Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
30/22.1YRPRT.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
RECLAMAÇÃO
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
Data do Acordão: 05/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO / M.D.E. / RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :
I - Não se verifica qualquer contradição no acórdão reclamado, uma vez que as diferentes transcrições e o seu conteúdo se referem a momentos distintos.
II - Todo o processo desenvolvido em ordem à execução do mandado de detenção europeu se baseia no princípio do reconhecimento mútuo das decisões, pelo que não cabe ao Estado Português questionar a sua veracidade.
III - A aplicação do disposto no art. 12.º-A, da LMDE, não constituiu uma decisão com um fundamento inovador relativamente ao acórdão recorrido. Tal significa que a eventual questão de uma interpretação inconstitucional do art. 12.º-A, da LMDE, ao caso dos autos, por se tratar da aplicação de um normativo (processual) a factos (tipificados como crime pelo Estado emissor) ocorridos antes da sua entrada em vigor, poderia ter sido anteriormente colocada em sede de recurso para o STJ, e não o foi; a questão é apenas suscitada pela primeira vez em sede da reclamação que agora está a ser apreciada mas, em sede desta reclamação por força do art. 380.º, n.º 1, al. b), ex vi art. 425.º, n.º 4, do CPP, encontrando-se esgotado o poder jurisdicional, não pode agora este STJ proceder a qualquer modificação essencial do anteriormente decidido; por seu turno, não pode agora ser ampliado o âmbito do recurso que foi anteriormente entreposto, não podendo ser apresentada questão nova, que já em sede de recurso poderia ter sido apresentada.
IV - Podendo o MDE ser emitido para procedimento criminal, nos casos em que ainda possa recorrer da decisão a execução do mandado pode ser sujeita à condição do arguido executar a pena no país onde reside, mas a decisão-quadro permitiu que as autoridades de cada Estado membro pudessem decidir em que situações a pena poderia ser cumprida pelo Estado de execução, tendo o Estado português determinado essas condições, mas que não se verificam no caso, para que se possa executar o MDE sob a condição pretendida pelo recorrente.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 30/22.1YRPRT.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Relatório

1.1. Por acórdão do Tribunal da Relação …, de 02.03.2022, no processo de execução de mandado de detenção europeu contra AA, nascido a ……..1984, natural de …, e com autorização de residência …, foi decidido deferir e, consequentemente, executar Mandado de Execução Europeu (MDE) emitido pelas autoridades ..., não tendo o interessado renunciado ao princípio da especialidade.

1.2. Nos termos do art. 18.º, da Lei n.º 65/2003, de 25.08 (alterada pela Lei n.º 35/2015, de 4 de maio, adiante designada LMDE), foi o interessado ouvido, a 19.01.2022, foi validada a detenção e decidido que o arguido devia aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a termo de identidade e residência (que já havia prestado) e apresentação periódica no posto da autoridade policial da sua residência todas as quartas-feiras e sábados. Foi ainda concedido um prazo de 10 dias para que fosse deduzida a oposição e apresentação dos meios de prova, nos termos do art. 21.º, n.º 4, da LMDE.

2. O arguido interpôs recurso, nos termos do art. 24.º, da LMDE, para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 07.04.2021, decidiu “julgar improcedente o recurso interposto por AA, mantendo-se a decisão recorrida.”

3. Após a prolação do acórdão, vem agora o arguido apresentar “reclamação”, alegando:

«AA, recorrente nos autos supra referenciados e nos mesmos melhor identificado, tendo sido notificado de douto acórdão proferido, vem, mui respeitosamente, expor que não vislumbra assertividade na douta decisão proferida, julgando que a douta decisão padece do vício de nulidade por contradição insanável da fundamentação e omissão de pronúncia/demissão ajuizativa, vícios esse consagrados especificadamente no regime processual penal [arts. 379º n.º 1 c) e 410º n.º 2 b) ex vi 425º n.º 4 CPP].

De facto, julga-se que a douta decisão proferida padece de vícios substanciais pois que a fundamentação usada para a improcedência do recurso não se mostra verdadeira nem conforme aos factos e recurso apresentado.

Se é certo que a douta decisão se mostra robustamente fundamentada com diversa e douta jurisprudência, salvo o devido respeito, falta depois uma cabal problematização das especificidades do caso concreto, que é sempre diferente das generalizações.

De facto, como pode o Tribunal a fls. 22 2º parágrafo afirmar que o arguido não entrou em contacto, não deu notícias quando o mesmo remeteu comunicação a expor a impossibilidade de comparência e razões subjacentes?!

E depois, como é que o arguido poderia entrar em contacto ou contactar a sua defensora quando nunca foi notificado de tal nomeação?!

O arguido levou a cabo o acto exigível, que foi comunicar impossibilidade de comparência, invocando a vigência da pandemia COVID 19!

Que mais poderia ele fazer quando até vigoravam contingências e constrangimentos para as deslocações, maxime a ter de passar por três países: Portugal, … e …?!

Acaso não poderia/deveria ter sido levada a cabo a sua audição mediante meios de comunicação à distância?!

O certo é que na única vez que foi notificado, o arguido respondeu!

De facto, o Tribunal entra em contradição com o que afirma pois tal alegado desinteresse e ausência de resposta colide frontalmente com o teor da nota de rodapé 4, a fls. 19 da douta decisão proferida.

Na verdade, do teor de tal nota de rodapé 4 a aprece expressa alusão a carta do arguido recebida por correio eletrónico a 28 de Setembro de 2021!

É falso e sem suporte probatório o teor de fls. 29 quando o Tribunal refere que o arguido foi notificado do dia do julgamento, pois que nunca recebeu qualquer notificação a informar de qualquer data em Novembro!

E a alusão à alteração da pena peca por defeito, pois que a alteração foi deveras substancial, passando de pena não privativa da liberdade, e com metade da duração, para prisão efectiva no dobro!

E assim sendo, cai por terra toda a inventona de não comparência injustificada, ausência de contacto ou resposta do arguido, que fez aquilo que se lhe impunha.

E o certo é que depois não mais voltou a ser notificado nem a ter qualquer demais resposta, nunca tendo sido notificado para qualquer outra data de julgamento (a qual desconhecia!) nem notificado foi da nomeação de qualquer advogado!

Por outro lado, veja-se ainda que o alicerce para o deferimento do mandado de detenção europeu mostra-se centrado no art. 12º-A da LMDE.

Ora, tal qual consta expressamente de fls. 25 da douta decisão proferia, tal norma foi introduzida pela Lei 35/2015.

Ora, ressalta dos autos que os factos ilícitos que se mostraram punidos são de 2011, ou seja, quatro anos antes da entrada em vigor de tal alteração legislativa.

Temos assim que apenas em violação das mais elementares garantias de defesa é que tal poderá ser possível, pois que o Tribunal aplica retroactivamente uma lei, de conteúdo nada favorável ao arguido, face a factos que já tinham ocorrido antes da sua entrada em vigência.

De facto, tal qual decorre do teor do mandado de detenção europeu bem como de fls. 14 da douta decisão proferida e ponto 3º da matéria de facto, o crime ocorreu em 2011.

E assim sendo, como pode haver aplicação de uma Lei de 2015 que é manifestamente posterior aos factos e que em nada favorece o arguido, sendo claramente in malam partem?!

A fundamentação é assim errada e violadora das mais elementares garantias de defesa!

Por outro lado, o julgamento da requerida exigência de devolução é também ele contraditado pelo teor da nota de rodapé 17, a fls. 30.

De facto, ressalta da mesma que tal exigibilidade de condição se mostra não só legalmente possível como aplicável, não se vendo fundamentos para a sua recusa ou afastamento.

Importa ainda expor que a invocação do teor do art. 465º do Código de Processo Penal francês, a fls. 25 3º parágrafo in fine, acaba pro ser inovatório.

Pelo que, perante a possibilidade de privação de liberdade antes do trânsito em julgado, mais se imporá tal exigência de garantia de devolução.

O mandado de detenção europeu é desproporcional e mostra-se a finalidade pretendida facilmente alcançável em termos satisfatórios mediante a notificação em território nacional, devendo ser ponderado tal juízo de necessidade, proporcionalidade, adequação e proibição do excesso.

A metódica de concordância prática dos diversos interesses em jogo mostrar-se-á satisfeita com a notificação em Portugal, aguardando cá que haja decisão final e exequível, dispensando a presença física e transtornos e dispêndios causados.

De facto, não é apenas o arguido/recorrente que entende que a condenação não transitou em julgado, pois que até o Estado emitente e o Estado português isso reconhecem pois tertium non datur!

E como entender a convocação a fls. 35 in fine de uma situação em que a pessoa ande fugida ou a monte quando tal é objectivamente inaplicável in casu, pois que o arguido facultou uma morada e lá permaneceu, respondendo sempre e quando notificado, o que apenas só sucedeu uma vez?!

No tocante às inconstitucionalidades alegadas, o Tribunal, verdadeiramente, acaba por não se pronunciar com detalhe sobre as mesmas em razão de entender que em causa estará o art. 12º-A e não 1º n.º 1 da LMDE.

Salvo o devido respeito, e entendendo-se que a aplicação desse artigo 12º-A está ferida de ilegalidade, por força do princípio da não aplicação retroactiva in malam partem, sempre o Tribunal terá de analisar tas questões, de forma expressa e cabal, por forma a que depois se possam invocar as mesmas junto do Tribunal Constitucional.

Ao não o fazer totalmente, a douta decisão padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia/demissão ajuizativa.

E novamente se refere que o arguido/recorrente nunca foi notificado para qualquer audiência ou julgamento em Novembro de 2021, apenas para a de Outubro e à qual respondeu no final de Setembro (nota de rodapé 4!) sem qualquer demais comunicação!

Nunca e em momento algum o requerido se furtou a quaisquer contactos com as autoridades ..., inexistindo qualquer não comparência injustificada e não se estando perante nenhuma ausência injustificada e alicerçada em qualquer revelia deliberada por parte do recorrente, devendo tal pormenor ser devidamente tido por um pormaior relevante.

Ao não o fazer totalmente, a douta decisão padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia/demissão ajuizativa.

Julga-se inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade, da legalidade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, vertidos nos arts. 1º, 2º, 12º, 13º, 18º e 32º n.º 1 da CRP, o entendimento e dimensão normativa do art. 12º-A da Lei 65/2003 quando interpretado no sentido de “Pode haver execução de mandado de detenção europeu, fundado na condenação por factos anteriores à entrada em vigor da lei 35/2015, sem exigência de qualquer garantia adicional a conceder pelo Estado membro de emissão sobre o estatuto coactivo do arguido até à ocorrência do trânsito em julgado da condenação e início de execução da pena, para efeitos de cumprimento de uma pena privativa da liberdade quando tal condenação não tenha transitado em julgado, por ser passível de recurso em virtude de condenação à revelia e sem notificação prévia de tal teor decisório.”.

E nada mais se requer que, ab imo pectore, em observância dos princípios da adequação formal, cooperação, boa-fé e recíproca correcção, ver julgado o recurso na sua substância!

E adopta a recorrente postura de crença e confiança no poder judicial e no Tribunal, verdadeiro e efectivo órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, assegurando a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimindo a violação da legalidade em observância da Lei fundamental, não deixando de aguardar pelo provimento da presente alegação de nulidade! Afinal, stare decisis…

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Sic, contando sempre com o mui douto suprimento de V/ Exas., atento o supra exposto, entende a recorrente que, em obediência aos mais elementares princípios constitucionais e comandos interpretativos que presidem a um Direito penal que se queira materialmente justo e processualmente conforme, se verifica nulidade do douto acórdão.

V/ Exas., seres humanos sábios, pensarão e decidirão necessariamente de forma justa, alcançando a costumada e almejada Justiça, catalogada por François René Chateubriand como o pão da nação, a qual dele sempre se encontra esfomeada, bem como, nas doutas palavras de António Cánovas del Castillo, se afigura a alma do juiz e, citando Marco Túlio Cícero, invencível quando bem dita… Todavia, nunca esquecendo que, citando Piero Calamandrei, O Juiz é o Direito tornado homem!» (negritos e sublinhados no original)

4. Perante esta reclamação, o Senhor Procuradora-Geral Adjunto considerou que deve ser indeferida “por absoluta falta de fundamento” porquanto:

«(...) as questões aportadas (...) apenas exprimem a sua discordância relativamente a informações vertidas no MDE e na decisão do Tribunal de Apelação de ... (esquecendo-se, conforme sublinhado nos acórdãos do TR… e do STJ, que por força do princípio do reconhecimento mútuo, aos tribunais do Estado de execução apenas compete avaliar a regularidade formal e substancial do MDE e da decisão da autoridade judiciária do Estado de emissão nele incluída e executá-la, com ressalva das hipóteses contempladas nos arts. 11.º, 12.º e 12.º-A da Lei 65/2003, de 23.08) e à decisão tomada pelo STJ, não configurando, por isso, qualquer falha, lacuna ou omissão de pronúncia (ou qualquer outra das nulidades tipificadas nos arts. 379.º, n.º 1, e 425.º, n.º 4, do CPP). O que perpassa, aliás, das mencionadas questões é que o recorrente, sob o manto da arguição de nulidades, apenas aspira que o STJ reaprecie a sua pretensão e reverta a decisão tomada.

O tema da inconstitucionalidade do art. 12.º-A da Lei 65/2003 (...) não foi suscitado no recurso do acórdão do TR… e, como tal, o STJ não tinha de se pronunciar sobre o mesmo.

Resta, então, a omissão de pronúncia relativamente às (demais) inconstitucionalidades (...).

Diz o recorrente que o tribunal não se pronunciou «com detalhe» sobre as diversas interpretações inconstitucionais, por violação dos princípios da igualdade, da legalidade, da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, do art. 1.º, n.º 1, da Lei 65/2003, suscitadas no recurso (v. as conclusões Z a DD e págs. 13-14 do corpo das motivações).

Como é por demais sabido, a «omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões que o juiz deve apreciar são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer, independentemente da alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. A “pronúncia”, cuja “omissão” determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou as razões alegadas» (acórdão do STJ de 10.12.2009, processo 22/07.0GACUB.E1.S1, www.dgsi.pt).

Ora, conforme resulta do ponto 6 do acórdão, que aqui damos por reproduzido para todos os efeitos, o STJ debruçou-se sobre as invocadas inconstitucionalidades com suficiente «detalhe» e «robustez» (para usar as expressões do recorrente).»

5. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

Fundamentação

1. Nos termos do art. 380.º, n.º 1, al. b), do CPP (aplicável a acórdãos deste tribunal por força do n.º 3 do mesmo artigo e do n.º 4 do art. 425.º, do CPP) cabe ao tribunal corrigir a sentença, oficiosamente ou a requerimento, quando “contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial”. Comecemos por salientar que com o acórdão final, prolatado a 07.04.2022, ficou esgotado o poder jurisdicional deste coletivo, pelo que, e nos termos do art. 380.º, do CPP, apenas se pode esclarecer ou corrigir lapsos, não podendo aquela decisão ser substancialmente alterada.

O arguido reclama considerando, em súmula, que:

- há contradição no acórdão anterior porque num primeiro momento se refere, transcrevendo a decisão do Tribunal de Apelação de ..., que foi enviada, ao arguido, uma carta registada com aviso de receção (a 12.04.2021) e houve uma comunicação do arguido, via correio eletrónico, a 28.09.2021 (de acordo com  a transcrição constante da nota de rodapé  4 do acórdão prolatado 07.04.2022), e num segundo momento, novamente transcrevendo a decisão do Tribunal de Apelação de ..., refere-se que o arguido não esteve presente e refere-se que a “posição do arguido  (...) consistiu em não entrar em contacto, em não dar notícias e em não emitir qualquer mandado de representação para o seu advogado oficioso” (parte transcrita, no acórdão sob reclamação, do acórdão daquele Tribunal de ...); alega ainda que é falso que o arguido tenha sido notificado da audiência de julgamento de novembro de 2021, tendo apenas sido notificado da de outubro de 2021, à qual respondeu em setembro do mesmo ano;

- constitui uma interpretação inconstitucional, a interpretação do art. 12.º-A, da Lei n.º 65/2003, de 25.08 (alterada pela Lei n.º 35/2015, de 04.05, doravante LMDE), no sentido de poder ser executado o mandado de detenção europeu quando o arguido foi julgado na ausência (por factos ilícitos praticados em 2011) com base neste dispositivo que entrou em vigor apenas em 2015, constituindo uma aplicação retroativa de lei de conteúdo menos favorável ao arguido;

- reafirma ser admissível a execução de mandado de detenção europeu sob condição de o arguido cumprir pena em Portugal, considerando que, não tendo sido admitida a execução do MDE sob esta condição, o acórdão sob reclamação entrou em contradição com o transcrito na nota 17 onde se transcreveu uma decisão do TJUE (“A “execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena pronunciada na ausência do arguido (...), pode ser sujeita à condição de a pessoa em causa, nacional do Estado‑Membro de execução ou nele residente, ser devolvida a este último a fim de, sendo caso disso, aí cumprir a pena que contra ele seja pronunciada, no termo de novo julgamento, organizado na sua presença, no Estado‑Membro de emissão.” — cf. ac do TJUE citado, nm. 61. — nota de rodapé 17 do acórdão sob reclamação);

- reafirma a desproporcionalidade da execução do MDE quando seria possível notificar o arguido em Portugal, reafirma que o arguido nunca se furtou aos contactos com as autoridades ... e que não houve nenhuma “ausência injustificada” e acrescentando não entender a transcrição constante do acórdão na p. 35;

- entende que há omissão de pronúncia por, no anterior acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, não se terem analisado as inconstitucionalidades suscitadas.

Vejamos.

2.1. O recorrente não tem qualquer razão quando afirma que há contradição no acórdão sob reclamação porque num primeiro momento se refere, transcrevendo a decisão do Tribunal de Apelação de ..., que foi enviada, ao arguido, uma carta registada com aviso de receção (a 12.04.2021) e houve uma comunicação do arguido, via correio eletrónico, a 28.09.2021 (de acordo com  a transcrição constante da nota de rodapé  4 do acórdão prolatado 07.04.2022), e num segundo momento, novamente transcrevendo a decisão do Tribunal de Apelação de ..., refere-se que o arguido não esteve presente e cita-se o acórdão do Tribunal de ... onde se afirma que a “posição do arguido  (...) consistiu em não entrar em contacto, em não dar notícias e em não emitir qualquer mandado de representação para o seu advogado oficioso” (parte transcrita, no acórdão sob reclamação, do acórdão daquele Tribunal de ...).

Na verdade, e como o próprio recorrente menciona, houve uma primeira marcação de audiência de julgamento para outubro e depois uma para novembro. Ora, o que consta da nota de rodapé 4 do acórdão sob reclamação é o seguinte: a referência à correspondência do arguido, enviada por correio eletrónico em setembro, está correta visto que, quando teve conhecimento da marcação para outubro mandou aquela missiva. Porém, a audiência veio efetivamente a ser realizada em novembro, e é a este segundo momento que o Tribunal de Apelação se refere quando, na parte transcrita no acórdão sob reclamação, afirma “tendo em conta a antiguidade dos atos cometidos e do julgamento, bem como o recurso do arguido, tendo em conta os adiamentos precedentes e tendo em conta a posição do arguido que consistiu em não entrar em contato, em não dar notícias e em não emitir qualquer mandado de representação para o seu advogado oficioso, apesar de ter sido ele a pedir que este fosse nomeado pelo bastonário da ordem dos advogados”. Acrescentando ainda que, em momento posterior a setembro (quando o arguido mandou a comunicação referida por correio eletrónico), “Por carta de 19 de Outubro de 2021, a Doutora BB, advogada oficiosa nomeada pelo bastonário da ordem dos advogados, solicitou o adiamento do processo para uma data posterior: na audiência, sem mandado de representação e sem meios para entrar e contato com o seu cliente, ele afirma conformar-se com a decisão do tribunal da relação.” (parte do acórdão do Tribunal de ..., igualmente transcrita no acórdão sob reclamação).

Não se verifica, pois, qualquer contradição, uma vez que as diferentes transcrições e o seu conteúdo se referem a momentos distintos.

Acresce referir que todo o processo desenvolvido em ordem à execução do mandado de detenção europeu se baseia no princípio do reconhecimento mútuo das decisões, pelo que não cabe ao Estado Português questionar a sua veracidade.

2.2. O acórdão sob reclamação, tal como expressamente referido aquando da sua prolação, confirmou a decisão do Tribunal da Relação e decidiu pela execução do mandado de detenção europeu com base no disposto no art. 12.º-A, da LMDE. Não se trata, porém, de uma decisão inovadora.

Já no acórdão recorrido do Tribunal da Relação … se afirmou que:

“(...) Já aquela entretanto prevista no art. 12º–A, disposição introduzida na redacção da Lei 65/2003 pela Lei 35/2015, de 4 de Maio, visa, como na motivação de razões deste último diploma consta, reforçar os direitos processuais das pessoas e promover a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo no que se refere às decisões proferidas na ausência do arguido. (...)

Estando em causa um MDE emitido para efeitos de cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade, é ainda causa facultativa de recusa de execução do mesmo, nos termos do disposto no art. 12º–A da Lei 65/2003, a circunstância de pessoa não ter estado presente no julgamento ou não ter sido pessoalmente notificada da decisão que conduziu à decisão.

Tal motivo, porém, não será operante, e a recusa não poderá ser por tal motivo recusada, se se verificar uma das ressalvas excepcionais alternativas previstas nas quatro alíneas da mesma disposição – ou seja, aquela circunstância não será motivo de possível recusa se do teor do mandado constar que a pessoa requerida, em conformidade com a legislação do Estado membro de emissão:

a) foi notificada pessoalmente da data e do local previstos para o julgamento que conduziu à decisão, ou recebeu informação oficial da data e do local previstos para o julgamento, de uma forma que deixou inequivocamente estabelecido que tinha conhecimento do julgamento previsto e de que podia ser proferida uma decisão mesmo não estando presente no julgamento; ou

b) tendo conhecimento do julgamento previsto, conferiu mandato a um defensor por si designado ou pelo Estado para a sua defesa e foi efectivamente representado por esse defensor no julgamento; ou

c) depois de ter sido notificada da decisão e expressamente informada do direito a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo de novas provas, que pode conduzir a uma decisão distinta da inicial, declarou expressamente que não contestava a decisão ou não requereu novo julgamento ou recurso dentro do prazo aplicável; ou

d) não foi notificada pessoalmente da decisão, mas na sequência da sua entrega ao Estado de emissão é expressamente informada de imediato do direito que lhe assiste a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo apreciação de novas provas, que podem conduzir a uma decisão distinta da inicial, bem como dos respectivos prazos. (...)

Suscita ainda o arguido a verificação de uma outra eventual causa que pode determinar a recusa de execução do MDE, nos termos previstos no art. 12º–A da Lei 65/2003, referindo não se verificar o preenchimento de qualquer das alíneas do nº1 de tal disposição legal. (...)

É que o mesmo nº 1 do art. 12-A da Lei 65/2003, complementa aquela primeira estatuição ressalvando que a aludida recusa não será viável verificando–se uma das quatro situações de excepção alternativas que a seguir elenca.

Para o que aqui releva, dispõe–se em especial que esta recusa da execução em causa poderá ter lugar, mas desde logo “a menos que do mandado conste que a pessoa, em conformidade com a legislação do Estado membro de emissão” não foi notificada pessoalmente da decisão, mas na sequência da sua entrega ao Estado de emissão será expressamente informada de imediato do direito que lhe assiste a novo julgamento ou a recurso que permita a reapreciação do mérito da causa, incluindo apreciação de novas provas, que podem conduzir a uma decisão distinta da inicial, bem como dos respectivos prazos – cfr. alínea d).

Ora, no presente MDE consta a aludida informação de ainda não ter havido notificação da decisão condenatória, e da concomitante garantia de que o requerido será notificado pessoalmente da sentença condenatória logo após a sua entrega e, nessa altura, também informado do direito que lhe assiste a um novo julgamento ou a recurso, que permitirá a reapreciação do mérito da causa, incluindo novas provas, podendo a decisão final ser distinta da inicial.

Assim, e constando do presente MDE – contrariamente ao alegado na oposição – que são oferecidas ao requerido garantias de que lhe é assegurada a possibilidade de recurso ou de requerer novo julgamento no prazo que lhe for indicado, é manifesto que não procede a oposição do requerido à execução do mandado de detenção europeu com fundamento no facto de não lhe ter sido ainda notificada a sentença condenatória proferida em segunda instância.

Sempre se dirá que o requerimento formulado pelo requerido em sede de oposição de que lhe seja facultada cópia dessa decisão condenatória (do Tribunal de Apelação de ...) nos termos e para efeitos dos nºs 2 e 3 do art. 12º-A da Lei 65/2003, já foi, entretanto, objecto de apreciação, determinando–se o procedimento adequado a tal comunicação por parte da autoridade judiciária de emissão, nos termos previstos nas aludidas disposições legais.

Notar–se–á, contudo, que nos termos expressos no referido nº 3 do art. 12º–A da Lei 65/2003, esse acto de facultar cópia da aludida decisão é efectuado meramente “a título informativo”, e “sem que tal implique atraso no processo ou retarde a entrega, não sendo esta comunicação considerada como uma notificação formal da decisão nem relevante para a contagem de quaisquer prazos aplicáveis para requerer novo julgamento ou interpor recurso”.

O que só reforça a falta de fundamento da oposição deduzida pela via acabada de apreciar.”

Daqui resulta que a aplicação do disposto no art. 12.º-A, da LMDE, não constituiu uma decisão com um fundamento inovador relativamente ao acórdão recorrido. Tal significa que a eventual questão de uma interpretação inconstitucional do art. 12.º-A, da LMDE, ao caso dos autos, por se tratar da aplicação de um normativo (processual) a factos (tipificados como crime pelo Estado emissor) ocorridos antes da sua entrada em vigor, poderia ter sido anteriormente colocada em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e não o foi; não consta tal alegação de constitucionalidade das conclusões do recurso interposto, ou seja, aquando da interposição do recurso para este Supremo Tribunal de Justiça o recorrente poderia ter já suscitado esta questão e não o fez. A questão é apenas suscitada pela primeira vez em sede da reclamação que agora está a ser apreciada mas, em sede desta reclamação por força do art. 380.º, n.º 1, al. b), ex vi art. 425.º, n.º 4, do CPP, encontrando-se esgotado o poder jurisdicional[1], não pode agora este Supremo Tribunal de Justiça proceder a qualquer modificação essencial do anteriormente decidido[2]. Por seu turno, não pode agora ser ampliado o âmbito do recurso que foi anteriormente entreposto, não podendo ser apresentada questão nova, que já em sede de recurso poderia ter sido apresentada — seguindo-se assim jurisprudência do Tribunal Constitucional: “como constitui jurisprudência constante deste Tribunal, os incidentes pós-decisórios não são a sede adequada para suscitar ex novo questões de constitucionalidade sobre as quais o Tribunal recorrido não se pronunciou.” (acórdão n.º 50/2018).

Assim sendo, fica prejudicado o seu conhecimento.

2.3. O Requerente, na reclamação agora apresentada, reafirma:

- ser admissível a execução de mandado de detenção europeu sob condição de o arguido cumprir pena em Portugal, considerando que não tendo sido admitida a execução do MDE sob esta condição, o acórdão sob reclamação entrou em contradição com o transcrito na nota 17 onde se transcreveu uma decisão do TJUE (“A “execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena pronunciada na ausência do arguido (...), pode ser sujeita à condição de a pessoa em causa, nacional do Estado‑Membro de execução ou nele residente, ser devolvida a este último a fim de, sendo caso disso, aí cumprir a pena que contra ele seja pronunciada, no termo de novo julgamento, organizado na sua presença, no Estado‑Membro de emissão.” — cf. ac do TJUE citado, nm. 61. — nota de rodapé 17 do acórdão sob reclamação).

Sem que se possa reanalisar a questão por já estar esgotado o poder jurisdicional, cumpre, porém, verificar se existe contradição como assinala o recorrente.

No acórdão de 07.04.2021, transcreveu-se

- na nota de rodapé 17 “A “execução de um mandado de detenção europeu emitido para efeitos da execução de uma pena pronunciada na ausência do arguido (...), pode ser sujeita à condição de a pessoa em causa, nacional do Estado‑Membro de execução ou nele residente, ser devolvida a este último a fim de, sendo caso disso, aí cumprir a pena que contra ele seja pronunciada, no termo de novo julgamento, organizado na sua presença, no Estado‑Membro de emissão.” — cf. ac do TJUE citado, nm. 61.”,

- mas também se transcreveu “No sentido de que as autoridades de cada Estado podem decidir se uma determinada pena pode (ou não) ser executada no Estado membro de execução, cf. ac. do TJUE citado — “o sistema da decisão‑quadro, como resulta, designadamente, das disposições destes artigos, deixa aos Estados‑Membros a possibilidade de permitir, em situações específicas, às autoridades judiciais competentes decidirem que uma pena infligida deve ser executada no território do Estado‑Membro de execução. (...)” (nm. 51).” (nota de rodapé 18).

O que significa que, podendo o MDE ser emitido para procedimento criminal, nos casos em que ainda possa recorrer da decisão a execução do mandado pode ser sujeita à condição do arguido executar a pena no país onde reside, mas a decisão-quadro permitiu que as autoridades de cada Estado membro pudessem decidir em que situações a pena poderia ser cumprida pelo Estado de execução, tendo o Estado português determinado essas condições, mas que não se verificam no caso, para que se possa executar o MDE sob a condição pretendida pelo recorrente.

Foi o que se tentou explicar quando se escreveu:

“Considerando como supra que estamos perante um MDE em vista do cumprimento da pena que foi aplicada em sede de recurso ao arguido, por força do art. 13.º, n.º 1, al. b), do LMDE poder-se-ia ainda considerar que o MDE tem em vista o procedimento criminal, uma vez que o arguido ainda pode recorrer da decisão. Porém, a execução do MDE sob condição de a pessoa ser entregue a Portugal para cumprimento de pena — em atenção aos benefícios de inserção social do condenado — pressupõe, por força da legislação portuguesa, uma diligência por parte do Ministério Público que não foi realizada.

Na verdade, nos termos do art. 13.º, n.º 2, da LMDE, ter-se-ia que aplicar o disposto no art. 12.º, n.º 4, da mesma lei. Ora, sabendo que nos termos deste dispositivo o regime a aplicar—  caso se sujeite a entrega à condição de a pessoa, após ser ouvida, vir cumprir a pena em território português — será o regime relativo ao reconhecimento da sentença , e sabendo que o arguido ainda poderá recorrer da decisão, não pode aquele regime ser aplicado à decisão do Tribunal de Apelação de ..., só o podendo caso o arguido aceitasse a decisão — o que não é o caso, como expressamente se demonstra através de todo o teor do recurso agora apresentado, e de todo o processado nestes autos.

Não existe, pois, qualquer contradição.

2.4. Por fim, o arguido vem reafirmar, na reclamação agora apresentada, a desproporcionalidade da execução do MDE quando seria possível notificar o arguido em Portugal; vem reafirmar que o arguido nunca se furtou aos contactos com as autoridades ... e que não houve nenhuma “ausência injustificada”, e acrescentando não entender a transcrição constante do acórdão na p. 35 — “E como entender a convocação a fls. 35 in fine de uma situação em que a pessoa ande fugida ou a monte quando tal é objectivamente inaplicável in casu, pois que o arguido facultou uma morada e lá permaneceu, respondendo sempre e quando notificado, o que apenas só sucedeu uma vez?!

A transcrição da p. 35 a que o reclamante se refere é a transcrição do considerando 39 da diretiva 2016/343, de 09.03.2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal.

Começa-se por se corrigir, nos termos do art. 380.º, n.º 1 b), ex vi art. 425.º, n.º 4, ambos do CPP, o lapso de escrita constante do texto do acórdão de 07.04.2022 e onde se lê “diretiva 2016/243, de 09.03.2016”, deve ler-se “diretiva 2016/343, de 09.03.2016”.

Não se vai analisar se havia (ou não) possibilidade de contacto com o arguido, pois não compete ao Estado de execução do MDE questionar o conteúdo das decisões dos Estados membros ou a veracidade das afirmações naquelas, sabendo que o regime jurídico do MDE se baseia no princípio do reconhecimento mútuo.

A transcrição que o reclamante não entende é apenas um outro elemento legislativo que demonstra a admissibilidade, em certas situações, de julgamento na ausência.

2.5. Por fim, não existe omissão de pronúncia sobre as alegadas inconstitucionalidades suscitadas pelo recorrente no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.  Na verdade, como se referiu no anterior acórdão, foram alegadas inconstitucionalidades de interpretação do art. 1.º, da LMDE, todavia foi decidida a execução do MDE de acordo com o disposto no art. 12.º-A, da mesma legislação. E tendo em conta isto decidiu-se:

«não podemos esquecer que a Lei n.º 65/2003, surge na sequência da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, e no que respeita ao art. 12.º-A, na sequência da decisão-Quadro 2009/299/JAI.  Ora, as decisões quadros constituem direito europeu que nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP “são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito democrático”. É certo que a decisão-quadro não tem efeito direto em Portugal, necessitando de ser integrada no sistema português. Porém, necessariamente teve que respeitar a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente, o direito à igualdade perante a lei, o direito de defesa, o direito à presunção de inocência, o princípio da legalidade e proporcionalidade dos delitos e das penas, e o direito a não ser julgado e punido mais do que uma vez pelo mesmo crime. E não se diga que a execução do MDE antes do trânsito em julgado da decisão após decisão em tribunal de recurso não estando o arguido presente e havendo ainda possibilidade de recurso que tal constitui violação da presunção de inocência. (...)

E no presente caso, como já vimos, o arguido teve defensor, foi notificado do dia de julgamento, e é-lhe assegurada ainda a possibilidade de recurso quando lhe for notificada a decisão.

Por fim, as inconstitucionalidades alegadas referem-se sempre a interpretações do art. 1.º, n.º 1, da LMDE, segundo o qual “O mandado de detenção europeu é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade.”

Ora, a execução deste MDE, depois de o arguido ter sido notificado, julgado na ausência, sem que, todavia, ainda não tenha sido notificado da decisão e sem que, por isso mesmo, a decisão tenha transitado em julgado, teve por base a aplicação do disposto no art. 12.º- A. E porque a decisão teve por base o disposto no art. 12.º-A, e não o disposto no art. 1.º/1, relativamente ao qual são arguidas as interpretações consideradas inconstitucionais pelo recorrente, fica prejudicado o seu conhecimento.»

Não se vislumbra, pois, qualquer omissão de pronúncia, improcedendo também aqui a reclamação apresentada.

Por tudo o exposto, indefere-se a reclamação requerida.

III

Conclusão

Nos termos expostos acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em

a) corrigir, nos termos do art. 380.º, n.º 1 b), ex vi art. 425.º, n.º 4, ambos do CPP, o lapso de escrita constante do texto do acórdão de 07.04.2022 e onde se lê “diretiva 2016/243, de 09.03.2016”, deve ler-se “diretiva 2016/343, de 09.03.2016”;

b) indeferir a reclamação apresentada, confirmando o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de abril de 2022.

Custas pelo reclamante, com 3 UC de taxa de justiça, de harmonia com o disposto nos arts. 513.º, n.º 1 e 514.º, n.º 2 do CPP e no RCJ (tabela III).

Supremo Tribunal de Justiça, 5 de maio de 2022

Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

António Gama

Eduardo Loureiro

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[1] Nos termos do art. 613.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi art. 4.º, do CPP, «Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa».
[2] Já assim, acórdão do STJ, de 24.06.2021, Relator: Cons. Eduardo Loureiro:
“Nos termos do art.º 613º n.º 1 do CPC, aplicável em processo penal por via do art.º 4º do CPP, «Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa». O que significa que, decidida a causa, não é possível ao tribunal que a emitiu alterar a decisão.
Concede, porém, a lei que, excepcionalmente, possa a decisão ser alterada. O que, em processo civil – art.º 613º n.º 2 do CPC – acontecerá quando se justifique rectificar erros materiais – art.º 614º do CPC –; reformá-la quanto a custas e multa ou, dela não cabendo recurso, corrigir erros manifestos na aplicação do direito ou na fixação dos factos – art.º 616º n.os 1 e 2 do CPC –;  e suprir nulidades – art.º 615º n.os 1 e 2 do CPC.
Mais restritivo é o regime do processo penal: admitindo – aliás, por aplicação subsidiária da lei de processo civil –, a reforma quanto a custas e o suprimento de nulidades – mesmo se por referência ao elenco constante do art.º 379º n.º 1, não inteiramente sobreponível ao do art.º 615º n.º 1 do CPC –, arreda inapelavelmente – pelo menos no entendimento jurisprudencial (claramente) dominante neste Supremo Tribunal [1] – a possibilidade da reforma quanto a erro manifesto, de direito ou de facto, e, no tocante à rectificação de erros materiais – para o que dispõe da norma, específica, do art.º 380º –, apenas admite eliminação do «erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade» até ao ponto em que «não importe modificação essencial» do decidido.” (in www.dgsi.pt)