Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01B721
Nº Convencional: JSTJ00041291
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: MARCAS
CONCORRÊNCIA DESLEAL
RECUSA DE ACTO DE REGISTO
Nº do Documento: SJ200104260007212
Data do Acordão: 04/26/2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6058/00
Data: 10/12/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR COM - MAR PATENT.
Legislação Nacional: CPI40 ARTIGO 94 ARTIGO 113.
CPI95 ARTIGO 165 ARTIGO 189 N1 M ARTIGO 193 N1 B ARTIGO 203.
DL 22/75 DE 1975/01/22.
DL 41734 DE 1958/07/16.
D 31/96 DE 1996/10/25.
Referências Internacionais: CONV PARIS DE 1883/03/20 ART6.
AC MADRID DE 1891/94/14 ART5 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1991/03/12 IN BMJ N490 PAG289.
ACÓRDÃO STJ DE 1999/01/12 IN BMJ N483 PAG214.
ACÓRDÃO STJ DE 1999/10/12 IN BMJ N490 PAG283.
ACÓRDÃO STJ DE 1991/02/05 IN BMJ N404 PAG473.
ACÓRDÃO STJ DE 1997/11/11 IN BMJ N371 PAG406.
ACÓRDÃO STJ DE 1995/09/26 IN BMJ N449 PAG365.
Sumário : I- No âmbito da Convenção de Paris da União Internacional para a Protecção da Propriedade Industrial de 20 de Março de 1883 (não resultante do Acto de Estocolmo de 14 de Junho de 1967), a recusa de protecção de marca internacional não pode baseara-se directa e exclusivamente nos factores previstos para as marcas nacionais, atendíveis somente enquanto contidas nas restrições previstas no artigo 6, quinquies - A)-1) dessa Convenção.
II- Independentemente de intenção, importa risco de concorrência desleal o registo permissivo do uso de marca susceptível de dar lugar a confusão com produtos ou serviços doutrem e a eventual erro e desvio, por isso, da clientela.
III- Em aplicação do artigo 10 - bis dessa Convenção que o artigo 6 - quinquies - B), a final, ressalva, a protecção devida ao titular da marca registada pode consistir na recusa do registo de outra, com fundamento em concorrência desleal, quando a, marca internacional registanda for susceptível de induzir o público em erro, nomeadamente quanto à proveniência dos produtos e serviços a que se destina.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Julgada, nessa parte, procedente reclamação, fundada nos artigos 189, n. 1, alínea m), e 193, n. 1, do Código da Propriedade Industrial (adiante referido como CPI) (1), apresentada pela A, organização com sede na Suíça, que opôs as suas marcas de registo nacional n. 224831 "Traffic", destinada a "serviços relacionados com a conservação da fauna selvagem em todas as suas formas; orientação do comércio e produtos da vida selvagem e elaboração de relatórios sobre os mesmos" e internacional n. 628787 "Traffic Europe", foi, por despacho de 9 de Outubro de 1998 do Chefe da Divisão de Marcas Internacionais da Direcção de Serviços de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, por delegação do Presidente desse Instituto, recusada, na conformidade do n. 4 do artigo 187 CPI, a protecção pedida pela B, com sede na Alemanha, para o registo de marca internacional n. 680232 "T-Traffic Fleet" no que respeita aos produtos das classes 16.ª e 41.ª e aos serviços de programação informática da classe 42.ª da classificação internacional de produtos e serviços instituída pelo Acordo de Nice de 15 de Janeiro de 1957, vigente em Portugal nos termos do DL 176/80, de 30 de Maio.

Essa recusa fundou-se em que:

a) - o elemento do conjunto nominativo da marca registada dotado de maior força caracterizadora, que é "Traffic", reproduz gráfica e foneticamente o 1.º elemento da marca registada, tornando aquela susceptível de fácil confusão com esta;
b) - as classes 16.ª 41 e 42.ª assinalam produtos e serviços idênticos ou afins.

A B, interpôs recurso, nos termos do artigo 38 e seg. do CPI, dessa decisão, que a 4ª Vara Cível da Comarca de Lisboa julgou improcedente, e a Relação negou provimento à apelação que a assim vencida interpôs dessa decisão. Daí o pedido de revista, que ora há que apreciar.

2. Menosprezando a síntese imposta pelo n. 1 do artigo 690 CPC, a recorrente formula, a rematar a sua alegação, 22 conclusões, que se passa a resumir, no possível, do seguinte modo:

1ª a 4ª - Em causa a protecção em Portugal a registo internacional da recorrente, a questão a decidir gira em torno da violação, ou não, do princípio da novidade ou especialidade da marca, e, prendendo-se com o conceito de imitação, reconduz-se a saber se a nova marca viola o disposto no artigo 193 CPI.

5ª - No fulcro da questão está o vocábulo "TRAFFIC", sendo mister determinar se o facto de estar contido nas marcas nominativas em confronto é decisivo para afectar o princípio da exclusividade.

6ª - A marca nacional da recorrida "TRAFFIC" não deve ser considerada, visto que se destina a serviços que nada têm a ver com os produtos/serviços abrangidos pela decisão de recusa.

7ª - Nos termos do mencionado artigo 193, além dos requisitos da anterioridade e da identidade/afinidade entre os produtos/serviços das marcas a comparar, é necessário que a reprodução de um determinado elemento se traduza numa clara probabilidade de o consumidor poder ser induzido em erro ou confusão.

8ª - Neste caso, parte da marca anteriormente registada está contida na nova, mas não é exacto que o consumidor será facilmente induzido em confusão, por duas razões: em primeiro lugar, porque, não se resumindo a marca da recorrida ao elemento "TRAFFIC", a análise a fazer tem de atender ao conjunto em que se insere, a comparar, depois, com o da (marca da) recorrente; em segundo lugar, porque não corresponde à realidade que aquele vocábulo goze de "nítida supremacia".

9ª - Também não é exacto que o dito vocábulo seja uma "expressão de fantasia" por excelência, uma vez que, não fazendo parte da língua portuguesa, tem um significado na língua inglesa, e aquela qualificação deve reservar-se para termos sem significado próprio, cujo objectivo é apenas a sonoridade que resulte de uma determinada combinação de letras.

10º, 11ª e 12ª - Sendo os conjuntos a comparar "TRAFFIC EUROPE", (marca) da recorrida, e "T-TrafficFleet" (marca) da recorrente, o elemento "TRAFFIC" não é, em si, tão relevante que domine os conjuntos e induza a confusão entre eles.

13ª - O primeiro conjunto é constituído por dois vocábulos nitidamente separados um do outro, grafados em letras maiúsculas, todas com a mesma dimensão, sem grafismo ou algo que dê especial destaque ou predominância a um deles.

14ª - Por seu turno, o da recorrente inicia-se com um T maiúsculo separado por um hífen da expressão "TrafficFleet", em que, exceptuando o T inicial e o F, as demais letras são minúsculas.

15º - No plano gráfico, o que o consumidor vê são duas "manchas" diferentes: no primeiro caso, uma uniforme, composta por duas palavras formadas por letras maiúsculas e separadas por um espaço; no segundo uma mistura de letras maiúsculas e minúsculas, em que se aglutinaram, sem obediência a regras ortográficas, dois vocábulos, de que apenas um é comum.

16ª - Essas diferenças gráficas têm inegável repercussão no plano fonético: no primeiro caso, o som que o consumidor ouve é "trafiquêurope", e no segundo "tê tráfiqueflête".

17ª - E também nesse plano não se vislumbra a alegada supremacia do vocábulo em causa, sendo o som que será mais facilmente retido pelo consumidor o que corresponde à parte final de cada uma das marcas.

18ª - Quanto à ausência de significado do vocábulo "TRAFFIC" considerada no acórdão recorrido: no que toca à marca da recorrente, o consumidor, porque desconhece o significado de cada um dos vocábulos, será "marcado" tanto no plano gráfico, como no fonético, pela impressão que os seus sentido apreendam do conjunto; no que respeita à marca da recorrida, o desconhecimento daquele vocábulo deverá ter como consequência provável que o consumidor seja influenciado pela expressão "EUROPE", a qual, embora também não portuguesa, será imediatamente entendida em toda a sua plenitude, quanto mais não seja pela sua proximidade com "EUROPA", da nossa língua.

19ª - É, ainda, de sublinhar o papel do "T" inicial seguido do hífen, por ser parte de um elevadíssimo número de marcas que pertencem à recorrente, o que demonstra bem o seu interesse em captar a atenção para esse elemento, que constitui uma forma de individualização relativamente às empresas concorrentes.

20ª - Independentemente da ineficácia, no nosso país, de decisões proferidas por entidades estrangeiras, é significativo que as marcas em questão coexistem em mais de 20 países.

21ª - O registo internacional da recorrente não configura imitação de marca alheia; e inexiste o risco para o consumidor português de confundir uma marca com a outra.

22ª - Não existe imitação, nem risco de confusão, pelo que não serão possíveis situações de concorrência desleal.

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

3. A matéria de facto a ter para tanto em conta é a já indicada em 1., supra, que, por isso mesmo, seria ocioso repetir.

A questão a resolver encontra-se perfeitamente definida na conclusão 21ª da alegação da recorrente:

Resume-se, enfim, à seguinte interrogação: há, ou não, risco para o consumidor português de confundir a marca registanda com a marca registada? (2)

Nemine discrepante, a questão assim colocada foi reportada à lei nacional - cfr. artigos 165, 189, n. 1, alínea m), 193, n. 1, e 203, CPI95.

Assim, por isso, se irá, antes de mais, abordar.

4. Em questão a eficácia distintiva da marca registanda, considerada insusceptível de constituir instrumento de diferenciação no confronto com os produtos e serviços semelhantes a coberto da marca registada, logo, no entanto, o princípio da especialidade consagrado na alínea b) do n. 1 daquele artigo 193 obsta, de facto, à consideração, a este respeito, da marca nacional - "Traffic", sem mais - invocada pela ora recorrida. Na verdade:

O erro ou confusão do consumidor que a lei pretende evitar é apenas, de harmonia com a sobredita disposição legal e por força do referido princípio nela estabelecido, o que possa ocorrer em relação a produtos ou serviços idênticos ou similares, cuja afinidade resulta de terem destino, aplicação ou utilidade idêntica ou complementar.

A incidência desse princípio impede o titular de uma marca de reagir contra o uso do seu sinal em produtos ou serviços diferentes daqueles para que essa marca se encontre registada. (3)

Relativa, aquela marca nacional, a "serviços relacionados com a conservação da fauna selvagem em todas as suas formas; orientação do comércio e produtos da vida selvagem e elaboração de relatórios sobre os mesmos" (4), a marca registanda, no que ora se encontra em crise, ou se refere a produtos (e não, portanto, a serviços (5)), ou diz respeito a serviços, de programação informática, que nada têm que ver com os que se encontram a coberto da predita marca nacional.

5. Em vista, por outro lado, do número desse registo, não sofre dúvida a anterioridade do registo da marca internacional da reclamante, ora recorrida, a que alude a alínea a) do n. 1 do artigo 193 CPI.

No que se refere a essa marca, a conformação da reclamação com o falado princípio da especialidade estabelecido na alínea seguinte resulta imediatamente da coincidência dos números do reportório ou classes da tabela em referência (6).
Em crise está, agora, apenas, a questão da efectiva ocorrência, ou não, do requisito de imitação proíbida a que se refere a alínea c) daquele normativo, que é a verificação de semelhança gráfica, figurativa ou fonética susceptível de facilitar erro ou confusão do consumidor, ou risco de associação, semelhança essa tal que a distinção só se revele possível mediante confronto ou exame atento (7).

Há risco de erro ou confusão sempre que a semelhança possa dar origem a que um sinal seja tomado por outro, ou a que o público considere que há identidade de origem ou proveniência dos produtos ou serviços a que os sinais se destinam (8).

Isto posto, existe, na realidade, a nosso ver, a clara probabilidade de confusão que a recorrente sustenta não ocorrer. Com efeito:

6. Em causa o princípio da novidade da marca, destinado a proteger a sua função individualizadora, e, designadamente, de identificação da proveniência do produto ou serviço, a apreciação da confundibilidade assenta em dois princípios fundamentais, a saber:

a) - deve fundar-se num exame rápido, e, por isso, sintético, da marca, no seu todo (mais ou menos complexo);
b) - deve ser feita com referência à impressão geral suscitada no consumidor médio dos produtos ou serviços em questão (9), ao qual será raro mostrar-se possível proceder a um exame comparativo.

Menos pertinente, pois, para este efeito, uma indagação analítica das particularidades que no caso ocorram, importa ter em conta a impressão global, sintética, de conjunto (10), própria do público consumidor, que, desvalorizando pormenores, se concentra no(s) elementos(s) fundamental(is) (11), dotado(s) de maior eficácia distintiva (12).

De reter é, por fim, que a comparação que define a semelhança é a que tem em conta "um sinal e a memória que se possa ter doutro" (13).
Tratando-se de marcas nominativas, o aspecto a considerar em primeiro lugar é o da semelhança fonética, por ser o que a memória retém melhor (14). Ora:

Em causa marcas nominativas complexas, o elemento individualizante - o que melhor capta a atenção do consumidor médio (15) e de que este conserva memória - é, sem dúvida alguma, neste caso, a palavra mais sonante - "Traffic", que é o núcleo ou coração, por assim dizer, tanto da marca registada como da marca registanda.

A esse elemento predominante. acresce apenas, na marca registada, uma designação geográfica, de natureza claramente acessória, secundária. Na marca registanda, soma-se-lhe o T inicial, e o elemento final, mesmo se graficamente (só) separado pelo F maiúsculo, "Fleet" - elementos estes, se bem se crê, menos susceptíveis de chamar a atenção do consumidor; tal como, aliás, a grafia em maiúsculas ou em minúsculas com duas maiúsculas e hífen intercalados; e por isso sem a eficácia distintiva que a recorrente lhes atribuiu.

Na fórmula clássica (- nessa medida, de facto, inevitável ... -) de Bedarride (16), a questão da imitação deve ser apreciada pela semelhança que resulte do conjunto dos elementos que constituem a marca e não pelas dissemelhanças que ofereçam os diversos pormenores isolada e separadamente considerados.

Longe, a nosso ver, da aventada diluição no conjunto, é o vocábulo "Traffic", que, no seu efeito auditivo e visual, fonética e graficamente se destaca, avulta, e prevalece numa e noutra das marcas em questão, propiciando a indução do consumidor em erro ou confusão.

Não mereceria, nesta base, censura a decisão das instâncias.

Nada tira ou põe ao que vem de considerar-se o significado da palavra aludida, ao alcance, aliás, de qualquer um, não tanto por a língua inglesa constituir já, por assim dizer, o esperanto deste nosso tempo, mas dada, sobretudo, a similitude com o vocábulo português equivalente; sobrando também tratar-se de expressão sem relação específica com os produtos e serviços em referência; hoc sensu, arbitrária; bem que não de fantasia como menos bem adiantou a Relação (17).

Posto que se trata de marca internacional, impõe-se, no entanto, sobrestar neste discurso, e ponderar se é, efectivamente, o nosso o direito aplicável. Com efeito:

7. O artigo 203 CPI95, ora em vigor, reproduz o artigo 113 do anterior CPI40.

Na vigência desse artigo 113, este Tribunal decidiu, por mais de uma vez (18), que, de harmonia com o artigo 6, quinquies - A)-1) da Convenção de Paris da União Internacional para a Protecção da Propriedade Industrial de 20 de Março de 1883, na versão resultante do Acto de Estocolmo de 14 de Julho de 1967, aprovado para ratificação por Portugal pelo DL 22/75, de 22 de Janeiro, e mandado aplicar pelo artigo 5, n. 1, do Acordo de Madrid relativo ao Registo Internacional de Marcas de 14 de Abril de 1891 (DL n. 41734, de 16 de Julho de 1958) (19) - direito supranacional este objecto da cláusula geral de recepção plena inserta no artigo 8, n. 2, da Constituição -, o registo nacional de marca internacional regularmente registada no país de origem só pode ser recusado caso se verifique alguma das circunstâncias taxativamente indicadas no artigo 6 - quinquies - B) dessa Convenção.

Tal assim, diga-se, qualquer que seja a posição que se assuma na questão, controvertida, do valor hierárquico do direito internacional pactício no nosso ordenamento jurídico, isto é, da prevalência, ou não, desse direito sobre o direito interno, visto ser de aplicar, nesta última hipótese, o princípio segundo o qual lex posterior derogat prior (20).

8. O mesmo vale, conforme explica Coutinho de Abreu (21), relativamente ao vigente artigo 203, em vista do artigo 5, n. 1, do sobredito Acordo de Madrid e do Protocolo relativo a esse Acordo de 27 de Junho de 1989, aprovado em Conselho de Ministros de 12 de Junho de 1996 e ratificado em 27 de Setembro de 1996, conforme Decreto n. 31/96, de 25 de Outubro.

Em suma: permanece exacto que no âmbito da Convenção de Paris, a recusa de protecção a uma marca internacional não pode basear-se directa e exclusivamente nos factores previstos para as marcas nacionais, atendíveis somente enquanto contidos nas restrições previstas no artigo 6 - quinquies - B) dessa Convenção (22).

Uma das hipóteses que esta prevê é, consoante n. 2 desse preceito, a de a marca internacional ser desprovida "de qualquer carácter distintivo", isto é, segundo Acórdão deste Tribunal de 5 de Fevereiro de 1991, "na ausência total de qualquer sinal que a especialize" (23).

Não será esse, há que convir, o caso ocorrente. No entanto:

9. A primeira das restrições constantes do predito artigo 6 - quinquies - B) é, conforme seu n. 1, a de a marca registanda ser susceptível de "implicar lesão de direitos adquiridos por terceiros no país em que a protecção é requerida".

A última - seu n. 3 - é a contrariedade à moral ou ordem pública. Prevê-se aí, especialmente, a hipótese de marcas susceptíveis de enganar o público; e ressalva-se, a final, a aplicação do artigo 10-bis.

O artigo 10-bis, n. 3, da mesma Convenção institui, por sua vez, a obrigação dos países da União de assegurar aos nacionais de todos os países da mesma protecção efectiva contra a concorrência desleal, que, consoante seu n. 2, qualquer acto de concorrência contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial constitui. Isto posto:

10. A marca serve para identificar os produtos ou serviços propostos ao mercado, distinguindo-os dos congéneres; e é através, desde logo, dessa função identificadora e distintiva que, do mesmo passo que se protege o público consumidor de eventual confusão, se favorece a empresa no jogo da concorrência, garantindo ao titular o seu direito a que o público não seja confundido (24).

Independentemente de intenção (25), importa, pois, risco de concorrência desleal o registo permissivo do uso de marca susceptível de dar lugar a confissão com produtos ou serviços doutrem e a eventual erro e desvio, por isso, da clientela deste último (26).

É isso mesmo que o n. 3 do artigo 10 - bis da Convenção de Paris especialmente proíbe em 1.º lugar; e essa confusão é, neste caso, como já concluímos (em 6., supra), fácil.

Em aplicação do artigo 10 - bis dessa Convenção, que o seu artigo 6 - quinquies - B), a final, ressalva, a protecção devida ao titular de marca registada pode consistir na recusa do registo de outra, com fundamento em concorrência desleal, quando a marca internacional registanda for susceptível de induzir o público em erro, nomeadamente quanto à proveniência dos produtos e serviços a que se destina.

Presente ainda o disposto nos artigos 664, 713, n. 2, e 726 CPC, alcança-se, por estas razões, a seguinte.

DECISÃO:

Nega-se a revista.

Mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Após trânsito, observe-se o prescrito no artigo 44 CPI (remessa de cópia ao INPI).


Lisboa, 26 de Abril de 2001.
Oliveira Barros,
Miranda Gusmão,
Sousa Inês.


(1) V.também seu artigo 203. Encontra-se resenha útil da legislação em anotação publicada no BMJ 483/245 - 1.1.
(2) Bem que constituam matéria de facto os elementos susceptíveis de enquadrar o conceito jurídico de imitação (Ac. STJ de 30/09/84, BMJ 340/416-II), é orientação corrente deste Tribunal que é questão de direito apurar da existência ou não de imitação em face das semelhanças ou dissemelhanças fixadas pelas instâncias. Assim se nota no Ac. STJ de 10/12/97, CJSTJ, V, 3.º, 163-5., que cita o de 3/7/86, BMJ 359/726. Era doutrina já do AC. STJ de 16/7/76, BMJ, 259/239 e 241-2. (que, por sua vez, refere o de 31/7/73, BMJ 229/208-I); e constituía, já então, doutrina pacífica (idem, 243, anotação, onde se referem outros mais). Ex abundanti, V., ainda, ARP de 19/4/86, CJ, XI, 2º, 208-I, com os aí referidos (idem, 209, 2ª col.).
(3) Pedro Sousa e Silva, "O Princípio da Especialidade das Marcas", ROA, ano 58, Janeiro de 1998, 380 e 392 ss. V. também ARL de 22/6/77, CJ, II, 668-I.
(4) Ainda quando não justificável pela parte final do n. 2 do artigo 524 CPC, a junção pela recorrente, com a sua alegação, de fotocópia da competente publicação no Boletim da Propriedade Industrial não sofreu oposição da parte contrária, pelo que sempre valeria, neste caso, o disposto nos artigos 201, n. 1, 202, 2.ª parte, 203 e 205, n. 1, CPC.
(5) V., sobre este ponto, Ac. STJ de 10/12/97, CJSTJ, V, 3º, 162-III.
(6) O corpo do artigo 94 CPI de 1940 (aprovado pelo Decreto n.º 30679, de 24/8/1940), a que se refere o Ac. STJ de 12/3/91 proferido no Proc. n.º 79884 e sumariado no BMJ 490/289 (anotação) (I), ora substituído, nessa parte, pela alínea b) do n. 1 do artigo 193 do CPI aprovado pelo DL 16/95, de 24/1 (em vigor desde 1/6/95, e cujo artigo 8, alínea b), revogou o CPI 40), exigia que as marcas se destinassem a objectos ou produtos inscritos no reportório sob o mesmo número ou sob números diferentes, mas de afinidade manifesta. Constitui, em todo o caso, matéria de facto que excede o âmbito de conhecimento próprio deste tribunal de revista a existência de semelhança ou afinidade, em termos de susceptibilidade de erro ou confusão, entre produtos da marca que se pretende registar e de marca(s) (já) registada(s) - Ac. STJ de 12/1/99, BMJ 483/214-II.
(7) V., reproduzindo a lei, sumário do AC. STJ de 12/10/99, BMJ 490/283-I e II.
(8) Carlos Olavo, "Violação do Direito à Marca", ROA, ano 127, Jan./Jun. 1995, 56, e "Propriedade Industrial" (1997), 53.
(9) Carlos Olavo, Rev. e loc. cits., e ob. cit., 56, citando Ferrer Correia (ob. e ed. cits., 347); Oliveira Ascensão, "Direito Comercial - II - Direito Industrial" (1988), 151; Coutinho de Abreu, "Curso de Direito Comercial", I (1998), 343; Ac. STJ de 20/10/92, BMJ 420/606.
(10) V., V.g., Acs. STJ de 3/11/81, BMJ 311/401-II, e de 14/6/95, CJSTJ, III, 2.º, 130-3.
(11) Invertendo, embora, a ordem das alíneas, seguiu-se o n. 7, "L'accertamento della confondibilitá", do cap. IV, "La Concorrenza Sleale, Le Fattispecie", da autoria de Gustavo Ghidini, do vol. IV (pp. 175 ss) do "Trattato di Diritto Commerciale e di Diritto Pyblico dell'Economia" dirigido por Francesco Galgano, (1981). (Esta obra pode ser consultada na biblioteca da Relação do Porto). Sobre a mesma questão, v., do mesmo G. Ghidini, "La Concorrenza Sleale" (1971), 71,81, e 102 a 106 (obra existente na bilblioteca da Ordem dos Advogados, no Porto). Uma vez presente que, como notado por Ferrer Correia ("Estudos Jurídicos", II, 237), logo consoante artigo 1 CPI, a tutela da propriedade industrial tem por finalidade precípua "garantir a lealdade da concorrência", não surpreende que a questão da confundibilidade dos sinais distintivos de comércio seja tratada a propósito da concorrência desleal - instituto autónomo, embora, como, designadamente, esclarece Carlos Olavo, "Propriedade Industrial - Noções Fundamentais - &4.º - A Concorrência Desleal", CJ, XII, 4.º, 13 (25.)-14, e 15, 2.ª col. Daí que se atribua a estas considerações a virtualidade de outrossim fundarem a conclusão alcançada a final. Com efeito, e como, mais, elucida Carlos Olavo naquele mesmo trabalho (parágrafo 1.º - Generalidades, na CJ, XII, 1.º, 16-4.; pode ver-se o mesmo no seu livro "Propriedade Industrial" (1997), 11 (4.) a 15, a propriedade industrial reconduz-se essencialmente, por um lado, à atribuição da faculdade de utilizar certas realidades imateriais, de que fazem parte os direitos privativos da propriedade industrial, e, por outro, na imposição de certos deveres, cuja violação importa concorrência desleal. Resulta, por isso, se bem se crê, facilitada a compreensão daquela conclusão.
(12) Ferrer Correia, "Lições de Direito Comercial", I (19659, 349; Oliveira Ascensão. "Direito Comercial -II- Direito Industrial" (1988) 155.
(13) Carlos Olavo, "Propriedade Industrial" (1997), 51.
(14) Carlos Olavo, ibidem, 52, citando o Ac. STJ de 16 de Julho de 1976, BMJ 259/239-III, já mencionado (nota 1).
(15) Sobre a referência ao consumidor médio, v. a doutrina citada no BMJ 199/348, anotação II.
(16) Citado por Pouillet no "Traité des marques de Fabrique et de la Concurrence Déloyale em Tous Genres", 314, por sua vez citado por Pinto Coelho, "Lições de Direito Comercial", 1º (3ª ed.), 426. Cfr. Ac. STJ de 23 de Julho de 1980, BMJ 299/347 e ARL de 2 de Maio de 1980, CJ, V, 3º, 155, e de 23 de Abril de 1985, CJ, X, 2º, 143, 2ª col.
(17) Não pode considerar-se expressão de fantasia um vocábulo conhecido, mesmo se em língua estrangeira. A expressão de fantasia, a que aludia o parágrafo único do artigo 201 CPI 40, é, por sua definição, fruto da imaginação, destituído de correspondência na realidade.
(18) Acs. STJ de 5 de Fevereiro de 1991, BMJ 404/473 ss, e de 11 de Novembro de 1997, BMJ 372/406 ss (v. I e II) e CJSTJ, V, 3º, 127 ss. (Para melhor compreensão da hipótese versada no primeiro, v. Nogueira Serens, "marcas de Forma", CJ, XVI, 4º, 60-3.2 e 65 a 67 (5.5.5 e 5.5.6).
(19) Foi revisto várias vezes. V., para melhor esclarecimento, BMJ 483/245, anotação 1.1.
(20) V., ainda, Ruy de Matos Corte Real, "CPI" 5.ed. (1982), 111, nota 4 ao artigo 113, e Abílio Neto e Pupo Correia, "Propriedade Industrial" (1982), 165-166.
(21) "Curso de Direito Comercial", I (1998), 346-347. Entende, seguindo assim a opinião de Ferrer Correia (v. também Nogueira Serens, parecer cit. CJ, XVI, 4º, 69-64), que esse artigo 203 deve considerar-se revogado, quer - tomando assim partido na controvérsia referida no texto - por violar normas de direito internacional hierarquicamente superiores, quer por o Protocolo ter entrado em vigor na ordem interna depois do CPI. Sobre a primazia do direito internacional, v. Pareceres da PGR, vol. I, 128 a 132. Como recordado no já mencionado Ac. STJ de 5 de Fevereiro de 1991, BMJ 404/476-5., a questão foi muito debatida a propósito dos juros das letras. Sobre a divisão da doutrina a esse respeito, v. já referido Ac. STJ de 11 de Novembro de 1997, BMJ 371/410, também na CJSTJ, V, 3º, 128-II.
(22) Ibidem, 412-IV e 129-IV, respectivamente. Como refere Oliveira Ascensão, "Direito Comercial - II - Direito Industrial" (1988), 148-III, de harmonia com essa div.B), a Convenção de Paris impõe-se às legislações nacionais, determinando os critérios relevantes para a recusa de protecção a marca internacional, e estabelecendo, mesmo, expressamente, que "a simples contrariedade à lei do país onde o registo é requerido não basta para a recusa do registo da marca". Como faz notar, "há aqui uma discriminação em benefício (...) das marcas que têm como país de origem um país (...) membro da União". Essas marcas "são imunes às limitações da lei portuguesa", ficando limitadas apenas "pelas próprias previsões da Convenção".
(23) BMJ 404/473-II e 475, antepenúltimo parágrafo, onde se transcreve o preceito em causa. No citado Acórdão, também deste Tribunal, de 11 de Novembro de 1997, publicado no BMJ 371/406 ss e na CJSTJ, V, 3º, 127 ss,
lê-se que aquela disposição (aí não transcrita) prevê "recusas por falta de elementos suficientemente distintivos" (idem, 411-III, 7º par. e 128-III, respectivamente). Caberia, a ser assim, recordar que, como anotado no BMJ 483/245-1. 1., a publicação do CPI 95, ora vigente, decorreu da necessidade de satisfazer não apenas as directrizes da União Europeia mas também as regras de harmonização internacional. Nesta base, valeria ainda quanto exposto no texto à luz do direito nacional (6., supra). É, no entanto, mais rigoroso, a nosso ver, o discurso adiantado no texto.
(24) Sobre as funções da marca, v., para melhor desenvolvimento, "Carlos Olavo, Propriedade Industrial - Noções Fundamentais", cit., "parágrafo 2º - Marca", CJ, XVII, 2º, 21-7., Pedro Sousa e Silva, "O Princípio da Especialidade das Marcas", na ROA, ano 58, Janeiro de 1998, 381 ss, e Couto Gonçalves, "Função Distintiva da Marca" (1999), 25 a 34 e 115 a 118. Colheu-se, bem assim, passo de artigo do segundo no Jornal do INPI.
(25) Como expressamente referido na alínea d) do n. 1 do artigo 25 CPI. Esclarece Moitinho de Almeida, em "Publicidade Enganosa" (ed. Arcádia, colecção BAB - Biblioteca Arcádia de Bolso -, 1974), 50-5, que os usos honestos serão os observados pelos empresários considerados leais pela generalidade das pessoas, mas que a apreciação da lealdade respeita ao acto e não ao empresário que o pratica.
(26) Como de modo mais geral observado em Ac. STJ de 26 de Setembro de 1995, BMJ 499/365-II e III e 371-10.-372, que cita Ferrer Correia. Fazendo igualmente notar o papel complementar e integrativo da tutela concorrencial relativamente à dos sinais distintivos do comércio, v. Orlando de Carvalho, "Critério e Estrutura do Estabelecimento Comercial", 81 ss, nota 48, e G. Ghigini, "La Concorrenza Sleale", cit., 61.