Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00021096 | ||
Relator: | CARLOS CALDAS | ||
Descritores: | DIVÓRCIO PROCESSO DE INVENTÁRIO RELAÇÃO DE BENS CONSULTÓRIO MÉDICO | ||
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Nº do Documento: | SJ199310280842661 | ||
Data do Acordão: | 10/28/1993 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC | ||
Tribunal Recurso: | T REL ÉVORA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 593/92 | ||
Data: | 01/07/1993 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV - PROC INVENT. DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR CONTRAT. | ||
Legislação Nacional: | CPC67 ARTIGO 1327 N4 ARTIGO 1337 N1 ARTIGO 1338 N1. CCIV66 ARTIGO 206 N2. DL 321-B/90 DE 1990/10/15 ARTIGO 112 ARTIGO 113 ARTIGO 114 ARTIGO 115 ARTIGO 116 ARTIGO 117. | ||
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Sumário : | O consultório médico é uma universalidade de facto, distinta da pluralidade de coisas que dele fazem parte, e que, como tal, deve relacionar-se em processo de inventário. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na comarca de Évora foi requerido, pelo Dr. A, inventário facultativo para partilha dos bens do casal, em consequência do divórcio decretado entre si e a ex-cônjuge B. Apresentada a relação de bens, reclamou da mesma a B que pediu a exclusão de uns bens e a inclusão de outros, designadamente, dois automóveis e um consultório médico instalado em prédio tomado de arrendamento. Respondeu o cabeça de casal e, depois de produzidas as provas oferecidas pelos litigantes, foi proferido despacho a ordenar que fossem retiradas da relação algumas verbas e que nela fosse incluído o consultório médico, remetendo-se para os meios comuns quanto aos demais bens objecto de controvérsia. O Tribunal da Relação de Évora, contudo, revogou o despacho na parte respeitante às verbas ns. 1938, (que na 1 instância haviam sido mandadas retirar da relação) remetendo os interessados para os meios comuns e manteve o decidido quanto ao mais, designadamente quanto à ordenada relacionação do consultório médico. Agravou o cabeça de casal do Acórdão respectivo, sustentando que o consultório médico não pode ser relacionado e dizendo que foram violados os artigos 206 do Código Civil e 1338, n. 1, alínea j) do Código de Processo Civil. A recorrida não apresentou alegações. Cumpre apreciar e decidir. Matéria factual que a Relação deu como provada: O consultório médico do Dr. A está situado em prédio arrendado e é formado por um conjunto variado de móveis, completamente discriminados nos autos. Questão a resolver e saber se um consultório médico, constitui ou não uma coisa nova, diferente dos elementos que o constituem, e se, como tal, deve ser descrito para efeitos de partilha dos bens do casal, em consequência do divórcio dos respectivos cônjuges. Nas instâncias entendeu-se que o consultório médico devia ser descrito como um bem autónomo, sendo constituído por todos os elementos que o integram, designadamente os móveis e o direito ao arrendamento do local onde está instalado, um pouco à semelhança do que sucede com o "estabelecimento comercial". Vejamos da bondade do decidido, ou seja se se decidiu bem, considerando-se, como se considerou, o consultório. O inventário divisório (como este é) tem por finalidade não, apenas, relacionar, avaliar e descrever os bens a partilhar como, também, determinar o modo como esses bens devem ser partilhados. Compete ao cabeça de casal relacionar todos os bens que hão-de figurar no inventário - artigo 1327, n. 4 do Código de Processo Civil. O artigo 1337, n. 1 do mesmo Código estabelece que os bens serão especificados por verbas numeradas e pela seguinte ordem: direitos de crédito, títulos de crédito, dinheiro, moedas estrangeiras, objectos de ouro, prata e pedras preciosas e semelhantes, as restantes coisas móveis, os imóveis. No artigo 1338, n. 1 impõe-se ao cabeça a obrigação de, além de os relacionar, indicar o valor dos bens sempre que se trate de: a) Prédios inscritos na matriz; b) Títulos de crédito, moedas estrangeiras e objectos de ouro, pratas e pedras preciosas e semelhantes; c) Direitos de crédito ou de outra natureza; d) Estabelecimento comercial ou industrial; e) Acções e partes ou quotas em sociedade; f) Móveis de pequeno valor; O Estabelecimento comercial é uma universalidade ou unidade jurídica. Na universalidade depara-se-nos um complexo de coisas pertencentes ao mesmo sujeito e tendentes ao mesmo fim, que a ordem jurídica reconhece e trata como formando uma coisa só (Castro Mendes Dir. Civil, Teoria Geral 1979, II-222, nota 2). Existem universalidades de facto, a que alude o artigo 206 do Código Civil e universalidades de direito. Na universalidade de facto, a pluralidade de coisas que a compõem, pertencem à mesma pessoa e têm um destino unitário. Contudo - n. 2 do artigo 206 - as coisas singulares que formam a universalidade, podem ser objecto de relações jurídicas próprias. Quer dizer, existe, na universalidade, um conjunto de coisas simples que tem uma individualidade económica própria, mas, por outro lado, aquelas coisas que integram o conjunto têm, também, uma individualidade económica, um valor próprio no comércio, independente da agregação em que se encontram. Pode vender-se todo um rebanho, como se pode vender apenas, um dos animais que o compõem. Pode doar-se uma biblioteca e determinada colecção como se pode trocar ou vender um livro daquela ou um objecto desta. No artigo 1338 do Código Civil prevê-se, apenas a universalidade estabelecimento comercial como bem que o cabeça de casal, além de relacionar, deve indicar o seu valor. Como é bem evidente, o facto de, nem no artigo 1337, nem no artigo 1338, se falar em geral, ou no particular, em outras universalidades, não significa que num inventário se devem relacionar, uma por uma, as coisas que fazem parte duma universalidade, omitindo que elas fazem parte de um conjunto que tem um valor "a se" que pode ser diferente e mais elevado do que a mera soma aritmética do valor de cada coisa que o compõe. Será um consultório médico uma universalidade que como tal deva ser relacionada num inventário? A resposta está em saber o que aquele é: um conjunto de coisas juntas a ermo, ou um conjunto de coisas que, dada a sua utilização e função, têm um destino unitário? É evidente que vamos pelo segundo termo da alternativa. Fazem parte de um consultório médico uma diversidade de coisas móveis que pertencem a um ou vários médicos e que têm um destino unitário, que é o exercício da medicina. Num consultório existe um conjunto de aparelhos , mais ou menos sofisticados, existem ficheiros, medicamentos, etc., destinados a observar os doentes e a fazer ou auxiliar a fazer diagnósticos e a tratar estes. Um consultório tem a sua clientela. A sua localização tem um valor a considerar. Se um médico vender o seu consultório valoriza o mesmo, tendo em atenção o valor do conjunto e não e apenas as coisas que o compõem. É pois evidente que existe certa semelhança do consultório médico com o estabelecimento comercial. E tanto é verdade que a lei considera o consultório médico com um valor intrínseco que prevê o seu trespasse, como resulta do artigo 117 do Decreto-Lei 321-B/90, de 15 de Outubro R. A. U., que manda aplicar aos arrendamentos para o exercício de profissões liberais o disposto nos artigos 112 a 116, sendo certo que o artigo 115 se refere ao trespasse do estabelecimento comercial e industrial. É pois, o consultório médico uma universalidade de facto, como tal, deve ser relacionado, havendo um inventário, pois que , em si, ele constitui uma coisa diferente da pluralidade de coisas que daquela fazem parte. Como já se disse o somatório do valor de cada coisa que compõe uma universalidade não é igual ao valor da universalidade em si, valor este que, quase sempre, é muito superior àquele somatório. Daí decorre que pode haver prejuízo relevante, no caso de inventário para partilha dos bens de ex-cônjuges, prejuízo esse que irá afectar um destes, se, em vez de relacionar uma universalidade de facto, se relacionarem as coisas que a compõem. Pelo exposto nega-se a revista, digo nega-se provimento ao recurso. Custas pelo recorrente. Lisboa, 28 de Outubro de 1993. Carlos da Silva Caldas. Correia de Sousa. Cura Mariano. Eduardo Augusto Martins (vencido como relator de harmonia com a declaração de voto junta). DECLARAÇÃO DE VOTO. É sabido que o inventário divisório (e este reveste essa natureza) tem por finalidade não só relacionar, avaliar e descrever os bens a partilhar mas ainda determinar o modo como devem ser partilhados. E sabido é também que o cabeça de casal tem de relacionar todos os bens que hão-de figurar no inventário (Código de Processo Civil, artigo 1327, n. 4). Conforme estabelece o artigo 1337, n. 1, do citado Código, os bens serão especificados por verbas numeradas e pela ordem seguinte: direitos de crédito, títulos de crédito, dinheiro, moedas estrangeiras, objectos de ouro prata e pedras e semelhantes, as restantes coisas móveis, os imóveis. E segundo o artigo 1338, além de os relacionar o cabeça de casal indicará o valor dos bens sempre que se trate, além de outros, de: a) Direitos de crédito ou de outra natureza; b) Estabelecimento comercial ou industrial; c) Imóveis de pequeno valor. Como escreve Lopes Cardoso, "Partilhas Judiciais", I volume, página 453, a par de direitos de crédito" propriamente ditos (dívidas activas) outros direitos e acções podem existir... que, sendo embora de natureza diversa, devem ser relacionados sob esta rubrica. Estão neste caso... os direitos aos arrendamentos e, em nota, (1251) "Para profissão liberal ou exercício de comércio ou industria". E, Flamino Martins, "Processos Sucessórios", volume II, página 20, afirma que nesta rubrica (Direitos de outra natureza) devem ser incluídos todos aqueles direitos não contidos nas outras rubricas e que tenham um valor económico. A, nossa lei como se vê daqueles artigos 1337 e 1338, não alude à figura do "consultório ou à do escritório" para o exercício de profissões liberais, ao contrário daquilo que sucede com o estabelecimento comercial ou industrial. E compreende-se que assim seja. Na verdade, sendo o estabelecimento comercial ou industrial uma unidade económica ou, como diz Galvão Teles, "uma organização económico-jurídica constituída pelos bens materiais e imateriais destinados ao exercício de determinado comércio ou industria (cfr. ac. S.T.J. de 6.6.1961, in Boletim 108, página 412), ou ainda, como escreve Orlando Carvalho, "uma organização concreta de factores produtivos como valor de posição no mercado, organização, por conseguinte, que, concreta como é, se exprime e sensibiliza em certo número de bens com suficiente autonomia jurídico-económica para se imporem no tráfego como bens a se stantibos (local ou direito ao local, mobiliário, utensílios, máquinas, matérias primas, mercadorias, contratos, firma, insígnia, nome do estabelecimento, direitos de patente, direitos de autor, etc.) - cfr. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 115, página 167 - logo se vê que não tem qualquer semelhança ou afinidade com o consultório médico. Certo que, como se refere no douto acórdão recorrido, o consultório é formado por uma diversidade de coisas móveis que, pertencendo ao mesmo médico ou, grupo de médicos têm um destino unitário que é o exercício da actividade médica. Mas, afirma-se que essas coisas, assim unificadas pelo, seu destino, fazem surgir uma "coisa" nova é que não se tem por correcto. Efectivamente, esquece-se que o factor mais importante do "consultório" é o próprio médico, que é ele, com a sua individualidade própria que lhe dá o nome, com a sua clientela, de harmonia, aliás, com a sua competência, zelo, simpatia pessoal, etc. É ele, na realidade, que empresta um valor acrescido ao local onde exerce a sua actividade profissional, constituindo a sua pessoa o factor primeiro, quase poderia dizer-se único, de valorização do "consultório". Pode fundadamente afirmar-se que o "consultório médico" está indissoluvelmente ligado ao profissional da medicina que nele trabalha. Desaparecendo o médico, desaparece com ele o consultório, aquele consultório; embora permaneçam os elementos materiais (local ou direito ao local, mobiliário, livros, utensílios, etc.), o consultório extinguir-se-à. E se outrem vier ocupar o lugar deixado vago pelo médico anterior o "consultório" será naturalmente diferente. Coisa diversa sucede com o estabelecimento comercial ou industrial, que permanecerá o mesmo ainda que o respectivo empresário mude, uma ou mais vezes. Concluo, pois, que o "consultório" não constitui um bem diferente dos elementos materiais que o constituem, não tendo que ser relacionado autonomamente. Nem o facto, invocado, aliás, no douto acórdão impugnado, de o artigo 117 do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n. 321-B/90, de 15 de Outubro, dizer aplicável aos arrendamentos para o exercício de profissões liberais o disposto nos artigos 112 a 116, nos quais está incluído o respeitante ao trespasse de estabelecimento comercial ou industrial, invalida a posição tomada. Com efeito, por um lado, do simples elemento literal, apenas é lícito concluir-se que pode haver trespasse do local onde se exerce qualquer profissão liberal e nada mais do que isso, sem que daí possa deduzir-se que, nesse caso, haja um bem diferente do conjunto dos bens transferidos. Por outro lado, a disposição do artigo 117, ao remeter para o artigo 115, parece perfeitamente inútil em vista do preceituado no artigo 118, onde se refere que a posição do arrendatário é transmissível por acto entre vivos, sem autorização do senhorio, a pessoas que no prédio arrendado continuem a exercer a mesma profissão. Como acentua o Senhor Conselheiro Pais de Sousa, "Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano", página 228, "... julga-se que o previsto no artigo 118 para o exercício de profissão liberal é o equivalente ao referido artigo 115". Revogaria, pois, o acórdão recorrido. Eduardo Augusto Martins. |