deixa de ter cabimento quando o agente se encontre já desligado do serviço ativo. [sublinhado nosso]

6. A aplicação de uma sanção que se traduz na privação total da pensão de aposentação em relação a um funcionário que se encontra já desligado do serviço por ter passado à situação de aposentado não pode já visar um qualquer efeito de prevenção especial e apenas pode justificar-se por considerações retributivas e de prevenção geral, assentando na necessidade de retribuir o dano causado pelo facto ilícito e de exercer um efeito intimidativo relativamente aos trabalhadores no ativo.

No entanto, a medida, ao implicar a ablação total da pensão, ultrapassa a natureza estritamente pecuniária de uma pena disciplinar e atinge as condições de subsistência do agente, que fica privado, por período prolongado de tempo, da prestação que deveria substituir, por efeito da passagem à aposentação, os rendimentos da atividade profissional. . [sublinhado nosso]. Desse modo, a ablação ocorre não já no quadro da relação de serviço, mas no âmbito da relação jurídica de segurança social, que assenta num princípio de contributividade e que tem pressuposta a direta correlação entre o direito às prestações e a obrigação de contribuir (acórdão n.º 188/2009).

Além disso, uma medida predeterminada em relação ao montante da pensão declarada perdida e ao tempo de duração da perda do direito, sem qualquer ponderação do efeito que poderá produzir nas condições básicas de vida do arguido, põe em causa o princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade ou exigibilidade, porquanto uma solução legislativa que preservasse um rendimento mínimo destinado a garantir a existência condigna, ainda que prevendo o correspondente alargamento da duração da pena por forma a alcançar a mesma intensidade de sacrifício patrimonial, poderia atingir, com o mesmo grau de eficácia, os fins de retribuição e prevenção geral sem pôr em risco o direito à subsistência. [sublinhado nosso]

É, aliás, ilógico e desrazoável que se suprimam as prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho cobertas por um sistema previdencial de caráter contributivo e obrigatório, sem qualquer ponderação do resultado negativo que possa ter na situação de vida dos destinatários, e simultaneamente se invoque o direito de assistência material, enquadrado num sistema de proteção social não contributivo e financiado por transferências do Orçamento do Estado, para fazer face às situações de carência que daí possam resultar e assim dar concretização ao direito a uma existência condigna (cfr. artigos 26.º e 90.º, n.º 1, da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro).

O que bem demonstra que a existência de mecanismos de cunho assistencialista, no âmbito do sistema de segurança social, não é por si só determinante para afastar o caráter desnecessário e excessivo de uma medida legislativa que, em si mesma, é suscetível de criar situações de carência e de insegurança material que devam ser reparadas por via dessas outras formas de assistência material.

Não releva, por outro lado, o argumento de que o princípio da existência condigna poderia também inviabilizar a aplicação de penas de demissão. A situação não é, de nenhum modo, equiparável à perda do direito à pensão. Os efeitos patrimoniais da medida expulsiva de demissão, com a supressão das remunerações correspondentes ao exercício do cargo, são a mera consequência da extinção da relação laboral. No entanto, o agente, uma vez que nada impede que retome uma atividade profissional, poderá obter outras fontes de rendimento através do mercado de trabalho, e, em última instância, mantém o direito às prestações substitutivas dos rendimentos do trabalho do subsistema previdencial aplicáveis em caso de desemprego (artigo 52.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 4/2007). . [sublinhado nosso]

É diferente a situação dos aposentados . Chegado o momento em que cessou a vida ativa e se tornou exigível o direito à pensão de aposentação, o pensionista já não dispõe de mecanismos de autotutela e de adaptação da sua própria conduta a novas circunstâncias, e encontra-se diminuído em razão da idade – como está pressuposto na própria passagem à situação de aposentado – na sua capacidade de ganho. O sacrifício patrimonial que lhe é imposto por força da perda do direito à pensão, por prática de infração disciplinar cometida ainda quando se encontrava no ativo, não é normalmente suscetível de ser ressarcido através de outros recursos económicos a que o interessado possa aceder por meios próprios, e, na ausência de uma cláusula de salvaguarda que evite a supressão total da pensão, coloca-o numa situação de carência que poderá pôr em causa as condições básicas de vida.

Entende-se, por todo o exposto, que a norma do artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, na medida em que determina para os funcionários e agentes aposentados a perda do direito à pensão pelo período de 4 anos, em substituição da pena de demissão, sem salvaguardar a perceção de um rendimento mínimo que lhe permita satisfazer as necessidades básicas, viola o princípio da proporcionalidade.

Significa isto que o acto impugnado, no segmento em que aplicou ao Agente Principal da Polícia de Segurança Pública Horácio …………………….., ora Recorrido, a pena disciplinar de demissão, substituída, nos termos do disposto no artigo 26.º n.º 1, alínea c) do RDSP, pela perda do direito à pensão pelo período de 4 anos, viola, nos termos sobejamente expostos, o princípio da proporcionalidade, decorrente do art. 2.º da Constituição e do art. 7.º do Código do Procedimento Administrativo, afectando, também, o conteúdo essencial de um direito fundamental (direito a uma existência condigna como emanação do princípio da dignidade da pessoa humana). O que, tal como decidido na sentença recorrida, é sancionado com a nulidade, nos termos do disposto no art. 161.º, n.º 2, al. d), do CPA.

Como assinalam Mário Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e João Pacheco de Amorim (in Código do Procedimento Administrativo Comentado, vol. II, 1995, p. 155-159: “Por nós-assinalando que é necessário distinguir a violação dos princípios fundamentais (da universalidade, da igualdade, etc), que estão incluídos no Titulo I da Parte I da Constituição, daqueles que apenas estão consagrados no Título dedicado à Administração (os artºs 266º e seguintes da Constituição), como os da imparcialidade, da proporcionalidade ou da justiça-pensamos também que esses primeiros princípios (consubstanciam, correspondem ou) devem ter, pelo menos em alguns casos, um tratamento de verdadeiro direito subjectivo fundamental e que a sua violação deve dar lugar, aí, à nulidade do acto administrativo, que o ofende no seu conteúdo essencial.

No entanto, é nosso entendimento, que o juízo alcançado pelo Tribunal a quo, devidamente alicerçado da Jurisprudência Constitucional que cita, perante a existência efectiva da norma contida no artigo 26.º n.º 1, alínea c) do RDSP terá necessariamente que levar à desaplicação daquela norma, de acordo com o disposto nos artigos 204.º e 280.º, n.º 1, al. a), da CRP e art. 1.º, n.º 2, do ETAF. Sendo que, importa sublinhar, a pretensão do requerente e ora Recorrido não se funda exclusivamente na inconstitucionalidade da dita norma (v. os art.s 13.º a 18.º, 24.º a 27.º, 35.º e 37.º da p.i.); pois que, se assim fosse, seria este tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer do pedido.

Nada mais vindo alegado, na improcedência das conclusões da alegação do Recorrente, se impõe manter na ordem jurídica a decisão recorrida, com a presente fundamentação.



III. Conclusões

Sumariando:

I – A norma do artigo 26.º, n.º 1, alínea c), do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, na medida em que determina para os funcionários e agentes aposentados a perda do direito à pensão pelo período de 4 anos, em substituição da pena de demissão, sem salvaguardar a perceção de um rendimento mínimo que lhe permita satisfazer as necessidades básicas, viola o princípio da proporcionalidade, decorrente do artigo 2.º da Constituição e do artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo.

II - A decisão que aplicou ao Agente Principal da Polícia de Segurança Pública ora Recorrido, a pena disciplinar de demissão, substituída, nos termos do disposto no artigo 26.º n.º 1, alínea c) do RDSP, pela perda do direito à pensão pelo período de 4 anos, é sancionada com a nulidade por ocorrer a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental (direito a uma existência condigna como emanação do princípio da dignidade da pessoa humana), nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 2, al. d), do Código do Procedimento Administrativo.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar, nos termos supra expostos, a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2017


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Pedro Marchão Marques


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Maria Helena Canelas


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Paulo Gouveia (em substituição)