Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª. SECÇÃO | ||
Relator: | GARCIA CALEJO | ||
Descritores: | EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO CONTRATO BILATERAL CARÁCTER SINALAGMÁTICO CARÁTER SINALAGMÁTICO CUMPRIMENTO DEFEITUOSO BOA FÉ | ||
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Data do Acordão: | 09/06/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO. | ||
Doutrina: | - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª Edição, p. 303 e 1061; RLJ n.º 119, p. 144; - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 7.ª Edição, p. 128, 129 e 275; - Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª Edição, p. 337 e 453; - Pais de Vasconcelos, Teoria geral do direito civil, 6.ª Edição, Coimbra, 2010, p. 532 a 534 e 542 a 543; - Pires de Lima e Antunes Varela, Código civil anotado, Tomo I, p. 405 e 406. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 428.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 11-12-2008; - DE 10-11-2009, AMBOS IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | A excepção do não cumprimento do contrato é própria dos contratos bilaterais, sendo que para que a excepção se aplique, não basta que o contrato crie obrigações para ambas as partes, sendo também preciso que as obrigações sejam correspectivas, correlativas ou interdependentes, isto é, que uma seja sinalagma da outra. - Com a celebração do contrato dos autos, resultaram obrigações para ambas as partes, obrigações que estão patentemente ligadas entre si por uma relação de interdependência, por um nexo de causalidade ou de correspectividade. Uma justifica a outra e vice-versa, pelo que a excepção do não cumprimento do contrato deve actuar. - Como resulta do art. 428º, a excepção do não cumprimento do contrato não nega a qualquer das partes o direito ao cumprimento da obrigação nem enjeita o dever de a outra cumprir a prestação. O que resulta ou origina a exceptio é a possibilidade de recusa da prestação por uma das partes enquanto a outra não efectuar a que lhe cabe, ou seja, tem somente um efeito dilatório, o de realização da prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação. - Em caso de cumprimento defeituoso da prestação e desde que a prestação efectuada prejudique a integral satisfação do interesse do credor, será possível a este opor a exceptio. Porém, não será de admitir o recurso à mesma se os defeitos da prestação, atendendo ao interesse do credor, tiverem escassa ou reduzida importância. Face à ideia da proporcionalidade e ao princípio da boa fé (consagrados na Lei Civil), a excepção não será oponível em caso de cumprimento defeituoso de reduzida importância. Tal meio de defesa deve ser proporcionado à gravidade da inexecução. - Das circunstâncias factuais provadas, não se tratou, no caso, de um incumprimento insignificante ou irrisório, tendo antes assumido um relevante cumprimento defeituoso. Daí que fosse possível à R. opor à A. a excepção do não cumprimento do contrato e assim, recusar o pagamento das facturas em questão remetidas pela A.. - Estando destruído o vínculo contratual entre as partes, subsiste em discussão o pagamento (parcial), pela R., das rendas vencidas pretendido pela recorrente. Como os factos provados não indicam que o equipamento, no período em causa, tenha estado parcialmente operacional e tenha do seu funcionamento resultado proveito económico para a R., a pretensão da A. improcede. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I- Relatório: 1-1-AA, Lda., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob forma de processo comum ordinário, contra BB Lda., pedindo a condenação da R. no pagamento das facturas vencidas, correspondentes a alugueres e cópias, bem como no pagamento de indemnização pelo incumprimento do contrato, correspondente às rendas que se venceriam até à data da cessação do contrato no termo do prazo acordado para a sua vigência, deduzido o valor obtido com a venda do equipamento, e ainda de juros legais vencidos, tudo no valor global de € 32.201,20, a que acrescem juros vincendos até efectivo e integral pagamento. Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou com a R. um contrato de aluguer de uma máquina impressora e que a R. deixou de pagar as respectivas facturas vencidas, respeitantes às alugueres e às cópias, o que levou a A. a resolver o contrato. Nesta sequência foi solicitada à R. a devolução da máquina, tendo esta procedido à sua entrega.
A R. contestou, invocando a excepção de não cumprimento do contrato, com fundamento em que desde o início a máquina apresentou deficiências de funcionamento, as quais foram sendo reportadas à A., mas apesar da assistência técnica prestada pela A., aquelas deficiências nunca foram definitivamente solucionadas, pelo que a R. suspendeu o pagamento das rendas, com o intuito de levar a A. a reparar ou substituir a máquina. Deste modo, a resolução do contrato não é válida. Ainda que assim se não entendesse, a indemnização peticionada não é devida, uma vez que a figura da perda de chance não tem acolhimento no nosso ordenamento jurídico, e mesmo que se entenda ter sido acordada uma cláusula penal, a A. recebeu a máquina de volta, e logo que o fez alugou-a, pelo que constituiria um abuso de direito ou enriquecimento sem causa o pagamento, pela R., das rendas vincendas, sendo tal cláusula nula e o seu valor excessivo. Por último, quem teve prejuízos com esta situação foi a R., pelo que invoca a excepção da compensação com o valor dos seus próprios prejuízos, cujo valor fixa em € 32.201,20.
A A. replicou, impugnando a matéria alegada pela R. a título de excepção.
O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença. Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente, e em conformidade condenou-se a R. BB Lda., a pagar à A.AA., Lda.: 1.“a) € 4.137,28, a título de capital; b) € 654,81, a título de juros de mora sobre a quantia aludida em a), até 31.07.2012; c) Juros de mora sobre a quantia aludida em 1., à taxa de 8% desde 01.08.2012 até 31.12.2012, 7,75% desde 01.01.2013 até 30.06.2013, 8,50% desde 01.07.2013 até 31.12.2013, 7,25% desde 01.01.2014 até à presente data, e à taxa legal desde a presente data até integral pagamento. 2. Condenar a A.AA, Lda. a pagar à R. BB Lda., a quantia que se liquidar em incidente de liquidação, relativa aos danos causados à R. em consequência do cancelamento dos trabalhos aludidos a fls. 104 a 108. 3. Reconhecer a declaração de compensação de créditos efectuada pela R., entre o crédito aludido em 1., a) e b) e o crédito aludido em 2., na parte em que os créditos referidos forem de igual montante, nos termos que vierem a resultar da decisão do incidente de liquidação”.
1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A.AA, Lda e a R. BB Lda, de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 11-2-2016, julgado procedente a apelação interposta pela R. revogando-se a sentença recorrida na parte relativa à condenação constante do ponto 1, da qual foi inteiramente absolvida, mantendo-se a condenação da A. nos moldes constantes do ponto 2) da decisão recorrida e julgando-se totalmente improcedente a apelação interposta pela A., revogando-se no mais a sentença objecto de recurso, considerando sem efeito a condenação constante do ponto 3, por inexistência de créditos a compensar.
1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A.AA, Lda para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: A. A Recorrente não se conformando com a decisão proferida pela 8ª Secção do TRL, dela vem recorrer porquanto, entende que o Tribunal a quo fez errada interpretação do direito aplicável aos factos apurados quando revogou a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância na parte em que condenou a Recorrida no pagamento das rendas vencidas e respetivos juros de mora á ora Recorrente. B. A Recorrente entende que o Douto Acórdão recorrido deverá ser revogado, mantendo-se a condenação da Recorrida no pagamento das rendas vencidas e respetivos juros de mora conforme condenação proferida pelo Tribunal de 1ª instância, pelo que a exceção de não cumprimento aplicada aos factos apurados o não pode levar ao não pagamento da totalidade das rendas vencidas no montante de € 4.137,28 (quatro mil, cento e trinta e sete euros e vinte e oito cêntimos) e respetivos juros de mora. C. Na apreciação do presente recurso deverá ter-se em atenção a qualificação jurídica efetuada pelo Tribunal de 1ª Instância - não colocado em causa pelo Acórdão recorrido -, de que estamos perante um contrato misto, ou seja, um contrato com caraterísticas do contrato de locação (i.e. Recorrente proporcionou à Requerida o gozo temporário de uma coisa móvel mediante retribuição) e do contrato de prestação de serviços (i.e. na medida em que o contrato celebrado implicava o fornecimento de consumíveis e assistência técnica ao bem locado), sendo por isso de aplicar o regime jurídico da locação civil, até porque, é para esse regime que o contrato remete. D. A exceção de não cumprimento, prevista no artigo 428º do Código Civil (adiante CC) tem uma função de retardar ou adiar o cumprimento da obrigação e não isentar a contraparte do pagamento total das rendas. E. A Recorrente nunca se negou a prestar os serviços de assistência técnica ao equipamento locado, tendo prestado sempre esse serviço à Recorrida, o que ocorreu até à data da suspensão dos respetivos serviços por a prestação da Recorrente se ter tornado insustentável face ao valor em dívida entretanto acumulado pela Recorrida. F. Conforme é reconhecido pela sentença do Tribunal de 1ª Instância, e não contrariada pelo Acórdão recorrido, a prestação dos serviços de assistência técnica deixavam o equipamento locado operacional e passível de ser utilizado pela Recorrida, sendo ainda de realçar que, para o período em que a Recorrida pretende fazer valer a exceção de não cumprimento, aquela não deixou de utilizar o equipamento locado, prova disso mesmo são as várias cópias registadas no equipamento e que foram faturadas pela Recorrente (cfr. factos provados). G. Neste período, a Recorrente pagou inclusiva mente à Recorrente o valor de € 250,83 (duzentos e cinquenta euros e oitenta e três cêntimos) pelas cópias produzidas no equipamento em causa, o qual foi devidamente abatido ao valor em dívida (vide ponto 15 dos factos provados da sentença de 1ª Instância e novamente não contrariado pelo Acórdão do TRL. H. A Recorrida não deixou de retirar por isso proveito económico do equipamento locado no período agora em causa situação que o Acórdão recorrido não teve em consideração e que levou a uma errada aplicação do direito. I. Deste modo, a exceção de não cumprimento não visa absolver o excipiens do pagamento da sua contraprestação, mas, tão só, reivindicar o direito de só a efetuar no momento em que a contraparte efetue a sua, paralisando-o temporariamente. J. Ora, se no período em causa (i.e. dezembro de 2010 a março de 2013, conforme faturas vencidas e peticionadas na ação) a Recorrente realizou a sua contraprestação (i.e. prestou os serviços de assistência técnica ao equipamento locado à Recorrida), e em consequência dessas intervenções resultou o pleno funcionamento do equipamento (vide o ponto 38 dos factos provados na sentença da 18 Instância) tendo a Recorrida retirado algum aproveitamento económico do mesmo, o Acórdão do TRL terá de ser revogado por errada aplicação do direito aos factos. K. De notar que a Recorrida não demonstrou na ação, de acordo com o ónus da prova que lhe competia (cfr. artigo 342º CC), qual foi o valor do seu prejuízo no período em causa, isto é, não indicou no processo, logo não provou, que valor correspondeu efetivamente ao seu prejuízo e que deveria ser reduzido no pagamento das rendas vencidas no período em causa, sendo certo que, no período relativo às rendas vencidas e peticionadas, o equipamento locado não esteve totalmente inoperacional, ou seja, não existiu no período em causa uma exclusão total do gozo da coisa locada por parte da Recorrida. L. Importa realçar que, quanto muito, e no limite, se o que o Acórdão do TRL queria revogar a condenação da Recorrida no pagamento do montante peticionado pela Recorrente a título de rendas vencidas e cópias excedentes - perante a matéria de facto provada -, deveria ter remetido o apuramento desse valor para a fase de liquidação de sentença. M. Ao revogar de forma total e definitiva o direito da Recorrente de poder receber o justo valor pelo proveito económico que ainda assim a Recorrida conseguiu retirar do equipamento locado durante o período em causa, mal andou o TRL na sua decisão. N. Face aos factos provados, no funcionamento da exceção de não cumprimento, haverá que ter sempre em conta critérios de boa-fé, situação que, salvo o devido respeito, o Acórdão recorrido foi totalmente omisso na apreciação da questão, resultando, por isso, numa decisão elaborada em claro erro de direito. O. Ora, tem-se admitido o funcionamento do instituto da exceção de não cumprimento no caso de incumprimento parcial ou de incumprimento defeituoso, porém, será sempre necessário intervir o princípio da boa-fé e a denominada "válvula de segurança" do abuso de direito, conforme artigos 762°, nº 2 e 334° do CC, nomeadamente através de critérios de proporcionalidade. P. A realização da prestação por parte da Recorrente - ainda que possa ser entendida ter sido realizada em termos parciais ou de forma imperfeita/defeituosa - não justifica, nem pode justificar, a recusa total do pagamento das rendas vencidas pela Recorrida, quer porque, objetivamente, não deixou de usufruir do bem em causa e retirar dele proveito económica (vejam-se novamente as cópias efetuadas neste período pelo equipamento locado), quer porque, à luz dos ditames probatórios, a Recorrida não demonstrou os exigidos pressupostos que lhe competiam (vide Acórdão do STJ, no Processo n.o 2545/10.5TVLSB.L 1.S1, de 17 de novembro de 2015). Q. Está provado na ação que a Recorrente efetuou sempre a sua contraprestação, isto é, prestou as assistências técnicas ao equipamento no período a que se reporta o valor peticionado a título de rendas vencidas, pelo que retirar-se agora à Recorrente o direito a receber o valor das rendas vencidas assume uma postura sancionatória por parte do Acórdão do TRL e que afronta claramente os objetivos que o instituto da exceção de não cumprimento visa prosseguir. O. Acórdão do TRL ora recorrido não apreciou a exceção de não cumprimento invocada pela Recorrida de acordo com a proporcionalidade que tema merecia e reivindicava, como tal a decisão de revogar o direito da Recorrente poder receber o valor das rendas vencidas e respetivos juros de mora é claramente violadora do princípio da proporcionalidade e contra a boa-fé, logo suscetível de configurar uma decisão proferida em manifesto abuso de direito. S. Nesta conformidade, o Acórdão recorrido padece de um claro erro de julgamento que urge ser corrigido, não tendo assim qualquer fundamento as conclusões de direito constantes no referido arresto, pelo que deverá ser reconhecido à Recorrente o seu direito ao valor peticionado a título de rendas vencidas e respetivos juros de mora. T. Além disso, tendo em conta que o instituto jurídico da exceção de não cumprimento não permitiria que a Recorrida não efetuasse o pagamento da totalidade das rendas vencidas, não poderá deixar de se concluir que aquela entrou em incumprimento, o qual se tornou em definitivo após as respetivas interpelações admonitórias (cfr. artigo 808°, nº 1 do CC), pelo que ao contrário do que defende o Acórdão recorrido a resolução do contrato operada é perfeitamente válida e legal. Nestes termos, e nos demais de Direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o Douto Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação: 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do C.P.Civil) Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir: - Excepção do não cumprimento do contrato. - Incumprimento definitivo do contrato por parte da R. - Indemnização da A. pela R., em razão de o equipamento não ter estado totalmente inoperacional, tendo a demandada retirado algum proveito económico dele.
2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto: 1. Em 13 de Janeiro de 2010, a Autora celebrou com a Ré o acordo escrito denominado “Contrato de Aluguer n.º 71000081”, cujo objecto é o fornecimento de um equipamento de cópia/impressão e respectivos acessórios (fls. 21 a 23) (alínea A) dos Factos Assentes). 2. Nos termos da cláusula 12ª do Contrato foi acordada pelas partes a possibilidade da Autora poder ceder a sua posição de locatária ao BNP ......, S.A. (BPLG), mais tendo sido consignado que “ficam excluídos da cessão todos os serviços de assistência técnica que continuarão a ser prestados pela AA (Autora), designadamente todos os serviços de manutenção e reparação que se revelem necessários à plena realização do objeto do contrato” (fls. 21 a 23) (alínea b) dos Factos Assentes). 3. Foi consignado na cláusula 13ª do Contrato que “A Locadora (Autora) fica desde já autorizada pela Locatária (Ré), a proceder à transmissão dos Equipamentos ao BNP ....... Group, que assumirá automaticamente a posição de Locadora no presente contrato” (fls. 21 a 23) (alínea C) dos Factos Assentes). 4. Em escrito datado de 22 de Fevereiro de 2010, denominado Cessão da Posição Contratual (no Âmbito de Locação Mandatada), a Autora declarou ceder ao B...., que declarou aceitar a cessão, a sua posição contratual de locatária no Contrato, mediante o pagamento do preço de € 35.530,64 (fls.24) (alínea D) dos Factos Assentes). 5. Em 14 de Março de 2007, a Autora e o B... celebraram entre si um acordo escrito, denominado Protocolo de Locação Mandatada, no qual declararam que, apesar da cessão parcial dos contratos celebrados com os clientes, à Autora caberia continuar a assumir a relação comercial com aqueles (fls. 26 a 31) (alínea E) dos Factos Assente 6. No âmbito do Protocolo, foi acordado que caberia à Autora controlar toda a gestão, execução e cobrança dos valores devidos pela celebração do Contrato (fls. 26 a 31) (alínea F) dos Factos Assentes). 7. No âmbito do Protocolo, foi acordado que seria a Autora a instaurar as respectivas acções judiciais para cobrança de dívida emergentes dos contratos celebrados com os clientes ao abrigo do Protocolo (fls. 26 a 31) (alínea G) dos Factos Assentes). 8. A Autora tem como objecto social o exercício da actividade de importação e comercialização de equipamentos de escritório e prestação de assistência técnica ao mesmo (alínea H) dos Factos Assentes). 9. O bem objecto do contrato foi o equipamento de cópia/impressão da marcaAA, modelo BIZHUB Pro C5501 e respectivos acessórios (fls. 21 a 23) (alínea I) dos Factos Assentes). 10. O equipamento foi instalado pela Autora no local indicado pela Ré, ou seja, na Rua ....., n.º ...., 3700-265 S. João da Madeira, tendo sido recepcionado pela Ré (fls. 32) (alínea J) dos Factos Assentes). 11. O prazo de duração do Contrato foi acordado que seria de 60 meses, com início em 22 de Fevereiro de 2010 (fls. 21 a 23) (alínea K) dos Factos Assentes). 12. Conforme acordado no Contrato, as rendas seriam pagas com uma periodicidade mensal, e teriam o valor individual de € 705,00, acrescidas de IVA à taxa legal em vigor (fls. 21 a 23) (alínea L) dos Factos Assentes). 13. Foi ainda acordado que ao valor da renda pela locação do equipamento acrescia o valor de € 0,0055 por cada impressão a preto, e o valor de € 0,045 por cada impressão a cores (fls. 21 a 23) (alínea M) dos Factos Assentes). 14. A Autora emitiu e enviou à Ré as seguintes facturas: Factura - Data Emissão - Data Vencimento – Valor a) 2010.15.42120 - 05/11/2010 - 05/12/2010 - € 853,05 (fls. 33); b) 2010.15.46408 - 06/12/2010 - 05/01/2011 - € 853,05 (fls. 34); c) 2010.15.49783 - 27/12/2010 - 26/01/2011 - € 475,83 (fls. 35 a 36); d) 2011.15.00795 - 12/01/2011 - 11/02/2011 - € 867,15 (fls. 37); e) 2011.15.03374 - 27/01/2011 - 26/02/2011 - € 471,88 (fls. 38 a 39); f) 2011.15.04488 - 04/02/2011 - 06/03/2011 - € 867,15 (fls. 40) (alínea N) dos Factos Assentes). 15. Ao valor aludido em N)c) foi deduzida a quantia de € 250,83, relativa ao pagamento parcial do valor devido a título de cópias (alínea O) dos Factos Assentes). 16. Em 18 de Janeiro de 2011, a Autora remeteu à Ré carta registada, instando-a a proceder ao pagamento dos montantes à data em dívida (fls. 41 a 43) (alínea P) dos Factos Assentes). 17. Em 18 de Fevereiro de 2011, a Autora remeteu à Ré e-mail, instando-a a proceder ao pagamento das quantias em dívida (fls. 44 a 45) (alínea Q) dos Factos Assentes). 18. Em 23 de Fevereiro de 2011, a Autora remeteu à Ré carta registada com aviso de recepção, informando-a de que tinha procedido à resolução do Contrato (fls. 46 a 48) (alínea R) dos Factos Assentes). 19. Em 28 de Fevereiro de 2011, o B.... remeteu carta registada com aviso de recepção à Ré, informando-a da resolução do Contrato, e comunicando-lhe que deveria proceder à entrega do equipamento de cópia/impressão locado nas instalações da empresa Proactivos – Recuperação de Activos, Lda. (fls. 49 a 50) (alínea S) dos Factos Assentes). 20. Nos termos da cláusula 8ª do Contrato “A denúncia ou rescisão deste contrato em data anterior ao seu termo implica para a Locatária o pagamento integral deste contrato e a devolução imediata dos equipamentos, excepto se forem verificadas quaisquer das condições abaixo descritas nas alíneas A. e B. do presente número: A. O equipamento encontrar-se sem assistência ou reparação por um período superior a 5 dias úteis a contar da data de registo do pedido de reparação nos serviços de assistência técnica da Locadora, ou da prova do seu pedido efectuado pela Locatária; B. A Locadora não fornecer os consumíveis ao bom funcionamento no prazo de 3 dias úteis” (fls. 21 a 23) (alínea T) dos Factos Assentes). 21. Nos primeiros meses após a celebração do Contrato, a assistência técnica era dada pela A. logo que solicitada pela R. (alínea U) dos Factos Assentes). 22. Em escrito datado de 20 de Setembro de 2010, que circulou entre os funcionários e a gerência da R., e foi entregue em mão a um representante da A., a R. consignou os vícios de funcionamento do equipamento, e deu conta das encomendas de clientes que a R. se viu forçada a cancelar, devido aos problemas técnicos que o equipamento apresentava (alínea V) dos Factos Assentes). 23. Tais reclamações motivaram um e-mail da A., no dia 20 de Setembro de 2010, por volta das 17h00, onde pretendeu agendar uma reunião para 24 de Setembro (fls. 109) (alínea W) dos Factos Assentes). 24. A reunião aludida em W) realizou-se (alínea X) dos Factos Assentes). 25. Em e-mail enviado pela R. à A., a 16 de Dezembro de 2010, a R. comunicou à A. que desde a última reclamação não recebeu qualquer tipo de solução, que os problemas continuavam a persistir de forma constante, com as inevitáveis consequências de aumento dos custos diários, material estragado, insatisfação de clientes e necessidade de usar outros equipamentos, implicando assim o pagamento de cópias adicionais (fls. 110 a 111) (alínea Y) dos Factos Assentes). 26. Em e-mail enviado pela R. à A., a 3 de Janeiro de 2011, aquela voltou a insistir na necessidade de resolução dos problemas existentes, aí denunciando uma anomalia detectada com o código de erro “_C-0213_”, a qual se repetia cerca de 3 vezes até que a máquina conseguisse imprimir, para o que seria necessário desligar a máquina por completo, voltar a ligar, sendo que à 1ª ordem de impressão a folha era puxada e o equipamento encravava, tudo assim acontecendo sucessivamente (fls. 110) (alínea Z) dos Factos Assentes). 27. A R. enviou à A. um e-mail, a 15 de Fevereiro de 2011, onde informou que a máquina continuava a apresentar avarias, nomeadamente: - não digitalização; - traço a meio na impressão em papel; - diferença de tonalidade quando dada ordem de impressão no mesmo ficheiro; e por isso solicitou assistência técnica (fls. 114) (alínea AA) dos Factos Assentes). 28. Em e-mail enviado pela R. à A., a 18 de Fevereiro de 2011, a R. solicitou assistência técnica para a máquina (fls. 116) (alínea BB) dos Factos Assentes). 29. Em e-mail enviado pela A. à R., a 18 de Fevereiro de 2011, esta rejeitou prestar assistência técnica à R., solicitando o pagamento da dívida vencida (fls. 117) (alínea CC) dos Factos Assentes). 30. A R. disponibilizou a máquina para recolha pela A. a partir de 28 de Fevereiro de 2011 (fls. 118 a 119), tendo sido levantada nas instalações da R. a 31 de Março de 2011 (alínea DD) dos Factos Assentes). 31. Consta da cláusula 21ª do Contrato que a Ré reconhece que o clausulado do Contrato “lhe foi comunicado de modo adequado e com a antecedência que considerou necessária para tomar conhecimento completo e efectivo do seu sentido” (fls. 21 a 23) (alínea EE) dos Factos Assentes). 32. A cessão aludida em D) abrangeu apenas a parte financeira do Contrato, correspondente às rendas devidas pela Ré decorrentes da locação do equipamento de cópia/impressão e respectivos acessórios (resposta ao artigo 1. da Base Instrutória). 33. A cessão da posição contratual, na parte da locação do equipamento, foi efectuada mediante o pagamento do preço de € 42.636,77, correspondente à aquisição do equipamento de cópia/impressão e respectivos acessórios (resposta ao artigo 2. da Base Instrutória). 34. Os valores aludidos em N) englobam a parte correspondente às rendas financeiras vencidas e não liquidadas, bem como o valor correspondente à prestação dos serviços de manutenção e assistência técnica prestados (resposta ao artigo 3. da Base Instrutória). 35. O equipamento locado foi vendido pelo valor de € 1.105,26 (resposta ao artigo 4. da Base Instrutória). 36. Desde o início do Contrato que o equipamento Pro C5501 apresentou problemas técnicos, nomeadamente: a) encravamentos no tabuleiro de alimentação manual; b) papel encravado constantemente na unidade de fusão; c) papel encravado na saída, o que provocava um encravamento por baixo da Alavanca “M3” e consequente encravamento no tabuleiro de alimentação manual; d) processamento dos ficheiros bastante lento; e) sucessivos erros de processamento; f) ao imprimir o papel A3 (com algum preenchimento) enrolava na unidade de fusão, provocando encravamento que impossibilitava a continuidade do trabalho, sendo necessário iniciar todo o processo de impressão; g) o papel 150 gr. pm/2 causava sucessivos encravamentos; h) aquando da impressão, as folhas saíam enroladas, e muitas vezes voavam e acabavam por cair no chão (resposta ao artigo 5. da Base Instrutória). 37. De algumas destas situações foi dado conhecimento à Autora em reunião posterior (resposta ao artigo 6. da Base Instrutória). 38. Após a assistência técnica da Autora, os problemas ficavam resolvidos temporariamente (resposta ao artigo 7. da Base Instrutória). 39. Razão pela qual a Ré sempre foi pagando as facturas emitidas pela Autora (resposta ao artigo 8. da Base Instrutória). 40. À medida que os meses iam passando, as avarias persistiam e a assistência já não era feita com a mesma rapidez, mesmo depois de solicitada e requerida pela Ré de forma insistente (resposta ao artigo 9. da Base Instrutória). 41. Foram estes problemas que levaram a Ré a suspender o pagamento das rendas desde o mês de Dezembro de 2010 (resposta ao artigo 11. da Base Instrutória). 42. Acreditando a Ré que dessa forma forçava a Autora a reparar a máquina Pro C5501, ou a substitui-la por outra que não apresentasse anomalias de funcionamento (resposta ao artigo 12. da Base Instrutória). 43. Em consequência das avarias do equipamento, a Ré cancelou encomendas (resposta ao artigo 14. da Base Instrutória). 44. E recebeu inúmeras reclamações dos seus clientes, devido a cancelamentos e atrasos nas entregas (resposta ao artigo 15. da Base Instrutória). 45. O que implicou perda de clientela (resposta ao artigo 16. da Base Instrutória). 46. Os prejuízos acima aludidos respeitam aos trabalhos aludidos a fls. 104 a 108 (resposta ao artigo 17. da Base Instrutória). 47. A Autora suspendeu a prestação de assistência técnica ao equipamento quando a falta de pagamento das facturas pela Ré se tornou incomportável, esclarecendo-se que tal ocorreu a partir de Fevereiro de 2011 (resposta ao artigo 20. da Base Instrutória). --------------------------------------------------
2-3- Na presente revista, a recorrente questiona a forma como o tribunal aplicou a excepção do não cumprimento do contrato. Na verdade, segunda a recorrente, tal excepção tem uma função de retardar ou adiar o cumprimento da obrigação e não isentar a contraparte do pagamento total das rendas. Sucede que a recorrente nunca se negou a prestar os serviços de assistência técnica ao equipamento locado, tendo prestado sempre esse serviço à recorrida, o que ocorreu até à data da suspensão dos respectivos serviços por a prestação da recorrida se ter tornado insustentável face ao valor em dívida entretanto acumulado. Conforme é reconhecido pela sentença do tribunal de 1ª instância, e não contrariada pelo acórdão recorrido, a prestação dos serviços de assistência técnica deixavam o equipamento locado operacional e passível de ser utilizado pela recorrida, sendo ainda de realçar que, para o período em que a recorrida pretende fazer valer a excepção de não cumprimento, aquela não deixou de utilizar o equipamento locado, prova disso mesmo são as várias cópias registadas no equipamento e que foram facturadas pela recorrente (cfr. factos provados). Neste período, a recorrida pagou-lhe inclusivamente o valor de € 250,83 pelas cópias produzidas no equipamento, o qual foi devidamente abatido ao valor em dívida. A recorrida não deixou de retirar por isso proveito económico do equipamento locado no período agora em causa situação que o acórdão recorrido não teve em consideração e que levou a uma errada aplicação do direito. A excepção de não cumprimento não visa absolver o excipiens do pagamento da sua contraprestação mas, tão só, reivindicar o direito de só a efectuar no momento em que a contraparte efectue a sua, paralisando-o temporariamente. Ora, se no período em causa (i.e. Dezembro de 2010 a Março de 2013, conforme facturas vencidas e peticionadas na acção) a recorrente realizou a sua contraprestação (i.e. prestou os serviços de assistência técnica ao equipamento locado à recorrida), e em consequência dessas intervenções resultou o pleno funcionamento do equipamento (vide o ponto 38 dos factos provados na sentença da 18 Instância) tendo a recorrida retirado algum aproveitamento económico do mesmo, o acórdão do TRL terá de ser revogado por errada aplicação do direito aos factos. De notar que a recorrida não demonstrou na acção, de acordo com o ónus da prova que lhe competia (cfr. artigo 342º CC), qual foi o valor do seu prejuízo no período em causa, isto é, não indicou no processo, logo não provou, que valor correspondeu efectivamente ao seu prejuízo e que deveria ser reduzido no pagamento das rendas vencidas no período em causa, sendo certo que, no período relativo às rendas vencidas e peticionadas, o equipamento locado não esteve totalmente inoperacional, ou seja, não existiu no período em causa uma exclusão total do gozo da coisa locada por parte da recorrida. Quanto muito, e no limite, se o que o acórdão do TRL deveria revogar a condenação da recorrida no pagamento do montante peticionado pela recorrente a título de rendas vencidas e cópias excedentes - perante a matéria de facto provada -, deveria ter remetido o apuramento desse valor para a fase de liquidação de sentença. Ao revogar de forma total e definitiva o direito da recorrente de poder receber o justo valor pelo proveito económico que ainda assim a recorrida conseguiu retirar do equipamento locado durante o período em causa, mal andou o TRL na sua decisão. Face aos factos provados, no funcionamento da excepção de não cumprimento, haverá que ter sempre em conta critérios de boa-fé, situação que o acórdão recorrido foi totalmente omisso na apreciação da questão, resultando, por isso, numa decisão elaborada em claro erro de direito. Tem-se admitido o funcionamento do instituto da excepção de não cumprimento no caso de incumprimento parcial ou de incumprimento defeituoso, porém, será sempre necessário intervir o princípio da boa-fé e a denominada "válvula de segurança" do abuso de direito, conforme artigos 762°, nº 2 e 334° do CC, nomeadamente através de critérios de proporcionalidade. A realização da prestação por parte da recorrente - ainda que possa ser entendida ter sido realizada em termos parciais ou de forma imperfeita/defeituosa - não justifica, nem pode justificar, a recusa total do pagamento das rendas vencidas pela recorrida, quer porque, objectivamente, não deixou de usufruir do bem em causa e retirar dele proveito económico (vejam-se novamente as cópias efectuadas neste período pelo equipamento locado), quer porque, à luz dos ditames probatórios, a recorrida não demonstrou os exigidos pressupostos que lhe competiam. Está provado na acção que a recorrente efectuou sempre a sua contraprestação, isto é, prestou as assistências técnicas ao equipamento no período a que se reporta o valor peticionado a título de rendas vencidas, pelo que retirar-se agora à recorrente o direito a receber o valor das rendas vencidas assume uma postura sancionatória por parte do Acórdão do TRL e que afronta claramente os objectivos que o instituto da excepção de não cumprimento visa prosseguir. O Acórdão do TRL ora recorrido não apreciou a excepção de não cumprimento invocada pela recorrida de acordo com a proporcionalidade que tema merecia e reivindicava, como tal a decisão de revogar o direito da recorrente poder receber o valor das rendas vencidas e respectivos juros de mora é claramente violadora do princípio da proporcionalidade e contra a boa-fé, logo susceptível de configurar uma decisão proferida em manifesto abuso de direito. Nesta conformidade, o acórdão recorrido padece de um claro erro de julgamento que urge ser corrigido, não tendo assim qualquer fundamento as conclusões de direito constantes no referido arresto, pelo que deverá ser reconhecido à recorrente o seu direito ao valor peticionado a título de rendas vencidas e respectivos juros de mora. Sobre a questão em debate afirmou-se no douto acórdão recorrido, depois de se ter caracterizado juridicamente o contrato celebrado pelas partes (contrato misto de aluguer e de prestação de serviços) que “resulta, pois, claro da matéria de facto provada que a máquina alugada pela A. à R. não estava a desempenhar adequadamente as funções a que se destinava, e que as várias intervenções técnicas da A. não lograram nunca resolver definitivamente o problema. Estamos, pois, perante um caso de cumprimento defeituoso da obrigação, o qual se caracteriza por envolver uma desconformidade entre a prestação devida e a que foi realizada… Passando agora à análise circunstanciada da exceção de não cumprimento invocada pela R., importa começar por dizer que quanto ao primeiro aspeto a considerar é indubitável que no âmbito do contrato de aluguer a obrigação de facultar ao locatário o gozo adequado da coisa e a obrigação de pagamento do preço são correspectivas e interdependentes, tratando-se por isso de um contrato sinalagmático…, pelo que é legalmente admissível a invocação daquela exceção no âmbito deste contrato. Por outro lado, os problemas técnicos da máquina começaram nos primeiros meses do contrato, que teve o seu início em Fevereiro de 2010, e em Setembro de 2010 ocorreu mesmo uma reunião entre a A. e a R. para discutir esses problemas. A R. voltou a reiterar à A. que o mau funcionamento da máquina persistia em 16 de Dezembro de 2010, 3 de Janeiro, 15 e 18 de Fevereiro de 2011. A A., por seu turno, insistia com a R. para que esta procedesse ao pagamento das faturas que se iam vencendo, o que fez a 18 de Janeiro de 2011, e de novo a 18 de Fevereiro, quando recusou continuar a prestar assistência técnica à máquina, se a R. não procedesse ao pagamento das faturas vencidas. Saliente-se que em 18 de Janeiro de 2011 encontravam-se em dívida faturas vencidas a 06.11.2010, 26.11.2010 e 05.12.2010 (fls. 41), e em 18 de Fevereiro de 2011 encontravam-se em dívida faturas vencidas a 05.12.2010, 05.01.2011, 25.01.2011, 11.02.2011, 26.02.2011 e 05.03.2011. Ou seja, as faturas vencidas e não pagas pela R. reportam-se claramente a um período de tempo posterior à comunicação à A. da existência de problemas técnicos da máquina, suficientemente graves para ter sido agendada uma reunião entre as partes com o fito de discutir tais problemas. Entende-se, deste modo, que a R. não estava obrigada a cumprir antes da A., pelo que também sob esta perspetiva estavam reunidas as condições para poder ser invocada a exceção. Mais se constata que a exceção foi expressamente invocada, como decorre do teor das comunicações de fls. 110 e 111 … Pode é discutir-se se a recusa de pagamento das rendas podia ser total, como foi, ou se devia ter sido apenas parcial, considerando que apesar dos problemas técnicos a máquina ia produzindo algum trabalho, como o comprova o facto de terem sido emitidas faturas com respeito a cópias efetuadas (fls. 35 a 36 e 38 a 39). Aliás, no limite pode até perguntar-se se era efetivamente legítima tal recusa, ainda que parcial, pois como salienta Almeida Costa (in RLJ, 119, 144), “seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação, só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente relevo. Na mesma linha, surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da exceção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito”. Da matéria de facto alegada não consta, todavia, qual a margem de redução da produtividade da máquina, mas lida de forma articulada toda a matéria de facto provada o que se constata é que as avarias eram constantes, e determinavam, com regularidade, a paragem total da máquina, não só por força dos encravamentos de papel e dos códigos de erro, mas também por causa da falta de qualidade das impressões, como se salienta na comunicação de 15.02.2011, constante de fls. 115: “assim o equipamento está totalmente parado devido aos problemas acima mencionados”. Acresce que a falta de qualidade nas impressões implicava necessariamente que alguns dos trabalhos produzidos não pudessem depois ser aproveitados. Ou seja, é também claro que não se tratou de um incumprimento insignificante, antes assumindo relevo considerável. Não obstante, considerou a sentença recorrida que “ainda assim, permanece em pano de fundo a circunstância de terem sido produzidas algumas cópias, que foram faturadas, o que é também compatível com o facto de estar assente que após as intervenções da A. a máquina ficava operacional, pese embora viesse depois de novo a avariar”. Perante tal quadro, entendeu a sentença recorrida que: Em face de todo o exposto, entende-se que não era legítima a recusa da R. em proceder ao pagamento das rendas, na íntegra, uma vez que apesar da persistência e gravidade das avarias em causa não se estava perante uma situação de privação total e permanente do uso da máquina. Acrescenta-se ainda que de todo o modo os termos da recusa da R. apenas em parte eram legalmente adequados, isto é, tratando-se aqui de um contrato de locação, e não de um contrato de compra e venda, não existe a obrigação de substituição da coisa, mas tão somente de reparação, em ordem a assegurar o seu gozo”. Esta conclusão é posta em causa no recurso e também nós dela discordamos, tendo presente o que consta da matéria de facto provada nos pontos 36º a 46º acima enunciados. Resulta de tal factualidade, que a reparação dos defeitos denunciados não era conseguida pela A., nunca o foi de forma definitiva, pese embora a insistência da Ré, impedindo o gozo total da coisa e causando prejuízos à Ré, conforme ficou provado, embora sem determinação de montante. Entendemos que era licito à Ré suspender os pagamentos até que a A. cumprisse integralmente a sua obrigação de reparação da impressora de forma a pô-la funcional na sua íntegra… Flui dos factos provados que a Ré só suspendeu as reparações em Fevereiro de 2011, mês em que operou a resolução do contrato, o que, provando-se que os problemas técnicos são contemporâneos do início do contrato, (facto 36), permite concluir que a A. é que não logrou cumprir a sua obrigação para com a Ré, através duma solução definitiva do problema. Desde modo, a postura da Ré, assume-se numa “recusa temporária do devedor, perante um credor que também ainda não cumpriu, que, por essa via, retarda legitimamente o cumprimento enquanto a outra parte no sinalagma contratual também não realizar a prestação a que está adstrita. O cumprimento defeituoso integra um dos modos de não cumprimento das obrigações, que permite ao credor da prestação imperfeita o recurso à exceção do não cumprimento do contrato. Não se trata então de um incumprimento total, mas de uma prestação executada deficientemente, ocorre, então, a denominada “exceptio no rite adimpleti contractus”… Estando a R. privada do gozo integral da coisa, devido ao comportamento culposo da A., ao não lograr repará-lo de forma definitiva, como flui dos autos, nenhuma retribuição lhe podia ser devida, sendo válida a invocação da exceptio non adimpleti contractus… E ainda que seja caso de recurso ao disposto no art.429º do CC, mesmo que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a respectiva prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento, se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo. Entende-se em face do que vem exposto, que se verificam os pressupostos para a procedência total da exceção de não cumprimento do contrato, ao contrário do entendido na sentença objeto de recurso. E apesar de a Ré estar legitimada a suspender o pagamento das rendas, atento o facto de o equipamento Pro C5501 nunca ter sido devidamente reparado pela A., esta resolveu o contrato através de carta datada de 23 de fevereiro de 2011. Tal resolução mostra-se inválida, em face do motivo invocado, do qual se pode extrair que a Ré não incorreu em mora, o que impossibilita a consideração da existência de incumprimento definitivo, por conversão da mora em incumprimento definitivo através da interpelação admonitória, como considerou a sentença objeto de recurso. Sendo a resolução do contrato ilícita, é infundada a condenação da Ré no pagamento das rendas no montante de 4.137.28 Euros a título de capital e respetivos juros, como consta da sentença objeto de recurso, na parte condenatória sob o ponto 1”. Por isso considerou-se procedente o recurso interposto pela R. e proferiu-se a decisão já acima referida. Sublinhe-se que o douto acórdão recorrido, aceitou, no geral, a argumentação e fundamentação da sentença de 1ª instância. Somente divergiu deste aresto na parte em que (ele) entendeu não ser legítima a recusa da R. em proceder ao pagamento integral das rendas, dado que, apesar da persistência e gravidade das avarias da máquina, não se estava perante uma situação de privação total e permanente do seu uso. É essencialmente sobre este aspecto que a recorrente mostra o seu inconformismo pois, como já se viu, defende que a R. “não justifica, nem pode justificar, a recusa total do pagamento das rendas vencidas pela Recorrida, quer porque, objectivamente, não deixou de usufruir do bem em causa e retirar dele proveito económico”. Vejamos: Não se põe em dúvida que as partes, como consideraram correctamente as instâncias, celebraram um contrato misto de aluguer[1] e de prestação de serviços, pois, como adequadamente se afirma no acórdão recorrido, invocando Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 6ª ed., Coimbra, 2010, pág. 532 a 534 e 542 a 543) “é detectada a presença simultânea de cláusulas correspondentes a dois contratos típicos distintos, em termos que traduzem mais do que a mera justaposição de dois tipos legais, e a ligação concretamente estabelecida entre ambos não permite a respectiva separação”. Porque não se levanta qualquer controvérsia sobre o tema, consideramos despiciendas outras considerações, remetendo-se para o que se afirma sobre o assunto no douto acórdão recorrido. Do contrato de aluguer decorrem, para o locador, as obrigações de entregar a coisa locada e de assegurar ao locatário o gozo desta para os fins a que a coisa se destina (art. 1031º do C. Civil, diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), e para o locatário, dentre outras, a obrigação de pagamento do aluguer (art. 1038º, al. a)). Do contrato de prestação de serviços resulta a obrigação de uma parte proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição (art. 1154º). Dos termos do contrato celebrado pela A. e R. resulta que aquela se obrigou a entregar a esta uma máquina impressora e ceder-lhe o respectivo gozo (pelo período de 60 meses), mediante o pagamento de uma renda, ao que acrescia o pagamento de uma quantia correspondente às cópias efectuadas pela R. com o equipamento. A A. vinculou-se (ainda) perante a R., para além daquela entrega, ao fornecimento dos consumíveis e à assistência técnica da maquinaria. Recapitulemos os factos dados como assentes e relevantes para a decisão de direito a assumir. Assim, o contrato teve início em 22 de Fevereiro de 2010 e seu prazo de duração seria de 60 meses. Nos primeiros meses após a celebração do contrato, a assistência técnica era dada pela A. logo que solicitada pela R.. Em escrito datado de 20 de Setembro de 2010, que circulou entre os funcionários e a gerência da R., e foi entregue em mão a um representante da A., a R. consignou os vícios de funcionamento do equipamento, e deu conta das encomendas de clientes que a R. se viu forçada a cancelar, devido aos problemas técnicos que o equipamento apresentava. Tais reclamações motivaram um e-mail da A., no dia 20 de Setembro de 2010, por volta das 17h00, onde pretendeu agendar uma reunião para 24 de Setembro, reunião que se realizou. Em e-mail enviado pela R. à A., a 16 de Dezembro de 2010, a R. comunicou à A. que desde a última reclamação não recebeu qualquer tipo de solução, que os problemas continuavam a persistir de forma constante, com as inevitáveis consequências de aumento dos custos diários, material estragado, insatisfação de clientes e necessidade de usar outros equipamentos, implicando assim o pagamento de cópias adicionais. Em e-mail enviado pela R. à A., a 3 de Janeiro de 2011, aquela voltou a insistir na necessidade de resolução dos problemas existentes, aí denunciando uma anomalia detectada com o código de erro “_C-0213_”, a qual se repetia cerca de três vezes até que a máquina conseguisse imprimir, para o que seria necessário desligar a máquina por completo, voltar a ligar, sendo que à 1ª ordem de impressão a folha era puxada e o equipamento encravava, tudo assim acontecendo sucessivamente. A R. enviou à A. um e-mail, a 15 de Fevereiro de 2011, onde informou que a máquina continuava a apresentar avarias, que identificou. Em e-mail enviado pela R. à A., a 18 de Fevereiro de 2011, a R. solicitou assistência técnica para a máquina. Em e-mail enviado pela A. à R., a 18 de Fevereiro de 2011, esta rejeitou prestar assistência técnica à R., solicitando o pagamento da dívida vencida. Provou-se ainda que desde o início do contrato que o equipamento Pro C5501 apresentou os identificados problemas técnicos, tendo sido dado de algumas destas situações conhecimento à A. em reunião posterior. Após a assistência técnica da A., os problemas ficavam resolvidos temporariamente, razão pela qual a R. sempre foi pagando as facturas emitidas pela A.. À medida que os meses iam passando, as avarias persistiam e a assistência já não era feita com a mesma rapidez, mesmo depois de solicitada e requerida pela R. de forma insistente. Foram estes problemas que levaram a R. a suspender o pagamento das rendas desde o mês de Dezembro de 2010, acreditando que dessa forma forçava a A. a reparar a máquina Pro C5501, ou a substitui-la por outra que não apresentasse anomalias de funcionamento, sendo que em consequência das avarias do equipamento, a R. cancelou encomendas e recebeu inúmeras reclamações dos seus clientes, devido a cancelamentos e atrasos nas entregas, o que implicou perda de clientela. Desta factualidade resulta, de essencial, que nos primeiros meses da vigência do contrato este desenvolveu-se com regularidade e sem incidentes técnicos, tendo a R. pago as respectivas rendas e os acréscimos convencionados e a A. dado a necessária assistência técnica à máquina logo que solicitada pela R.. Porém, a partir de 20 de Setembro de 2010, foram reportados à A. diversas deficiências de funcionamento da máquina impressora, avarias que persistiram, tendo sido estes problemas que levaram a R. a suspender o pagamento das rendas desde o mês de Dezembro de 2010. Ou seja, resulta claro que a máquina não estava a desempenhar adequadamente as funções a que se destinava, e que as várias intervenções técnicas da A. não resolveram definitivamente os problemas. Sublinhe-se que, como os factos assentes sob o nº 14 afirmam, as facturas em dívida (de que a A., nesta acção, pede o pagamento) dizem (precisamente) respeito de Dezembro de 2010 a Março de 2011, donde resulta que a R. deixou de efectuar os pagamentos após a comunicação à A. da existência de problemas técnicos da máquina e da persistência das anomalias, sem que a A. as lograsse solucionar. A questão que se coloca será a de saber se, face às ditas circunstâncias, a R. poderia (juridicamente) recusar o pagamento das aludidas facturas. Este tema introduz-nos na fundamental temática em discussão nos autos, que é a apreciação (in casu) da excepção do não cumprimento do contrato e do seu alcance. Estabelece o art. 428º nº 1 que “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, casa um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”. A exceptio non adimpleti contractus de que trata a disposição, é própria dos contratos bilaterais. Para que a excepção se aplique, não basta que o contrato crie obrigações para ambas as partes, sendo também preciso que as obrigações sejam correspectivas, correlativas ou interdependentes, isto é, que uma seja sinalagma da outra. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (in C.Civil Anotado Tomo I, pág. 405) “a exceptio non adimpli contractus a que se refere este artigo pode ter lugar nos contratos com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante de outra. É o que se verifica nos contratos tradicionalmente chamados bilaterais ou sinalagmáticos. É necessário ainda que não estejam fixados prazos diferentes para as prestações, pois, neste caso, como deve ser cumprida uma delas antes da outra, a exceptio não teria razão de ser. Acrescentam, por outro lado estes autores (in mesma obra, pág. 406), que “a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assente o esquema do contrato bilateral … E vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227º e 762º nº 2”. Com a celebração do contrato, como já se viu, resultaram obrigações para ambas as partes. Para a R., o dever de pagar o montante monetário convencionado pelo aluguer do equipamento. Para a A. a obrigação manter em funcionamento eficaz a máquina objecto do contrato. Trata-se, assim, de um contrato bilateral ou sinalagmático. Estas obrigações estão patentemente ligadas entre si por uma relação de interdependência, por um nexo de causalidade ou de correspectividade. Uma justifica a outra e vice-versa. Para que a excepção do não cumprimento do contrato possa actuar será necessário (precisamente) que as prestações sejam correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra. Como resulta do próprio dispositivo em análise, a excepção do não cumprimento do contrato não nega a qualquer das partes o direito ao cumprimento da obrigação nem enjeita o dever de a outra cumprir a prestação. O que resulta ou origina a exceptio é a possibilidade de recusa da prestação por uma das partes enquanto a outra não efectuar a que lhe cabe, ou seja, tem somente um efeito dilatório, o de realização da prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação. Isto mesmo se refere no douto acórdão recorrido ao afirmar-se que “a excepção de não cumprimento do contrato consubstancia uma excepção dilatória de direito material, cuja função é retardar ou adiar o cumprimento da obrigação, através da possibilidade que confere a uma das partes de recusar temporariamente o cumprimento da sua obrigação, enquanto a parte contrária não cumprir a sua própria obrigação ou oferecer o respectivo cumprimento simultâneo”. De igual modo refere-se no acórdão deste STJ de 11-12-2008 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf), em esclarecedora síntese, que “através desta excepção o excipiens não está a recusar a satisfação da prestação a que efectivamente está adstrito nem a negar o direito do autor ao seu cumprimento, apenas se dispõe a realizar essa sua prestação no momento em que receba simultaneamente a prestação a que tem direito”. Visa, assim, a excepção do não cumprimento do contrato assegurar o equilíbrio entre as prestações no âmbito dos contratos sinalagmáticos. Mesmo no caso de prestações com prazos diferentes, a exceptio poderá ser invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que deva cumprir primeiro[2]. Todavia, porque esta situação não tem aplicação ao caso vertente, abstemo-nos de desenvolver o tema. Já vimos que, como defendem Pires de Lima e Antunes Varela, a exceptio vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consagrado nos artigos 227º e 762º nº 2. A este propósito refere-se adequadamente no acórdão deste STJ de 10-11-2009 (www.dgsi.pt/jstj.nsf), a excepção de não cumprimento do contrato pode “ser utilizada quando a outra parte cumpre a obrigação, mas defeituosamente (exceptio non rite adimpleti contractus), desde que os defeitos de que a prestação padeça prejudiquem a integral satisfação do interesse do credor. Não sendo de admitir o recurso à mesma se os defeitos da prestação, atendendo ao interesse do credor, tiverem escassa importância (art. 802.º, nº 2 do CC, por analogia). Sendo a ideia da proporcionalidade – a excepção será oponível ao cumprimento defeituoso que não necessita de ser tão grave que justifique o direito à resolução do contrato, já não o sendo se aquele tiver reduzida importância - que dará resposta mais adequada e coerente com o princípio da boa fé, que deve presidir a toda a temática do cumprimento das obrigações. Devendo tal meio de defesa ser proporcionado à gravidade da inexecução. Estando na base de todos os contratos sinalagmáticos os princípios do equilíbrio e da equivalência que não podem ser frustrados com um abuso do direito de não cumprir. Sabido ser o equilíbrio sinalagmático o elemento caracterizador essencial da relação contratual aqui em causa a suspensão da prestação só deve considerar-se legítima “na quantidade necessária para restabelecer o equilíbrio das prestações ainda por cumprir, as quais ficariam novamente sujeitas às regras do cumprimento simultâneo”. Ou seja, em caso de cumprimento defeituoso da prestação e desde que a prestação efectuada prejudique a integral satisfação do interesse do credor, será possível a este opor a exceptio. Porém, não será de admitir o recurso à mesma se os defeitos da prestação, atendendo ao interesse do credor, tiverem escassa ou reduzida importância. Face à ideia da proporcionalidade e ao princípio da boa fé (consagrados na Lei Civil), a excepção não será oponível em caso de cumprimento defeituoso de reduzida importância. Tal meio de defesa deve ser proporcionado à gravidade da inexecução. Como se refere no douto acórdão recorrido invocando Almeida Costa (RLJ, 119, 144) “seria contrário à boa fé que um dos contraentes recusasse a sua inteira prestação, só porque a do outro enferma de uma falta mínima ou sem suficiente relevo. Na mesma linha, surge a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da exceção. Uma prestação significativamente incompleta ou viciada justifica que o outro obrigado reduza a contraprestação a que se acha adstrito. Mas, em tal caso, só é razoável que recuse quanto se torne necessário para garantir o seu direito”. No caso vertente, como os factos provados demonstram o cumprimento da prestação por parte da A. foi deficiente e imperfeita, já que o equipamento em questão não desempenhou adequadamente as funções a que se destinava, sendo que as várias intervenções técnicas da A. não resolveram definitivamente o problema. As avarias foram recorrentes e dispares e originaram, não só a inutilização de trabalhos efectuados, mas também paragens forçadas da máquina impressora. Destas circunstâncias decorre que não se tratou, a nosso ver, de um incumprimento insignificante ou irrisório, tendo antes assumido um relevante cumprimento defeituoso. Daí que fosse possível à R. opor à A. a excepção do não cumprimento do contrato e assim, recusar o pagamento das facturas em questão remetidas pela A.. Note-se que, como já acima se referiu, essas facturas reportam-se a Dezembro de 2010 e até Março de 2011, isto é, a período de tempo posterior à comunicação à A. da existência de problemas técnicos do equipamento e da subsistências das anomalias, sem que a A. as lograsse solucionar. Nesta conformidade, actuando a exceptio a R. não teria que efectuar o pagamento das facturas enquanto o equipamento não fosse reparado e colocado em condições de funcionamento apropriado. Quanto a este aspecto, foi certa a posição do douto acórdão recorrido. Mas claro que uma coisa é a faculdade de a R. poder opor à A. a excepção do não cumprimento do contrato, ou seja, o retardamento da prestação (o efeito dilatório de que falámos acima), e outra diferente será a pretensão do não pagamento da prestação, como pretende a R., embora ela tenha sido deficientemente efectuada pela parte contrária. Esta questão, que no fundo constitui o tema essencial suscitado pela recorrente, trás à liça, a nosso ver, o cumprimento defeituoso da obrigação. O cumprimento defeituoso gera somente a obrigação de correcção dos defeitos e já não um incumprimento definitivo da obrigação. Como refere Galvão Telles[3] “aquele que executa mal é obrigado, em princípio, a corrigir do defeito ou, se a correcção não se torna possível, a substituir a prestação imperfeita por outra perfeita”. Também Antunes Varela[4], excluindo os casos em que a irregularidade ou deficiência da prestação a afastam de tal forma da prestação exigível (em que o interesse do credor fica inteiramente por preencher) em que existirá uma situação de incumprimento ou mora, existirão casos “em que o credor, por analogia com o disposto no art. 808º nº 1, poderá exigir do devedor que corrija ou substitua a prestação defeituosa dentro do prazo razoável que para o efeito lhe fixar, sob pena de considerar a como definitivamente não cumprida”. Da mesma forma sustenta Almeida Costa[5] “se o credor recusa a prestação defeituosa, passa-se também a um problema de incumprimento definitivo ou de mora (arts. 918º e 1032º)”. Quer dizer, no caso, as deficiências detectadas no equipamento, originariam a sua reparação e dada a persistência dos defeitos a correspondente constatação da impossibilidade da sua correcção (derivada da suspensão da prestação de assistência técnica ao equipamento a partir de Fevereiro de 2011 por parte da A.), deveria conduzir à possibilidade de a parte lesada, a R. (após a pertinente interpelação admonitória), considerar a obrigação da A. como definitivamente não cumprida e resolver, assim, o contrato. Mas esta conjectura não tem (já) cabimento, visto que a parte contrária resolveu (ela própria) o contrato, remetendo em 28 de Fevereiro de 2011, carta registada com aviso de recepção à R., informando-a da resolução do contrato, e comunicando-lhe que deveria proceder à entrega do equipamento em questão[6], sendo que a recorrida aceitou a resolução como se vê através do facto provado sob o nº 30 (a R. disponibilizou a máquina para recolha pela A. a partir de 28 de Fevereiro de 2011). A declaração resolutiva pode fazer-se mediante declaração à outra parte, como resulta do art. 436º. Trata-se de declaração (receptícia) que se torna eficaz logo que chega ao destinatário, ou é dele conhecida (art. 224º nº1). Nesta conformidade, tal declaração tornou-se eficaz logo que a R. recebeu a tal declaração, se inteirou do respectivo conteúdo e aceitou a resolução. Nessa altura deve reputar-se eficaz aquela declaração resolutiva. Com esta declaração a A. destruiu ou extinguiu a relação contratual. É que, como refere Antunes Varela[7] (Das Obrigações em Geral, 7ª edição, II Volume, pág. 275), “a resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato”. Está pois destruído o vínculo contratual de que tratam os autos. Subsiste em discussão o pagamento (parcial), pela R., das rendas vencidas, pretensão que a recorrente reclama na presente revista. Isto porque, conforme afirma e defende, pese embora o equipamento tenha funcionado de forma deficiente, o mesmo “não esteve inoperacional, isto é, a recorrida sempre conseguiu retirar algum proveito económico do mesmo, ou sejam não existiu no período a que refere as rendas vencidas peticionadas pela recorrente uma exclusão total do gozo da coisa locada por parte da recorrida”. As instâncias sobre este aspecto tiveram entendimentos divergentes. Enquanto a 1ª instância entendeu que não se tratando, por parte da A., de um incumprimento insignificante, mas antes de relevo considerável, considerou que “ainda assim, permanece em pano de fundo a circunstância de terem sido produzidas algumas cópias, que foram facturadas, o que é também compatível com o facto de estar assente que após as intervenções da A. a máquina ficava operacional, pese embora viesse depois de novo a avariar. Em face de todo o exposto, entende-se que não era legítima a recusa da R. em proceder ao pagamento das rendas, na íntegra, uma vez que apesar da persistência e gravidade das avarias em causa não se estava perante uma situação de privação total e permanente do uso da máquina. Acrescenta-se ainda que de todo o modo os termos da recusa da R. apenas em parte eram legalmente adequados, isto é, tratando-se aqui de um contrato de locação, e não de um contrato de compra e venda, não existe a obrigação de substituição da coisa, mas tão somente de reparação, em ordem a assegurar o seu gozo”. E mais adiante considerou que o contrato em causa era de execução continuada ou periódica, sendo que a resolução não abrange as prestações já efectuadas (art. 434º nº 2), o que implica que as rendas já pagas não devem ser devolvidas e que as rendas vencidas até à resolução do contrato são devidas e devem, por isso, ser pagas. Além disso, por a R. não ter logrado provar, como lhe competia, a dimensão quantitativa do incumprimento da A., relacionado com a avaria da máquina, também não se pode deixar de condenar a R. no pagamento do valor integral da rendas vencidas, acrescido do valor das cópias, tendo o Tribunal acabado por condenar a R. no pagamento da importância acima indicada. Já a Relação, no acórdão recorrido, referiu que resultava da factualidade provada que “a reparação dos defeitos denunciados não era conseguida pela A., nunca o foi de forma definitiva, pese embora a insistência da Ré, impedindo o gozo total da coisa e causando prejuízos à Ré, conforme ficou provado, embora sem determinação de montante”. E mais adiante “entende-se em face do que vem exposto, que se verificam os pressupostos para a procedência total da exceção de não cumprimento do contrato, ao contrário do entendido na sentença objeto de recurso. E apesar de a Ré estar legitimada a suspender o pagamento das rendas, atento o facto de o equipamento Pro C5501 nunca ter sido devidamente reparado pela A., esta resolveu o contrato através de carta datada de 23 de fevereiro de 2011. Tal resolução mostra-se inválida, em face do motivo invocado, do qual se pode extrair que a Ré não incorreu em mora, o que impossibilita a consideração da existência de incumprimento definitivo, por conversão da mora em incumprimento definitivo através da interpelação admonitória, como considerou a sentença objeto de recurso. Sendo a resolução do contrato ilícita, é infundada a condenação da Ré no pagamento das rendas no montante de 4.137.28 Euros a título de capital e respetivos juros, como consta da sentença objeto de recurso, na parte condenatória sob o ponto 1”. Em relação a esta posição, como já se referiu em nota de rodapé, a resolução do contrato feita pela A. foi (na realidade) ilícita, mas acabou por produzir o efeito de extinguir o contrato, pelos motivos acima aduzidos (declaração de resolução por parte da A., que foi aceite pela parte contrária). Também já se disse que, por efeito do funcionamento da excepção do não cumprimento do contrato, não tinha a R. a obrigação de efectuar o pagamento (das facturas) reivindicado pela A.. Esta parte, em razão da eficácia da exceptio, não estava em mora. Mas a questão coloca-a a A. recorrente de forma diferente, ou seja, se, pese embora não tenha assegurado o funcionamento adequado do equipamento, mesmo assim deve receber o pagamento parcial das rendas não pagas pela R., por o equipamento, ainda que funcionando de forma deficiente, não ter estado (totalmente) inoperacional, tendo a recorrida conseguido retirar algum proveito económico dele. Este Supremo Tribunal não julga (em regra) matéria de facto, limitando-se a aplicar o direito (art. 682º nº 2 do C.P.Civil). Serve isto para dizer que será face à matéria de facto que as instâncias deram como assente (e tão só perante ela) que a questão deverá ser decidida. Compulsando os factos provados, não se vê que o equipamento, como afirma a recorrente, no período em causa tenha estado parcialmente operacional e tenha do seu funcionamento resultado qualquer proveito económico para a R. Os factos assente são omissos quanto a esta realidade[8], sendo que a respectiva prova caberia à A., face à alegação da parte contrária do não funcionamento adequado, em termos de eficiência, da maquinaria. De resto, a própria A. não alega (sequer) nos articulados factos relativos ao funcionamento parcial do equipamento e consequente proveito económico retirado pela R. (isto porque, segundo cremos, sempre defendeu o funcionamento adequado e integral do equipamento e o pagamento total das rendas), pelo que a pretensão da recorrente não pode proceder. É certo que se provou que após a assistência técnica pela A., os problemas da maquinaria ficavam resolvidos temporariamente (facto 38), mas não está demonstrado que essa realidade tenha acontecido no período (de renda em falta) em causa. Note-se que os factos assentes demonstram que existiram lapsos temporais em que o equipamento funcionou adequadamente e a R. pagou as correspondentes rendas. Quer dizer isto dizer que ainda que se pudesse defender teoricamente que, por razões de proporcionalidade decorrentes do princípio geral da boa fé, o pretendido pela recorrente poderia (e deveria) ter acolhimento, o certo é que pelos ditos motivos, a pretensão da recorrente não pode proceder.
III- Decisão: Pelas razões indicadas, nega-se a revista. Custas pela recorrente.
Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do C.P.Civil):
Lisboa, 06 de Setembro de 2014 Garcia Calejo (Relator) Helder Roque Gabriel Catarino ______________________
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