Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96S156
Nº Convencional: JSTJ00031818
Relator: CARVALHO PINHEIRO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
SUBSÍDIO DE NATAL
CP
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ199704230001564
Data do Acordão: 04/23/1997
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS-A, 129 DE 05-06-1997, P. 2762
BMJ N466 ANO1997 PAG359 -
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 605/95
Data: 04/17/1996
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CONST - DIR FUND. DIR CIV - TEORIA GERAL. DIR PROC CIV - RECURSOS. DIR PROC TRAB.
Legislação Nacional: CONST89 ARTIGO 13.
CCIV66 ARTIGO 9.
CPC67 ARTIGO 470 N1 ARTIGO 495.
CPT81 ARTIGO 30 N1 ARTIGO 177.
DL 88/96 DE 1996/07/03 ARTIGO 2 N1 N2.
Sumário :
Todos os trabalhadores do C.P. (Caminhos de Ferro Portugueses), cujos contratos de trabalho estejam em vigor em Dezembro, têm direito a um subsídio de Natal de valor igual à retribuição, a receber nesse mês, por inteiro.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - O "Sindicato dos Ferroviários do Centro" veio ao abrigo dos artigos 177 e seguintes do C.P.T., intentar , no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra "Caminhos de Ferro Portugueses, EP" acção declarativa ordinária pedindo se reconheça que nos termos do n. 1 da cláusula 110 do Acordo de Empresa (AE) todos os trabalhadores associados do Autor, ao serviço no mês de Dezembro, têm direito a receber um subsídio de Natal igual à retribuição mensal a que cada um tenha direito por força da aplicação da respectiva tabela de vencimentos; e ainda se condene a Ré a pagar a cada um desses trabalhadores que estiverem ao serviço no mês de Dezembro de 1992, as importâncias descontadas no subsídio de Natal desse ano sempre que tais descontos decorreram da verificação de factos que implicaram perda de vencimento, exceptuadas as abrangidas pelos ns. 2 e seguintes da dita cláusula 110.
A Ré contestou, alegando em síntese não ser essa a interpretação correcta da referida cláusula, mas sim aquela, que pratica, pela qual o 13º mês é igual à retribuição mensal a que o trabalhador tem direito, concretamente, no mês de Dezembro. Assim, no seu entender, devem repercutir no 13º mês ou subsídio de Natal eventuais faltas injustificadas que o trabalhador dê no dito mês de Dezembro.
Condensada e julgada a causa proferiu-se sentença que condenou a Ré:
a) A reconhecer que ao abrigo do disposto no n. 1 da cláusula 110 do AE, todos os trabalhadores associados do Autor ao serviço no mês de Dezembro, têm direito a receber um subsídio de Natal igual à retribuição mensal a que cada um tenha direito por força da aplicação da respectiva tabela de vencimentos;
b) A pagar a cada um dos trabalhadores associados do Autor que estiveram ao serviço no mês de Dezembro de 1992, as importâncias descontadas no subsídio de Natal desse ano sempre que tais descontos decorreram da existência de faltas que implicaram perda de vencimento, exceptuadas as abrangidas pelos ns. 2 e seguintes, da cláusula 110 do dito AE.
Apelou a Ré mas a Relação de Lisboa, pelo seu Acórdão de fls. 275 e seguintes negou provimento ao recurso e confirmou a sentença.

Desse Acórdão pediu a Ré revista, concluindo assim a sua alegação:
1- O Douto Acórdão Recorrido, aliás no seguimento da Douta Sentença da 1ª Instância, fez errónea interpretação e aplicação do regime jurídico aplicável à situação "sub judice", mais concretamente do regime constante da cláusula 110 do AE de 1980 (também designado por AE/FSF - 1981) já devidamente identificado nos autos, e respeitante ao "subsídio de Natal" ou "Décimo Terceiro Mês".
2 - Na verdade e como a ora Recorrente vem repetidamente sustentando nos autos, face a tal regime convencional, o montante do "Subsídio de Natal" ou "Décimo Terceiro Mês" varia em função da remuneração efectivamente recebida e devida no mês de Dezembro de cada ano - se se quiser, em função dos dias de trabalho "realizados" nesse mesmo mês.
3 - De forma tal que, em situação limite, se um trabalhador deixar de ter retribuição no mês de Dezembro pode ter pedido todo esse mês de licença sem vencimento ou licença sem retribuição, obviamente não terá direito ao "13º Mês".
4 - É que, não havendo retribuição (ou situação equivalente - situação de Baixa "atestada" pela Segurança Social) em Dezembro, por hipótese, não se pode pagar um "Subsídio de Natal" por referência a uma retribuição que nesse mês não existe - Que nesse mês é zero! Isto no regime da convenção acima referenciada, entenda-se!
5 - Na verdade com a devida vénia, a conclusão anterior - que mais não é do que a 4ª conclusão do recurso de apelação - afigura-se-nos como inquestionável uma vez que não existindo retribuição não poderá haver um "subsídio" por referência a algo que não existe (zero é igual a zero!)".
O Autor contra-alegou sustentando o Acórdão recorrido.
A Ilustre Procuradora - Geral Adjunta neste Supremo Tribunal (Secção Social) emitiu douto parecer no sentido da negação da revista.
Colhidos os vistos, cumpre decidir:

II - 1. A questão fulcral levantada nas conclusões do recurso (que, como se sabe, delimitam o seu objecto) consiste em saber se o montante do "Subsídio de Natal" ou "13º Mês" deve ser calculado em função dos dias de trabalho prestados nesse mês.
Isto por contraponto à prestação do Autor recorrido no sentido de se reconhecer aos trabalhadores em serviço no mês de Dezembro o direito a receber um subsídio de Natal igual a um mês de retribuição ou seja, igual à retribuição mensal a que cada um tenha direito por força da aplicação da respectiva tabela de vencimentos.
Trata-se, portanto, de fixar a interpretação do n. 1, da cláusula 110 do AE em vigor na Ré recorrente.
2 - Todavia, antes de se entrar na decisão da questão acima referida, impõe-se já a resolução do problema suscitado pela acumulação de pedidos efectuada sob as alíneas a) e b) na petição inicial, problema esse não decidido, nem sequer examinado, nas Instâncias mas que é do conhecimento oficioso do Tribunal (cfr. artigo 495 do C.P.C.).
Na verdade, sob a alínea a) pediu o Autor, na petição inicial, se reconhecesse que ao abrigo do disposto no n. 1 da cláusula 110 do Acordo de Empresa todos os trabalhadores, ao serviço no mês de Dezembro, têm direito a receber um subsídio de Natal igual à retribuição mensal a que cada um tenha direito por força da aplicação da respectiva tabela de vencimentos.
E sob a alínea b) pediu o Autor fosse a Ré condenada a pagar a cada um dos trabalhadores seus associados que estiveram ao serviço no mês de Dezembro de 1992, as importâncias descontadas no subsídio de Natal desse ano, sempre que tais descontos decorressem da existência de faltas que implicaram perda de vencimento, exceptuadas as abrangidas pelos ns. 2 e seguintes da referida cláusula 110.
Ao pedido deduzido na alínea a) corresponde a forma de processo especial prevista nos artigos 177 e seguintes do C.P.T. e ao pedido formulado sob a alínea b) corresponde a forma de processo declarativo comum.
Ora, nos termos do artigo 30 n. 1 do C.P.T. (cfr. artigo 470 n. 1 do C.P.C.) só pode haver cumulação de pedidos quando lhes corresponda a mesma espécie de processo - situação que, como se viu, não se verifica.
Tratando-se, como se trata, de uma incompatibilidade processual, a sanção é a da absolvição da instância relativamente ao pedido para o qual a forma de processo seja inadequada.
Esse pedido é, neste caso, o formulado sob a alínea b) da petição inicial - pelo que, relativamente a ele, se absolve a Ré recorrente da instância.

III - No acórdão recorrido fixou-se a seguinte matéria de facto:
1. A alguns trabalhadores associados do Autor que por razões de vária ordem faltaram ao serviço no mês de Dezembro de 1992 e, quando tais faltas implicaram desconto no vencimento, a Ré para além de proceder ao desconto no salário procedeu também ao mesmo desconto no 13º mês - subsídio de Natal.
2. Assim, todos os trabalhadores associados do Autor que tenham faltado ao serviço no mês de Dezembro de 1992, em virtude de terem estado alguns dias de licença sem vencimento, de terem aderido à greve legalmente decretada, ou terem faltado injustificadamente, sofreram um desconto na retribuição mensal correspondente ao período em falta.
3 - Bem como igual desconto no 13º mês - subsídio de Natal.
3. Tais descontos foram processados nas folhas de vencimento do mês de Janeiro seguinte.
5. Dá-se como reproduzida a cláusula 110 do AE celebrado em 28 de Novembro de 1980 ente a "CP - Caminhos de Ferro Portugueses. EP" e a Federação dos Sindicatos Ferroviários" e outros, publicada no BTE, 1ª série, n. 3, de 22 de Janeiro de 1981, fls. 180 e 230.
6. O desconto efectuado na retribuição decorrente de faltas, como o acima mencionado, ocorrido em qualquer outro mês que não o de Dezembro, não tem outra consequência que não seja o desconto do período de tempo em causa no vencimento do mês a que respeita.
8. A Ré propôs em sede de negociação colectiva que para cálculo do 13º mês se introduzisse a regra da "proporcionalidade" a qual pode assumir vários conteúdos e que no caso não se determinam em globo.
9. Porém este critério não tem tido aceitação sindical.

IV - 1. O n. 1 da cláusula 110 em questão reza assim: - "Os trabalhadores receberão até 10 de Dezembro um subsídio não inferior à retribuição mensal a que têm direito no mês de Dezembro" (cfr. fls. 20).
É este normativo que se visa interpretar - o que se deverá fazer mediante aplicação das normas sobre interpretação da lei dado se inserir no conteúdo regulativo do A.E. (cfr. assento n. 2/96 da Secção Social do S.T.J. no D.R., 1ª série, de 22 de Março de 1996).
Visa-se, assim, a reconstituição do pensamento que norteou tal normativo, em conformidade com os critérios do artigo 9º do C.Civil.
Para se erguer desde a superfície verbal da norma até ao pensamento legislativo que a informa, é de todos sabido dever o interprete socorrer-se dos conhecidos instrumentos hermenêuticos que são os elementos gramatical e lógico e, dentro deste último, os elementos racional ou teleológico, sistemático e histórico.
Mas na impossibilidade de reconstituição histórica - dado o déficit indiciário que a afecta - do texto legal ou normativo, a tarefa interpretativa apoia-se sobretudo na pesquisa da intencionalidade que a ele presidiu, reconhecendo-se assim um peso decisivo aos elementos racional ou teleológico e sistemático.
2. Apesar de só com a entrada em vigor do DL n. 88/96 de 3 de Julho se ter tornado obrigatório, o subsídio de Natal - ou 13º mês - encontrava-se já consagrado pela generalidade dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho (IRC´S).
Esse subsídio consiste na atribuição de um mês de vencimento aos trabalhadores por ocasião do Natal ou do fim do ano.
O problema principal - e estamos no plano racional ou teleológico de interpretação - que se põe a propósito deste subsídio é o de saber se ele exige, concomitantemente, a presença do trabalhador na empresa na época em que é satisfeito e a prestação de trabalho em todo o ano de referência (cfr. Bernardo Lobo Xavier, "Introdução ao estudo da retribuição no direito do trabalho português", no R.D.E.S, 1986, n. 1, pág. 89).
Ao exigir-se a presença do trabalhador na empresa na época do pagamento do subsídio e, concomitantemente, a prestação do trabalho durante todo o ano a que ele se reporta, acentua-se um carácter extra-salarial ao "13º mês" e dá-se-lhe uma função de prémio de fidelidade à empresa, bem como uma destinação de cobertura de despesas próprias da época.
Ao contrário, quando se considera ser o subsídio de natal também devido àqueles cuja relação laboral cessou anteriormente à época de seu pagamento (cabendo-lhe então a parte proporcional ao tempo de serviço prestado nesse ano) põe-se sobretudo em relevo a natureza retributiva desse subsídio e a sua função de correctivo do salário-base relativamente ao rendimento real do trabalho prestado, encarando-se a referida prestação como objecto dum direito que se vai sedimentando ao longo do ano de serviço (cfr. Monteiro Fernandes, "Direito do Trabalho", I- 9ª edição, fls. 408 e 409, Lobo Xavier, "Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Anotado", Coimbra, 1999, fls. 172 e seguintes).
Dado que o direito ao subsídio de Natal surge consagrado, em termos duma quase generalidade, pelos instrumentos de regulamentação colectiva, é da interpretação das respectivas cláusulas que deve apurar-se qual das referidas concepções foi consagrada. Monteiro Fernandes (obra e local citados) aponta, porém, como regra supletiva, a de se conexionar o subsídio de Natal ao tempo de serviço, conforme a última das indicadas concepções e de harmonia com o entendimento dessa prestação como parcela da retribuição global
3. Quanto ao caso concreto sub-judice diz a Recorrente que o n. 1 da cláusula 110 se deve interpretar no sentido de que o montante do subsídio de Natal varia em função dos dias de trabalho realizados no mês de Dezembro de cada ano. Assim, para a Recorrente, se um trabalhador deixar de ter retribuição no mês de Dezembro por ter pedido todo esse mês de licença sem vencimento, não terá direito ao 13º mês.
É claramente a adopção da concepção que acentua o carácter extra-salarial do subsídio de Natal e a sua função de prémio de fidelidade à empresa.
No entanto, tal interpretação não encontra apoio na cláusula 110 em questão.
Ela choca com o disposto nos ns. 6 e 7 daquela cláusula, onde se consagra uma regra de proporcionalidade do subsídio de Natal nos anos de admissão ou readmissão ou no caso de cessação do contrato de trabalho antes de 15 de Dezembro, em função do tempo de serviço prestado. Os trabalhadores terão pois, direito a um subsídio proporcional ao tempo de serviço prestado. E o mesmo se verifica em relação aos trabalhadores contratados a prazo (n. 10).
Nestes números adoptou-se na cláusula 110 a concepção da natureza retributiva do subsídio de Natal, conexionando-o ao tempo de serviço prestado.
Seria ilógico pretender que o n. 1 dessa cláusula se inspirasse em concepção diferente, afrontando-se o espírito do sistema.
Assim, quando no dito n. 1se diz que os trabalhadores receberão até 10 de Dezembro um subsídio não inferior à retribuição mensal a que têm direito nesse mês, a realidade que se pretende exprimir é que eles têm direito a um subsídio igual à retribuição que venceriam naquele mês em conformidade com a aplicação da respectiva tabela de vencimentos. Por inteiro e sem descontos.
A esta conclusão se chega igualmente se dermos, como aliás se deve fazer, valor interpretativo ao disposto no artigo 2 do DL 88/96 de 3 de Julho, em cujo n. 1 se diz que o subsídio de Natal é igual a um mês de retribuição, e em cujo n. 2 se consagra também uma regra de proporcionalidade em função do trabalho prestado no ano.
4. Finalmente, o n. 1 da cláusula 110 afrontaria o princípio da igualdade consagrado no artigo 13 da Constituição - ao implicar uma diferenciação manifestamente infundada entre os trabalhadores da Recorrente.
Na verdade, e em conformidade com a tese da Recorrente, se a suspensão do contrato de um trabalhador ocorrer durante o mês de Novembro, esse trabalhador terá direito ao subsídio de Natal; todavia, se semelhante circunstância se verificasse com outro trabalhador durante o mês de Dezembro, este já não terá direito ao subsídio.
Trata-se duma discriminação claramente abusiva - e como tal não permitida pela Constituição (artigo 13º).

V - Pelo exposto, firma-se a seguinte interpretação do n. 1 da cláusula 110 em causa: - Todos os trabalhadores da Ré recorrente cujos contratos de trabalho estejam em vigor no mês de Dezembro, têm direito a receber um subsídio de Natal de valor igual à retribuição a receber nesse mês, por inteiro.
Custas pela Ré recorrente.

Lisboa, 23 de Abril de 1997.

Carvalho Pinheiro,
Matos Canas,
Fernando Fabião,
Almeida Deveza,
Manuel Pereira.