Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELENA MONIZ | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PRESSUPOSTOS MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO ACOLHIMENTO RESIDENCIAL REJEIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/02/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA/ NÃO DECRETAMENTO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I - O requerimento da providência de habeas corpus pode ser interposto por qualquer cidadão (no gozo dos seus direitos políticos) o pode fazer em ordem à preservação do direito fundamental à liberdade em face de uma prisão ou detenção ilegal — cf. art. 31.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art. 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP). II - O pedido de habeas corpus, nos termos da Constituição, visa reagir contra uma situação de “abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal” (art. 31.º, n.º 1, da CRP), ou seja, e voltando ao disposto no art. 27.º, da CRP, detenção ou prisão são as situações elencadas nas als. a), b), c), d) f) e g) do n.º 3 do art. 27.º, da CRP. III - Alguma jurisprudência do STJ tem alargado a providência de habeas corpus a situações que aparentemente parecem idênticas, como as relativas à aplicação de medidas de proteção, assistência ou educação de menor em estabelecimento, ou as de internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento - o que pode ser visto como entendendo a providência de habeas corpus como um meio expedito para reagir a um abuso de poder numa decisão limitativa de direitos fundamentais. IV - As medidas de promoção e proteção de crianças e jovens, onde se integra a medida de acolhimento residencial , são medidas que devem ser aplicadas tendo em conta, por um lado, estas medidas devem ser aplicadas tendo em conta a vontade da menor — constitui um princípio orientador para a intervenção o princípio da audição obrigatória e participação da criança (cf. art. 4.º, al. j), da LPCJP) —, por outro lado, pretende-se com a sua aplicação garantir o bem estar e desenvolvimento integral da/o menor (cf. art. 1.º, da LPCJP), afastando-a/o do perigo em que se encontra, ou proporcionando-lhe “as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral” (cf. art. 34.º, da LPCJP). V - A menor foi sujeita à medida de acolhimento residencial em comunidade terapêutica, ao abrigo do disposto nos arts. 3.º, n.º 2, al. g), 37.º, e 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP, por a jovem consumir produtos estupefacientes e bebidas alcoólicas regularmente, com “problemas do foro psicológico, tendo já tentado, por mais de uma vez, o suicídio”; além disto, a mãe não apresenta “capacidade para conter os comportamentos da filha”, e uma tia também não se afigurou ao tribunal como sendo alternativa ao acolhimento, concluindo-se que a jovem se encontra em situação de perigo que reclama uma resposta imediata. A jovem foi internada a 29.12.2020, tendo a medida sido decretada (“com a máxima urgência”) ao abrigo do disposto no art. 37.º, n.º 3, da LPCJP, por um período de 6 meses, sabendo que a duração da medida é a estabelecida na decisão judicial (art. 61.º, da LPCJP). VI - A medida foi aplicada, nos termos do art. 38.º, da LPCJP, por magistrado judicial, tendo em vista, de acordo com a lei, a proteção de jovem em perigo, estando ainda a decorrer o período de internamento imposto pela decisão judicial; a medida aplicada foi revista e mantida não tendo sido ultrapassado o prazo fixado (e, portanto, não violando o disposto no art. 63.º, da LPCJP). | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2840/20.5T8STR-B.S1 Habeas Corpus
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I Relatório 1. AA, progenitora e representante legal da menor BB (nascida a 00.00.2004), veio, através de mandatária, requerer a providência de habeas corpus com fundamento em privação ilegal da liberdade, com os seguintes fundamentos: «1º — No caso em apreço foi decretado a 18 de dezembro de 2020, por ordem judicial, medida tutelar mais gravosa, o internamento em comunidade terapêutica, à menor BB. 2º — A 29 de dezembro de 2020, através de mandato de condução, que agora se junta e se dá por integralmente reproduzido, foi a menor retirada bruscamente à progenitora pelas assistentes sociais e conduzida à Clínica ….. sita na ... ……. (DOC.1) 3º — Salvo melhor opinião, o Tribunal fundamentou-se, na apreciação dos factos, na convicção formada das declarações prestadas apenas pelas assistentes sociais, nunca tendo tomado declarações da menor ou de seu defensor, ou sequer da sua progenitora, violando claramente o disposto no artº 59 nº 2 da Lei Tutelar Educativa que agora se transcreve: “artº 59 nº 2 LTE 2 - A aplicação de medidas cautelares exige a audição prévia do Ministério Público, se não for o requerente, do defensor e, sempre que possível, dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a guarda de facto do menor. ...”, o que constitui uma nulidade insanável processual. 4º — Formou também o Tribunal “a quo” a sua convicção sem nunca ter tomado depoimentos das testemunhas e familiares da menor, relevando gravemente que se fundamentou em factos sem que estes tenham sido verificados da sua veracidade ou falta dela. 5º — A presente medida aplicada além de não acautelar de maneira nenhuma a segurança da menor veio sim pôr em causa toda a sua estrutura familiar, escolar e de saúde, o que de forma alguma se coaduna com a salvaguarda da protecção dos superiores interesses da criança a que o Tribunal e Estado Português se propõem, como em seguida se demonstrará. 6º — A presente medida cautelar deveu-se a supostos consumos excessivos de estupefacientes, no entanto, tal suposição é baseada apenas em ilações, sem que para tal tenham sido recolhidos depoimentos, ou sequer provas documentais bastantes para que se chegue a tal conclusão. 7º — Também sobre estes alegados consumos nunca a menor foi ouvida, na presença de um defensor, perante a autoridade judicial competente, constituindo também aqui uma grave violação ao disposto nos artº 59 nº 2, artº 77 nº 1 e aos artº 46 e seguintes da LTE. 8º — A aplicação de medida cautelar exige determinados pressupostos cumulativos enunciados no artº 58 da LTE que agora se transcrevem para melhor compreensão: “ 1- A aplicação de medidas cautelares pressupõe: a) A existência de indícios do facto; b) A previsibilidade de aplicação de medida cautelar e; c) A existência fundada de perigo de fuga ou de cometimento de outros factos qualificados pela lei como crime.”, assim terão de se encontrar preenchidos e fundamentados todos os requisitos exigidos legalmente o que, no caso concreto, não acontece pois não há como anteriormente demonstrado a existência de indícios do facto, mas tão somente ilações por parte das assistentes sociais encarregues do processo, pelo que não deveria ser previsível a aplicação de uma medida cautelar, antes pelo contrário, assim como não existe qualquer indicativo de que houvesse perigo de fuga ou de cometimento de qualquer acto ilícito, na medida em que à altura da aplicação da medida cautelar a menor se encontrava estável e inserida regularmente no seu seio familiar, social e escolar. 9º — Salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo” fundamentou-se, na apreciação dos factos, na convicção formada, apenas e somente, das declarações erróneas prestadas pelas assistentes sociais sem ter tomado qualquer depoimento de testemunhas ou sequer de familiares da menor, relevando o facto de gravemente se ter fundamentado nesses mesmos factos sem que estes tenham sido devidamente integrados temporalmente, o que demonstra desde já que a presente medida aplicada para além de não acautelar de maneira nenhuma os interesses da menor BB, por extemporânea e desproporcional, veio pôr em causa toda a sua estrutura familiar, escolar e de saúde, o que de maneira alguma se coaduna com a salvaguarda da protecção dos superiores interesses da criança e menor a que o Tribunal e Estado Português se propõem. 10º — Tendo a menor sido conduzida à instituição a 29/12/2020, não se percebe o porquê de apenas lhe ter sido nomeada defensora durante o mês de maio de 2021, mais de quatro meses após a menor se encontrar desprovida da sua liberdade e fora do seu contexto familiar, social e escolar. 11º — O direito e obrigatoriedade de defensor é um direito basilar para a defesa dos cidadãos, que toma especial relevo nestes casos em particular, direito esse que foi negado à menor ab initio deixando assim a menor desprotegida e sem possibilidade de ser assegurado o seu bem-estar e superior interesse. 12º — “A audição prévia do menor para a aplicação de uma medida tutelar constitui a regra, como decorre dos arts. 77º a 110º da LTE, visto estar em causa a ponderação da aplicação de uma medida tutelar.” Acórdão de 27 de Fevereiro de 2013 (Processo n.º 219/09.9T2AMD-B.L1-3) do Tribunal da Relação de Lisboa, o que no caso em apreço não se verificou. 13º — Consagra o diploma aprovado pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas n.º 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959, mais conhecido pela Declaração dos Direitos Universais da Criança, no seu princípio nº 2 que “A criança gozará de uma protecção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança.”, o que não acontece no caso em apreço pois os superiores interesses da criança, mais em específico a sua liberdade não foram de todo protegidos. 14º — A menor encontra-se à guarda da comunidade terapêutica desde dia 29 de dezembro de 2020, ou seja, há precisamente 4 meses e 24 (vinte e quatro) dias. 15º — Dispõe a Lei Tutelar Educativa no seu artº 60 nº 1 que: “1 - A medida de guarda de menor em centro educativo tem o prazo máximo de três meses, prorrogável até ao limite máximo de mais três meses em casos de especial complexidade devidamente fundamentados. ...” , visto que a menor se encontra tal como referido anteriormente à mais de quatro meses na comunidade e até a este momento não se demonstrou aqui qualquer tipo de complexidade no processo ou sequer devidamente se fundamentou a necessidade de tal internamento, encontra-se neste momento a menor privada da sua liberdade e fora do seu seio familiar indevidamente e em excesso, pelo que deverá esta ser imediatamente restituída ao seu ambiente familiar, social e escolar, devolvendo-lhe assim o seu mais básico direito à liberdade. Mais, 16º — Foi em sede de audiência de julgamento, no dia 23 de março de 2021, proposto à menor uma continuação da medida cautelar por 6 meses, o que esta discordou frisando mais uma vez que tudo o que quer é a sua liberdade e vida normal no ambiente do qual foi tão bruscamente retirada. 17º — Sendo crucial de referir que após a sua audição a menor foi confrontada pelo Diretor Clínico Dr. CC por este ter achado que a menor teria informado o Tribunal de detalhes sobre a clínica que não deveria ter falado, tendo-lhe sido retirado, por aproximadamente, uma semana o direito a video-chamadas aos seus familiares como forma de punição e retirados 5 (cinco) minutos aos 15 (quinze) minutos de chamada telefónica a que a menor tinha direito 3 vezes por semana. 18º — Mais uma vez se demonstra que a menor não tem os seus direitos acautelados e mais uma vez o Estado Português não tem os seus superiores interesses em conta, o que nunca deveria acontecer. 19º — Uma proposta que não se encontra bem fundamentada nem tão pouco foi dado qualquer forma de especial complexidade ao processo agora em apreço, o que consubstancia uma clara violação ao disposto no artº 60 nº 1 da LTE. 20º — A menor foi retirada à sua progenitora sem estas terem sido previamente ouvidas, o que constitui uma grave violação e atropelo aos seus básicos direitos, assim como não lhes foi dada qualquer opção de qual a instituição para onde seria conduzida acabando por ser institucionalizada na Clínica …., sita na... …... 21º — Importa salientar que a menor reside na cidade ….. e foi levada para uma clínica situada a 310 km de distância, o que não se entende nem se concebe como benéfico, tanto para a menor quer como para a própria progenitora, pois tal como o senso comum nos diz, constrange, como é óbvio, as deslocações para visitas da sua progenitora. 22º —É de extrema relevância salientar vários aspectos relativos à própria instituição que suscitam sérias dúvidas que o superior interesse da menor esteja a ser devidamente acautelado e assegurado como de seguida enunciaremos. 23º — A instituição para a qual a menor foi conduzida situa-se a 310 km da sua residência habitual, pelo que houve uma clara violação do disposto no artº 150 nº 2 da LTE que estipula que na escolha e determinação do centro educativo para a execução da medida de internamento deverá sempre ser levado em conta a maior proximidade do centro relativamente à sua residência. Ora sendo a instituição a 310 km de distância está bastante claro que tal pressuposto não foi de todo cumprido ou sequer levado em consideração. 24º — Dispõe a Lei tutelar no seu artº 151 nº 4 que “ A menos que o tribunal o proíba, o disposto no n.º 3 não obsta a que o menor possa ser acompanhado por um dos pais, representante legal ou quem tenha a sua guarda de facto, se as condições da viatura das entidades encarregadas da apresentação o permitirem”, no caso agora em apreço não foi sequer dada qualquer hipótese à progenitora de acompanhar a menor tendo esta sido retirada bruscamente da sua residência e conduzida à instituição sem sequer lhe ter sido dado grande informação sobre o que estaria a ocorrer. 25º — Importa salientar que desde o seu internamento na Clínica …. que as tendências auto-lesivas da menor vêm a ser mais frequentes e em escalada, desde a menor se queimar a si própria com cigarros, atirar-se de umas escadas, a ter infligido por diversas vezes cortes no seu corpo, nomeadamente mãos, pernas, pescoço e pulsos, sendo que foi hospitalizada por diversas vezes nomeadamente a 15 de Fevereiro de 2021 tendo a progenitora se deslocado ao Hospital …. onde lhe foi negado visitar a sua filha pelo segurança pois o representante da clínica que acompanhava a menor terá informado erradamente o mesmo, prestando falsas declarações, dizendo que havia uma ordem judicial de proibição de contacto à menor da sua progenitora, o que sabia ser inverdade e obrigando assim a progenitora a pernoitar à porta do já referido Hospital, tendo a menor sido transferida para o Centro materno infantil ….. para onde a progenitora se deslocou de imediato e onde novamente foi barrada por um agente policial exactamente sobre o mesmo pretexto, tendo si do informado pela progenitora que não era verdade o que levou a que este contactasse com a clinica e só aí lhe foi confirmado que tal ordem judicial efectivamente não existia e foi a progenitora autorizada a visitar a sua filha que se encontrava hospitalizada. 26º — No corrente mês de Maio a dia 3 e a dia 20 a menor necessitou de tratamento hospitalar em que lhe foram administrados 7 (sete) pontos na zona dos pulsos por se ter cortado com uma tampa de lata que recolheu no lixo da instituição, o que representa claramente um perigo iminente de atentado contra a sua própria vida, que a instituição insiste em não tomar em consideração a gravidade da situação minimizando perante a família tais comportamentos. Muito se estranha que havendo este tipo de comportamentos auto-lesivos, a menor que se encontra à guarda e sob o dever de vigilância da instituição, seja colocada no serviço de cozinha tendo alcance, entre outros, a objectos cortantes. 27º — Sucede que ainda durante o mês de Maio a dia 10 a menor teve mais um episódio de auto-mutilação em que o corpo diretivo e hospitalar da comunidade por si só decidiu que a menor não necessitava de acompanhamento hospitalar, sendo que na semana transata a menor infligiu sobre si ferimentos e cortes todos os dias em que a clínica e o corpo clinico mais uma vez por si decidiu que a menor não necessitava de acompanhamento hospitalar, o que veio a culminar no seu internamento a dia 20 em que a menor necessitou de levar 7 (sete) pontos na zona dos pulsos. 28º — Muito se estranha que havendo estes tipos de comportamentos auto-lesivos a menor que se encontra à guarda e sob o dever de vigilância da instituição seja colocada no serviço de cozinha tendo alcance a objectos cortantes. 29º — A lei Tutelar Educativa estabelece expressamente no seu artº 171 nº 3 a) que o menor tem o direito a que o centro zele pela sua vida, integridade física e saúde, o que não ocorre neste caso específico como anteriormente explanado. 30º — Demonstram as ocorrências sucessivas de auto-lesão que a instituição não está de todo a cumprir o seu dever de zelo assim como não se encontra a cumprir o dever de vigilância a que se encontra obrigada legalmente. 31º — Tais ocorrências nunca foram comunicadas à sua progenitora e família tendo estes apenas conhecimento quando ligam para a clínica nas horas indicadas para falar com a menor ou para indagarem do estado da mesma, e lhes é comunicado, muitas das vezes pela própria, que foi hospitalizada, porque na instituição insistem que a progenitora não tem qualquer direito a saber do estado da sua própria filha, o que não se concebe e repudia veemente. 32º — Constitui também um direito da menor através do disposto do artº 171 nº 2 da LTE a não privação dos direitos e garantias que a lei lhe reconhece, a menos que o tribunal expressamente os suspenda ou restrinja para proteção e defesa dos interesses deste. Assim, constituindo um direito da menor a comunicação com a progenitora e não havendo ordem judicial em contrário, não se admite que não seja viabilizada a comunicação de factos de extrema relevância a esta última. 33º — Ocorre também estranhamente que por parte da instituição não sejam assegurados os cuidados básicos à menor tendo inclusive de ser enviado pela progenitora artigos tais como medicação que a menor toma por ordem médica, prescrições de análises, roupa (calças, camisolas, cuecas), shampoos e tampões para fluxo menstrual. 34º — Mais ainda se estranha tendo que a menor necessitado de acompanhamento a nível dentário por médico estomatologista, tenha sido imposto pela comunidade que esta só poderia ser acompanhada através da clínica médica dentária ….., cuja certidão agora se junta e se dá para todos os efeitos reproduzida, sociedade que é detida em co-propriedade pela Srª DD, a filha do Dr. CC que é o director e proprietário da instituição onde a jovem foi colocada. (DOC.2) 35º — De salientar que a referida clínica dentária não tem quaisquer acordos com o sistema nacional de saúde e que o tratamento dentário da menor teria, pelas palavras da direcção da comunidade ……, que ser custeado na sua totalidade pela progenitora, tendo esta já despendido cerca de 40 euros e cujo valor global de tratamento rondaria os 1000 (mil) euros pelo facto de supostamente a menor necessitar de novos aparelhos dentários. Tal procedimento não se afigura à ora requerente de todo claro e suscita diversas dúvidas da sua legalidade a qual, desde já, se requer que seja averiguada. 36º — Foi pedido pela comunidade que a progenitora se deslocasse à clínica, ao que esta prontamente acedeu, para realização de terapia familiar no dia de hoje 24/05/2021, na qual foram proferidas pelo Dr. CC perante a menor e a progenitora, em contexto terapêutico, expressões como “Vamos assinar um contrato para confiar o tratamento da BB à clinica porque só assim vão parar os comportamentos auto-lesivos”, “não existe terapia possível para o caso da BB”, “A BB é um caso perdido” e “A BB vai ficar cá até dezembro”. Salvo melhor opinião, tais expressões proferidas são condenáveis e não se afiguram à ora requerente como sequer sendo produtivas. 37º —A menor encontrava-se à data do internamento completamente estável a nível familiar, social e escolar, o que a presente medida cautelar veio regredir e prejudicar. 38º — Tendo sido anteriormente seguida no Hospital …., de forma ligeira e deficiente, e medicada~por médico daquela instituição, a menor encontrava-se à data do internamento a ser seguida a nível de médico particular pelo Dr. EE, médico psicoterapêutico, custeado inteiramente pela mãe da menor, tendo num curto espaço de tempo apresentado melhorias significativas no seu comportamento, o que a presente medida veio prejudicar. 39º — A menor encontrava-se à altura do seu internamento na comunidade inscrita na escola da sua área de residência para continuar o ano lectivo, o que não ocorreu devido à imposição da presente medida cautelar. 40º — Foi pedido pela própria menor, em sede de audiência ocorrida a dia 23 de Março de 2021, a possibilidade de assistência via remota das suas aulas com vista a não perder o ano escolar, pedido esse que ficou de ser verificado mas que até ao dia de hoje não foi sequer requerida a sua viabilidade por parte das assistentes sociais encarregues do processo, tendo também aqui sido atropelado o direito que a menor tem a que lhe seja providenciada frequência escolar. 41º — A presente medida cautelar é pouco criteriosa, desequilibradamente doseada, e temporalmente ineficaz, mais sendo actualmente desfavorável. Em bom rigor, além de não acautelar de maneira nenhuma a criança veio sim por em causa toda a sua estrutura familiar, escolar e de saúde, o que de maneira alguma se coaduna com a salvaguarda da protecção dos superiores interesses da criança. 42º — A esta data tendo decorrido o período de 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro dias) encontra-se a medida cautelar temporalmente excedida pelo que a menor se encontra privada do seu direito à liberdade injustamente, tendo de ser restituída imediatamente ao seu seio familiar e à sua liberdade. 43º — Pelos factos expostos deverá a medida cautelar imposta à menor BB ser revogada, com as suas devidas consequências legais. Requerer, como se requer, a concessão imediata da Providência de Habeas Corpus em razão de detenção ilegal da menor BB.» 2.1. Foi prestada a informação, nos termos do art. 223.º, n.º 1 do CPP, do seguinte modo: «Pelos motivos e fundamentos vertidos no despacho que aplicou a medida cautelar de acolhimento residencial, que aqui dou inteiramente por reproduzidos e cuja cópia se junta, e nos termos do n.º 1 do artigo 223.º do Código de Processo Penal, aplicado analogicamente aos presentes autos, informo que a medida se mantém, por legal, tendo sido revista e mantida por despacho proferido em 19 de Abril de 2021, em virtude de não ter ultrapassado o prazo máximo previsto no art.º 37.º, n.º 3 da LPCJP. Mais informo que o início de execução da medida de acolhimento residencial ocorreu em 29 de Dezembro de 2020, data em que a jovem ingressou na Comunidade Terapêutica.» 2.2. Dada a referência expressa, nesta informação, ao despacho que aplicou a medida cautelar, transcreve-se esse despacho: 2.2.1. O despacho, de 27.11.2020, a aplicar a medida cautelar de acolhimento residencial em comunidade terapêutica foi o seguinte: «O Ministério Público intentou o presente Processo de Promoção e Proteção a favor da BB, nascida em 00/00/2004, filha de AA e residente com a mãe, na sequência da retirada de consentimento da progenitora para a intervenção da CPCJ. Dos autos resulta que a jovem consume diversos produtos estupefacientes e bebidas alcoólicas regularmente, consumos estes que, por si só, não consegue abandonar, ao que acresce que apresenta diversos problemas do foro psicológico, tendo já tentado, por mais de uma vez, o suicídio e apresentando diversos comportamentos autolesivos. Recentemente agrediu a progenitora, que acabou por ser internada em serviço de psiquiatria hospitalar. Nessa sequência, a jovem passou um fim-de-semana desacompanhada e, ulteriormente, foi também alvo de internamento, em virtude dos consumos de estupefacientes e álcool que apresentava, tendo sido transferida para o Hospital …., que veio a propor o encaminhamento da jovem para comunidade terapêutica - a qual a mãe não aceita, embora não revele, neste momento, capacidade para conter os comportamentos da filha e afirme não saber como a filha obtém o dinheiro necessário à aquisição dos estupefacientes que consome. A tia FF neste momento não se apresenta como alternativa ao acolhimento da jovem, visto que não tem igualmente capacidade pessoal para conter os comportamentos da sobrinha, situação que se evidenciou no fim-de-semana que a jovem passou desacompanhada na sequência do internamento da mãe e que veio a culminar com o respetivo internamento no Hospital …... Do que vem de ser dito resulta que a mãe do jovem, neste momento, não consegue motivar a filha para abandonar os consumos de estupefacientes, não se vislumbrando, neste momento, qualquer outro familiar que possa, efetivamente, incutir na jovem a necessidade de alterar a sua conduta. A BB mostra-se assim, neste momento, em situação de perigo decorrente dos comportamentos que vem assumindo, os quais colocam em causa a sua educação e desenvolvimento, sem que a progenitora se mostre capaz de a demover desses mesmos comportamentos - o que configura a situação a que alude a alínea g) do n.º 2 do art.º 3.º da LPCJP. Importa assim acautelar tal perigo enquanto o processo desenvolve os seus ulteriores termos, de forma cautelar, face ao perigo iminente que os mesmos consubstanciam para o desenvolvimento, saúde e vida da jovem e à incapacidade da progenitora em impor-lhe regras. Os perigos mencionados reclamam pois uma intervenção imediata, de natureza cautelar e provisória, de harmonia com o disposto no art.º 37.º da LPCJ, que permita acautelar o percurso escolar, bem-estar e segurança da jovem enquanto se procede à definição do seu encaminhamento subsequente. Por todo o exposto, ao abrigo do disposto nos arts.º 3.º, n.º 2, al. g), 37.º e 35.º, n.º 1, al. f) da LPCJP, determino a aplicação a favor da jovem BB da medida cautelar de acolhimento residencial, a executar em Comunidade Terapêutica a indicar pela Segurança Social com a máxima urgência, pelo período de seis meses, enquanto se procede à definição do encaminhamento subsequente da jovem.» 2.2.2. Desta decisão houve recurso para o Tribunal da Relação ….. que, por acórdão de 25.02.2021, manteve a decisão, e onde se considerou que: «(...) Analisando os factos, é inegável a situação de perigo da jovem, em virtude dos graves comportamentos que se acumularam num curto período temporal – o mês de Outubro de 2020 (...) Concorda-se, pois, com a decisão recorrida quando conclui por uma situação de perigo da jovem, nomeadamente para os fins do art. 3.º n.ºs 1 e 2 al. g), face aos seus graves comportamentos e à entrega a consumos que afectam a vida e a integridade física e psíquica, quer da própria jovem, quer da sua mãe, sem que esta, ou a família alargada sejam capazes de tomar as medidas adequadas a corrigir o seu comportamento. A questão que se coloca nos autos será a de saber se outra medida não seria mais adequada a proteger a jovem, senão a de acolhimento residencial com integração em comunidade terapêutica para desintoxicação, proposta pela CPCJ e pela equipa médica da Unidade Psiquiátrica onde a jovem se encontrava internada, ou se deveria ser adoptada outra medida de prevalência familiar. (...) Em resumo, a mãe e a família alargada não se apresentam, de momento, como alternativas viáveis para salvaguardar a jovem dos seus comportamentos agressivos e autodestrutivos, pelo que não é possível concluir que a integração na família biológica constitua solução viável para salvaguardar a BB do perigo em que se encontra. Neste contexto específico, não se pode afirmar que seja desadequada ou desproporcional a medida proposta pela CPCJ e pela equipa médica da Unidade Psiquiátrica onde a jovem foi internada – de acolhimento residencial, com integração em comunidade terapêutica para desintoxicação.» 2.2.3. O despacho, de 19.04.2021, a rever e manter a medida cautelar aplicada foi o seguinte: «Nos presentes autos foi aplicada a medida cautelar de acolhimento residencial em Comunidade Terapêutica a favor da BB (nascida em 00/00/2010), pelo período de 6 meses, em 27 de Novembro de 2020 (cfr. ref.ª …..). Impõe-se, neste momento, proceder à revisão da medida – art.º 62.º, n.º 1 da LPCJ. A Sr.ª Técnica que acompanha o processo apresentou o relatório com a ref.ª …., do qual resulta que na Comunidade Terapêutica a BB beneficia de acompanhamento e terapias que lhe são benéficas. A equipa terapêutica vem trabalhando com a BB questões como a impulsividade, a ansiedade, a agressividade física e verbal, a autoestima e a promoção de novas posturas e comportamentos. Não obstante, a jovem apresentou, a dado momento, ideação suicida e comportamentos de automutilação, com internamento hospitalar. A jovem manifesta vontade de regressar ao seio familiar, dizendo contar com o apoio da família para a sua estabilização emocional, psicológica e escolar. A progenitora, notificada para se pronunciar sobre a revisão da medida, pugnou também pelo regresso da filha a sua casa ou à de familiares próximos, com fundamento, além do mais, no facto de a mesma ter já abandonado os consumos de estupefacientes e bebidas alcoólicas antes ainda da aplicação da medida e de beneficiar do acompanhamento psicoterapêutico prestado por médico particular. A Comunidade Terapêutica não se manifesta contrária à reintegração familiar da jovem, que tem aderido pouco ao programa terapêutico, desde que com supervisão local e acompanhamento, em ambulatório ou, em alternativa, à transferência da jovem para outra comunidade mais próxima da residência. Importa pois aferir da possibilidade de re-integração da jovem no seu agregado familiar de origem ou noutro, de pessoa da sua família – avaliação que, por ora, não se mostra ainda concluída. Está também em curso avaliação pericial à progenitora, cujo resultado poderá ser preponderante para a decisão a tomar sobre o projeto de vida futuro da BB. O lapso de tempo decorrido desde a aplicação da medida cautelar não se revela, assim, suficiente para que, com segurança, se possa determinar o regresso da jovem a casa da mãe, pois que se ignora se efetivamente a progenitora dispõe, neste momento, das competências necessárias para a prestação dos cuidados necessários à filha, que necessariamente serão muito exigentes nesta fase da vida da BB. As demais alternativas familiares terão ainda de ser cabalmente avaliadas. Afigura-nos, por outro lado, que a inserção da jovem noutra Comunidade Terapêutica, atendendo ao curto lapso de tempo decorrido desde a aplicação da medida cautelar, poderia contribuir para o retrocesso no tratamento da jovem – pelo que tal situação deverá também ser avaliada devidamente pela Sr.ª Técnica Gestora do Caso, em articulação com a Comunidade. Do sumariamente exposto, afigura-se-nos, tal como ao Ministério Público, que a situação da jovem, por ora, não permite a alteração da medida aplicada, tendo de se manter o acolhimento a fim de, na Comunidade Terapêutica, a BB continuar a ver salvaguardada a sua saúde, segurança e desenvolvimento integral, enquanto se procede a definição do seu encaminhamento futuro – o que se espera possa ocorrer com a máxima brevidade. Pelo exposto, decido rever e manter a medida de acolhimento residencial em Comunidade Terapêutica aplicada a título cautelar a favor da BB.» 3. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, teve lugar a audiência pública, nos termos dos art.ºs 223.º, n.º 3, e 435.º, do CPP. Há agora que tornar pública a respetiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.
II Fundamentação 1. Nos termos do art. 31.º, n.º 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, o interessado pode requerer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de detenção ou prisão ilegal. “Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade” constituindo uma “garantia privilegiada” daquele direito (cf. Gomes Canotilho, /Vital MOREIRA, Constituição da República Portuguesa — Anotada, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 20074, anotação ao art. 31.º/ I, p. 508). Esta providência pode ser utilizada em casos de decisões irrecorríveis, mas “não é de excluir a possibilidade de habeas corpus em alternativa ao recurso ordinário, quando este se revele insuficiente para dar resposta imediata e eficaz à situação de detenção ou prisão ilegal” (idem, anotação ao art. 31.º/ V, p. 510, sublinhado nosso). Exigem-se cumulativamente dois requisitos: 1) abuso de poder, lesivo do direito à liberdade, enquanto liberdade física e liberdade de movimentos e, 2) detenção ou prisão ilegal (cf. neste sentido, ibidem, anotação ao art. 31.º/ II, p. 508). Nos termos do art. 222.º, n.º 2, a ilegalidade da prisão deve ser proveniente de aquela prisão “a) ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”. 2. A requerente desta providência pretende que cesse imediatamente a aplicação da medida cautelar de acolhimento residencial em comunidade terapêutica da menor, sua filha. O requerimento da providência de habeas corpus pode ser interposto por qualquer cidadão (no gozo dos seus direitos políticos) que o pode fazer em ordem à preservação do direito fundamental à liberdade em face de uma prisão ou detenção ilegal — cf. art. 31.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e art. 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP). A consagração do direito fundamental à liberdade, tal como se encontra previsto no art. 27.º, da CRP, impõe que ninguém possa ser “total ou parcialmente privado da liberdade” (n.º 1), excetuando-se deste princípio a “a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes: e) sujeição de um menor a medida de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente” (n.º 2 do dispositivo referido). Ou seja, é a própria Constituição da República Portuguesa que, de forma expressa, entende que não constituem uma privação da liberdade em desrespeito pelo disposto no art. 27.º, n.º 1 e 2, as situações elencadas no disposto no n.º 3. O pedido de habeas corpus, nos termos da Constituição, visa reagir contra uma situação de “abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal” (art. 31.º, n.º 1, da CRP), ou seja, e voltando ao disposto no art. 27.º, da CRP, detenção ou prisão são as situações elencadas nas als. a), b), c), d) f) e g) do n.º 3 do art. 27.º, da CRP. Alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[1] tem alargado a providência de habeas corpus a situações que aparentemente parecem idênticas, como as relativas à aplicação de medidas de proteção, assistência ou educação de menor em estabelecimento, ou as de internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento — o que pode ser visto como entendendo a providência de habeas corpus como um meio expedito para reagir contra um abuso de poder numa decisão limitativa de direitos fundamentais[2]. Outra parte da jurisprudência tem considerado não ser admissível, nomeadamente quando estejam em causa medidas de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo dada as razões subjacentes à aplicação destas medidas serem distintas das que presidem à aplicação de uma prisão por cometimento da prática de um crime[3]. Na verdade, alguma doutrina tem considerado que quanto às medidas de proteção e promoção de crianças e jovens em perigo, é discutível que se possam considerar “para todos os efeitos, uma verdadeira medida de privação, ou mesmo de restrição da liberdade da criança”[4], considerando que “a privação da liberdade existe quando alguém é confinado coativamente, através de um poder público, a um local delimitado, de modo que a liberdade corporal-espacial de movimentos lhe é subtraída. Ora, esta nota característica coaduna-se mal com medidas que, como a presente, não tenham no seu conteúdo definidor a coação ou a oposição do visado”[5] — no presente caso, aquando da decisão de manutenção da medida de acolhimento residencial em comunidade terapêutica a jovem manifestou vontade de regressar à família (cf. despacho transcrito supra ponto 2.2.3.); porém se, por um lado, estas medidas devem ser aplicadas tendo em conta a vontade da menor — constitui um princípio orientador para a intervenção o princípio da audição obrigatória e participação da criança (cf. art. 4.º, al. j), da LPCJP) —, por outro lado, pretende-se com a sua aplicação garantir o bem estar e desenvolvimento integral da/o menor (cf. art. 1.º, da LPCJP), afastando-a/o do perigo em que se encontra, ou proporcionando-lhe “as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral” (cf. art. 34.º, da LPCJP). Acresce que a doutrina que tem considerado que não se trata de uma medida detentiva[6] não deixa de referir que constitui uma medida que origina uma “compressão do direito à unidade familiar”[7]. Sem curar de caracterizar (ou não) a medida de acolhimento residencial em comunidade terapêutica como constituindo em primeira linha (ou não) uma medida limitativa da liberdade de movimentos quando aquele que a esta fica sujeito se opõe à medida, certo é que estas medidas não têm uma finalidade punitiva[8] como as aplicadas no âmbito da Lei tutelar educativa, por exemplo. Compulsados os autos, verifica-se que a menor foi sujeita à medida de acolhimento residencial em comunidade terapêutica, ao abrigo do disposto nos arts. 3.º, n.º 2, al. g), 37.º, e 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP, por a jovem consumir produtos estupefacientes e bebidas alcoólicas regularmente, com “problemas do foro psicológico, tendo já tentado, por mais de uma vez, o suicídio” (cf. despacho transcrito supra ponto 2.2.1.); além disto, a mãe não apresenta “capacidade para conter os comportamentos da filha” (cf. despacho citado), e uma tia também não se afigurou ao tribunal como sendo alternativa ao acolhimento, concluindo-se que a jovem se encontra em situação de perigo que reclama uma resposta imediata. A jovem foi internada a 29.12.2020 (cf. informação junta), tendo a medida sido decretada (“com a máxima urgência”) ao abrigo do disposto no art. 37.º, n.º 3, da LPCJP, por um período de 6 meses, sabendo que a duração da medida é a estabelecida na decisão judicial (art. 61.º, da LPCJP). Esta decisão foi objeto de recurso para o Tribunal da Relação …. que, por acórdão de fevereiro de 2021, reafirmou a necessidade de aplicação da medida cautelar. E ao abrigo do disposto no art. 62.º, n.º 1, da LPCJP, a medida foi revista e mantida, tendo sido dado relevo à vontade da menor, dado que expressamente se refere que a menor manifestou vontade de regressar à família (pelo que se terá procedido à sua audição nos termos do art. 84.º, da LPCJP), mas ponderando todas as circunstâncias concluiu-se que “a situação da jovem, por ora, não permite a alteração da medida” (cf. despacho transcrito supra ponto 2.2.3.). Ora, perante o exposto verifica-se que foi aplicada à jovem uma medida cautelar de acolhimento residencial em comunidade terapêutica ao abrigo da Lei de proteção de crianças e jovens em perigo (Lei n.º 147/99, de 01.09 e alterações posteriores) e não ao abrigo da Lei tutelar educativa (Lei n.º 166/99, de 14.09 e alterações posteriores) como é referida na petição de habeas corpus. A medida foi aplicada, nos termos do art. 38.º, da LPCJP, por magistrado judicial, tendo em vista, de acordo com a lei, a proteção de jovem em perigo, estando ainda a decorrer o período de internamento imposto pela decisão judicial. Além disto, foi revista e mantida não tendo sido ultrapassado o prazo fixado (e, portanto, não violando o disposto no art. 63.º, da LPCJP). Perante o exposto, por falta de fundamento bastante, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus. Todavia, de acordo com a lei existe a possibilidade de interposição de recurso (nos termos legais – cf. art. 123.º, da LPCJP) da decisão que reviu e manteve a aplicação da medida de acolhimento residencial em comunidade terapêutica. Porém, a providência de habeas corpus não constitui um meio de recorrer daquela decisão.
III Decisão Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir, por falta de fundamento bastante, a providência de habeas corpus requerida por AA. Custas pela requerente, com 3 UC de taxa de justiça.
Supremo Tribunal de Justiça, 2 de junho de 2021 Os Juízes Conselheiros,
Helena Moniz (Relator)
Margarida Blasco
Clemente Lima
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[8] Todavia, cumpre salientar que o facto de uma medida não ter uma finalidade punitiva não constitui automaticamente condição para a inadmissibilidade de um pedido de habeas corpus. Para tanto veja.se o que foi consagrado no art. 31.º, da Lei de Saúde Mental (Lei n.º 36/98, de 24 de Julho, e posteriores alterações), onde apesar de as medidas aplicadas ao abrigo desta lei terem por finalidade “contribu[ir] para assegurar ou restabelecer o equilíbrio psíquico dos indivíduos, para favorecer o desenvolvimento das capacidades envolvidas na construção da personalidade e para promover a sua integração crítica no meio social em que vive”, o legislador consagrou no citado art. 31.º, cuja epígrafe é Habeas Corpus em virtude de privação da liberdade ilegal, o seguinte: “1 - O portador de anomalia psíquica privado da liberdade, ou qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, pode requerer ao tribunal da área onde o portador se encontrar a imediata libertação com algum dos seguintes fundamentos: a) Estar excedido o prazo previsto no artigo 26.º, n.º 2; b) Ter sido a privação da liberdade efectuada ou ordenada por entidade incompetente; c) Ser a privação da liberdade motivada fora dos casos ou condições previstas nesta lei.” |