Acordam em conferência na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,
1. Notificada do acórdão proferido nos autos, que julgou improcedente a reclamação da decisão que não conheceu do objecto do recurso por inadmissibilidade da revista, a devedora, FRIGOFAMA – COMÉRCIO E INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES, LDA., veio requerer, a rectificação/reforma do mesmo defendendo não ter o acórdão apreciado questões que suscitou na reclamação ao despacho singular de não conhecimento do recurso, que identifica quanto:
- à necessidade de elasticidade na interpretação das normas (consideradas inderrogáveis) na busca da justiça e uma melhor composição do litigio e dos interesses nele em questão, designadamente atenta a importância que decorre da natureza do processo de revitalização e da singularidade/novidade do incidente de Alteração/Rectificação do Plano de Revitalização;
- à ocorrência de erro que contribuiu para a omissão da apreciação adequada da questão, decorrente do acórdão ter entendido que a Requerente havia sido notificada pelo tribunal da Relação para se pronunciar sobre o valor da causa nada tendo dito, quando a notificação foi apenas sobre o valor do recurso, ao que respondeu e cumpriu.
Defende assim da Reclamante que estando em causa o valor do recurso e não o valor da causa sobre que recaiu a notificação que lhe foi dirigida pelo Tribunal a quo para se pronunciar impõe-se determinar a remessa dos autos ao tribunal da Relação para que corrija a redacção do despacho que lhe foi dirigido no sentido de ordenar a sua notificação para se pronunciar sobre o valor da causa.
Considera ainda a Requerente que, ao invés do afirmado no acórdão, inexiste nos autos valor fixado à causa.
II – Decidindo:
1. De acordo com o disposto nos artigos 616.º, n.º 2, alíneas a) e b), 666º e 685.º, todos do CPC, é lícito aos juízes que proferiram acórdão procederem à reforma do mesmo, a requerimento das partes nesse sentido, quando ocorra lapso manifesto na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou constem do processo documentos ou quaisquer elementos que por si só impliquem necessariamente decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomada em consideração.
Como resulta do acórdão, a decisão proferida encontra-se plenamente explicitada não padecendo de erro manifesto na aplicação da norma aplicável, sendo que o alcance das normas aplicáveis ao caso (designadamente os artigos 14.º, do CIRE e 629.º, n.º 1, do CPC) mostra-se devidamente apreciado e ponderado.
Por outro lado, ao invés do afirmado, o acórdão não omitiu pronúncia acerca das questões suscitadas pela Requerente, sendo certo que, conforme pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência, o sentido a dar ao termo legal “questões” não se confunde com os “argumentos” ou “razões” invocados pela parte e só a ausência de apreciação daquelas é determinante da nulidade em referência.
Acresce que nada obriga a que o tribunal aprecie todos os argumentos invocados pelas partes, impondo-se apenas que indique a razão que serve de fundamento à decisão proferida.
Assim e no que se reporta à questão do pressuposto de admissibilidade do recurso reportado ao valor da causa, refere o acórdão:
“Ao invés do entendimento da Recorrente, o obstáculo à admissibilidade de recurso em função do valor da causa, ainda que pela diferença de um cêntimo (entre o valor da causa e o da alçada para efeitos de revista) de modo algum pode ser tido como minudência adjectiva, pois trata-se de limite legalmente estabelecido em norma que não permite derrogação, designadamente em função da natureza dos processos ou das questões a apreciar.
Com efeito, na orgânica dos tribunais judiciais, caracterizada pela existência de três níveis de hierarquia, a alçada dos tribunais fixada por lei (artigo 44.º, da Lei n.º 61/13, de 26-08 – LOSJ) condiciona o direito de interposição de recuso em função do valor atribuído à respectiva causa.
2. Relativamente à pretendida remessa dos autos ao tribunal a quo considerou o acórdão:
“Igualmente não merece acolhimento a pretensão da Requerente em ver alterado o valor da causa designadamente com a remessa dos autos ao tribunal a quo para proceder à respectiva fixação.
Com efeito, como realçado no despacho reclamado, nesta fase recursória o valor do processo a ter em conta para o efeito não pode deixar de ser o que resulta definitivamente fixado nos autos (que, aliás, sublinhe-se, tem origem no próprio requerimento da Requerente onde atribuiu ao processo o valor de €30.00,00), carecendo por isso de cabimento legal a pretendida alteração do mesmo.”.
Por fim, no que se refere à pretensão de baixa dos autos ao tribunal da Relação para correcção de despacho, carece a mesma de fundamento legal, não tendo, aliás, a parte invocado a norma legal em que alicerça tal pretensão.
3. Tendo presente o que se encontra referido no acórdão proferido e atento os termos do requerimento apresentado pela Requerente, sabendo-se que os fundamentos que determinam a possibilidade de reforma da decisão se esgotam nas situações contempladas nas alínea a) e b) do n.º 2 do citado artigo 616.º, do Código de Processo Civil, não pode deixar de se concluir que não ocorre motivo para a pretendida reforma.
Por outro lado, considerando o teor do acórdão proferido e as razões nele exaradas em termos de justificar a manutenção da decisão singular da relatora, mostra-se plenamente evidenciada a não verificação de qualquer nulidade, nomeadamente por omissão de pronúncia.
Conforme denuncia o posicionamento da Requerente, as questões que pretendeu colocar sob as vestes de rectificação/reforma do acórdão e de nulidade do mesmo situam-se em parâmetros que não assumem assento no domínio dos referidos vícios de decisão, mas do erro de julgamento, uma vez que a sua discordância se reporta à solução de direito por que o acórdão enveredou aspecto que não pode ser apreciado no âmbito do expediente utilizado.
III - Termos em que se acorda, em indeferir as pretensões da Requerente.
Custas pela Requerente.
Lisboa, 12 de Janeiro de 2021
Graça Amaral (Relatora)
Henrique Araújo
Maria Olinda Garcia
Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos (artigo 15ºA, aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).
Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).