Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
318/19.9T8LOU-A.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: OFENSA DO CASO JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
INDEFERIMENTO LIMINAR
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
FACTOS SUPERVENIENTES
APOIO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Não se esgotou o poder jurisdicional (que se coloca em relação à concreta questão conhecida, apreciada e decidida – cf. artigo 613.º do Código de Processo Civil -) sobre quaisquer outras questões suscitadas posteriormente, como foi o caso presente e, nomeadamente, o surgimento de factos que, de outro modo e com outro fundamento, conduzissem à extinção da instância.
Decisão Texto Integral:

Acórdão



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA e BB instauraram embargos à execução de sentença contra si proposta por CC e DD, juntando documento comprovativo da formulação de pedido de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

2. Os embargos foram liminarmente indeferidos por despacho de 1/07/2022, que (conhecendo e decidindo as invocadas questões da nulidade da citação para a ação executiva, da inexistência de título executivo, do prazo para a prestação e da natureza excessiva da peticionada sanção pecuniária compulsória) os julgou manifestamente improcedentes.

3. Inconformados com esta decisão, os embargantes interpuseram recurso de apelação.

4. O recurso de apelação foi admitido por despacho de 3/11/2022.

5. Antes da subida do recurso, foi recebida informação da Segurança Social de que fora proferida em 27/09/2022 decisão que indeferira a concessão aos embargantes do pedido de benefício do apoio judiciário.

6. E porque pelos Embargantes não fora demonstrado o pagamento da taxa de justiça devida, foi, por despacho de 7/11/2022, determinado o cumprimento do disposto no nº 5 do artigo 570.º do Código de Processo Civil.

7. Os Embargantes pronunciaram-se no sentido de não ter o entendimento subjacente ao despacho de 7/11/2022.

8. Foi proferido o seguinte despacho:

‘Os embargantes notificados nos termos do artº 570 nº 5 do Código Processo Civil não efectuaram o pagamento da multa e da taxa de justiça devida pela interposição dos presentes embargos de executados.

Daí que esteja sujeita às sanções processualmente previstas (vide arts. 570 nº 6 Código Processo Civil).

Ou seja, terá de ser ordenado o desentranhamento da petição de embargos de executados e, consequentemente, tornou-se impossível a prossecução da presente lide por falta de objecto processual.

Nestes termos, e ao abrigo do disposto nos arts. 570 nº 6 do C.P.Civil, decido determinar o desentranhamento da petição de embargos de executados, após trânsito e, consequentemente, declaro extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide (vide ainda art. 277º, al. e), ex vi art. 551º, nº 1, ambos do C.P.Civil).


*


Custas a cargo dos embargantes.

Determino o prosseguimento da execução.’

9. Novamente inconformados, os Embargantes interpuseram recurso de apelação.

10. O Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão, tendo o dispositivo o seguinte teor:

“Pelo exposto, acordam, em conferência, os Juízes desta secção cível, mantendo a decisão sumária do relator, em julgar manifestamente improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida”.

11. Ainda inconformados, os Embargantes interpuseram recurso de revista, que foi admitido por os Recorrentes terem invocado uma situação em que é sempre admissível recurso – ofensa de caso de julgado -, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães sob recurso, violou o estatuído nos artigos 613.º e 620.º, ambos do CPC, e os princípios do esgotamento do poder jurisdicional do Juiz e do caso julgado formal, em tais artigos plasmados.

2.ª Violação esta que constituí o fundamento específico de recorribilidade do presente recurso de revista, na procedência do qual, muito embora sem que isso possa constituir, nem constitua, como não constituí, qualquer demérito, por pequeno, ou mínimo até, que seja, para com os Ilustres Senhores Doutores Juízes Desembargadores prolataram tal Acórdão, e até porque, como é por demais sabido, aliquando dormitat bonus Homerus, Homerus qui Homerus erat, ou, numa linguagem mais coloquial, errar é próprio do homem, e também, naturalmente, da mulher, ou no melhor pano cai a nódoa, ser tal Acórdão, posto que sendo, como, inequivocamente, e sem margens para qualquer dúvida, é, mui douto, declarado nulo ou anulado, através de, não menos, douto Acórdão a prolatar por Vs.Exas.

3.ª Acórdão este que deverá, do mesmo passo, considerar, total e completamente, procedente o recurso de apelação pelos agora recorrentes, interposto nos autos, no dia 06 de março de 2023, o que tudo se peticiona a Vs.Exas.

12. Os Recorridos não contra-alegaram.

13. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo A. / ora Recorrente e do despacho de recebimento do recurso decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se se verifica a violação do caso julgado (artigo 620.º do Código de Processo Civil).

- Como se referiu no despacho de recebimento do recurso, o recurso de revista só é admissível em face do disposto no artigo 629.º, n.º1, do Código de Processo Civil – alçada do Tribunal da Relação, quanto à questão da violação do caso julgado, por se estar em presença de um caso em que é sempre admissível o recurso; o valor da ação é de €30 000,00 -

III. Fundamentação

1. A matéria de facto a considerar é a que resulta do exposto no relatório que antecede.

2. Apreciação do recurso

O caso julgado formal

Os Embargantes/Recorrentes vieram invocar que se mostrava violado o caso julgado formal, referindo que a sentença sob recurso contrariou, os despachos de 1 de julho de 2022, que indeferiu liminarmente o requerimento inicial dos presentes embargos de executado, e o de 3 de novembro de 2022, que admitiu o recurso de tal indeferimento limiar, apresentado pelos Embargantes/Recorrentes.

Prescreve o artigo 620.º do Código de Processo Civil que:

1. As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

2. Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º.”

No caso presente, os Recorrentes referem que foi violado o caso julgado formal.

Como ensina Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, p. 304, o caso julgado formal consiste na força obrigatória que os despachos e as sentenças possuem relativa unicamente à relação processual, dentro do processo, encontrando a sua razão de ser na necessidade de salvaguarda do prestígio dos tribunais e de certeza e da segurança jurídicas.

Assim, o caso julgado formal, que é o que está em causa nestes autos, tem força obrigatória apenas dentro do processo (cf. o citado n.º1 do artigo 620.º do Código de Processo Civil).

As decisões que os Recorrentes levantam a questão de caso julgado são:

- o indeferimento liminar (despacho de 1/07/2022), que conheceu as invocadas questões da citação da ação executiva, da inexistência de título executivo, do prazo para a prestação e da natureza excessiva da peticionada sanção pecuniária compulsória;

- o despacho que admitiu o recurso de apelação (3/11/2022);

-a decisão proferida após se ter recebido da Segurança Social informação de que fora proferida decisão de indeferimento da concessão do apoio judiciário requerida pelos Embargantes e que é do seguinte teor:

‘Os embargantes notificados nos termos do artº 570 nº 5 do Código Processo Civil não efectuaram o pagamento da multa e da taxa de justiça devida pela interposição dos presentes embargos de executados.

Daí que esteja sujeita às sanções processualmente previstas (vide arts. 570 nº 6 Código Processo Civil).

Ou seja, terá de ser ordenado o desentranhamento da petição de embargos de executados e, consequentemente, tornou-se impossível a prossecução da presente lide por falta de objecto processual.

Nestes termos, e ao abrigo do disposto nos arts. 570 nº 6 do C.P.Civil, decido determinar o desentranhamento da petição de embargos de executados, após trânsito e, consequentemente, declaro extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide (vide ainda art. 277º, al. e), ex vi art. 551º, nº 1, ambos do C.P.Civil).

Ora, analisando estas decisões verifica-se que nenhuma contradição existe entre os mesmos:

A primeira decisão de indeferimento liminar quando se tinha a informação que os Embargantes/Recorrentes tinham requerido à Segurança Social a concessão do benefício de apoio judiciário;

A segunda decisão a admitir o recurso de apelação interposto pelos Embargantes da primeira decisão, e que se mantinha o conhecimento do requerimento do pedido de concessão do benefício de apoio judiciário;

A terceira decisão, quando se obteve o conhecimento superveniente de que a Segurança Social havia indeferido o pedido de concessão do benefício de apoio judiciário, e de previamente se ter procedido à notificação dos Embargantes nos termos do disposto no artigo 570.º do Código de Processo Civil (decisão atrás transcrita).

Quer dizer, como se refere no Acórdão recorrido, a questão apreciada naquela terceira decisão não foi anteriormente apreciada ou julgada em qualquer dos dois anteriores despachos, até por o conhecimento da decisão da Segurança Social ser posterior ao proferimento dessas decisões, e que sobre essa informação de tornar necessário que fosse proferida decisão.

Deste modo, o Tribunal de 1.ª instância, com o primeiro despacho não esgotou o seu poder jurisdicional (que se coloca em relação à concreta questão conhecida, apreciada e decidida – cf. artigo 613.º do Código de Processo Civil -) sobre quaisquer outras questões suscitadas posteriormente, como foi o caso presente e, nomeadamente, o surgimento de factos que, de outro modo e com outro fundamento, conduzissem à extinção da instância.

Deste modo, o recurso tem de improceder.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 18 de junho de 2024

Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Henrique Antunes

Maria João Vaz Tomé