Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3657/18.2T8LRS.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: TIBÉRIO NUNES DA SILVA
Descritores: FALTA DE CONCLUSÕES
ÓNUS DE CONCLUIR
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 10/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REJEITADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Nos termos do nº 1 do art. 639º do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

II. As conclusões delimitam o objecto do recurso, isolando as questões a que as alegações tenham, antes, dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir ao tribunal de recurso que identifique, com nitidez, as matérias a tratar.

III. Quando o recorrente, depois de uma introdução/relatório, inicia a crítica à sentença impugnada, não é a designação de Conclusões que confere a esse exercício o carácter que o termo sugere, se o que aí se desenvolve são os argumentos (não antes apresentados) tendentes à revogação da sentença, sem que se possa estabelecer, a partir de certa altura, uma fronteira que marque a elaboração de verdadeiras conclusões, ou seja, a síntese dos fundamentos por que se pede a alteração da decisão recorrida.

IV. A falta de conclusões, que é o que, in casu, se verifica, gera a rejeição do recurso, não havendo lugar a aperfeiçoamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I


AA, com os sinais dos autos, intentou contra BB, também com os sinais dos autos, acção declarativa, com processo comum, pedindo que:

a. Seja decretado o incumprimento definitivo do contrato de empreitada celebrado entre A. e R. por culpa do R.;

b. Seja o R. condenado ao pagamento das prestações já efectuadas pelo A. num montante de €42.350,00 (quarenta e dois mil trezentos e cinquenta euros) (ex vi do artº 801º/2 CC);

c. Seja o R. condenado ao pagamento de uma indemnização ao A. por danos patrimoniais no montante de €60.600,00 (sessenta mil e seiscentos euros);

d. Seja o R. condenado ao pagamento de uma indemnização ao A. por danos não patrimoniais num montante nunca inferior a €10.000,00 (dez mil euros);

e. Seja o R. condenado ao pagamento dos juros que se vencerem desde a citação até integral pagamento.


O R. foi citado editalmente, não tendo havido contestação.

Na sequência de despacho de aperfeiçoamento, datado de 16-01-2020, o A. veio dizer, quanto ao pedido constante da al. a), pretender que o tribunal decretasse a resolução do contrato.

Foi proferido saneador tabelar e, em seguida, definido o objecto do litígio e feita a selecção dos temas de prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, na qual se julgou a acção improcedente, absolvendo-se o R. do pedido.


Inconformado, o A. recorreu para o Tribunal da Relação ....., apresentando as seguintes alegações:

«I. O OBJECTO DO RECURSO

O presente recurso de apelação interposto pelo ora Apelante, Autor na acção, tem por objecto a sentença que absolveu o Réu, doravante Apelado no pedido formulado na p.i. do Autor, sentença com a qual o mesmo não se pode conformar.

II. DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

1. O Tribunal Ad quo considerou como provado que

a) Em 06/10/08, o Réu, na qualidade de gerente da sociedade COPRELAR, CONSTRUÇÕES PRÉ-FABRICADAS, UNIPESSOAL LDA., recebeu do A. o cheque nº ..., no montante de 12.250€, relativa à sinalização dos seguintes trabalhos:

a) €10.750,00 para construção de moradia com área de 64,60 m2;

b) €1.500,00 para projecto de arquitectura.

b) Autor e a referida sociedade Coprelar, esta representada pelo R., em 30/09/2009, celebraram um acordo denominado “contrato promessa de empreitada”, nos termos do documento de fls. 9 verso-10. Todavia,

c) Neste ficou estipulado na sua cláusula 5ª, que a Coprelar se comprometia a entregar a obra no prazo máximo de 180 dias, após a obtenção do respectivo Alvará de Licença de Construção.

d) Em 14/06/10 o Autor efetuou o 2º pagamento de €10.750,0, tendo efectuado outro pagamento em 21/06/10 no montante de €10.750,00.

e) Em 28/06/2010 o A. pagou à Coprelar, na pessoa do R., o montante de €6.450,00 e em 08/07/10 efetuou ainda o pagamento de €2.150,00

f) A obra não foi concluída;

g) CC, residente na Rua ......, ......., ..., celebrou também com a Coprelar um acordo com vista à construção de uma moradia, nos mesmos termos do A., e entregou ao R. o montante de €17.500,00, sem que a obra tivesse sido iniciada.

2. Considerando todo o restante como não provado.

3. Ora o Réu foi citado editalmente, não contestando,

4. O Ministério Público foi citado para os termos da acção, não tendo apresentado

contestação.

5. O Tribunal Ad quo baseou a sua convicção no depoimento das testemunhas arroladas pelo Autor, dos documentos relativos ao contrato de empreitada e aos pagamentos efectuados pelo autor.

6. A primeira testemunha foi funcionária da Coprelar, que pertencia ao Réu.

7. Quanto a CC, segunda testemunha, também celebrou um contrato de empreitada com a Coprelar, o qual não foi igualmente cumprido.


III CONCLUSÕES

8. Entende-se que o Tribunal Ad quo, ao entender a prova como parcimónia, desconsiderou a prova existente junto aos autos, bem como a realizada em sede de audiência de discussão e julgamento.

Desde logo,

9. Ao considerar como não provado a emissão do Alvará em 12/08/09, sob o título de “Comprovativo de Admissão de Comunicação Prévia nº 92/2009”, válido por um período de 10 meses, com terminus a 12/06/10, foi desconsiderar a prova documental junta aos autos, sob docs 2 e 5, onde claramente se demonstra que o referido alvará não só foi emitido, como sofreu uma primeira prorrogação por despacho de 07/07/2010, sofrendo ainda outra.

10. Logo aqui se pode concluir que nem mesmo o contrato promessa, posteriormente celebrado, estava a ser cumprido, cfr doc 2 junto aos autos.

11. Ao entender pela inexistência de prova quanto aos danos sofridos pelo Apelante, não valorizou a prova documental existente, nomeadamente o contrato promessa junto aos autos, o qual, na sua cláusula 3º estabelece que o preço total de construção é de €43.000,00 (quarenta e três mil euros), que,

12. Conjugado com os documentos, também junto aos autos, comprovativos dos pagamentos efectuados pelo Apelante, constata-se, sem dúvida alguma, que o valor entregue ao Apelado é quase a totalidade do valor pleno da obra, ou seja, €42.350,00 (quarenta e dois mil, trezentos e cinquenta euros).

Logo,

13. A diferença entre o valor pedido e o montante entregue, esse sim de desconsiderar, resume-se a €650,00 (seiscentos e cinquenta euros).

Ora,

14. Por forma alguma se pode considerar pela inexistência de danos patrimoniais provocados pelo Apelado ao Apelante, já que este último pagou por uma obra concluída e entregue, recebendo em contrapartida quatro paredes e um telhado, tal como se demonstra pelas fotos junto aos autos, também estas desconsideradas.

15. Quanto aos danos não patrimoniais, não será necessário muito para concluir que todo o processo desde a negociação até ao momento actual, consubstancia um estado de nervosismo, ansiedade, receio, descontentamento, impotência e preocupação no Apelante.

16. Considera-se igualmente que o Tribunal Ad quo desconsiderou o depoimento da testemunha DD, na parte em que esta refere que “Eu sei que o Sr. AA pagou e a obra deixou de andar” ex. vi gravação de audiência de discussão e julgamento, depoimento da testemunha DD, minuto 9m22ss.

17. Conjugando este depoimento com os documentos junto aos autos (cfr doc.s 1, 4, 6 a 9), não se pode deixar de concluir como provado que o Apelante pagou ao Apelado o montante de quase a totalidade do valor mencionado no contrato promessa como valor total da obra e inicialmente, por forma verbal, referido pelo Apelado ao Apelante.

18. Sem margem para dúvidas se poderá concluir que ao ter que contratar alguém para completar um trabalho já anteriormente pago, irá o Apelante pagar, ao novo construtor, uma outra vez.

Ora,

19. Aferir pela inexistência de danos patrimoniais, tal como o fez o Tribunal Ad quo, quando um trabalho pelo qual o Apelante deveria pagar €43.000,00, pagou €42.350,00 ao Apelado, não tendo este terminado a obra, originando que o Apelante pagasse mais €40.000,00 (quarenta mil euros) ao novo construtor, num total de €82.350,00 (oitenta e dois mil seiscentos e cinquenta euros), será dizer que é no mínimo estranho, (cfr docs 1,4.6 a 9, 50 a 109, junto aos autos, bem como documentos 2 a 29 do requerimento de 29/11/2018, também junto aos autos).

20. A estes valores acresce o pagamento das prorrogações do alvará no montante de, contrariamente ao mencionado na PI, €426,14 e despesas com residência (cfr docs 5 e 12 junto aos autos e documento 30 do requerimento de 29/11/2018)

21. Não valorizou, igualmente, o Tribunal Ad quo as fotos junto aos autos onde se demonstra claramente o estado em que a obra ficou, contrariamente ao estipulado no contrato/memória descritiva realizado com Apelado, na qualidade de representante da Coprelar. (cfr requerimento de 26/03/2020 e documentos que o acompanham e documento 1 do requerimento de 29/11/2018).

22. A bem dizer, tal como consta na P.I. o Apelado provocou no Apelante danos patrimoniais no montante de €60.600,00 (sessenta mil e seiscentos euros), correspondentes a pagamento a quem lhe terminou a obra, pagamento do espaço em que residiu até ter a obra concluída, alvará e suas renovações, despesas com taxas de contadores de água e electricidade para a realização da obra, despesas com remoção de terras e tudo o mais constante no documento P.I.

23. Tal como referido também na PI, muito dificilmente será de aferir que a intenção do Apelado ao receber o dinheiro seria concluir a obra.

24. Contrariamente ao entendimento do Tribunal Ad quo, a Testemunha DD, no seu depoimento declara que “até à data em que eu saí, a obra não estava a andar e se o Dr EE tinha ido embora para fora do país a empresa ficou parada, não havia verbas, os trabalhadores não estava a receber os fornecedores também não, não forneciam material e os trabalhadores não iam para a obra” ex. vi. gravação da audiência de discussão e julgamento minutos 10m45s a 11m14s.

25. É também dito pela testemunha, gravação da audiência de discussão e julgamento minutos 11m20 a 11m38s “porque o Dr. EE, simplesmente desapareceu, deixou de comunicar com a empresa, com os funcionários e simplesmente desapareceu”

26. Também referiu a testemunha que era o Apelado que passava os recibos e recebia o dinheiro pago pelos clientes, ex. vi minutos 05m11s a 05m47s. da gravação da Audiência de discussão e julgamento.

27. Ora, o depoimento desta testemunha, nomeadamente na parte em que diz não existirem verbas, nem para pagar a fornecedores e trabalhadores, após entrega de orçamento e pagas as quantias pedidas aos clientes, leva a concluir que estes montantes tinham utilização diferente daquela a que se destinavam.

28. Obviamente, tal como referido na PI, não era viável qualquer demonstração explícita da intenção do Apelado, já que tal levaria a que os clientes não entregassem verbas para os fins que eram do interesse do Apelado, ex.vi. alegações, minutos 1m27s a 1m58s da gravação da audiência de discussão e julgamento, alegações de mandatária do Apelante.

Ora,

29. Se as intenções do Apelado fossem, na verdade, concluir as obras dos clientes com os quais celebrava contratos em nome da empresa que representava e da qual era o único sócio e gerente, o mesmo não teria simplesmente recebido o dinheiro e desaparecido.

30. O que se pode constatar não só pelos actos e atitude dos Apelado para com o Apelante, como também pelos actos e atitudes demonstradas no depoimento da segunda testemunha, Sr. CC, quando diz que “também fui enganado, burlado pelo Sr. BB” ex. vi gravação de audiência de discussão e julgamento, depoimento da Testemunha CC minutos 2m42s a 2m47s.

31. Refere ainda esta testemunha, entre o minuto 3m e 3m29s da mesma gravação, que pagou a quantia de €17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros) para uma construção que nem sequer começou.

32. No depoimento desta testemunha pode-se concluir também pelas intenções do Apelado, quando após o pagamento da quantia inicial, o mesmo lhe pede mais dinheiro, deixando depois de estar contactável, ex.vi. depoimento da testemunha CC, gravação da audiência de discussão e julgamento, minutos 08m12s a 09m07s.

33. Refere ainda a testemunha, aos 09m35s a 9m44s da gravação mencionada, que já tinha ouvido “zum-zuns” a respeito do Apelante.

34. Entende-se assim que a prova realizada quer pelos documentos, quer pelos depoimentos das testemunhas revelam claramente que o objectivo do Apelado era enganar os clientes até ao momento em que o pudesse fazer e, perante tantas queixas relativamente à falta de andamento das obras, deixando de o poder fazer, simplesmente desapareceu.

35. Tal como referido na douta sentença, “A desconsideração da personalidade jurídica é uma figura jurídica que tem pleno acolhimento, quer na doutrina, quer na jurisprudência, tendo sido lapidarmente descrita no acórdão do STJ de 07.11.20171, que foi assim sumariado:

“I - O princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da separação de patrimónios, ficção jurídica que é, não pode ser encarado, em si, como um valor absoluto e não pode ter a natureza de um manto ou véu de protecção de práticas ilícitas ou abusivas – contrárias à ordem jurídica –, censuráveis e com prejuízo de terceiros.

36. II - Assim, quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, deve actuar a desconsideração desta, depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam”.

37. A desconsideração da personalidade jurídica coletiva pode ter como fundamento a fraude à lei (p. ex., usar uma sociedade para efetuar um negócio jurídico que seria proibido caso os interessados o fizessem diretamente), abuso de direito (p. ex., usar a sociedade para efetuar negócios de interesse pessoal, imputando-lhe as dívidas) e a má-fé (p. ex., constituir sociedades para esconder o património pessoal dos credores).”

Ora,

38. No caso em apreço, não deveria ter o Tribunal Ad quo afastado esta figura jurídica já que, contrariamente ao decidido por este Tribunal, considera o Apelante ter ficado provado que o Apelado efectuava negócios através da empresa, da qual era único sócio e gerente, com a finalidade de angariar dinheiro para seu uso pessoal e não para a realização das obras a que se comprometia.

39. Podendo fazê-lo e fazendo-o sem dar qualquer satisfação dos seus actos e atitudes.

40. Tal pode ser comprovado através da prova produzida e referida nestas conclusões.

41. A empresa Coprelar era apenas a fachada para que o pudesse fazer, uma vez que os seus conhecimentos lhe permitiam saber como actuar ex. vi. Documento informação da base de dados, informação fiscal para Tribunais.

42. Motivo pelo qual, mesmo no decorrer de uma acção declarativa de condenação contra a Sociedade Coprelar, em 2011, que correu trâmites no Tribunal da Comarca  .......– ..., Juízos Centrais Cíveis, Juiz ..., sob o nº 755/11...., após citação, o Apelado dissolveu e liquidou a mencionada Sociedade,

43. O que levou a que o Apelante na sua P.I. requeresse ao Tribunal Ad. Quo que oficiasse a Conservatória do Registo Comercial de ....... a fim de que a mesma facultasse todos os documentos depositados para a dissolução e liquidação da Sociedade Coprelar,

44. Requerimento esse que não foi tomado em conta pelo Tribunal Ad quo.

45. Entende o Apelante encontrar-se demonstrado que o Apelado actuou no seu interesse próprio e de má fé.

46. Dispõe o Código Civil no seu artigo 227º refira que “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.”

47. Aferir da boa-fé dos contraentes nem sempre é tarefa fácil. No entanto, podemos   sempre referir que a mesma assenta em factos sólidos na conduta das partes, que devem agir com honestidade, correspondendo à confiança depositada pela outra parte, ou seja, deve-se pautar em padrões morais, éticos e legais. E,

48. Este princípio da boa-fé deve ser observado antes, durante e depois de qualquer negócio.

49. Não foi isto que os actos e atitudes do Apelado demonstraram e muito menos o que foi provado quer pelos documentos junto aos autos, quer pelos depoimentos das testemunhas arroladas.

50. Tal como já mencionado, o Apelado usava a Sociedade Coprelar para os seus fins pessoais, nomeadamente um enriquecimento pessoal.

51. Entenda-se que nem sequer permitia que as verbas recebidas fossem entregues à sua administrativa, nem lhe sendo pedido, a esta, a emissão de recibos.

52. Ficando, dessa forma, tudo em poder e conhecimento do Apelado.

53. Entenda-se igualmente que sendo o próprio Apelado a receber essas verbas, não as canalizou para a empresa, mas sim para proveito pessoal, já que devia a empregados, fornecedores, não concluiu as obras e desapareceu, imputando dívidas à sociedade Coprelar que dissolveu e liquidou.

54. Dizer que a Sociedade é responsável pelos actos e atitudes do Apelado não faz qualquer sentido, uma vez que foi este sozinho que usufruiu da empresa para angariar os proveitos monetários provindos de promessas não cumpridas, enganando os clientes, fornecedores e empregados, até ao momento em que a situação se descontrolou, não podendo continuar com a farsa.

Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V/Ex.as, Venerandos Desembargadores, deve conceder-se inteiro provimento ao presente recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida, condenando-se o Apelado no pedido efectuado na P.I..»


Contra-alegou o Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso.


No Tribunal da Relação ....., foi proferido, pelo Exmº Desembargador Relator, despacho, no qual não se admitiu o recurso, por falta de conclusões.

O Recorrente reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação ....., reclamação que, num primeiro momento, não foi admitida, sendo-o, depois, em conferência, na qual se manteve o despacho de não admissão do recurso.

De novo inconformado, recorreu o A. para este Supremo Tribunal, concluindo o seguinte:

«I. O Recorrente entende, com o devido respeito, que a decisão de não admissão do recurso por falta de conclusões é errónea.

II. Encontrando-se o conteúdo da peça processual, apresentada pelo Recorrente, denominada recurso, em termos formais devidamente delimitada no que entende ser o objecto do recurso, o fundamento e as conclusões do mesmo.

III. Não considera o Recorrente pela ausência de conclusões que levem ao imediato indeferimento do recurso intentado.

IV. Quando muito poderá aceitar o défice ou excesso quer das alegações, quer das conclusões, não aceitando, todavia a não existência das mesmas.

V. E sendo as conclusões que delimitam e definem o objecto do recurso, circunscrevendo o campo de intervenção do tribunal superior encarregado do julgamento,

VI. Pretendendo o Recorrente ver reapreciada a prova que considerou erroneamente apreciada, a fim de não se prejudicar pela reprodução integral e ipsis verbis do conteúdo das alegações, introduziu nas suas conclusões, talvez de uma forma excessiva, o que entendeu ser necessário apreciar, circunscrevendo dessa forma o objecto do recurso.

Todavia,

VII. Entende o Recorrente que esse inserir prolixo de conclusões, não pode, nem deve, ser assimilado à situação mais grave de falta de segmento conclusivo, previsto no artigo no artigo 641º, nº 2 al. b) do Código do Processo Civil.

VIII. Devendo, quando muito, por deficiência, obscuridade ou complexidade, ser o Recorrente convidado ao aperfeiçoamento nos termos do artigo 639º do Código do Processo Civil.

IX. Sendo esta posição também acolhida pela doutrina e jurisprudência.

X. Assim, entende o recorrente que a decisão recorrida viola, pelo exposto, o disposto nos artigos 639º, nºs 1 a 3 e 640º nº 1 todos do código Civil.

XI. Conclui igualmente o recorrente pela violação das normas de direito processual, nos termos do art. 674º, nº 1, al. b), do CPC.

Pelo que, deverá ser revogada a d. decisão recorrida e substituída por outra que, admitindo o recurso, aprecie o seu mérito; ou, subsidiariamente, deverá ser revogada a d. decisão reclamada e formulado convite de aperfeiçoamento ao ora reclamante»


Não houve contra-alegações.


*



Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, assume-se como questão a apreciar, in casu, a de saber se, diversamente do decidido pelo Tribunal a quo, se deve considerar que o Recorrente apresentou conclusões das alegações, não havendo motivo para rejeição do recurso.



II


Os elementos a considerar são os que resultam do ponto antecedente.


Nos termos do nº 1 do art. 639º do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

De acordo com o nº 3 do mesmo artigo, quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada.

O requerimento de interposição de recurso é indeferido, entre o mais, quando não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões (art. 641º, nº 2, b), do CPC).

O Tribunal recorrido considerou que o Recorrente não apresentou conclusões, ponderando o seguinte:

«[…] no presente recurso, o que é denominado como “conclusões”, na verdade, são as respetivas “alegações”, isto é, a enunciação dos fundamentos pelos quais o recorrente discorda da decisão proferida pelo tribunal a quo.

Assim, nas denominadas “conclusões”, o apelante expõe de forma articulada os motivos pelos quais entende dever ser revogada a decisão recorrida, isto é, a respetiva “alegação”, mas não formula quaisquer “conclusões”.

Desta maneira, pese embora denominadas de “conclusões”, as mesmas, não são mais do que a motivação do recurso, isto é, as “alegações”.

Temos, pois, que embora denominadas de “conclusões”, são, na realidade, as respetivas “alegações” do recurso.

Concluindo, correspondendo as “conclusões” às “alegações” (motivação) do recurso, e não estando formuladas quaisquer “conclusões”, há, pois, uma total omissão na formulação destas.

Destarte, faltando as “conclusões” de recurso, o mesmo deve ser rejeitado, nos termos estatuídos no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPCivil, mantendo-se, consequentemente, o despacho reclamado de 2021- 01-22, e que não admitiu o recurso


Registe-se que, já na 1ª Instância, em nota de rodapé, aquando da admissão do recurso, se observara que:

«As alegações e conclusões apresentadas pelo recorrente, que dividiu o recurso em “o objeto do recurso”, “dos fundamentos do recurso” e “conclusões”, afiguram-se um pouco sui generis, na medida em que aquilo que vem designado como “conclusões” parecem, na nossa opinião, ser na realidade as alegações, faltando por isso as conclusões. De qualquer forma, entendemos que não cabe ao Tribunal a quo apreciar de tal questão, devendo apenas, nos termos do artº 641º do CPC, apreciar da regularidade formal quanto aos requisitos do recurso e esses, atendendo à forma de organização do requerimento acima referida, estão preenchidos.»


Apreciemos.

Há que, desde logo, precisar que o caso presente não se confunde com a situação, que já deu azo a diversos acórdãos deste Supremo Tribunal, da repetição das alegações nas conclusões.

O Supremo Tribunal de Justiça tem, nesses casos, entendido que, em rigor, não haverá falta de conclusões, devendo, por isso, convidar-se o recorrente ao aperfeiçoamento das conclusões.

O Ac. do STJ de 13-07-2017, Proc. 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1, Rel. Fonseca Ramos, publicado em www.dgsi.pt, citado pelo Recorrente, incide sobre uma dessas situações, como resulta do seu sumário:

«I. As conclusões das alegações que, inquestionavelmente, reproduzem o texto das alegações, dão a conhecer o objecto do recurso – art. 635º, nº 3, do Código de Processo Civil – o que não pode deixar de ser tido em consideração no juízo de ponderação que importa convocar quanto a saber se, por tal procedimento, é como se não existissem.

II. A equivalência que o Acórdão recorrido faz, considerando não haver conclusões, pelo facto delas serem a reprodução das alegações, parece excessivo.

III. Cumpre ao Tribunal recorrido convidar o recorrente ao aperfeiçoamento das alegações, assinalando a incorreção formal que, drasticamente, serviu para rejeitar o recurso.»


Igualmente noutro acórdão citado pelo Recorrente, o Ac. do STJ de 09-07-2015, Proc. 818/07.3TBAMD.L1.S1, Rel. Abrantes Geraldes, também publicado em www.dgsi.pt, se concluiu que:

«4. A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639º, nº 3, do NCPC.»


É uma jurisprudência que se tem mantido, como se extrai, por exemplo, da leitura do Ac. do STJ de 16-12-2020, Proc. 2817/18.0T8PNF.P1.S1, Rel. Tomé Gomes, ou do, ainda mais recente, Ac. do STJ de 18-02-2021, Proc. 18625/18.6T8PRT.P1.S1, Rel. Ilídio Sacarrão Martins, ambos publicados em  www.dgsi.pt.

Mas, como já se deixou adiantado, o caso dos autos tem um perfil diverso dos que foram abordados nesses arestos.

Aqui, o que se verifica é o seguinte:

O Recorrente, depois, de, no capítulo I (“Objecto do Recurso”), dizer que o recurso tinha por objecto a sentença que absolveu o Réu, com a qual não se podia conformar, passou ao capítulo designado por “II. Fundamentos do recurso”, no qual elencou os factos provados, surgindo os restantes pontos como relatório, mesmo no que concerne aos três últimos números desse capítulo.

É a partir do ponto 8 que o Recorrente apresenta os argumentos tendentes à revogação da sentença, abrindo a crítica à decisão recorrida:

«8. Entende-se que o Tribunal Ad quo, ao entender a prova como parcimónia, desconsiderou a prova existente junto aos autos, bem como a realizada em sede de audiência de discussão e julgamento.»

O que, porém, sucede é que este ponto 8 já está contido no capítulo designado por “III. Conclusões”.

O Recorrente procurou, a partir daí, empreender uma impugnação da matéria de facto, reportando-se a elementos probatórios, testemunhais e documentais.

Depois, a partir do ponto 35, debruçou-se sobre a problemática da desconsideração da personalidade jurídica, defendendo que o Tribunal a quo (nesse contexto, a 1ª Instância) não deveria ter afastado tal figura jurídica e aludindo, a terminar, tomando como base o art. 227º do C. Civil, ao princípio da boa fé.

Constata-se que o que se contém sob a epígrafe de Conclusões não são mais que as alegações, não sendo possível destrinçar um momento a partir do qual, com destaque relativamente ao antes enunciado, se extraiam conclusões do que se alegou.

Desde logo, é por de mais evidente que os pontos 8 e seguintes não representam qualquer síntese do que se expôs (relatou) nos pontos 1 a 7.

As conclusões delimitam o objecto do recurso, devendo, por reporte ao que ficou alegado, ser nelas indicados, de forma sintética, os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão (art. 639º, nº 1, do CPC), podendo o recorrente, também nelas, restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso (art. 635º, nº 4, do CPC).

Conforme se exarou no citado Ac. do STJ de 16-12-2020 (Rel. Tomé Gomes):

«I. O ónus de formulação de conclusões recursórias tem em vista uma clara delimitação do objeto do recurso mediante enunciação concisa das questões suscitadas e dos seus fundamentos, expurgadas da respetiva argumentação discursiva que deve constar do corpo das alegações, em ordem a melhor pautar o exercício do contraditório, por banda da parte recorrida, e a permitir ao tribunal de recurso uma adequada e enxuta enunciação das questões a resolver.»


Ora, neste caso, não há síntese do que se alegou, porque o que há são apenas alegações, embora sob a designação de Conclusões, não podendo ser a aposição de um título, no meio do texto, a conferir a este um carácter que, manifestamente, não tem.

Como já se disse, também não se verifica aqui o fenómeno da repetição das alegações em sede de conclusões. Não há, na verdade, qualquer repetição, mas a abordagem seguida das questões, sem uma quebra que possa funcionar, a dada altura, como fronteira, ou seja, algo que se possa detectar como início de um balanço do que ficou para trás.

A falta de conclusões gera o indeferimento do recurso (art. 641º, nº 2, al. b), do CPC), sem que se admita despacho de aperfeiçoamento (Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2020, p. 215).

Um convite ao aperfeiçoamento, na busca de uma síntese, traduzir-se-ia, neste caso, no aperfeiçoamento das alegações e não das (inexistentes) conclusões, não estando previsto na lei, como se deixou dito, o convite a apresentar conclusões que tenham sido omitidas.


Pelo exposto, é de manter a decisão recorrida, improcedendo a revista.


Custas pelo Recorrente.


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Sumário (da responsabilidade do relator):

1. Nos termos do nº 1 do art. 639º do CPC, o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2. As conclusões delimitam o objecto do recurso, isolando as questões a que as alegações tenham, antes, dado corpo, de forma a agilizar o exercício do contraditório e a permitir ao tribunal de recurso que identifique, com nitidez, as matérias a tratar.

3. Quando o recorrente, depois de uma introdução/relatório, inicia a crítica à sentença impugnada, não é a designação de Conclusões que confere a esse exercício o carácter que o termo sugere, se o que aí se desenvolve são os argumentos (não antes apresentados) tendentes à revogação da sentença, sem que se possa estabelecer, a partir de certa altura, uma fronteira que marque a elaboração de verdadeiras conclusões, ou seja, a síntese dos fundamentos por que se pede a alteração da decisão recorrida.

4. A falta de conclusões, que é o que, in casu, se verifica, gera a rejeição do recurso, não havendo lugar a aperfeiçoamento.


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Lisboa, 19-10-2021


Tibério Nunes da Silva (relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Maria de Fátima Gomes