Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A2867
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: BARROS CALDEIRA
Nº do Documento: SJ200211050028671
Data do Acordão: 11/05/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 2053/01
Data: 03/07/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


AA, casado residente na Travessa Luís da Silva Neves - Milheirós, Maia, veio propor contra Banco Empresa-A, Lda., com sede na Rua D. João I, Porto,
acção declarativa, de condenação, sob a forma ordinária, pedindo que,
a acção seja julgada procedente e a ré condenada a pagar-lhe a quantia de 30.000.000$00 pelos lucros cessantes e prejuízos causados no seu comércio, porquanto
a ré instaurou execução ordinária para pagamento de quantia certa contra o autor, com base numa letra de câmbio, aceite por este e não paga e onde requereu, para além da penhora dos bens móveis do casal, a penhora das contas bancárias em todas as instituições bancárias do país, pese embora o agora autor tenha embargado a execução, alegando que jamais tinha aceite qualquer letra, penhora que foi reforçada pela ré, mesmo sabendo, após a notificação da efectuada perícia, que as assinaturas apostas na letra não eram do autor.
O autor indica, de seguida os danos que sofreu por virtude da conduta da ré e termina referindo que a acção se funda nos art.s 483º e 484º e seguintes do Código Civil.
Citado para contestar o réu, que indica a sua nova denominação, Banco Empresa-B, SA., com sede na Rua Sá da Bandeira nº..., Porto, impugna os factos peticionadas, esclarecendo que não existe qualquer fundamento para o pedido indemnizatório formulado pelo autor, pelo que a acção deve ser julgada improcedente, com as legais consequências.
Foi, depois, lavrado o despacho saneador, no qual o Sr. Juiz "a quo", por entender que os autos continham todos os elementos necessários à prolacção de decisão sobre o mérito da causa, após indicar os factos que considerar assentes e de os enquadrar normativamente, decidiu julgar a acção improcedente, absolvendo o réu do pedido.
Inconformado o autor apelou para o Tribunal da Relação do Porto, a qual após a apreciação das alegações apresentadas pelas partes, decidiu, por unanimidade, julgar a apelação improcedente.
Novamente inconformado o autor recorreu de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

Recebido o recurso o autor recorrente apresentou as suas alegações, onde tira as seguintes conclusões:
1ª) Considerando existir ainda matéria controvertida, não pode o tribunal "a quo" decidir de mérito da causa, logo no despacho saneador;
2ª) Terá que se verificar, se a atitude processual do apelado no processo 1.301/95, que correu termos no 6º Juízo do Tribunal Judicial do Porto, configura ou não abuso de direito;
3ª) Se a atitude processual do apelado no citado processo, configurando abuso de direito, causou danos ao apelante, quais os montantes desses danos, e de quem é, a responsabilidade desses danos;
4ª) Se os hipotéticos prejuízos causados, foram ou não analisados à luz do disposto no art. 483º do Código Civil;
5ª) Houve nítida violação do princípio de instrução do processo, uma vez que a mesma nem existiu, contrariando o disposto nos artºs 513º e 515º do Código de Processo Civil;
6ª) Ao decidir de forma diversa, o douto Acórdão violou o correcto entendimento dos preceitos citados, bem como fez uma interpretação errada de várias normas jurídicas.
Termina requerendo que se revogue o acórdão da Relação, substituindo-o por outro que ordene o prosseguimento dos autos na 1ª instância.
O recorrido apresentou as suas alegações, onde pugna pela confirmação do acórdão recorrido.

Foram colhidos os vistos legais.
Cabe decidir.
Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos:
1º) Em 13 de Dezembro de 1995, o réu intentou contra o autor, AA e outro uma execução sob a forma ordinária para pagamento de quantia certa, que correu os seus termos sob o nº 1301/95, do 6º Juízo Cível do Porto, apresentando como título executivo uma letra de câmbio, imputando a autoria de aceite nele aposto, ao autor;
2º) O autor deduziu embargos de executado, argumentando entre outras coisas, não ser sua a assinatura constante do título;
3º) O réu contestou sustentando pertencer ao autor, a assinatura aposta no lugar destinado ao aceite;
4º) Foi realizada prova pericial à letra aposta no título, tendo os peritos apresentado a seguinte conclusão: "Considera-se como provável (probabilidade 4 numa escala de 11 graus) a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada, aposta no local do aceite do documento assinada como C1, não ser do punho de AA;
5º) As partes foram notificadas do relatório referido em 4) por carta registada de 14-5-97;
6º) Nos autos de execução, devolvido o direito de nomeação de bens à penhora para o exequente, veio este, em 22-4-97, nomear os saldos credores actuais e futuros de todos os tipos de contas de depósito à ordem e ou o prazo, valores creditados ou a creditar por transferências ou ordens de pagamento do estrangeiro, acções, obrigações e todos os títulos mobiliários que se encontrem abertos e depositados em nome do executado;
7º) Em 16-1-98 o aqui réu nomeou à penhora o recheio que fosse encontrado na actual residência do executado aqui autor, requerendo a citação do cônjuge, para efeitos do art. 825º do C. P. civil;
8º) Em 5-3-98 o aqui autor requereu a suspensão da execução ao abrigo do art. 818º do C.P.Civil, o que foi indeferido por se tratar de disposição legal não aplicável ao caso concreto, nos termos do art. 16º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12-12.

Do direito aplicável.
Decorre da petição inicial que o autor pediu a condenação da ré em indemnização a seu favor com o fundamento jurídico único na responsabilidade civil da mesma por factos ilícitos, nos termos dos art.s 483º e seguintes do C. Civil.
Das alegações de recurso, quer para a Relação, quer para o Supremo Tribunal de Justiça, a fundamentação jurídica do recorrente autor baseia-se no abuso de exercício de direito por parte da ré, nos termos do art. 334º do C. Civil, daí decorrendo os danos sofridos e consequente indemnização.
Bem se entende porquê!
Face aos factos peticionados integrantes da causa de pedir é notório, dito pelo próprio autor, que a ré exerceu validamente o seu direito de propor a acção executiva com o nº 1301/95, já que era titular de uma letra de câmbio aceite pelo autor e não paga.
Os embargos deduzidos pela ré são a oposição a esta execução e têm tramitação processual própria.
Assim, a execução e os embargos respectivos seguem a sua tramitação normal e em paralelo.
A execução só será extinta se os embargos forem julgados extintos e só se suspenderá se o executado prestar caução, nos termos do art. 828º do C.P.Civil anterior à revisão actual.
O executado não prestou caução, logo a execução prosseguiu.
Como os embargos não fizeram extinguir a execução, nem a suspenderam, é óbvio que a ré tinha todo o direito em continuação a execução, por si validamente proposta, a fim de coactivamente satisfazer o seu crédito.
Nada há pois a censurar à ré, pese embora a peritagem, feita à letra e assinatura apostas no aceite da letra, ter concluído pela probabilidade de 40% da referida assinatura não ser do punho do autor, em continuar a requerer na execução tudo o que tivesse por conveniente.
Não tendo a ré cometido qualquer acto ilícito e culposo, jamais podia ser responsabilizada civilmente pelos prejuízos que o autor diz ter sofrido, atento o disposto nos art.s 483º e segs. do C.Civil.
Mas será que a ré cometeu algum acto ilegítimo no exercício da acção executiva referida, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, nos termos do disposto no art. 334º do C. Civil?
Como se disse a ré interpôs legítima e validamente a acção executiva referida contra o autor.

É este que o admite na petição.
Aliás, outra coisa não podia deixar de ser, pois o autor jamais suscitou em qualquer peça processual a questão da ré saber, autos da propositura da referida acção executiva, que o aceite aposto na letra, que titula a execução, não era do punho do autor.
Sendo legítima a propositura da acção executiva, com base na letra referenciada, não era o facto de nos embargos de executado uma peritagem dar em 40% a probabilidade de a assinatura do aceite não ser do punho do autor, que tornava ilegítimo qualquer procedimento processual da ré na execução.
O princípio do dispositivo determinava que a ré prosseguisse na execução, enquanto esta tivesse tramitação legal.
O mesmo se diga da posição do autor nos embargos.
Era o autor que cabia prosseguir nestes até à sua procedência e extinção da execução.
Como o autor não prestou caução para suspender a execução ao autor cabia legitimamente prosseguir na tramitação data para satisfazer o seu crédito.
Assim sendo, a ré jamais agiu com abuso no exercício do seu direito à execução e ao seu prosseguimento.
Não praticou nenhuma conduta anterior, que objectivamente interpretada face à lei, bons costumes e boa fé, legítima a convicção de que tal direito não será exercido.
Ao caso é, pois, inaplicável o disposto no art. 334º do C. Civil.
Tudo visto bem andaram as instâncias, a 1ª em decidir a acção no saneador, a 2ª em confirmar a decisão inicial.
Os factos dados como provados são os necessários e suficientes para se tirar uma boa decisão para a causa.
Não foram violados os preceitos legais alegados na revista.
Não merecem censura as decisões das instâncias.
Pelo exposto, nega-se a revista e, em consequência confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 5 de Novembro de 2002
Barros Caldeira
Faria Antunes
Lopes Pinto.