Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
695/07.4TMAVR-B.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
COMARCA DO BAIXO VOUGA
JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE AVEIRO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/03/2009
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFLITO
Sumário :

1. O DL 25/2009, de 26.1, ao regulamentar a instalação da comarca piloto experimental do Baixo Vouga, criada pela nova LOFTJ, definiu, em norma transitória que, salvo os casos previstos nele, não transitavam para os novos juízos quaisquer processos pendentes.
2. O juízo de família e menores de Estarreja foi criado de novo e apenas lhe foram distribuídos os processos dessa natureza que estivessem pendentes nas anteriores comarcas de Estarreja e de Ovar.
3. Para o juízo de família e menores de Aveiro, resultante da conversão do anterior tribunal de família e menores de Aveiro, transitaram os processos pendentes nesse tribunal, à data da conversão.
4. A expressão “nessa área” contida nas duas normas que estabelecem essa transferência de processos – arts. 20.º, 1 e 21.º, 3 – significa “processos dessa natureza” ou “área de domínio” e não área territorial.
5. Foi objectivo do legislador, ao criar as comarcas piloto da nova organização judiciária, estabelecer nas normas transitórias uma minuciosa distribuição de processos pendentes para não sobrecarregar em demasia os novos juízos criados, na senda de uma boa gestão processual.
6. Tendo em conta a interpretação sistemática do referido DL e os fins visados pelo legislador, são da competência do juízo de família e menores de Aveiro os processos pendentes no tribunal de família e menores de Aveiro existentes à data da conversão desse tribunal naquele juízo de família e menores e, por isso, também dos presentes autos.

Decisão Texto Integral: _
Decisão nos termos do art. 705.º do CPC.

O Ex.mo Magistrado do M.º P.ª na comarca do Baixo Vouga, juízo de Família e Menores de Estarreja, suscita a resolução do conflito negativo de competência existente entre os Ex.mos Juízes de Direito dos Juízos de Família e Menores de Aveiro e de Estarreja, da referida comarca.

Foi dada vista ao Ex.mo Procurador Geral-adjunto neste STJ que emitiu douto Parecer a fls. 39 e sgts, concluindo que o conflito deve ser resolvido atribuindo competência, em razão da matéria e do território, ao juízo de família e menores, com sede em Aveiro, do tribunal da comarca do Baixo Vouga.

Vejamos.

Pendia no Tribunal de Família e Menores de Aveiro, desde 2007, o processo de incumprimento do Poder Paternal, determinando-se posteriormente a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM).

Em 14.5.2009, a mãe do menor veio requerer que continuasse a ser atribuída a pensão ao menor, por o pai continuar numa situação de incumprimento.

O E.mo Juiz do Juízo de Família e Menores de Aveiro, tribunal em que foi convertido o Tribunal de Família e Menores de Aveiro, face à reorganização judiciária, introduzida pela Lei n.º 52/08, de 28.8, e, especialmente, pelo DL n.º 25/2009, de 26.1, que criou três comarcas piloto (1)., considerou esse Juízo incompetente e competente o Juízo de Família e Menores de Estarreja, invocando, além do mais, o disposto no art. 155.º, 1 da OTM e essa nova “organização judiciária”.

Transitado em julgado esse despacho, foi o processo remetido para o Juízo de Família e Menores de Estarreja, também pertencente à mesma recém criada comarca do Baixo Vouga, cujo Exmo Juiz se declarou incompetente, por entender que o juízo competente era o de Aveiro.

Anteriormente à reorganização judiciária relatada, o Tribunal de Família e Menores de Aveiro abrangia a área de Estarreja onde residia e reside o menor.

Foi aí instaurado o processo de incumprimento do Poder Paternal, sendo considerado, por isso, sem oposição de ninguém, o tribunal competente.

Actualmente, temos, como se sabe, duas LOFTJs em vigor – a Lei 3/99, de 13. 1 e a Lei n.º 52/2008, já referida.

Ambas elas – art. 22 da primeira e art. 24.º, 1 da segunda – expressam claramente que “a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente(2).

E o n.º 2 desses normativos estipulam também que são irrelevantes as modificações de direito, “excepto se for suprimido o órgão a que a causa esteja afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa”.

Portanto, a competência assim definida para o processo em causa não pode voltar a ser discutida, a menos que se verifique as mencionadas excepções.

Vejamos, então, se, no caso, alguma delas se verifica.

O DL 25/2009 usa os termos extinção(3)º. e conversão(4)º. e, relativamente ao Tribunal de Família e Menores de Aveiro não o extingue, converte-o “no juízo de família e menores”.

Por outro lado, cria(5)º., dentro da comarca do Baixo Vouga, os juízos de família e menores de Estarreja e de Oliveira do Bairro.

Ou seja, o tribunal de família e menores de Aveiro não foi extinto, mas convertido no juízo de família e menores e o juízo de Estarreja foi criado de novo.

O referido DL 25/2009 estabelece normas transitórias, das quais resulta(6). que “salvo nos casos expressamente previstos no presente decreto-lei, não transitam para os novos juízos quaisquer processos pendentes”.

Esta é a regra.

O Decreto-lei em causa também define o destino dos processos pendentes, no art. 20.º:

1. Transitam para o juízo de família e menores de Estarreja, à data da instalação do mesmo, os processos que, nesta área, se encontrem pendentes nos tribunais das comarcas de Estarreja e Ovar.

E o art. 21.º, com a epígrafe “Transição por conversão”, estipula que

3. Transitam para o juízo de família e menores de Aveiro os processos que, nesta área, se encontrem pendentes no tribunal de família e menores de Aveiro à data da conversão do mesmo.

A expressão “nesta área” é algo ambígua(7) mas, em nosso ver, não se refere à área territorial do juízo de família e menores, resultante da conversão que agora é a da área do concelho de Aveiro.

Quer, antes, referir-se aos processo dessa natureza, ou, como se diz no Ac. deste STJ de 3.11.2009 (18) dessa “área de domínio”.

Com efeito, o legislador, ao definir que processos passam para os juízos criados de novo na comarca do Baixo Vouga - Estarreja e Oliveira do Bairro – reporta-se aos processos de família e menores que se encontrem pendentes nas comarcas de Estarreja e Ovar, quanto ao primeiro, e de Águeda, Anadia e Oliveira do Bairro, quanto ao segundo.

E para o juízo de família e menores de Aveiro passam os processos que sobre a mesma matéria (nessa área) “se encontrem pendentes no tribunal de família e menores de Aveiro, à data da conversão”.

Isto é, acolá são todos os processos de família e menores que se encontrassem pendentes naquelas comarcas; aqui os que, dessa natureza, estivessem pendentes no tribunal de família e menores “à data da conversão do mesmo”.

Acolá não foram atribuídos outros processos aos juízos criados de novo, designadamente os que estivessem pendentes no tribunal de família e menores de Aveiro mas os de outras comarcas, algumas das quais não faziam parte do antigo circulo judicial de Aveiro, como é o caso de Estarreja(9). e Ovar(10)., relativamente ao juízo de família e menores de Estarreja.

Fazê-lo agora, como o faz o despacho do Ex.mo juiz do juízo de família e menores de Aveiro seria violar o disposição transitória já referida – o art. 52.º, 1 - que expressamente proíbe tal conduta.

Assim, não se verificando a circunstância de lhe ter sido atribuída competência de que antes carecia para conhecimento da causa, porque já a tinha, e não sendo declarado extinto(11). o órgão a que a causa estava afecta, a competência já definida tem de manter-se, verificando-se, por isso a perpetuatio juriditionis(12)”..

Por outro lado, o legislador, ao reorganizar o mapa judiciário, com as três primeiras comarcas piloto, teve o cuidado de fazer uma minuciosa distribuição dos processos pendentes(13) para não sobrecarregar em demasia os novos juízos criados, na senda de uma boa gestão processual ou seja para não “afundar” os juízos criados com avalanches de processos que, de todo, tornariam negativa a nova organização judiciária, assente em novas e modernas regras de gestão.

Assim, tendo em conta, por um lado, a interpretação sistemática das normas acabadas de analisar e os fins tidos em vista pelo legislador, não se nos oferece dúvida de que a decisão do Ex.mo juiz do juízo de família e menores de Aveiro não tem o mínimo fundamento.

Resta acrescentar que, estando já definida a competência em razão do território, não nos parece que a caso seja de competência relativa, tratando-se, antes, de “um conflito atinente à interpretação e aplicação das regras de organização e funcionamento dos tribunais e o desrespeito pelo princípio da perpetuatio jurisditionis(14)., pelo que não é aqui aplicável o art. 111.º, 2 do CPC, devendo, antes aplicar-se as regras da incompetência absoluta(15)., previstas no art. 108.º e sgts, menos aquela(16), decidindo-se o conflito por fora a que se mantenha a competência, já antes definida, no juízo de família e menores de Aveiro, em conformidade, aliás, com a jurisprudência que se vem firmando, sem discordância neste STJVer o recente Ac. de 3.11.2009, in(8)..

Decisão

Pelo exposto, decide-se o conflito, considerando-se que é competente para os ulteriores termos destes autos, o juízo de família e menores de Aveiro, competência que, aliás, já se havia fixado à data da instauração do processo.

Sem custas

Lisboa, 3 de Dezembro de 2009

Custódio Montes (Relator)

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(1) Alentejo Litoral, Baixo Vouga e Grande Lisboa – Noroeste.
(2) O mesmo ocorre no caso dos autos porque a lei 147/99, de 1.9, aqui aplicável, estabelecendo que “é competente ….. o tribunal da área da residência da criança ou do jovem n momento em que é recebida a comunicação da situação ou instaurado o processo judicial”.
(3) Art. 19.º.
(4) Art. 17.º.
(5) Art. 18.º.
(6) Art. 52.º, 1.
(7) Como ambígua e tecnicamente mal feitas são muitas das leis a que agora nos habituou o legislador.
(8) Dgsi processo n.º 3791/05.9TBOAZ-A.S1.
(9) Pertencia ao círculo de Oliveira de Azeméis.
(10) Santa Maria da Feira.
(11) Houve conversão não extinção.

(12) Ou, como diz o Ex.mo Procurador-geral Adjunto a “perpetuatio fori”.

(13) Os processos pendentes no Tribunal de família e menores de Aveiro passaram para o juízo de família e menores de Aveiro; os processos pendentes em Estarreja e Ovar – que pertenciam aos círculos de, respectivamente, Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira – passaram para o criado juiz de família e menores de Estarreja; e os processos pendentes em Águeda, Anadia e Oliveira do Bairro – que pertenciam ao circulo de Anadia – passaram para o criado juízo de família e menores de Oliveira do Bairro.
(14) Ver o Ac. deste Tribunal já citado na nota 9.
(15) Com também opina o Exmo Magistrado do Ministério Público.
(16) Acórdão deste STJ de 17.4.2007, dgsi processo n.º 07A1219.
(17)Ver o recente Ac. de 3.11.2009, in dgsi processo n.º 3791/05.9TBOAZ-A.S1.