Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
437/11.0TTOAZ.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: MÉDICO
CONTRATO DE TRABALHO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 02/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I (Parte Geral), Tomo III, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 627-649.
- MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145.
- PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 315.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, N.ºS 1 E 2, 121.º, N.ºS 1, AL. D), E 2, 342.º, N.º1, 344.º, N.º1, 350.º, N.ºS 1 E 2, 1152.º, 1154.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 662.º, 674.º, N.º3, 682.º, N.ºS 2 E 3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003, APROVADO PELA LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO, POSTERIORMENTE ALTERADO PELA LEI N.º 9/2006, DE 20 DE MARÇO: - ARTIGOS 10.º, 12.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009, EDITADO PELA LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO, QUE ENTROU EM VIGOR EM 17 DE FEVEREIRO DE 2009.
LEI N.º 7/2009: - ARTIGO 7.º, N.º1.
LEI N.º 99/2003: - ARTIGO 8.º
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13 DE FEVEREIRO DE 2008, PROCESSO N.º 356/07, E DE 10 DE JULHO DE 2008, PROCESSO N.º 1426/08, AMBOS DA 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
1.  Estando em causa uma relação contratual iniciada em data não concretamente apurada, mas anterior a 18 de Fevereiro de 2006, e que perdurou até 1 de Julho de 2011, não resultando da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 17 de Fevereiro de 2009, os termos da relação jurídica firmada, não é aplicável a presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, mas sim a acolhida no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, na versão original e na subsequente redacção conferida pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março.

2.  Tendo o autor demonstrado a exclusividade da prestação da sua actividade para com a ré, a par da consequente subordinação económica e da patente subordinação jurídica à ré, a qual emitia, através de circulares e comunicados, as mais variadas ordens, directivas e instruções que deviam ser acatadas pelo autor, em matéria técnica, própria do exercício da profissão de médico dentista, como em matéria organizacional, e sendo a actividade prestada fiscalizada pela ré, que se arrogava, em diversos comunicados, poderes disciplinares sobre determinadas práticas ou actos relacionados com a actividade profissional desenvolvida pelo autor, deve qualificar-se o vínculo contratual existente entre as partes como um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviço.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

             1. Em 29 de Julho de 2011, no Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis, entretanto, extinto, AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra BB, Lda., pedindo a condenação da ré: a) a reconhecer o autor como «trabalhador dependente (subordinado)» e que o despediu ilicitamente; b) a pagar-lhe as remunerações devidas desde a data do despedimento e a indemnização de antiguidade, pelo valor máximo, até à data do trânsito em julgado da decisão; c) a pagar-lhe € 88.089,58, relativos a férias e subsídios de férias e de Natal, desde 2006; d) a pagar-lhe € 5.200,87, respeitantes a 35 horas de formação, vencidas em 01.01.07, 01.01.08, 01.01.09, 01.01.10 e 01.01.11; e) a pagar-lhe juros de mora, desde a data dos respectivos vencimentos; f) a pagar-lhe € 10.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescidos de juros desde a citação.

A acção, contestada pela ré, foi julgada parcialmente procedente, tendo sido decidido que vigorou um contrato de trabalho entre as partes e que o despedimento do autor foi ilícito, sendo a ré condenada a pagar-lhe (i) € 32.325,75, concernentes à compensação pelo despedimento, (ii) € 97.578,66, a título de retribuições vencidas e vincendas até 17 de Abril de 2013 e as demais vincendas desde então e até trânsito em julgado da sentença à razão de € 4.510,57 mensais, deduzido o valor que se prove o autor recebeu desde o despedimento como produto do trabalho, (iii) € 54.088,25, de retribuição por férias, subsídio de férias e de Natal vencidos à data de cessação do contrato de trabalho, (iv) € 3.000, relativos a indemnização por danos morais, (v) € 4.621,44, atinentes à compensação pelas horas de formação profissional devidas ao longo da execução do contrato de trabalho, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, desde 8 de Setembro de 2011.

2. Irresignados, o autor e a ré apelaram para o Tribunal da Relação do Porto, que julgou improcedente o recurso da ré e procedente o recurso de apelação do autor, deliberando: (i) «revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao A. a quantia de € 32.325,75, a título de “compensação pelo despedimento”, a qual é, nessa parte, substituída pelo presente acórdão a condenar a Ré a pagar ao A. a quantia de € 36.084,56, a título de indemnização pelo despedimento ilícito, acrescida do que se vencer até ao trânsito em julgado do presente acórdão»; (ii) «revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré, Clínica Médica, BB, Lda., a pagar ao Autor a quantia de “97.578,66 €, a título de retribuições vencidas e vincendas até 17-04-2013”, a qual é substituída pelo presente acórdão condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia global de € 171.116,75, a título de retribuições vencidas e vincendas desde 01.07.2011 até 31.01.2014 [incluindo subsídios de férias vencidos em 2011, 2012, 2013 e 2014 e subsídios de Natal vencidos em 2011, 2012 e 2013] e as demais vincendas desde esta data e até trânsito em julgado do presente acórdão, à razão de 4.510,57 € mensais», deduzindo-se a tal montante, «em sede de liquidação de sentença, o valor que se prove que o Autor auferiu desde o despedimento como produto do seu trabalho, tal como já decidido, e não impugnado, na sentença recorrida»; (iii) «reduzir para € 42.906,57, a título de retribuição por férias e subsídio de férias [vencidos em 2007, 2008, 2009 e 2010] e de Natal [vencidos em 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010], a quantia de € 54.088,25 em que a ré havia sido condenada, na sentença recorrida, a pagar ao Autor ‘a título de retribuição por férias, subsídio de férias e de Natal vencidos à data de cessação do contrato de trabalho’»; (iv) «condenar a ré a pagar ao A. a quantia global de € 4.654,91, a título de remuneração correspondente às férias vencidas em 2006 (ano da admissão) e respectivo subsídio»; (v) «condenar a Ré a pagar ao Autor as férias e os subsídios de férias e de Natal proporcionais ao ano do trânsito em julgado do presente acórdão e tendo como referência a retribuição média mensal de € 4.510,57, a liquidar em sede de liquidação da sentença», mantendo, no mais, a dita sentença.
A ré veio, então, interpor revista excepcional, ao abrigo do preceituado nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, tendo os juízes da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça que integram a formação de apreciação preliminar da revista excepcional deliberado que não era aplicável, no caso, o regime daquela revista e ordenado, atento o disposto no n.º 5 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, a distribuição dos autos como revista nos termos gerais.

Subsequentemente, a recorrente foi convidada a sintetizar as 109 conclusões da alegação do recurso, sendo igualmente notificada para se pronunciar sobre a questão prévia da inadmissibilidade da junção de documentos com a alegação do recurso, tendo a recorrente efectivado a redução do mencionado acervo conclusivo para 61 proposições e sustentado a improcedência da apontada questão prévia.

Notificado da nova síntese conclusiva produzida pela recorrente, o recorrido respondeu, aditando que aquela não reduziu o acervo conclusivo, significativamente, pelo que se impunha o não conhecimento do recurso, vindo a recorrente, de imediato, requerer o desentranhamento da resposta àquela síntese conclusiva, por se afigurar extemporânea, tendo o relator decidido: (i) que «a ré/recorrente satisfez, ainda que minimamente, o convite que lhe foi endereçado, não se configurando, por via dessa circunstância, obstáculo ao conhecimento do recurso de revista interposto»; (ii) que carecia de fundamento legal o requerido desentranhamento da resposta oferecida às sintetizadas conclusões da alegação do recurso; e (iii) que os documentos n.os 2 e 3, juntos com a alegação do recurso de revista, fossem desentranhados e restituídos à recorrente, despacho que, notificado às partes, não foi objecto de impugnação.

Registe-se que a recorrente, na sequência do convite que lhe foi dirigido, ao abrigo do disposto no artigo 639.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, para sintetizar as conclusões da alegação de recurso, produziu o acervo conclusivo seguinte:

              «1.ª   No ponto n.º 56 da matéria dada como assente é referido que: “Em Janeiro de 2011, o A. comunicou à Ré ser empresário em nome individual e tendo, desde Fevereiro de 2011, passado a emitir-lhe recibos de prestação de serviços em nome da sociedade CC, Lda., com sede na Rua ..., Bloco ….º Direito, …”.
                  2.ª  Esta matéria, pesem embora as considerações tecidas no Acórdão da Relação, ora posto em crise, revela, desde logo, uma grave imprecisão relativamente à distinção entre o conceito de empresário em nome individual e o de sociedade unipessoal por quotas, as quais são figuras distintas.
                  3.ª  Tal significa que, uma vez constituída e registada uma sociedade unipessoal por quotas, no caso a “CC, Unipessoal, Lda.”, foi a mesma que passou a exercer a actividade de medicina dentária, através dos seus órgãos próprios, no caso, o Recorrido, a partir da data da sua constituição e registo, 03/02/2011, muito embora a Recorrente só viesse a ter conhecimento de tal situação em Fevereiro de 2011, data em que a dita sociedade assumiu tal posição perante a Recorrente ao emitir recibos de quitação referentes aos serviços prestados pelo seu gerente, aqui Recorrido, onde se inclui o de Janeiro de 2011, conforme resulta dos documentos juntos, fls. 117 a 119.
                  4.ª  Tendo iniciado o A., ora Recorrido, a prestação de serviços à Ré, ora Recorrente, em data anterior a 18/02/2006, estava em vigor o CT/2003, conforme resulta do art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, de 12/02, seguindo a solução que dispunha o art. 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27/08 que aprovou o CT/2003.
                  5.ª  Assim, para qualificar o contrato em causa impõe-se atender à redacção do art. 10.º do CT/2003, bem como à redacção da presunção de contrato de trabalho contida no art. 12.º, antes de ser alterada pela Lei n.º 9/2006, de 20/03 (entre muitos outros, vejam-se os acórdãos do STJ de 02/05/2007, proc.º 06S4368; de 18/12/2008, proc.º 08S2572; de 18/12/2008, proc.º 08S2314; de 14/01/2009, Proc.º 08S2578; de 22/04/2009, proc.º 08S3045; de 22/09/2009, proc.º 4401/04.7TTLSB.S1; de 10/11/2010, proc.º 3074/07.0TTLSB.L1.S1 e de 16/12/2010, proc.º 996/07.1TTMTS.P1.S1, todos em www.dgsi.pt).
                   6.ª  A presunção aplicável aos factos em análise é a contida no art. 12.º do CT/2003, antes de ser alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, a qual, dado o carácter cumulativo dos requisitos elencados nas als. a) a e) é inaplicável ao caso sub iudice, desde logo, porque, de acordo com os itens 3.º, 17.º, 18.º e 20.º dos factos assentes, o tipo de remuneração acordada não foi fixada em função do tempo de trabalho, mas sim com base numa percentagem, inicialmente, 40% e, a partir de 09/02/2010, aumentada em 2% por cada acto praticado pelo A, ora Recorrido, como, aliás, é reconhecido no acórdão do Tribunal da Relação a fls. 72, ora posto em crise.
                  7.ª  A actividade a prestar no âmbito do contrato de trabalho é caracterizada como uma actividade humana, produtiva e exercida livremente para outrem de forma subordinada.
                  8.ª  O trabalhador é, assim, aquele que presta, de forma livre, uma actividade produtiva para outrem, estando subordinado a este último na realização dessa prestação.
                  9.ª  A noção juslaboral resultante do art. 10.º do CT/2003 permite-nos concluir que será considerado trabalhador aquele que presta uma actividade a outra pessoa ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção desta.
               10.ª   Pese embora a coerência em termos teóricos da posição que admite a celebração de contrato de trabalho com uma pessoa colectiva, a doutrina e a jurisprudência, consideram, de forma unânime, inadmissível a celebração de contrato de trabalho com uma pessoa colectiva.
              11.ª   A inseparabilidade da actividade de trabalho da pessoa do trabalhador está presente, para Maria do Rosário Palma Ramalho, nos seguintes traços do vínculo laboral: na relevante e permanente indeterminação da prestação de trabalho; no conteúdo muito amplo dos poderes laborais; e no envolvimento integral da pessoa do trabalhador no vínculo, patente no relevo do dever de obediência. 
               12.ª   O segundo factor apontado por Maria do Rosário Palma Ramalho que evidencia a componente de pessoalidade do vínculo de trabalho é o relevo essencial das qualidades pessoais do trabalhador para a constituição e a subsistência do vínculo laboral, o qual justifica a caracterização como um contrato intuitu personae. O relevo das qualidades pessoais do trabalhador no campo laboral, associado à inseparabilidade entre a actividade laboral e a personalidade do prestador, bem como a essência dominial do próprio vínculo, evidenciam a componente da pessoalidade do vínculo.
               13.ª   A celebração de contrato de trabalho com uma pessoa colectiva mostra-se, pois, incompatível, pelos motivos aduzidos, com este elemento de pessoalidade que caracteriza o contrato de trabalho.
              14.ª   A inadmissibilidade de o trabalhador ser uma pessoa colectiva, ora demonstrada, afasta, de forma irreversível, a possibilidade de a relação jurídica existente entre a Recorrente e o Recorrido, a partir de Janeiro de 2011, data em que o Recorrido passou a prestar serviços de Medicina Dentária à Recorrente, através da sociedade CC, Unipessoal, Lda., poder ser reconduzida ao contrato de trabalho.
               15.ª   Tal como sustentado nas alegações da apelação, a partir de Janeiro de 2011, a posição contratual do Recorrido foi transferida para a sociedade por si constituída “CC, Unipessoal, Lda.”.
               16.ª   Em face do exposto, impõe-se concluir que o contrato existente entre a Recorrente e a sociedade CC, Lda., é um contrato de prestação de serviços, nos termos do art. 1154.º do CC.
               17.ª   É notório o carácter conclusivo dos factos assentes sob os n.os 10, 11 e 12 ao referirem: Ponto 10 – “Sendo ele quem ordenava …”; Ponto 11 – “O Autor reportava-lhe a sua actividade”; Ponto 12 – “O Autor prestava obediência às directivas, de serviço e funcionais, do BB.”, em face do Acórdão do STJ de 12/05/2010, processo 1394/06.0TTPNF.P1.S1, in www.dgsi.pt, devendo esta matéria ser dada como não escrita.
               18.ª   A jurisprudência e a doutrina elegeram como pedra de toque da distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços a existência ou não de subordinação jurídica (cfr. douto Acórdão do STJ de 6/03/1991).
               19.ª   A generalidade da doutrina considera que o trabalhador presta a sua actividade sob as ordens, direcção e fiscalização do dador de trabalho, correspondendo ao lado passivo do poder directivo.
              20.ª   Na área a que se reportam os autos, refere o douto acórdão do STJ de 18/01/2006, proc.º 05S3487, disponível [em] www.dgsi.pt/jstj. “2. A actividade médica, por sua natureza, implica a salvaguarda da necessária autonomia técnica e científica, podendo ser perfeitamente exercida mediante contrato de prestação de serviços, tendo os indícios recolhidos confirmado que a vontade real das partes coincide com a que expressaram no contrato escrito de prestação de serviços.”
              21.ª   O nomen iuris que as partes deram ao contrato (Contrato de Trabalho e Prestação de Serviços) e o facto de as cláusulas nele inseridas se harmonizarem com o contrato de prestação de serviços, como é reconhecido no acórdão do Tribunal da Relação de fls. 73, como a remuneração acordada e designação para ela utilizada – “honorários” –, forma de rescisão, e indemnização referida na cláusula 12.ª, não sendo decisivos para a qualificação do contrato, não deixam de assumir especial relevo, como tem sido decidido por esse Venerando Tribunal, uma vez que a vontade negocial assim expressa no documento não poderá deixar de assumir relevância decisiva na qualificação do contrato, salvo nos casos em que a matéria de facto provada permita concluir, com razoável certeza, que outra foi realmente a vontade negocial que esteve subjacente à execução do contrato, o que não sucede nos autos.
               22.ª   Aliás, quanto a esta questão relembramos a matéria dada por assente no ponto 39 dos factos provados: “O A. assinou o contrato objecto dos autos esclarecida e de livre vontade.”
               23.ª   Já relativamente à cláusula 5.ª, segundo a qual o A., ora Recorrido, se obriga a entregar à ora Recorrente todos os ganhos decorrentes do exercício da sua profissão nos consultórios daquela, através do que a Ré pagará às suas (da Ré) funcionárias, os materiais, as rendas e demais custos de funcionamento dos consultórios, esta não pode ser interpretada sem considerar que foi dado como provado nos itens 3.º, 17.º, 18.º e 20.º dos factos assentes que o tipo de remuneração acordada foi fixada não em função do tempo de trabalho, mas sim com base numa percentagem, como já referido.
              24.ª   Esta forma de retribuição, absolutamente atípica no contrato de trabalho, indicia, desde logo, a assunção pelo Recorrido do risco da actividade, em sentido manifestamente oposto ao que se verifica no contrato de trabalho.
               25.ª   O tipo de remuneração acordada, fixada não em função do tempo de trabalho, mas sim com base numa percentagem, aponta para a existência de contrato de associação em participação.
              26.ª   O disposto no art. 21.º do Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho refere-nos que se denomina associação em participação, “a associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda”. O n.º 2 do aludido preceito legal, por sua vez, diz-nos que “é elemento essencial do contrato a participação nos lucros; a participação nas perdas pode ser dispensada.”.
            27.ª   Nesse sentido, refere Júlio Manuel Vieira Gomes, que “pelo contrato de associação em participação, o associante atribui ao associado (…) uma participação nos resultados da sua empresa ou de um ou mais negócios, mediante a contrapartida de uma determinada prestação, esclarecendo ainda que o associado não está sujeito aos poderes directivo, organizatório e disciplinar, como está o trabalhador subordinado, ainda que esteja obrigado a cumprir as directivas do associante no que se refere à sua prestação”.
              28.ª   Também Luís Manuel Teles de Menezes Leitão refere que “A associação em participação distingue-se do contrato de trabalho subordinado porque o associado não se encontra sujeito aos poderes de direcção e disciplinar, ainda que tenha que cumprir as instruções do associante em relação à forma de execução da sua prestação”.
              29.ª   Aliás, tanto assim é, que a fls. 74 é reconhecido que a Ré, aqui Recorrente, teria pretendido uma simbiose entre esses dois regimes: não sujeitando a relação ao regime mais restritivo e oneroso do contrato de trabalho, este regime não pode deixar de ser reconduzido à subordinação jurídica, admitindo, assim, o Tribunal que se pretendia evitar a nota típica da relação laboral, ainda que salvaguardando algumas das prerrogativas que o contrato de trabalho confere ao empregador, designadamente a nível do poder de direcção e fiscalização do trabalho.
              30.ª   Relativamente a este aspecto, atendendo a que se trata de uma actividade sujeita à fiscalização do Ministério da Saúde e da Ordem dos Médicos Dentistas, entre outros, atento o interesse público na segurança e qualidade da actividade, onerada como vimos com deveres legais, tem de ser compaginado com as obrigações que impendem sobre o director clínico, que, neste caso, coincide com a qualidade de sócio-gerente da Recorrente, referidas no art. 10.º da Portaria n.º 268/2010, de 12/05, baluarte da qualidade dos serviços a serem prestados pela Recorrente.
              31.ª   Nesse sentido, impõe o art. 10.º que as clínicas ou consultórios dentários sejam tecnicamente dirigidos por um director clínico com as qualificações descritas nas alíneas a) a c), sendo referido, no n.º 3, que a actividade da clínica ou consultório dentário implica a presença física do director clínico de forma a garantir a qualidade dos tratamentos devendo ser substituído nos seus impedimentos e ausências por um profissional qualificado com formação equivalente.
               32.ª   Ao Director Clínico compete exclusivamente, nos termos do n.º 6, “definir as técnicas e os equipamentos que garantem a qualidade”.
               33.ª   Convém, todavia, sublinhar que, pese embora o Director Clínico coincida, neste caso, com o legal representante da Recorrente, não pode o Director Clínico no exercício das funções que legalmente lhe são atribuídas pelo art. 10.º da citada Portaria n.º 268/2010, de 12/05, ser reconduzido à entidade patronal, nem como superior hierárquico para efeitos do art. 121.º, n.º 2 do CT/2003, aplicável aos factos em análise, actual art. 128.º, n.º 2 do CT/2009, nem os actos praticados no âmbito desse poderem ser integrados no poder de direcção inerente à relação laboral.
              34.ª   A sujeição do Recorrido a códigos éticos científicos e técnicos resulta da legis artis, sendo a imposição de código de ética da empresa, imposta pelo art. 6.º da Portaria n.º 268/2010, de 12/05.
              35.ª   As instruções genéricas de funcionamento e gestão da Recorrida, patentes nos documentos juntos a fls. 64, 65, 66-70, 73, 75, 77 e 78, têm de ser contextualizadas com as obrigações legais que rodeiam a prestação de serviços médico-dentários, nomeadamente, a competência exclusiva do Director Clínico [de] definir as técnicas e os equipamentos, atribuída pelo n.º 6 do art. 10.º, o dever de informação imposto pelo art. 4.º da Portaria n.º 268/2010, de 12/05, no sentido de “ser colocado em local bem visível do público o horário de funcionamento, o nome do director clínico, os procedimentos e deveres dos utentes, devendo ainda estar disponível para consulta a tabela de preços”, bem como as elementares regras de gestão inerentes ao funcionamento que a Portaria n.º 268/2010, de 12/05, pretende acautelar.
              36.ª   Estas instruções mostram-se, todavia, manifestamente compatíveis com o exercício pelo Recorrido da actividade de médico-dentista no âmbito de contrato de prestação de serviços.
              37.ª   Conforme, lucidamente, referiu o citado Acórdão do STJ de 4/11/2009, considerando que os factos reveladores da existência do contrato de trabalho se apresentam como constitutivos do direito que, com base neles, se pretende fazer valer, o ónus da prova incumbe a quem os invoca, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CC, impõe-se concluir que o Recorrido não logrou provar a existência de contrato de trabalho, ao não carrear para os autos os elementos reveladores da sua existência aliás, conforme lhe competia.
              38.ª   Está, assim, demonstrada a ausência de fundamento fáctico e legal da pretensão do Recorrido, impondo-se concluir pela inexistência de contrato de trabalho e consequente reconhecimento da existência de contrato de prestação de serviços, aliás, conforme documento assinado pelo Recorrido, mediante vontade esclarecida e de forma livre (ponto 39 dos factos assentes).
              39.ª   É um indício da existência de contrato de trabalho o facto de o prestador ser pessoa singular, dado o facto de as pessoas colectivas não poderem ser trabalhadores. Assim, a contratação de uma pessoa colectiva para realização da prestação indiciará não se estar perante um contrato de trabalho. 
              40.ª   Impõe-se, desde já, não esquecer que o A., aqui Recorrido, a partir de Janeiro de 2011 passou a prestar serviços à Ré através da sociedade CC, Lda., pessoa a quem eram pagos os respectivos serviços prestados pelo A., dando quitação.
               41.ª   No elenco de indícios de subordinação, como dá nota Monteiro Fernandes, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem.
               42.ª   Como já referimos, a presunção aplicável aos factos em análise é a contida no art. 12.º do CT/2003, antes de ser alterada pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, a qual, dado o carácter cumulativo dos requisitos elencados nas als. a) a e), é inaplicável ao caso sub iudice, desde logo, porque, de acordo com os itens 3.º, 17.º, 18.º e 20.º dos factos assentes, o tipo de remuneração acordada foi fixada não em função do tempo de trabalho, mas sim com base numa percentagem da facturação (inicialmente, 40% e, a partir de 09/02/2010, aumentada em 2% por cada acto praticado pelo A., ora Recorrido), como aliás é reconhecido no acórdão do Tribunal da Relação a fls. 72, ora posto em crise.
              43.ª   Atento os termos em que estava formulada, quer a doutrina, quer a jurisprudência, não consideram de grande relevância a presunção criada pelo art. 12.º do CT/2003, impondo-se, também, por isso, apreciar a aplicação do método indiciário.
               44.ª   Improcede, por isso, que o Recorrido sempre teria feito prova dos factos base da presunção de laboralidade constante do art. 12.º do CT/2003, na redacção introduzida pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, conforme referido no acórdão do Tribunal da Relação a fls. 80, ora posto em crise.
               45.ª   Assinala, com acerto, o acórdão do Tribunal da Relação a fls. 72 e 73, ora posto em crise, que indicia a inexistência de um contrato de trabalho: o tipo de remuneração acordada, fixada não em função do tempo de trabalho, mas sim com base numa percentagem, inicialmente, 40% e, a partir de 09/02/2010, aumentada em 2% por cada acto praticado pelo A., o não pagamento da remuneração correspondente ao período de férias que o A. gozava, bem como o não pagamento de subsídios de férias e de Natal; a não inscrição do A. como trabalhador dependente da Ré para efeitos fiscais e de Segurança Social, que, para tais efeitos, se encontrava inscrito como trabalhador independente; não estar inserido e englobado no contrato de seguro de acidentes de trabalho subscrito pela Ré.
               46.ª   Estes indícios articulados com o facto de o Recorrido, a partir de Janeiro de 2011, ter prestado serviços através da sociedade unipessoal CC, Lda. e ao nomen iuris atribuído pelas partes ao contrato, sendo certo que as cláusulas, como a remuneração acordada e designação para ela utilizada – “honorários” –, forma de rescisão, e indemnização referida na cláusula 12.ª, o aproximam do contrato de prestação de serviços, como é reconhecido no acórdão do Tribunal da Relação de fls. 73, consubstanciam circunstâncias que, sendo demonstrativas da vontade contratual das partes, afastam a existência de um contrato de trabalho, não tendo por isso, como referido, relevância diminuta.
               47.ª   No que concerne à retribuição, fixada não em função do tempo de trabalho, mas sim com base numa percentagem, como referido, inicialmente, 40% e, a partir de 09/02/2010, aumentada em 2% por cada acto praticado pelo A., ora Recorrido, (cfr. nos itens 3, 17, 18 e 20), claramente afasta a existência de um contrato de trabalho, já que é indício evidente que o Recorrido assumiu o risco da actividade, excluindo a necessária alienabilidade que integra o conceito de subordinação jurídica.
              48.ª   Por outro lado, estando a remuneração totalmente dependente de factores aleatórios pode levar a que não seja devida, o que colide com o carácter necessariamente oneroso do contrato de trabalho e o aproxima, como já detalhadamente desenvolvemos, da associação em participação (cfr. Acs. desse Venerando Tribunal de 4/05/2011, de 11/07/2012, de 28/05/2008, de 25/03/2009 e de 01/10/2008.
               49.ª   Milita em favor da qualificação da relação contratual em análise nos autos como contrato de prestação de serviços, o facto de não ter resultado provado a existência de horário de trabalho, tendo apenas resultado provado no item 47 que, a pedido do Recorrido, “alegando que precisava de aumentar os seus rendimentos a partir de 2009, passado a prestar serviços de 2ª a 6ª feira, sempre da parte da tarde, a partir das 13 horas até às 20 horas, e ao Sábado das 9 horas às 13 horas e das 14 horas às 18,30 horas”.
              50.ª   As ordens e directrizes, em matéria de cumprimento de horário de trabalho, juntas a fls. 79, 80 e 85, configuram instruções genéricas atinentes ao funcionamento da Recorrente, a qual, como referido, está sujeita a apertados circunstancialismos legais, ditados pela Portaria n.º 268/2010, de 12/05, em nome do interesse público que prossegue.
            51.ª   Estas instruções são da responsabilidade do Director Clínico, o qual não se confunde com a entidade patronal, pese embora, neste caso o sócio-gerente da Recorrente seja o Director Clínico, não podendo ser extraídos dos seus actos, no exercício das competências reconhecidas pelo art. 6.º da Portaria n.º 268/2010, de 12/05, indícios caracterizadores da subordinação jurídica inerente à relação laboral entre entidade patronal e o trabalhador.
              52.ª   Por outro lado, qualquer tipo de integração está claramente prejudicada, a partir do momento que o Recorrido constitui a sociedade unipessoal CC, Lda. e passa a prestar a sua actividade através desta.
              53.ª   Já as inúmeras circulares e comunicados que constam dos documentos referidos nos n.os 61 a 74, sejam em matéria técnica, própria do exercício da profissão, como em matéria organizacional, são, como referimos, justificadas pela necessidade da Recorrente e todos os que nela prestam actividade observarem os requisitos mínimos relativos à organização e funcionamento, recursos humanos e instalações técnicas para o exercício das actividades clínicas ou consultórios dentários, impostos pela Portaria n.º 268/2010, de 12/05.
               54.ª   As circulares juntas a fls. 76 relativas à proibição de uso dos computadores das clínicas; a de fls. 79 em que, para além do mais, se faz referência à proibição de isenção de honorários a funcionários e familiares; a de fls. 80 em que se faz referência à obrigação do médico que termine as consultas na clínica de S. ... em esperar para acompanhar na saída a assistente; a fls. 81 em que se faz referência à necessidade de pedir autorização ao Sr. BB e à Srª Drª DD quando se faça mais do que um tratamento por consulta, bem como na folha diária explicarem as consultas sem honorários e as repetições de tratamentos de dentes com menos de um ano de garantia, enquanto dizem respeito a medidas de gestão e funcionamento dos serviços, são manifestamente compatíveis com a prestação da actividade de médico-dentista ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, tendo por finalidade salvaguardar o funcionamento regular dos serviços e a boa gestão da Recorrente.
               55.ª   Em face da factualidade descrita, impõe-se concluir que a vontade negocial das partes, expressa no documento que titula o contrato, assente no item 39 e corroborada pela constituição da sociedade unipessoal CC, Lda., foi no sentido de que a prestação do Recorrido ficaria sujeita ao regime do contrato de prestação de serviço, sendo que da matéria de facto dada como provada, devidamente ponderada na sua globalidade, não resulta que a execução do contrato se tenha efectivamente processado noutro regime que não aquele, mais concretamente, que o Recorrido tenha prestado a sua actividade à Recorrente em regime de subordinação jurídica.
               56.ª   Em face da factualidade provada na acção sub iudice, depois de analisado o acórdão do STJ de 09/02/2012, proc.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1 junto sob n.º 1, em que numa situação perfeitamente análoga à dos autos, incluindo desempenho de funções de médico dentista, com retribuição em função da facturação, muito embora sem a interferência de pessoa colectiva, esse Venerando Tribunal pronunciou-se pela inexistência de contrato de trabalho em abono do reconhecimento de contrato de prestação de serviços, é manifesta a contradição entre o acórdão do Tribunal da Relação, ora posto em crise, com o acórdão desse Venerando Tribunal de 09/02/2012, agora referido.
              57.ª   Militam igualmente a favor da tese sufragada pela Recorrente, os acórdãos desse Venerando Tribunal de 23/01/2003, de 18/01/2006, de 09/09/2009, de 28/06/2006, de 17/05/2007, de 24/09/2008 e de 04/05/2011.
              58.ª   Aqui chegados temos de concluir que efectivamente o contrato celebrado entre a Recorrente e o Recorrido é um contrato de prestação de serviços, o qual foi querido e desejado pelas partes, tendo-o o Recorrido assinado duma forma esclarecida e de livre vontade[:] i. Até 31 de Dezembro de 2010, existiu um contrato de prestação de serviços entre A. e Ré; ii. A partir de Janeiro de 2011, a posição contratual do Recorrido foi transferida para a sociedade por si constituída “CC Lda.”.
              59.ª   Sendo assim, a pretensão do Recorrido, não pode deixar de improceder, uma vez que sobre ele recaía, como já foi dito, o ónus de alegar e provar os factos que levassem a concluir pela existência da referida subordinação, sendo que a dúvida a esse respeito seria, só por si, suficiente para determinar a improcedência dos pedidos por ele formulados, uma vez que todos eles tinham como pressuposto a alegada natureza laboral do vínculo que manteve com o Recorrente, a qual não resultou provada.
              60.ª   Por inexistência de contrato de trabalho entre a Recorrente e o Recorrido, a este nada é devido.
               61.ª   O acórdão posto em crise violou, nomeadamente, o art. 646.º, n.º 4, do CPC, o art. 10.º do CT/2003, o art. 1154.º do CC e o n.º 1 do art. 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12/02.»

O autor/recorrido contra-alegou, sustentando a confirmação do julgado.

Entretanto, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto emitiu pronúncia no sentido de que «o autor logrou provar indícios suficientes da existência de subordinação jurídica, tendo-se, pois, demonstrado que a relação contratual que vigorou entre as partes […] revestiu a natureza de contrato de trabalho, pelo que o recurso deveria improceder, confirmando-se o Acórdão impugnado», parecer que, notificado às partes, suscitou resposta da recorrente, reiterando o exposto na alegação de recurso.

3. As questões suscitadas no recurso de revista em apreciação são as que se passam a explicitar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

                Se há erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa (conclusões 1.ª, 2.ª, 17.ª e 61.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista);
                Se a relação contratual que vigorou entre as partes revestiu a natureza de contrato de prestação de serviço (conclusões 3.ª a 16.ª e 18.ª a 61.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista).

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objecto do recurso interposto.

                                              II

1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) A R. dedica-se à prestação de cuidados de saúde de diversas especialidades médicas, explorando uma clínica dentária, com consultórios na sua sede, em …, em S. ... e em S. …;
2) O A. foi admitido pela R., em data anterior a 18.2.2006, mas não concretamente apurada, para lhe prestar serviço como médico dentista;
3) Em 1.6.2006, assinou um contrato denominado de «contrato de trabalho e prestação de serviços», que a R. lhe apresentou integralmente redigido, do qual consta, entre o mais, o que se transcreve (facto alterado pelo Tribunal da Relação):
                    «Contrato de Trabalho e Prestação de Serviços
                      Primeiro outorgante: BB, Lda., (…).
                      Segundo Outorgante: Dr. AA, (…).
                      Cláusula um
                      A primeira é proprietária de quatro consultórios, divididos em diversos gabinetes, que explora em S. ..., sito (…), em …, sito (…), na vila de S. …, sito (…), e em …, sito (…).
                      Cláusula dois
                     É proprietária ou arrendatária dos referidos locais, contratou as funcionárias que lá auxiliam, equipou-os completamente. O BB, director clínico, desde há mais de 15 anos, aí exerce a sua profissão, credenciando os consultórios com o seu nome. Tem, nos seus consultórios, uma vastíssima clientela, proveniente dos concelhos onde se encontram instalados, bem como dos concelhos circundantes.
                      Cláusula três
                     O segundo outorgante é médico dentista/estomatologista, e aquando da assinatura do presente contrato não tem qualquer clientela sua, nem consultório nos concelhos onde o primeiro outorgante exerce nem nos concelhos limítrofes.
                      Cláusula quatro.
                     O primeiro outorgante permite que o segundo utilize os seus consultórios, equipamentos e funcionárias, bem como o auxilie no tratamento da própria clientela, sempre segundo as diretivas do primeiro outorgante.
                      Cláusula cinco
                     O segundo outorgante obriga-se a entregar ao primeiro todos os ganhos decorrentes do exercício da sua profissão nos consultórios do primeiro, através do qual o primeiro outorgante pagará às funcionárias, os materiais, as rendas e demais custos inerentes ao funcionamento dos consultórios.
                     Destas despesas estão excluídos os danos provocados nos equipamentos e materiais imputados ao segundo outorgante, devido a negligência ou má utilização.
                      Cláusula número seis.
                      Por seu lado, o segundo outorgante obriga-se a não abrir consultório seu, nem trabalhar no consultório de outrem nos concelhos de …, São ... e … e concelhos geograficamente limítrofes, enquanto vigorar o presente contrato nem nos trinta meses seguintes à sua cessação.
                      Cláusula número sete.
                     O primeiro outorgante obriga-se a pagar ao segundo, durante os primeiros 12 dias do mês, 40% (…) do total das importâncias obtidas pelo segundo outorgante no mês anterior, livre de quaisquer encargos (excepto os trabalhos de prótese/ortodontia, devolução de requisições das entidades convencionadas com a clínica, e eventual comparticipação nas horas extraordinárias das auxiliares), devendo este emitir o recibo das importâncias recebidas no prazo de cinco dias úteis, em nome de quem o primeiro indicar.
                     Este valor percentual refere-se a trinta por cento como honorários e a dez por cento de compensação pelo integral cumprimento do clausulado número seis do presente contrato.
                      Cláusula oito
                      O presente contrato tem a duração de um ano com início na data de assinatura, abrangendo os dias da semana discriminados no anexo número um [deste anexo, que constitui fls. 63, não consta a indicação de qualquer dia da semana], renovando-se automaticamente caso não seja renunciado por qualquer dos outorgantes.
                      Cláusula nove
                      O segundo outorgante para rescindir o presente contrato deve comunicar por carta registada e com aviso de recepção com 90 dias de antecedência, tendo que cumprir, durante este período, os dias de trabalho designados para os consultórios que estão definidos no anexo número um, definidos pelo primeiro outorgante, estando expressamente inibido de exercer a sua profissão noutros consultórios nesses mesmos dias.
                      Cláusula dez
                     Sempre que se verifica a rescisão do presente contrato nos termos dos dois artigos anteriores, não haverá lugar a indemnização.
                      Cláusula onze
                      O acto médico e as resultantes legais do mesmo são da responsabilidade do segundo outorgante. O segundo outorgante compromete-se a cumprir o actual ou futuro, código de ética da empresa. Do mesmo modo, poderá e deverá pedir ajuda necessária ao exercício da sua profissão ao diretor clínico.
                      Cláusula doze
                   Ambos os outorgantes reconhecem que se estabelecerá, por força do clausulado do presente contrato, uma especial relação entre o segundo outorgante e a clientela do primeiro. Desta relação poderiam resultar prejuízos elevados para o primeiro outorgante quer durante a vigência do presente contrato, quer posteriormente, se o segundo outorgante por algum motivo não vier a respeitar o previsto nas cláusulas anteriores, em particular no previsto no artigo número seis. Assim, no caso de incumprimento do segundo outorgante este obriga-se a pagar ao primeiro a quantia de 50.000 euros (…), quantia esta atualizada anualmente, de acordo com a taxa de inflação publicada pelo Instituo Nacional de Estatística.»
4) As funções do A. eram as de atender os doentes da R., nos diversos consultórios que esta detinha, não tendo o autor, àquela data, […] consultório próprio, nem clientela;
5) O A. é venezuelano;
6) A R. estava estabelecida em … e concelhos limítrofes, há mais de 15 anos, por si e pela atividade do seu sócio-gerente BB;
7) Os clientes da R. marcavam as consultas e tratamentos com as trabalhadoras administrativas da Ré;
8) A R. distribuía o serviço internamente, pelos diversos dentistas que prestavam serviço na clínica, incluindo o sócio-gerente BB;
9) O sócio-gerente BB era o director clínico da Ré;
10) Sendo ele quem ordenava e distribuía o serviço na Ré;
11) O Autor reportava-lhe a sua actividade;
12) O Autor prestava obediência às directivas, de serviço e funcionais, do BB;
13) A Ré nomeou o A. como director da clínica de S. Roque e subdiretor da clínica de S. ..., cargos que exerceu em simultâneo;
14) O A. assinava a recepção das ordens de serviço escritas;
15) A Ré, por circulares escritas, dirigia censuras e repreensões aos médicos e auxiliares, bem como anunciava, nalguns casos, a possibilidade de lhes mover processos disciplinares;
16) Os doentes atendidos pelo A. pagavam as consultas e tratamentos, segundo os preços estipulados pela Ré;
17) O A. auferia uma remuneração variável de 40% por cada acto praticado;
18) A R. aumentou em 2% a remuneração do A., a partir de 9.2.2010, sob alegação de que se destinava a compensar a exclusividade de serviço do A. para a Ré;
19) O A. sempre prestou serviço a título exclusivo para a Ré, não tendo outro emprego, facto que era do conhecimento da Ré (facto alterado pelo Tribunal da Relação);
20) A partir de Julho de 2009, o A. passou a fazer tratamentos de ortodontia e a receber 50% do preço de cada um;
21) O A. prestava serviço indistintamente nos vários consultórios da R., em função das necessidades e segundo a indicação do BB e dos serviços da Ré;
22) Todos os meios de trabalho, materiais e instrumentos e ferramentas, eram da Ré;
23) O A. dispunha também do apoio das auxiliares e das assistentes administrativas da R., em tudo o que era necessário à prestação do serviço e atendimento dos doentes;
24) As auxiliares e assistentes administrativas da R. obedeciam às instruções de serviço do Autor;
25) O Autor gozava um período de férias anual, previamente indicado à ré que, face aos pedidos de férias dos demais médicos, em caso de necessidade com vista a assegurar o funcionamento das clínicas, os tentava conciliar, estando elas, todavia, sujeitas a prévia autorização da R. (facto alterado pelo Tribunal da Relação);
26) A R. pagava ao A., mensalmente, os serviços prestados;
27) A R. não lhe pagava a remuneração das férias gozadas, nem subsídio de férias, nem subsídio de Natal;
28) A R. tratava o A. como trabalhador independente, face ao Fisco e à Segurança Social, exigindo-lhe quitação por recibos verdes;
29) A R. pagou ao Autor os seguintes valores, pelos quais o mesmo emitiu recibo:
– Fevereiro de 2006 – € 148,80;
– Março de 2006 – € 1.823,58;
– Abril de 2006 – € 1.987,73;
– Maio de 2006 – € 2.880,05, correspondente ao valor ilíquido de € 3.600,06;
– Junho de 2006 – € 921,86, correspondente ao valor ilíquido de € 1.152,32;
– Julho de 2006 – € 3.744,16, correspondente ao valor ilíquido de € 4.680,02;
– Agosto de 2006 – € 3.139,73;
– Setembro de 2006 – € 3.288,28;
– Outubro de 2006 – € 1.959,83, correspondente ao valor ilíquido de € 2.437,28;
– Novembro de 2006 – € 1.863,53, correspondente ao valor ilíquido de € 2.329,41;
– Dezembro de 2006 – € 1.835, 99, correspondente ao valor ilíquido de € 2.294,98;
– Janeiro de 2007 – € 2.652,74;
– Fevereiro de 2007 – € 2.812,21;
– Março de 2007 – € 2.653,20;
– Abril de 2007 – € 2.700;
– Maio de 2007 – € 2.565,06, correspondente ao valor ilíquido de € 3.227,64;
– Junho de 2007 – € 2.404,48, correspondente ao valor ilíquido de € 3.005,60;
– Julho de 2007 – € 2.454,85, correspondente ao valor ilíquido de € 3.068,56;
– Agosto de 2007 – € 2.077,47, correspondente ao valor ilíquido de € 2.596,83;
– Setembro de 2007 – € 2.306,05, correspondente ao valor ilíquido de € 2.882,56;
– Outubro de 2007 – € 2.597,99, correspondente ao valor ilíquido de € 3.084,11;
– Novembro de 2007 – € 2.630,97, correspondente ao valor ilíquido de € 3.288,71;
– Dezembro de 2007 – € 2.178,89, correspondente ao valor ilíquido de € 2.556,18;
– Janeiro de 2008 – € 2.345,08;
– Fevereiro de 2008 – € 3.151,72;
– Março de 2008 – € 3.308,44, correspondente ao valor ilíquido de € 3.186,70;
– Abril de 2008 – € 2.549,64, correspondente ao valor ilíquido de € 3.187,05;
– Maio de 2008 – € 2.548,66, correspondente ao valor ilíquido de € 3.185,82;
– Junho de 2008 – € 1.859,02, correspondente ao valor ilíquido de € 2.323,77;
– Julho de 2008 – € 2.780,48, correspondente ao valor ilíquido de € 3.475,60;
– Agosto de 2008 – € 2.004,38, correspondente ao valor ilíquido de € 2.505,47;
– Setembro de 2008 – € 1.387,40, correspondente ao valor ilíquido de € 3.234,24;
– Outubro de 2008 – € 2.348,50, correspondente ao valor ilíquido de € 2.935,62;
– Novembro de 2008 – € 2.298,32, correspondente ao valor ilíquido de € 2.872,89;
– Dezembro de 2008 – € 2.687,72, correspondente ao valor ilíquido de € 3.035,12;
– Janeiro de 2009 – € 1.976,97, correspondente ao valor ilíquido de € 2.471,21;
– Fevereiro de 2009 – € 3.411,24, correspondente ao valor ilíquido de € 4.264,05;
– Março de 2009 – € 1.120,44, correspondente ao valor ilíquido de € 2.779,18;
– Abril de 2009 – € 2.455,27, correspondente ao valor ilíquido de € 3.067,48;
– Maio de 2009 – € 2.880,05, correspondente ao valor ilíquido de € 3.449,02;
– Junho de 2009 – € 1.101,86, correspondente ao valor ilíquido de € 1.337,32;
– Julho de 2009 – € 3.744,16, correspondente ao valor ilíquido de € 4.680,20;
– Agosto de 2009 – € 3.977,99, correspondente ao valor ilíquido de € 4.972,48;
– Setembro de 2009 – € 2.068,61, correspondente ao valor ilíquido de € 2.587,76;
– Outubro de 2009 – € 2.896,97, correspondente ao valor ilíquido de € 3.621,21;
– Novembro de 2009 – € 3.422,12, correspondente ao valor ilíquido de € 4.277,65;
– Dezembro de 2009 – € 3.385,12, correspondente ao valor ilíquido de € 4.231,4;
– Janeiro de 2010 – € 2.828,04, correspondente ao valor ilíquido de € 3.474,20;
– Fevereiro de 2010 – € 3.474,20, correspondente ao valor ilíquido de € 3.115,76;
– Março de 2010 – € 3.115,76, correspondente ao valor ilíquido de € 3.894,69;
– Abril de 2010 – € 3.842,46, correspondente ao valor ilíquido de € 4.803,19;
– Maio de 2010 – € 2.900,20, correspondente ao valor ilíquido de € 3.625,24;
– Junho de 2010 – € 3.360,01, correspondente ao valor ilíquido de € 4.200,01;
– Julho de 2010 – € 2.449,49 € correspondente ao valor ilíquido de € 2.449,49;
– Agosto de 2010 – € 4.361,69, correspondente ao valor ilíquido de € 5.556,17;
– Setembro de 2010 – € 4.435,10, correspondente ao valor ilíquido de € 5.649,80;
– Outubro de 2010 – € 3.690,33, correspondente ao valor ilíquido de € 4.701,05;
– Novembro de 2010 – € 3.679,29, correspondente ao valor ilíquido de € 4.686,99;
– Dezembro de 2010 – € 3.573, correspondente ao valor ilíquido de € 4.551,59;
30) A R. pagou a CC, Lda., os seguintes valores, pelos quais a mesma emitiu recibo:
– Janeiro de 2011 – € 3.987,35;
– Fevereiro de 2011 – € 4.158,63;
– Março de 2011 – € 4.588,61;
– Abril de 2011 – € 4.472,47;
– Maio de 2011 – € 5.124,68;
– Junho de 2011 – € 4.608,10;
31) Por carta de 15.6.2011, a R. comunicou ao A. que «não pretendemos renovar o contrato de trabalho e prestação de serviços, por nós celebrado, em 01 de Julho de 2006. Assim, o referido contrato cessa os seus efeitos no próximo dia 01 de Julho de 2011, data a partir da qual V. Excª. cessará quaisquer funções laborais nesta clínica»;
32) A partir de 1.7.2011, a Ré não deu mais trabalho ao A., consumando a sua intenção de prescindir dos seus serviços;
33) O A. não aufere subsídio de desemprego;
34) A situação de perda de rendimentos e de instabilidade a que a R. submeteu o Autor criou-lhe um descontrolo emocional, nervosismo, desânimo, desmotivação, extrema fragilidade, medo de faltar à sua família, o que afectou o ambiente familiar e careceu de acompanhamento médico e medicamentoso;
35) A R. não entregou ao A. o arquivo dos seus doentes nem a informação a eles respeitante, a fim de garantir a continuidade da assistência, apesar de a tanto ter sido solicitada por carta que recebeu a 20.7.2011;
36) O A. foi, ao serviço da Ré, um médico zeloso e cumpridor;
37) O Autor manifestou, de modo progressivo, alterações do foro neuropsíquico, nomeadamente distúrbio ansioso e síndrome depressivo reactivo (neurose depressiva reactiva) desencadeados por uma crescente pressão laboral e consequente stress a que foi submetido;
38) A R. não proporcionou ao Autor formação profissional, nem lhe pagou os correspondentes créditos;
39) O A. assinou o contrato objecto dos autos esclarecida e de livre vontade;
40) As trabalhadoras administrativas da Ré asseguravam o atendimento pessoal e telefónico e agendando de acordo com as solicitações para cada médico a agenda do mesmo nas clínicas;
41) Eram as administrativas da sociedade R. que marcavam as consultas do Autor mesmo de acordo com a disponibilidade de agenda daquele;
42) A Ré, através das suas funcionárias administrativas distribuía o serviço internamente, marcando consultas para um médico específico a pedido dos pacientes ou, para um médico indiferenciado, quando se tratava de algum cliente que não pedia para ser atendido especificamente por algum médico;
43) As nomeações referidas em 13) não tiveram qualquer conteúdo funcional;
44) A ré tem médicos a prestar serviços para si nas mesmas circunstâncias de tempo, lugar e modo do A. que trabalham noutras clínicas e muitos em regime de trabalho por conta própria em consultório pessoal fora das instalações da Ré;
45) A Ré atribuiu na altura referida em 18) mais 2% sobre o valor a reter por cada médico para aqueles que estavam há mais tempo ao seu serviço, independentemente da exclusividade dos seus serviços;
46) O A. começou por prestar serviço, nas clínicas da R., 3 dias por semana;
47) Tendo, posteriormente, a seu pedido, alegando que precisava de aumentar os seus rendimentos a partir de 2009, passado a prestar serviços de 2.ª a 6.ª feira, sempre da parte da tarde, a partir das 13 horas até às 20 horas, e ao Sábado das 9 horas às 13 horas e das 14 horas às 18,30 horas;
48) A Ré elaborava uma escala de comparência de médicos que assegurasse o bom e normal funcionamento dos seus serviços e o contínuo atendimento de todos os doentes;
49) Foi por pedido e sugestão do Autor que lhe foi fixado o período da tarde para laborar;
50) Os auxiliares e assistentes administrativos ao serviço da R. têm como função, entre outras, auxiliar o profissional de saúde com quem estão, ao momento, da prestação do cuidado médico;
51) O A. não faz parte dos quadros de pessoal da Ré;
52) Nem se encontra inscrito como trabalhador dependente da Ré para efeitos quer fiscais quer de Segurança Social;
53) O Autor sempre se encontrou colectado em nome individual;
54) E sempre, para efeitos de Segurança Social, encontra-se inscrito como trabalhador liberal e independente;
55) Fazendo os seus próprios descontos para a Segurança Social;
56) Em Janeiro de 2011, o A. comunicou à Ré ser empresário em nome individual e tendo, desde Fevereiro de 2011, passado a emitir-lhe os recibos de prestação de serviços em nome da sociedade CC, Lda., com sede na Rua ..., Bloco … – … – … (facto alterado pelo Tribunal da Relação);
57) Durante todo o tempo que prestou serviços à Ré, o A. nunca fez qualquer formação paga pela Ré;
58) Ou alguma vez frequentou qualquer formação em nome e/ou representação da Ré;
59) Não está inserido e englobado no seguro de acidentes de trabalho subscrito pela Ré;
60) O Autor não se encontra desempregado;
61) A Ré emitiu o documento que consta de fls. 64, no qual referiu o seguinte: «Os médicos são obrigados a pincelar o ácido e o bonding. Ordens do BB» (facto aditado pelo Tribunal da Relação);
62) A Ré emitiu o documento que consta de fls. 64, no qual referiu o seguinte: «Aos médicos. Solicito que as marcações nas agendas sejam feitas em letras maiúsculas e com o n.º de telefone bem legível» (facto aditado pelo Tribunal da Relação);
63) A Ré emitiu o documento que consta fls. 65, no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
«CIRCULAR
PANFLETOS DE DESCONTO
                   –   Qualquer paciente pode descontar todos os panfletos de desconto que tiver em sua posse.
                      Todos os médicos estão obrigados a fazer tais descontos sem levantar problemas.
                      Se fizerem na mesma sessão 2 ou mais tratamentos terão o desconto de 20% em todos os tratamentos.
                   –   Para efectuar mais de 2 tratamentos numa sessão, os médicos terão que pedir autorização verbal ao BB ou à Drª DD, em qualquer uma das clínicas.
                      Por favor, todos os médicos devem ler e assinar!»
64) A Ré emitiu o documento que consta fls. 66 a 70, datado de 10/3/06, no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
                    «Notificação aos Ex. médicos do corpo clínico:
                     Alertamos v/ exs. para uma leitura muito cuidada das considerações e normas que a partir da presente data, entram em vigor.
                      (...)
                    Ora, para continuarmos competitivos, a ter um impressionante n.º de pacientes (quando este sector de actividade se encontra em crise), e proporcionar trabalho a 10 médicos da área de Estomatologia/medicina dentária, todos, usufruindo de excelentes remunerações, vimo-nos forçados a implementar uma maior supervisão sobre os actos médicos, disciplina interna e responsabilização de todos, no que respeita ao funcionamento global das clínicas.
                     Não queremos mais, e nem precisamos, de médicos cujo perfil, se enquadra no mero prestador de serviços, que se abstrai de todos os problemas diários, ganha o seu dinheiro visando o lucro fácil, sem preocupações de consolidação da sua imagem de bom profissional, não deseja nenhuma preocupação ou responsabilidade, e ignora toda a dinâmica do grupo, fundamental para atingir os objectivos propostos.
                     Consideramos que, nas actuais condições de mercado, com uma enorme oferta de médicos com larga experiência e sem trabalho, e apesar de algumas insuficiências, se oferecem boas condições de trabalho, grande formação e progressão médica bem como apoio clínico, e um conjunto de pacientes de que poucas clínicas se podem orgulhar, pelo que, sentimos o direito de exigir de vós algo mais!
                     Assim, a política vigente de desresponsabilização de tudo o que excede o mero acto médico, muitas vezes deficiente, terminou, até porque o nosso director de serviço, BB, se encontra saturado de tanta desorganização, falta de colaboração, desobediência às directivas dadas, bem como a permanente confrontação diária, na tentativa de resolução de problemas criados por outros médicos.
                      Deliberou-se assim, que:
                     1 – Os estimados médicos que não se revejam neste sólido projecto, sejam convidados a abandonar as nossas clínicas, mediante o pré-aviso definido nos contratos de prestação de serviços que os vinculam às clínicas. Caso reiterem a sua vontade em continuar, serve a presente para reafirmar a plena lealdade à instituição e à sua missão:(…).
                     2 – O modelo de gestão das clínicas passa a ter várias semelhanças com o dos serviços hospitalares, nomeadamente como aquele instituído num serviço de Estomatologia, pelo que existirá um conjunto de reuniões de serviço mensais, ou trimestrais, a definir pelo director de serviço. Devem v/ Exa. trazer para essa reuniões de trabalho, todos os casos menos vulgares, erros detectados durante as consultas, dúvidas científicas e clínicas, e propostas para melhorar toda a nossa organização.
                      3 – (…)
                      4 – Ficam desde já comprometidos, a estimular pacientes, para a utilização de outros serviços médicos e auxiliares de diagnóstico (análises clínicas, consultas médicas de especialidade, tratamentos de Implantologia oral, e de ortodontia fixa e removível, mesmo aqueles que não se dedicam a essa áreas), e esta administração sabe bem quem são os poucos que até agora se preocupam com esta directiva.
                     5 – Aqueles que pretendam alterar o seu horário de trabalho (permutar dias, reduzir ou ampliar horário, ou abandonar as clínicas) devem aproveitar o momento de reestruturação, e apresentar a sua proposta para que seja necessário reformular horários.
                     6 – Definir logo que possível os períodos de férias pretendidos, sabendo que, não voltará a existir situação em que são sempre os mesmos a estar de serviço no Natal e noutras celebridades. Os horários exactos de trabalho (não esquecendo que são os pacientes que acabam por definir a procura e não a legítima preferência do médico) devem ficar referidos em folha anexa. Sempre que, surgirem actividades de formação médica, férias ou deslocações, devem assegurar-se com antecedência de que, pelo menos um médico, se encontre a trabalhar, pois é lamentável que, com tantos médicos disponíveis, tenhamos clínicas que têm períodos sem ninguém ao serviço. Tem que existir coordenação e cooperação entre os médicos.
                     7 – Quem melhor se adapta à exigência dos pacientes, naturalmente que tem uma agenda mais preenchida, apesar de nem todos poderem praticar os mesmos horários, pelo que, para este efeito, a antiguidade do médico permite alguma prerrogativa. É uma evidência que, quem se esforça nos horários, na qualidade e perfeição e não está sempre com pressa para se ir embora, tem um maior sucesso na nossa empresa.
                     8 – Obrigatoriedade de comunicar reclamações de pacientes e/ou erros técnicos com alguma relevância, à administração/director de serviço, para que se possa, positivamente aperfeiçoar o trabalho médico. Será considerado falta de ética profissional, a omissão dos mesmos.
                      9 – Aceitação das seguintes regras técnicas gerais:
                    a) A higiene do gabinete é o espelho do médico, que aí exerce actos médicos! Se por um lado, devem interpelar as auxiliares no sentido do máximo aprumo, por outro, não se compreende como é que, alguns dos médicos, não fazem o menor esforço no sentido de colaborar na higiene, muitas vezes, quando as auxiliares estão a desempenhar outras tarefas importantes. Devem exigir sempre o máximo trabalho às auxiliares, alertando para que sejam dinâmicas, mas no entanto, estas não são serventes directas de qualquer médico, mas sim funcionárias da clínica. Assim, e em particular quando uma auxiliar auxilia mais do que um médico, é deontológico que todos colaborem na limpeza e desinfecção, sem que por isso vejam o seu estatuto beliscado; bem pelo contrário, perante os critérios desta administração;
                      b) Todas as fichas clínicas devem ter moradas e telefones actualizados. E nunca se pode deixar de registar tratamentos (excluem-se consultas de rotina/medicação) efectuados, bem como o nome do médico que realiza o acto. É obrigatório a anotação dos diferentes problemas que surgem;
                     c) Todas as requisições dos diferentes contratos devem ser preenchidas obrigatoriamente pelo médico (pois são uma factura que apresentam à clínica), sendo os únicos responsáveis legais e criminais pelo seu conteúdo;
                     d)             A devolução de qualquer requisição será descontada de imediato nas contas do dia em que é devolvida;
                     e)              Tratamentos de um médico que esteja a exercer na clínica, que tenham que ser repetidos por outro, e que se devam a insuficiência técnica, não se cobrando ao paciente, deverão ser creditados na conta diária do médico que corrigiu a situação, e descontados nas contas do primeiro;
                     f)               Todos os cheques, meio de pagamento de consultas, devem estar endossados à clínica ou ao BB;
                      g) Para uma efectiva redução de custos, deve existir uma política de redução de desperdício de materiais, bem como qualidade nos tratamentos, para evitar repetição;
                   h)              A extracção de dentes é considerada uma opção a evitar. Deve-se estimular o paciente a TER, mas para não frustrar expectativas, o médico, deve executá-las na perfeição;
                     i)               A partir desta data, o RX aquando da obturação é obrigatório em qualquer TER, pelo que a sua não inclusão nas contas diárias, fará com que esta clínica, não pague os solicitados honorários, pois não está conforme. Devem ter boa qualidade, indicação do nome do paciente, n.º peça tratada, nome do médico e data.
              j)               O atendimento de delegados de informação médica deve de todo ser evitado, quando as consultas estão atrasadas, e devem em princípio, apenas ser atendidos pelos directores clínicos e directores clínicos adjuntos.
                      k) O uso de placa de identificação é obrigatório. Quando danificadas, devem providenciar a sua substituição;
                    l)              A higiene das peças de corte, seringa e destartarizador, bem como das cânulas de aspiração, mesmo que feitas pelas auxiliares, quando não se encontrem impecavelmente limpas, são da responsabilidade primeira do médico. Caso se constate a persistência de pouca higiene nestas peças, o médico será primeiro admoestado verbalmente, em seguida por escrito, e depois terá uma reunião com a administração;
                      m) Porque (…) estamos a encontrar algumas dificuldades de tesouraria. Mas, como sempre, tentamos pagar os honorários aos médicos, nos primeiros 12 dias do mês, conforme o contrato de prestação de serviços. Aqueles que tenham mais necessidade, face a empréstimos assumidos, devem informar a administração, para serem os primeiros a receber os seus honorários;
                     n)             As contas diárias devem ser sempre confirmadas por médico e auxiliar;
                      o) O médico, antes de sair, é obrigado a olear as peças de corte (excepto quando são sua propriedade), e a colocar as brocas no local correcto, e em n.º igual ao começo do dia de trabalho. Quando se danificarem, deverão ser anexadas à folha diária, para reposição, sem qualquer custo para o médico.
                     p) E face a vários problemas recentes, todo o uso incorrecto de aparelhos e peças, levando ao seu dano, deixará de ter comparticipação da clínica na sua reparação, ficando exclusivamente a cargo do médico que causou o dano. Solicita-se a máxima correcção, para que, não se pretenda atribuir a responsabilidade a outros colegas. As reparações por desgaste de material, ficam a cargo da clínica.
                       (…)»
65) A Ré emitiu o documento que consta fls. 72,  no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
                    «(…)
                     Apresentamos os resultados da actividade das clínicas, referente ao período de Janeiro a Julho deste ano:
                      N. de pacientes consultados  ------- 14.151
                      N. de tratamentos -------------------- 15.095
                     Resultados da facturação por médico, em relação ao ano de 2007:
                      (…)
                     Convém no entanto, e apesar de estarmos perante uma pequena quebra, não descuidar, e tentar cativar mais pacientes, através de uma melhor qualidade de trabalho, dedicação à missão das nossas clínicas: serviços de elevada qualidade, a preços socialmente acessíveis. Lembramos de que a maior procura de consultas se verifica aos Sábados e depois das 16 horas, pelo que os médicos têm que se adaptar a esta realidade. Não esqueçamos que vários dos nossos concorrentes, trabalham até às 24 horas, sábados e domingos.»
66) A Ré emitiu o documento que consta fls. 73, datado de 17.09.2008,  no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
                    «Aos médicos e auxiliares:
                      Ponto 1:
                      Nas últimas três semanas, por reclamação dos pacientes, foram detectadas 8 endodontias de péssima qualidade e cujos raios-x das obturações não me terão sido entregues.
                      Tal situação torna-se grave pois manifestamente baixa os padrões de qualidade exigidos nesta clínica, para além do acto de desobediência de uma regra estipulada há vários anos, que é a obrigatoriedade da entrega dos raios-x das obturações das endodontias.
                      Assim, e porque as auxiliares têm a obrigação de solicitar sempre raios-x (mesmo quando os médicos se esquecem de o fazer), ficam co-responsabilizadas em futuras situações, sendo-lhe levantado processo disciplinar e posterior suspensão do trabalho, por desobediência, caso não o façam.
                      Os médicos que não realizarem o raio-x sabem que estão ética e deontologicamente a não cumprir as legis artis, pelo que é considerado má prática clínica. Podem no entanto, os médicos que assim o entenderem, prescindir de executar endodontias, passando os pacientes para os colegas que as façam.
                      Ponto 2:
                      Aproveitamos para alertar os médicos para fazerem uma leitra atenta da directiva 1/2008 na respectiva ordem, no referente  às eventuais consequências das extracções dentárias.»
67) A Ré emitiu o documento que consta fls. 74, datado de 16 de Março de 2009,  no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
«COMUNICADO
                     Neste ano, não estão permitidas férias de ponto na Páscoa, face à diminuição de pacientes e na necessidade de captar todos aqueles que forem sendo possíveis. Sendo assim, se alguém necessitar de algum dia de folga (sexta-feira, sábado ou segunda-feira) a título excepcional deverá solicitar autorização à dra. DD Vieira para verificar a possibilidade da mesma.»
68) A Ré emitiu o documento que consta fls. 75, datado de 27.04.2009,  no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
«CIRCULAR
                     1. Devem os médicos que colocam prótese aos seus pacientes marcar obrigatoriamente consulta de controlo da mesma 1 semana depois.
                     É aconselhável também que facultem o seu contacto pessoal para que no caso de magoar (situação muito frequente), ou de qualquer outro problema, o doente poder contactar o médico responsável pela prótese e não aparecerem em dias em que terão que ser outros profissionais a resolver o problema.
                     Note-se que esta circular é enviada face à repetição sistemática desta situação.
                      2. Assunto: Férias dos médicos e auxiliares
                      Devem todos os profissionais desta clínica informar a dra. DD dos períodos pretendidos de férias no máximo de 4 semanas.
                      Alerta-se para o facto de que quem mais cedo entregar o seu período de férias terá prioridade sobre os colegas que as entreguem posteriormente em caso de escolha de igual período.
                      O período de férias escolares do Natal não deve coincidir com as férias dos médicos. Aliás, quem teve férias nesse período de 2008 não poderá repeti-los no Natal de 2009.»
69) A Ré emitiu o documento que consta fls. 76, não datada, mas em cujas assinaturas apostas pelos destinatários consta o mês de Julho de 2009, no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
«CIRCULAR
                      COMUNICADO 1: COMPUTADOR DA CLÍNICA
                     Os médicos e funcionárias estão impedidos de usar os computadores das clínicas excepto para registo de cheques dentista (depois do horário de trabalho). Caso desobedeçam serão alvo de processo disciplinar.
                      COMUNICADO 2: CÂMARAS DE FILMAR
                     Continuam a desaparecer materiais e instrumentos que nunca mais foram recuperados. Não estando nesta fase a clínica em condições de culpabilizar funcionárias e/ou médicos decidiu esta administração pela colocação imediata de câmaras de filmar dentro do gabinete de estomatologia.
                      COMUNICADO 3: ÀS FUNCIONÁRIAS
                       (…)
                   COMUNICADO 4: (…)» [repete-se, adiante, o n.º 69 no elenco dos factos provados];
69) A Ré emitiu o documento que consta fls. 77,  no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
                    «Circular …/2009
                      S. João Madeira, 12/09/09
                     Encontram-se para distribuição, os solicitados EE. É desde já estritamente proibido, a utilização de qualquer produto para uso pessoal, ou para oferta a pacientes que não sejam afectos à clínica, como alguns médicos o fizeram em anos anteriores.»
70) A Ré emitiu o documento que consta fls. 79,  no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
                    «CIRCULAR …/09
                      Assuntos vários: “todos os colaboradores são importantes nas nossas clínicas, mas aqueles que não se sintam integrados no projecto e em acatar as directivas, que se sintam incomodados ou contrariados são convidados a abandonar esta empresa, cumprindo o estabelecido no acordo que os rege.”
                 1 – FALTA DE MÉDICOS: Depois de larga reflexão, concluímos que, nas épocas de férias, festas, feriados, sábados, quando há maior procura de pacientes, continuamos a ter falta de médicos DISPONÍVEIS, pois temos que mandar pacientes sem consulta. Constatamos que poucos são os médicos que, de facto, se querem esforçar e colocar o maior interesse da clínica em lugar essencial da sua vida. Assim, somos obrigados  a tomar uma decisão bastante desagradável mas inevitável: a curto prazo, iremos contratar mais 2 médicos, mas que no futuro farão diluir o n.º de pacientes a atender por cada médico.
                      2 – A partir desta data, os dias de férias e formação serão autorizadas pela Drª DD, mas apenas quando confirmadas pelo BB. Cada médico que trabalhe 5 dias por semana na clínica, terá no máximo 21 dias úteis de férias e 5 dias para formação. Caso exceda estes limites, será deduzido o n.º de dias de férias.
                     3 – Os médicos, como outros profissionais, têm um horário de trabalho a cumprir, quer tenham ou não marcações. Apenas poderão entrar mais tarde ou sair mais cedo, com expressa autorização do BB.
                 4 – Todos os médicos que se encontrem a trabalhar ininterruptamente nas nossas clínicas há mais de 3 anos, terão direito a 2% mensal de bonificação na sua percentagem, desde que estejam em situação de exclusividade na BB, Lda. Tal medida entra em vigor nos honorários médicos de Janeiro. Para tal bonificação, terão os interessados que solicitar documento de forneceremos a pedido.
                      5 – (…)
                      6 – Poupança de materiais: como os preços das consultas não serão aumentados, a margem financeira vai diminuir. É de evitar repetição de tratamentos e desperdícios de material. As auxiliares devem evitar excesso de horas extra. As assistentes deverão no final do dia, informar a administração do n.º de tratamentos/consultas repetidas e gratuitas.»
71) A Ré emitiu o documento que consta fls. 80, datado de 21/4/10, no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
                 «ASSUNTO: ENCERRAMENTO À NOITE DA CLÍNICA DE S. ... POR PARTE DAS ASSISTENTES:
                     Face ao incremento da instabilidade social, ao n.º de assaltos e actos de violência, fica desde já decidido que o último médico que termine as consultas em S. ..., deverá perder 15 minutos, e sair com a respectiva assistente que o acompanhou durante o dia de trabalho, e ajudou a ganhar os seus honorários.
                     Todos têm vida familiar: mas devemos trabalhar em equipa, e ajudar mutuamente,
                     Em caso de assalto ou roubo, desde já a clínica não se responsabiliza pelo pagamento aos médicos das quantias furtadas.»
72) A Ré emitiu o documento que consta fls. 81, datado de 11.05.2010, no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
                    «Na qualidade de Director clínico:
                  1 – Várias reclamações sobre médicos que fizeram e cobraram 2 ou mais tratamentos numa consulta, sem estarem devidamente informados.
                  2 – As auxiliares têm como dever informar a Administração, acerca das repetições de tratamento, pois é um aspecto que faz parte da nossa avaliação de desempenho do médico.
                      3 – Os médicos devem sempre cobrar pinos e espigões radiculares de acordo com a nossa tabela (excepto TER). Reconstruções totais de um dente, não associada a tratamento endodôntico, deverá ter um preço médio de 42€.
                      Grandes tratamentos de 3 faces a pacientes particulares, devem ter o custo de 32,50€.
                 Estas alterações de valor, devem ser explicadas aos pacientes.
                      4 – A partir da presente data, para se efectuar mais que 1 tratamento por consulta, será solicitada autorização ao BB, e à Drª DD (…?)  a pedido do paciente.
                      Os médicos, assim, manterão a sua agenda mais completa, pois como as auxiliares têm ordens para marcarem equilibradamente para todos os médicos (sem distinção), aqueles que executam vários tratamentos por sessão verão a sua agenda esvaziar, e a estratégia de esvaziar rapidamente para voltar a encher de imediato não irá funcionar;
                 5 – Os médicos na folha diária deverão explicar resumidamente as consultas sem honorários, e as repetições de tratamentos de dentes, com menos de 1 ano de garantia.
                      6 – Informamos que, para não encerrarmos as clínicas de …, … e S. ... por falta de médicos, em certos dias de Julho, Agosto e Setembro, em virtude do não acordo de férias entre os médicos, nos vimos obrigados a contratar mais 2 médicos.
                  7 – Relembramos que o conteúdo das circulares, está sujeito a segredo médico e profissional, pelo que o próximo médico que faça comentários acerca das mesmas a colegas de outras clínicas ou a outros cidadãos do seu círculo social, serão alvo de processo disciplinar e processo cível. Aliás, a aposição seguinte da assinatura por extenso, conforme bilhete de identidade, de médicos e auxiliares, implica desde já a aceitação do conteúdo e o não desconhecimento das consequências do incumprimento.»
73) A Ré emitiu o documento que consta fls. 83/84, no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
                  «Circular …/10, para os médicos (departamento de Estomatologia/med. Dentária):
                      ASSUNTOS VÁRIOS:
                 1 – Marcação  do período de férias anual: já é do conhecimento de que quem folgou no ano de 09, no natal e Ano Novo, não o poderá fazer este ano.
                      2 – Não serão permitidos períodos de férias, superiores a 15 dias consecutivos.
                      3 – Os médicos que trabalham em simultâneo com outros na mesma clínica, têm que entre si, assegurar serviços mínimos.
                      4 – Queixas apresentadas por alguns profissionais, de que, por desinteresse e má intenção, alguns médicos evitam atender os ditos “cheques para tratamentos dentários”.
                 A administração analisou o protesto, e confirmou que existiam fundamentos para tais queixas, pelo que deliberou; quem voltar a manifestar desinteresse em atender esses pacientes, passará como alternativa a atender pacientes ADSE, em regime convencionado (com desconto imediato), bastando à clínica reactivar a convenção (3 dias úteis). Os honorários ADSE apenas serão pagos aos médicos, aquando do seu efectivo pagamento à clínica, como se verifica em várias clínicas conhecidas!
                  5 – Reclamações de pacientes: Pelo menos 4 médicos, foram alvo de reclamação verbal de pacientes, com pedido de mudança de médico, nas clínicas de S. ... e de …. O motivo: distracção durante os tratamento, estando frequentemente a olhar para a televisão, a enviar mensagens de telemóvel, a olhar para o lado a conversar com as assistentes e outros médicos, abandonar ou virar as costas aos pacientes depois de anestesiar, etc.
                 6 – Os médicos, devem fazer as contas diárias no seu gabinete de trabalho. Estão proibidos (médicos e auxiliares) de se deslocarem para o gabinete 1 de …, para tal efeito.
                  7 – Estão formalmente proibidas mensagens escritas nas agendas, excepto para assinalar férias ou formação, cuja indicação na agenda sendo obrigatória, é da EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DO MÉDICO.
                  8 – Cada médico, deverá “abrir os dias de trabalho” nas agendas, com a discriminação do respectivo horário de trabalho estabelecido, por um período nunca inferior aos próximos 2 meses.
                 9 – Implantes dentários: temos notado por parte de pelo menos 3 médicos, completo desinteresse por este tratamento, nunca propondo aos pacientes tal situação, pois pensamos que (talvez), queiram apenas colocar próteses dentárias aos pacientes da clinica. Mais grave ainda, alguns pacientes, disseram ao BB e Drª DD, de que os médicos assistentes na clínica, os terão desmotivado afirmando que tal procedimento “causava muita dor” (sic), “de que não tinham osso para a sua colocação (sic), tendo pelo menos 1 deles, em conversa circunstancial, referido que foram a clínica concorrente em S. ..., pois não ficaram com confiança suficiente para colocar implantes dentários nas nossas clínicas, apesar de nunca terem tido qualquer consulta com o BB.
                      Esperamos que tal não volte a acontecer, pois os médicos serão futuramente sancionados por tais atitudes.
                      10 – (…).»
74) A Ré emitiu o documento que consta fls. 85, datado de 24 de Janeiro de 2011, no qual referiu o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
                    «Circular …/11
                      Horário de entrada:
                      Informam-se todos os médicos que o horário de entrada deverá ser cumprido conforme o acordado entre ambas as partes. Excepcionalmente poderão ser alterados desde que haja concordância do BB.»
75) É o seguinte o teor da carta remetida pelo A. à Ré, a que se reporta o n.º 35 dos factos provados (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
                    «A fim de garantir a continuidade de assistência, nos termos do art. 16.º do Código Deontológico, solicito a entrega do arquivo de todos os meus doentes, que é minha propriedade, nos termos do art. 20.º
                      (…).»
76) A Ré, em resposta à carta do A. referida nos n.os 35 e 75, enviou-lhe a carta, datada de 21.07.2011, que consta do documento que constitui fls. 87/88 dos autos, na qual, para além do mais, refere o seguinte (facto aditado pelo Tribunal da Relação):
                    «(…)
                     Queremos, em resposta às suas interpelações, relembrar-lhe, apenas, que o vínculo laboral e prestacional, ao abrigo do qual V. Exa. prestava, no âmbito da sua formação, os respectivos serviços de medicina dentária nos nossos consultórios, não lhe permite, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º e 20.º do mesmo diploma avocar, como sua, a nossa clientela nem exigir quaisquer fichas clínicas que, para além de próprias de cada doente, são propriedade da nossa clínica, para quem e em nome de quem V.Exa. trabalhava e prestava acto médico juntamente e em  colaboração com outros colegas, sendo certo que muitos dos nossos doentes não são, em exclusivo, tratados por um médico, mas por vários dos nossos assistentes.
                     Tal facto, porém, não muda as circunstâncias de os pacientes serem doentes da nossa clínica, com quem V. Exa. trabalhava em regime de dependência, sendo as fichas clínicas dos mesmos nossa propriedade e, como tal, ao abrigo do sigilo profissional não poderem ser divulgadas a terceiros.
                     Acresce que, e ao contrário do que pretende, tais pacientes continuarão a ser atendidos, desde que o queiram, nos nossos consultórios, prestando-se, em continuidade, todos os tratamentos médicos que necessitem e que são do conhecimento de todos os nossos clínicos em exercício.
                     De igual modo, queremos relembrar-lhe que tendo V. Exa. trabalhado em regime de dependência e sob as nossas ordens, direcção e fiscalização, não pode, nem deve considerar como sua a nossa clientela, encontrando-se proibido, também em termos estatutários de, no seguimento da cessação do vínculo laboral, desviar ou tentar desviá-la para consultório, sua propriedade e/ou para o qual pretenda exercer vínculo laboral.
                     Assim, e porque consideramos superior o sigilo profissional que nos obriga face aos nossos clientes e frisamos, nossos clientes e restantes colaboradores, não disponibilizaremos o nosso ficheiro clínico a V. Exa., não reconhecendo qualquer legítimo direito que lhe assista para o efeito, em peticioná-lo.
                     No que respeita à publicidade que enquanto nosso colaborador lhe era feita nas montras e servidor electrónico das nossas clínicas, no seguimento da cessação laboral entre nos ocorrida, foi dada imediata ordem para retirar o seu nome (…).»
77) O A., aos 03.02.2011, constituiu a sociedade comercial por quotas CC, Lda., a qual foi nessa data registada na Conservatória do Registo Comercial e passando o A. a estar inscrito na Segurança Social como «membro do órgão estatutário» dessa sociedade, com uma remuneração base mensal declarada de € 500,00» (facto aditado pelo Tribunal da Relação).

A recorrente alega que o n.º 56 da matéria de facto dada como provada, «revela, desde logo, uma grave imprecisão relativamente à distinção entre o conceito de empresário em nome individual e o de sociedade unipessoal por quotas, as quais são figuras distintas», invocando, doutra parte, que «[é] notório o carácter conclusivo dos factos assentes sob os n.os 10, 11 e 12 ao referirem: Ponto 10 – “Sendo ele quem ordenava …”; Ponto 11 – “O Autor reportava-lhe a sua actividade”; Ponto 12 – “O Autor prestava obediência às directivas, de serviço e funcionais, do BB.”, […] devendo esta matéria ser dada como não escrita.»

Tais questões prendem-se com a fixação dos factos materiais da causa.

Nos termos do artigo 662.º do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (n.º 1) e deve, ainda, mesmo oficiosamente, (a) ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, (b) ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova, (c) anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta e (d) determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados (n.º 2).

Todavia, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, ao abrigo do n.º 3 do artigo 682.º mencionado.

Especificamente, o n.º 3 daquele artigo 674.º estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova», e o n.º 2 do artigo 682.º referido determina que «[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º».

Assim, no respeitante à modificabilidade da decisão de facto, a intervenção do Supremo reconduz-se à verificação da conformidade da decisão de facto com o direito probatório material, nos estritos termos das normas citadas, não abrangendo a apreciação da factualidade que as instâncias consideraram assente com base em prova testemunhal ou em prova documental sem força probatória plena, uma vez que tal questão se situa apenas no domínio da relevância concedida pelas instâncias a um meio probatório que se enquadra no princípio da livre apreciação da prova.

O que a recorrente invoca, em primeira linha, é que o n.º 56 da matéria de facto dada como provada evidencia «uma grave imprecisão relativamente à distinção entre o conceito de empresário em nome individual e o de sociedade unipessoal por quotas, as quais são figuras distintas».

Neste particular, o acórdão recorrido teceu as considerações seguintes:

                    «Foi a Ré quem alegou, no art. 85º da contestação, que “Desde Janeiro do corrente ano que o A. comunicou à R. que agora é empresário em nome individual emitindo recibos de prestação de serviços em nome da sociedade CC, Lda., com sede na Rua ..., Bloco …, S. … – cfr. docs. 1 a 5.”, contestação essa que foi apresentada em 03.10.2011 (e não em 2012).
                     E os documentos de fls. 117, 118 e 119 (que são os documentos 1 a 5 referidos pela ré nesse art. 85º) e que foram por ela juntos aos 6.10.2011 (e não em 2012) constituem os referidos recibos correspondentes à “prestação de serviços” do A. à Ré no período de Janeiro de 2011 a Maio de 2011 e que se encontram datados de 26.02.2011 e 03.03.2011 (os de fls. 119, recibos nº 002 e 003), o de fls. 118, com o nº 004, referente aos serviços prestados em Março de 2011 (este não se encontra datado), o de fls. 118, datado de 02.05.2011, com o nº 005, e o de fls. 117, datado de 04.06.2011, com o nº 006. E desses recibos, do seu canto superior esquerdo, consta:
                       “CC, Ldª
                       (…)”.
                     O A. respondeu à contestação, tendo impugnado expressa e separadamente os arts. da contestação que entendeu impugnar, sendo que não impugnou o art. 85º e que, assim, se encontra admitido por acordo das partes nos articulados, assim como também não impugnou os mencionados documentos.
                      Ou seja, e ao contrário do que a Recorrente agora alega, não foi a partir de Janeiro de 2012, mas sim de 2011, concretamente de Fevereiro [a sociedade foi constituída em Fevereiro de 2011 e o primeiro recibo data de Fevereiro, embora nele se referindo reportar-se aos serviços prestados em Janeiro] que o A., em nome da sociedade unipessoal que constituiu, passou a emitir à Ré os mencionados recibos, o que era do conhecimento da ré desde 2011 e não, como agora alega a Recorrente, apenas em 2012 (ano este em que, aliás, o vínculo contratual entre o A. e a Ré já havia cessado).
                     O que acontece é que, tendo a decisão da matéria de facto sido proferida aos 27.02.2013, deveria ela ter substituído a referência ao “(…) corrente ano (…)” por “(…) 2011 (…)”, uma vez que era este o ano a que o art. 85º da contestação se reportava, assim como, ao invés de ter referido que “o A. passou a  ser empresário em nome individual”, deveria ter referido que “o A. comunicou à Ré ser empresário em nome individual (…)” pois que é isso o que consta e foi alegado no art. 85º, admitido por acordo das partes nos articulados.
                      Assim, altera-se o nº 56 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação: 56. Em Janeiro de 2011, o A. comunicou à Ré ser empresário em nome individual e tendo, desde Fevereiro de 2011,  passado a emitir-lhe os recibos de prestação de serviços em nome da sociedade CC, Unipessoal, Lda. com sede na Rua ..., Bloco …  – …”.
                     De referir, face às considerações tecidas pela Recorrente nas alegações do recurso quanto à distinção jurídica entre empresário em nome individual e sociedade unipessoal, Ldª, que tal se mostra irrelevante, designadamente nesta sede, uma vez que o que foi alegado e, assim, alterado (pelas razões expostas), foi o que o A. comunicou à Ré.»

A transcrita deliberação do Tribunal da Relação sobre o ponto da matéria de facto concretamente impugnado foi proferida no quadro dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.

E não tendo sido alegado que, nessa reapreciação, a Relação tenha ofendido qualquer disposição expressa de lei que exigisse certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixasse a força de determinado meio de prova, é de todo evidente que não cabe nos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal pronunciar-se sobre a matéria contida nas conclusões 1.ª e 2.ª da alegação do recurso de revista.

Relativamente à questão de saber se os n.os 10, 11 e 12 da matéria de facto considerada provada têm natureza conclusiva, versa, afinal, sobre matéria de direito, logo não está subtraída ao conhecimento deste Supremo Tribunal, estatuindo o n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil que «[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

A este propósito, o aresto recorrido explicitou a fundamentação seguinte:

                   «[…] não se nos afigura que os pontos 10, 11 e 12 contenham matéria de direito e/ou de natureza jurídico-conclusiva e que, por consequência, devam ser eliminados.
                      O nº 10 [“Sendo ele quem ordenava e distribuía o serviço na Ré”] tem por objeto um facto, um acontecimento da vida real, qual seja o de ordenar e distribuir o serviço na empresa, por reporte à concreta identificação da pessoa singular (e não da pessoal coletiva) que o fazia, não se reconduzindo ou sendo confundível, tal facto, com a alegação genérica e, essa sim jurídico-conclusiva, de trabalhar sob a “autoridade e/ou sob as ordens, direção e fiscalização” do demandado, tanto mais nos casos em que este é uma pessoal coletiva. 
                     Também quanto ao nº 11 [“O Autor reportava-lhe a sua atividade.”], não se nos afigura que tenha caráter jurídico, conclusivo ou valorativo, consubstanciando antes um acontecimento da vida real e sendo de salientar o Acórdão do STJ de 24.09.2008, acima citado, nos termos do qual a circunstância de se poder estar “perante uma resposta ampla ou de síntese, que faz um “apanhado” de dados diversos, certamente equacionados e abordados em sede de julgamento” não lhe retira a sua natureza factual.
                      Considerações semelhantes se tecem quanto ao nº 12 [“O Autor prestava obediência às diretivas, de serviço e funcionais, do BB”]. Trata-se de matéria com conteúdo factual, consubstanciando o verbo prestar um facto, uma ação (diferente seria se se dissesse que “devia obediência”), identificando-se o autor das diretivas e o tipo de diretivas, ainda que possa traduzir uma síntese ou resultar de um “apanhado” de outros factos que hajam sido, e foram (como se pôde constar da prova documental e testemunhal produzida, a cuja audição se procedeu atenta a demais impugnação da decisão da matéria de facto), abordados e apreciados em sede de julgamento.
                     Assim, e nesta parte, improcedem as conclusões do recurso.»

As questionadas proposições acham-se factualmente sustentadas e traduzem uma realidade empírica, revelando dados ou ocorrências da vida real, pelo que não se pode considerar que assumam natureza conclusiva, termos em que não se vislumbra fundamento legal para que tal matéria seja dada como não escrita.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões 1.ª, 2.ª, 17.ª e 61.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista, sendo, pois, com base no acervo factual anteriormente delimitado que há-de ser resolvida a questão nuclear posta no recurso.

2. A recorrente propugna que se impõe «concluir que a vontade negocial das partes, expressa no documento que titula o contrato, assente no item 39 e corroborada pela constituição da sociedade unipessoal CC, Lda., foi no sentido de que a prestação do Recorrido ficaria sujeita ao regime do contrato de prestação de serviço, sendo que da matéria de facto dada como provada, devidamente ponderada na sua globalidade, não resulta que a execução do contrato se tenha efectivamente processado noutro regime que não aquele, mais concretamente, que o Recorrido tenha prestado a sua actividade à Recorrente em regime de subordinação jurídica».

E adita que esse contrato de prestação de serviços, «foi querido e desejado pelas partes, tendo-o o Recorrido assinado duma forma esclarecida e de livre vontade (até 31 de Dezembro de 2010, existiu um contrato de prestação de serviços entre A. e Ré; a partir de Janeiro de 2011, a posição contratual do Recorrido foi transferida para a sociedade por si constituída “CC, Lda.”)», logo «a pretensão do Recorrido, não pode deixar de improceder, uma vez que sobre ele recaía […] o ónus de alegar e provar os factos que levassem a concluir pela existência da referida subordinação, sendo que a dúvida a esse respeito seria, só por si, suficiente para determinar a improcedência dos pedidos por ele formulados, uma vez que todos eles tinham como pressuposto a alegada natureza laboral do vínculo que manteve com o Recorrente, a qual não resultou provada».

2.1. Antes de mais, importa definir qual o regime jurídico aplicável ao caso.

A relação contratual em apreço iniciou-se em data anterior a 18 de Fevereiro de 2006, não concretamente apurada, e perdurou até 1 de Julho de 2011, período em que vigorou o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, posteriormente alterado pela Lei n.º 9/2006, de 20 de Março, alteração que entrou em vigor em 25 de Março de 2006, e o Código do Trabalho de 2009, editado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009, sendo que o artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, tal como o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, estabeleciam que o respectivo regime jurídico se aplicava aos contratos de trabalho e aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor dos sobreditos diplomas legais, «salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento», na linha do acolhido nos n.os 1 e 2 do artigo 12.º do Código Civil.
No caso, demonstrou-se que «[o] A. foi admitido pela R., em data anterior a 18.2.2006, mas não concretamente apurada, para lhe prestar serviço como médico dentista» [facto provado 2)] e que, «[e]m 1.6.2006, assinou um contrato denominado de “contrato de trabalho e prestação de serviços”, que a R. lhe apresentou integralmente redigido» [facto provado 3)], sendo que, «começou por prestar serviço, nas clínicas da R., 3 dias por semana» [facto provado 46)], tendo, posteriormente, «a seu pedido, alegando que precisava de aumentar os seus rendimentos a partir de 2009, passado a prestar serviços de 2.ª a 6.ª feira, sempre da parte da tarde, a partir das 13 horas até às 20 horas, e ao Sábado das 9 horas às 13 horas e das 14 horas às 18,30 horas» [facto provado 47)].

Assim, tal como se afirmou no acórdão recorrido, «à apreciação da natureza do vínculo contratual é aplicável o CT/2003. Quanto ao Código do Trabalho de 2009, sendo embora certo que, em 2009, se verificou uma alteração aos termos dessa relação, qual seja a relativa ao tempo de trabalho (de apenas  três dias por semana, em período de tempo e/ou horário de trabalho que se desconhece, para seis por semana, no mencionado horário), a verdade é que se desconhece em que concreta data tal ocorreu, mormente se ocorreu após 17.02.2009, data da sua entrada em vigor, nem o A. o alegou (o A. havia alegado que o período de trabalho referido no nº 47 dos factos provados se verificou desde a sua admissão, o que não se provou).»

Tudo para concluir que não é aplicável, no caso, a presunção estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2009, mas sim no artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, na versão original e na redacção dada pela Lei n.º 9/2006 citada. Na verdade, quando o Código do Trabalho de 2009 regula os efeitos de certos factos, como expressão duma valoração dos factos que lhes deram origem, deve entender-se que só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência (cf., por todos, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13 de Fevereiro de 2008, Processo n.º 356/07, e de 10 de Julho de 2008, Processo n.º 1426/08, ambos da 4.ª Secção, cuja doutrina é transponível para o estatuído no Código do Trabalho de 2009).
                   2.2. Os contratos em causa têm a sua definição na lei.

De harmonia com o preceituado no artigo 10.º do Código do Trabalho de 2003, diploma a que pertencem os preceitos adiante citados, sem menção da origem,  que transcreve, com ligeiras alterações, o disposto no artigo 1152.º do Código Civil, contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas.

Por sua vez, segundo o artigo 1154.º do Código Civil, contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

A prestação de serviço é uma figura próxima do contrato de trabalho, não sendo sempre fácil distingui-los com nitidez; porém, duma maneira geral, tem-se entendido que é na existência ou inexistência da subordinação jurídica que se deve encontrar o critério de distinção.

Pode, assim, concluir-se que o contrato de trabalho se caracteriza essencialmente pelo estado de dependência jurídica em que o trabalhador se coloca face à entidade empregadora, sendo que o laço de subordinação jurídica resulta da circunstância do trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador que lhe dá ordens, enquanto na prestação de serviço não se verifica essa subordinação, considerando-se apenas o resultado da actividade.

A subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho decorre precisamente daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora (artigo 150.º) a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador [artigo 121.º, n.os 1, alínea d), e 2].

Nos termos do regime geral de repartição do ónus da prova, cabe ao trabalhador fazer a prova dos elementos constitutivos do contrato de trabalho, isto é, demonstrar que presta uma actividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direcção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

A situação modificou-se substancialmente com a adopção, pelo artigo 12.º, de presunção da existência de contrato de trabalho fundada no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, e que dispõe o seguinte:

                                         «Artigo 12.º
                                         (Presunção)
              Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
             a)  O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
             b)  O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
              c)  O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade;
            d)  Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade;
             e)  A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a noventa dias.»

A sobredita presunção trata-se de uma presunção legal ou de direito, já que é a própria lei que deduz de um facto conhecido a ilação (conclusão ou inferência) da verificação de um facto desconhecido.

Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, nos termos do n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil, bastando-lhe provar o facto que serve de base à presunção, sendo que a prova deste equivale à prova do facto presumido.
No respeitante à força probatória das presunções legais regula o n.º 2 do mesmo artigo 350.º, de harmonia com o qual as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, salvo nos casos em que a lei o proibir.

Por conseguinte, as presunções legais importam a inversão do ónus da prova (artigo 344.º, n.º 1, do Código Civil), sendo designadas por presunções juris tantum as que podem ser ilididas por prova em contrário, e por presunções juris et de jure as que não admitem prova em contrário.

A presunção legal daquele artigo 12.º é uma presunção juris tantum, que importa a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido.

No caso, o autor logrou provar que estava inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade, que realizava a sua prestação sob as orientações deste, que o trabalho era realizado na empresa beneficiária da actividade, que se encontrava numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade, que os instrumentos de trabalho eram fornecidos pelo beneficiário da actividade e que a prestação de trabalho foi executada por período, ininterrupto, superior a noventa dias.

Todavia, não resulta dos factos provados que o autor tivesse de respeitar um horário previamente definido pelo empregador, no período anterior a 2009, daí que, não ocorrendo o preenchimento cumulativo dos cinco requisitos previstos na versão original do artigo 12.º, não é possível atender à presunção estabelecida nesta norma.

Porém, apesar de não valer tal presunção, nada obsta a que o trabalhador demonstre que existia um contrato de trabalho (cf., neste sentido, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 315).

2.3. Ora, como vem sendo repetidamente afirmado, a extrema variabilidade das situações concretas dificulta muitas vezes a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, implicando a necessidade de, frequentemente, se recorrer a métodos aproximativos, baseados na interpretação de indícios.

Nos casos limite, a doutrina e a jurisprudência aceitam a necessidade de fazer intervir indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos (a designação dada ao contrato, o local onde é exercida a actividade, a existência de horário de trabalho fixo, a utilização de bens ou utensílios fornecidos pelo destinatário da actividade, a fixação da remuneração em função do resultado do trabalho ou em função do tempo de trabalho, direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, incidência do risco da execução do trabalho sobre o trabalhador ou por conta do empregador, inserção do trabalhador na organização produtiva, recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa) e indícios negociais externos (o número de beneficiários a quem a actividade é prestada, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização).

Cada um daqueles indícios tem naturalmente um valor muito relativo e, por isso, o juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade (MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 145), a ser formulado com base na totalidade dos elementos de informação disponíveis, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo.

Neste conspecto, o acórdão recorrido acolheu a seguinte fundamentação:

                  «No caso, perante a matéria de facto provada, no sentido da inexistência de um contrato de trabalho poder-se-ia apontar: o tipo de remuneração acordada, fixada não em função do tempo de trabalho, mas sim com base numa percentagem (inicialmente, 40% e, a partir de 09.02.2010, aumentada em 2%) por cada ato praticado pelo A.; o não pagamento da remuneração correspondente ao período de férias que o A. gozava, bem como o não pagamento de subsídios de férias e de Natal; a não inscrição do A. como trabalhador dependente da Ré para efeitos fiscais e de Segurança Social, que, para tais efeitos, se encontrava inscrito como trabalhador independente; não estar inserido e englobado no contrato de seguro de acidentes de trabalho subscrito pela Ré.
                      No que se reporta à atividade exercida pelo A. — médico dentista — , conquanto tenha, tradicionalmente, natureza liberal, nada obsta a que possa ser exercida em regime de trabalho subordinado, sendo que a isso não obsta a autonomia técnica, e a legis artis, próprias do exercício dessa atividade profissional. Aliás, atualmente e cada vez mais, se vai esbatendo a fronteira entre atividades que, pela sua natureza liberal, eram exercidas por conta própria, e que foram passando a ser exercidas em regime de trabalho subordinado, consentido este a autonomia técnica e podendo a subordinação jurídica manifestar-se de outras formas que não a ingerência na autonomia técnica.
                      E recorrendo, desde já, ao nomen juris e ao conteúdo do contrato celebrado por escrito entre as partes, elemento que se poderá mostrar relevante na determinação do que foi a vontade contratual, embora, sempre, com as devidas cautelas uma vez que os contratos “são o que são e não o que as partes dizem que são”, como refere João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, à luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 68, não deixa ele de suscitar alguma perplexidade, desde logo face à sua denominação.
                     Com efeito, e sem esquecer que o contrato foi integralmente redigido pela Ré e por esta apresentado ao A., foi ele designado de “Contrato de Trabalho e Prestação de Serviços”, parecendo poder concluir-se ter sido intenção da Ré submetê-lo ao regime das duas figuras contratuais, o que, manifestamente, não seria possível. Não obstante, dessa designação transparece que a Ré não desconhecia a existência jurídica do “contrato de trabalho” como tipo contratual, assim como que a ponderou no contrato que formalizou com o A.
            Já quanto ao conteúdo desse contrato, se dele constam cláusulas mais conotadas com a existência de um contrato de prestação de serviç[o] (nomeadamente, remuneração acordada e designação para ela utilizada — “honorários” —, forma de rescisão, e indemnização referida na clª 12), surpreendem-se, todavia, cláusulas próximas, senão próprias, do contrato de trabalho, consubstanciando designadamente manifestação da subordinação jurídica: o exercício da atividade (utilização dos consultórios, equipamentos e funcionárias da Ré, e auxiliar a Ré no tratamento da clientela desta) “sempre segundo as diretivas do primeiro outorgante” (clª 3ª) e a obrigação de cumprimento do “actual ou futuro código de ética da empresa” [sublinhados nossos] e obrigação (“deverá”) de “pedir ajuda necessária ao exercício da sua profissão ao director clínico” (clª 11ª); a clª 9ª, na parte em que faz referência ao cumprimento dos dias de trabalho definidos pela Ré.
                      Também a clª 5ª, segundo a qual o A. se obriga a entregar à ré todos os ganhos decorrentes do exercício da sua profissão nos consultórios daquela, através do que a Ré pagará às suas (da ré) funcionárias, os materiais, as rendas e demais custos de funcionamento dos consultórios. Tal mais não é do que reverter para a Ré o  benefício/ganho da atividade do A., tal como sucede no contrato de trabalho (sem prejuízo do posterior pagamento ao A. de uma percentagem do que este obteve com a sua atividade, o que, como já referido, se desvia da forma mais típica de remuneração do contrato de trabalho, mas que com ela não é incompatível, conforme adiante melhor se dirá).
                     Da interpretação deste conteúdo negocial, mormente tendo em conta a expressa manifestação da subordinação jurídica, afigura-se-nos que ele mais se aproxima do contrato de trabalho, do que da prestação de serviç[o]. Ou, pelo menos e face também ao nomen juris atribuído (“contrato de trabalho e de prestação de serviços”), parece até que se poderia dizer ter a Ré pretendido (sendo certo que foi ela quem o redigiu integralmente)  uma simbiose entre esses dois regimes: não sujeitando a relação ao regime mais restritivo e oneroso do contrato de trabalho, mas, contudo, sem pretender prescindir de algumas das prerrogativas que este confere ao empregador, designadamente a nível do poder de direção e fiscalização do trabalho.
                      Mas continuando.
                     As circunstâncias da atividade ser prestada em locais/clínica da ré, com instrumentos de trabalho a esta pertencentes e com a assistência de funcionárias ao serviço da ré, não se nos afigura de relevância significativa na medida em que não é isso incompatível com a prestação da atividade do A. em regime de prestação de serviços. Não obstante, tais factos, aliados a outros, designadamente a forma de distribuição das consultas pelas referidas funcionárias (marcando-as indiferenciadamente para os vários médicos quando se tratava de cliente que não pedia para ser atendido por médico específico),  a nomeação do A. como diretor da clínica de S. … e subdiretor da clínica de S. ..., ainda que sem conteúdo funcional, concertação das férias em função das dos demais médicos para assegurar o funcionamento das clínicas, e autorização das mesmas pela Ré, assinatura das ordens de  serviço pelo A., fazem concluir no sentido da integração do A. na estrutura organizativa e empresarial da Ré, o que  mais se aproxima do exercício da atividade ao abrigo de um contrato de trabalho, do que de uma mera prestação de serviços.
                     Por outro lado,  decorre do nº 12 dos factos provados e das inúmeras circulares e comunicados que constam dos documentos referidos nos nºs 61 a 74, que a Ré emitia as mais variadas ordens, diretivas e instruções que deviam ser acatadas pelo A., sejam em matéria técnica, própria do exercício da profissão, como em matéria organizacional, o que é próprio de uma relação de natureza laboral e não já de um contrato de prestação de serviços.
                     Assim, e designadamente: a de fls. 64, determinando a obrigação de “pincelar o ácido e o bonding”; a, também de fls. 64, a determinar aos médicos a forma das marcações nas agendas (em letras maiúsculas e com o nº de telefone “bem legível”); a de fls. 65, relativa aos descontos a efetuar e à obrigação de pedir autorização ao sócio gerente da Ré ou à Drª DD para efetuar mais de 2 tratamentos numa sessão; a de fls. 66 a 70, em que, designadamente, se faz referência: à necessidade de implementar uma maior supervisão sobre os atos médicos, disciplina interna e responsabilização de todos, no que respeita ao funcionamento global das clínicas, à desobediência às diretivas dadas, à necessidade de estimular os pacientes para utilização de outros serviços médicos e auxiliares de diagnóstico (“análise clínicas, consultas médicas de especialidade, tratamentos de Implantologia oral, e de ortodontia fixa e removível”), obrigatoriedade de comunicar reclamações dos pacientes e/ou erros técnicos, obrigação de “interpelar as auxiliares no sentido do máximo aprumo” e de trabalho, e de colaborarem, os médicos, também na limpeza e desinfecção, obrigatoriedade de uso de placa de identificação, responsabilidade do médico pela higiene dos instrumentos referidos na al. k) de tal circular, contas diárias devem ser confirmadas pelo médico e auxiliar, obrigação de olear peças de corte e de arrumo das brocas conforme referido na al. o) da mesma; a de fls. 73, nos termos da qual é obrigatória a entrega dos raios-X das obturações das endodontias; a de fls. 76, relativa à proibição de uso dos computadores das clínicas; a de fls. 79, em que, para além do mais, se faz referência à proibição de isenção de honorários a funcionários e familiares; a de fls. 80, em que se faz referência à obrigação do médico que termine as consultas na clínica de S. ... em esperar para acompanhar na saída a assistente; a de fls. 81, em que se faz referência à necessidade de pedir autorização ao Sr. BB e à Srª Drª DD quando se faça mais do que um tratamento por consulta, bem como de na folha diária explicarem as consultas sem honorários e as repetições de tratamentos de dentes com menos de 1 ano de garantia; a de fls. 83, em que se refere que os médicos devem fazer as contas diárias no seu gabinete de trabalho e que estão proibidas mensagens escritas nas agendas.
                      Em matéria de férias, a sua marcação dependia de prévia autorização da ré, existindo também, a este propósito, diversas circulares e comunicados com diretivas sobre a respetiva marcação e impondo restrições ao gozo das mesmas em diversos períodos. Assim, as de fls. 68, nº 6 (nº 64 dos factos provados), fls. 74 (nº 67 dos factos provados), fls. 75 (nº 68 dos factos provados), fls. 79, nº 2 (nº 70 dos factos provados) e fls. 83 (nº 73 dos factos provados), para onde se remete (cfr. também o aduzido a propósito da impugnação do nº 25 dos factos provados, onde se sintetiza o teor de tais circulares), factualidade esta que não é compatível com a existência de um contrato de prestação de serviç[o], mas sim com o contrato de trabalho, pois que é reveladora da existência de subordinação jurídica.
                      No que se reporta à existência de um horário de trabalho, pese embora, no que se reporta ao período anterior a 2009, nada resulte dos factos provados quanto ao mesmo, provou-se todavia que a partir de 2009, o A. praticava o horário de trabalho referido no nº 47 dos factos provados (2ª a 6ª feira, das 13h00 às 20h00 e sábado das 9h00 às 13h e das 14h00 às 18h30), assim como se provaram, também, várias ordens e diretrizes em matéria de cumprimento de horário de trabalho, a saber: o ponto 3 da Circular 231/09, de fls. 79, onde se refere que “Os médicos, como outros profissionais, têm um horário de trabalho a cumprir, quer tenham ou não marcações. Apenas poderão entrar mais tarde ou sair mais cedo, com expressa autorização do BB”; o determinado no documento de fls. 80, onde se refere que “Face ao incremento da instabilidade social, ao nº de assaltos e actos de violência, fica desde já decidido que, o último médico que termine as consultas em S. ..., deverá perder 15 minutos, e sair com a respectiva assistente que o acompanhou durante o dia de trabalho, e ajudou a ganhar os seus honorários. (…)”; e a circular 2/11, da qual consta o seguinte:
                       “Horário de entrada:
                     Informa-se todos os médicos que o horário de entrada deverá ser cumprido conforme o acordado entre ambas as partes. Excepcionalmente poderão ser alterados desde que haja concordância do BB.”
                     Tal factualidade é compatível com a existência de um contrato de trabalho, mas não já com o contrato de prestação de serviç[o].
                     Assim também no que se reporta à sujeição da atividade do A. a fiscalização por parte do sócio gerente da ré, como decorre, designadamente das circulares: de fls. 66 a 70, em que, designadamente, se faz referência à necessidade de “implementar uma maior supervisão sobre os actos médicos (…)”, à obrigatoriedade de comunicar reclamações  dos pacientes e/ou erros técnicos; a de fls. 73, nos termos da qual é obrigatória a entrega dos raios-X das obturações das endodontias; a de fls. 81, em que se faz referência à obrigação de na folha diária serem explicadas as consultas sem honorários e as repetições de tratamentos de dentes, com menos de 1 ano de garantia.
                      Também em matéria disciplinar, arrogava-se a Ré poderes disciplinares ou sancionatórios, como decorre, designadamente: do comunicado de fls. 66  a 70 em que se refere: “(…) Será considerado falta de ética profissional, a omissão dos mesmos” [ponto 8], “A devolução de qualquer requisição, será descontada de imediato nas contas do dia em que é devolvida” e “(…) Caso se constate a persistência de pouca higiene nestas peças, o médico será primeiro admoestado verbalmente, em seguida por escrito, e depois terá uma reunião com a administração” [ponto 9, als. d) e l)]; do comunicado de fls. 73, em que se refere que “(…) Os médicos que não realizarem raio-x sabem que estão ética e deontologicamente a não cumprir as legis artis, pelo que é considerado má prática clínica. Podem no entanto, os médicos que assim o entenderem, prescindir de executar endodontias, passando os pacientes para os colegas que as façam”; da circular de fls. 76, em que se diz: “Os médicos e funcionários estão impedidos de usar os computadores das clínicas (…). Caso desobedeçam serão alvo de processo disciplinar”;  da circular de fls.  79, ponto 5, em que se refere “(…), médicos ou funcionários que não cumpram os descontos a que têm direito, serão sujeitos a coima de 500€, pagos 60% pelo médico e o restante pelo paciente faltosos (…)”; comunicado de fls. 81, ponto 7, em que se diz “Relembramos que o conteúdo das circulares está sujeito a segredo médico e profissional, pelo que o próximo médico que faça comentários acerca das mesmas a colegas de outras clínicas ou a outros cidadãos do seu círculo social, serão alvo de processo disciplinar e de processo cível. (…)”; circular de fls. 83, ponto 9, onde se diz que “(…). Esperamos que tal não volta a acontecer, pois os médicos serão futuramente sancionados por tais atitudes.!”
                      Ora, tais arrogados poderes disciplinares e sancionatórios são totalmente incompatíveis com um contrato de prestação de serviç[o], consubstanciando antes característica própria e exclusiva do contrato de trabalho.
                     Resta referir que, no sentido do contrato de trabalho, aponta ainda a exclusividade da prestação da atividade do A. para com a Ré e a consequente subordinação económica.
                    Ora, perante todo o referido enquadramento, não se poderá deixar de concluir que o vínculo contratual existente entre as partes consubstanciava um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviç[o]. Conquanto este possa comportar uma certa margem organizacional por parte do beneficiário da atividade, não sendo com ele totalmente incompatível a possibilidade de existência de algumas orientações e fiscalização por parte daquele, já o é, no caso e face ao que deixámos exposto, perante quer a patente subordinação jurídica do A. à Ré, quer perante a fiscalização que era feita, quer perante a invocação, pela ré, de poderes disciplinares e sancionatórios.
                     E a isso não obstam os indícios, que começámos por referir, que poderiam apontar no sentido da prestação de serviços.
                     O não pagamento da retribuição no mês de férias, bem como dos subsídios de férias e de Natal, a não inscrição do A. na Segurança Social e a inexistência de seguro de acidente de trabalho celebrado pela Ré cobrindo o A., consubstanciam circunstâncias que, no caso e  tudo sopesado, se mostram de relevância diminuta, senão nula, tanto mais que se, em determinadas circunstâncias, podem ser demonstrativas da vontade contratual das partes, podem também mais não representar do que a violação de imposições legais decorrentes do contrato de trabalho. Aliás, não raras vezes, são esses menores custos que levam, precisamente, ao recurso, formal e meramente aparente, que não real, da figura do contrato de prestação de serviç[o].
                     Já quanto à retribuição, não pode ela relevar em detrimento de todos os outros factos que deixámos enunciados. Por outro lado, se, como diz a Recorrente, a retribuição não poderia ficar totalmente dependente de fatores aleatórios que pudessem levar a que ela não fosse devida (o que, segundo diz, seria incompatível com um contrato de trabalho), a verdade é que a existência do contrato de trabalho não é incompatível com a possibilidade de uma remuneração variável (cfr. art. 251º do CT/2003), sendo, por outro lado,  que a lei sempre ressalva ou protege o risco de tal poder acontecer, ao dispor, no art. 252º, nº 4, do mesmo, que “O trabalhador não pode, em cada mês de trabalho, receber montante inferior ao da retribuição mínima garantida aplicável”. Ou seja, sempre teria o trabalhador, pelo menos, direito a esta retribuição.
                     Por fim, resta dizer que à existência do contrato de trabalho entre A. e Ré não obsta a circunstância de o A., em fevereiro de 2011, ter constituído a sociedade unipessoal, Ldª (sociedade CC, Ldª”) e de haver passado a emitir, em nome dessa sociedade, os recibos pelos serviços que ele, A., prestava à Ré, remetendo-se, a este propósito, para o que se disse em sede de impugnação da decisão da matéria de facto contida no nº 19.
                     Com efeito, da emissão desses recibos não resulta que tenha passado a ser essa sociedade, e não o A., a prestar a atividade para a Ré e/ou que o sujeito titular dessa relação contratual tenha passado a ser tal sociedade. Com exceção dessa alteração relativamente à forma e em nome de quem eram emitidos os recibos e dada a quitação, nada mais decorre no sentido de ter havido qualquer alteração substantiva ou material da relação contratual mantida com o A., relação essa que se manteve inalterada na sua execução, tudo se continuando a passar como anteriormente se passava, nos termos descritos na matéria de facto provada. Acresce que nem a própria Ré encarou tal alteração como consubstanciando qualquer alteração dos verdadeiros sujeitos da relação contratual. Com efeito, a carta em que a Ré comunica a resolução do contrato (nº 31 dos factos provados) é dirigida ao próprio Autor e não à sociedade unipessoal, carta essa na qual se faz referência  ao contrato que haviam celebrado a 01.07.2006 e que mantinha com o A. e não com a sociedade, assim como se refere no nº 32 dos factos provados que a Ré, a partir de 01.07.2011, não deu mais trabalho ao Autor. E também na carta de 21.07.2011 remetida pela Ré ao A., referida no nº 76 dos factos provados, se reporta aquela à relação entre si e o A. e à sujeição deste, e não da sociedade unipessoal, ao “regime de dependência e sob as nossas ordens, direcção e fiscalização, (…)”. Ou seja, não permitem tais documentos concluir que a atividade que era exercida pelo A. o passou a ser pela referida sociedade.
                      Conclui-se, assim e face a tudo quanto ficou exposto, que fez o A. prova, nos termos do art. 342º, nº 1, do Cód. Civil, de que o vínculo contratual existente entre as partes consubstancia um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviç[o], salientando-se também que a própria Ré parece invocar esse tipo contratual na carta datada de 21.07.2011, que remeteu ao A. e que consta de fls. 87/88 ao “relembrar” o A. que este trabalhou “em regime de dependência e sob as nossas ordens, direcção e fiscalização”.
                     E a tal conclusão, da existência de um contrato de trabalho, se chega sem necessidade, tão pouco, de recurso à presunção de laboralidade e à consequente inversão das regras do ónus da prova.
                     De todo o modo, sempre se diga que, face ao que ficou referido, o A. sempre teria feito prova dos factos base da presunção de laboralidade constante do art. 12º do CT/2003, na redação introduzida pela Lei 9/2006, sendo que a ré, também pelo que se deixou dito, não fez a prova do contrário (arts. 344º, nº 1 e 350º do Cód. Civil).»

Tudo ponderado, subscrevem-se as considerações transcritas, bem como o juízo decisório enunciado, pouco havendo a acrescentar ao assim deliberado, face à completude, concisão e concludência da argumentação adrede explicitada.

Na verdade, apreciando globalmente os indícios que emergem da relação contratual estabelecida entre as partes, concretamente no período compreendido, pelo menos, desde 18 de Fevereiro de 2006 até 1 de Julho de 2011, impõe-se concluir que se apuraram factos bastantes para caracterizar tal relação como contrato de trabalho, ónus que competia ao autor e que este cumpriu (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

Refira-se que, nas conclusões 26.ª a 29.ª da alegação do recurso de revista, a recorrente invoca o regime do contrato de associação em participação definido no artigo 21.º e ss. do Decreto-Lei n.º 231/81, de 28 de Julho, como «[a] associação de uma pessoa a uma actividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda», sendo elemento essencial desse contrato a participação nos lucros.

O certo é, porém, que a matéria de facto apurada é totalmente incompatível com a aplicação daquela figura contratual, desde logo perante a demonstrada sujeição do autor aos poderes directivo, organizatório e disciplinar da empregadora.

E, por outro lado, não colhe o argumento de que «o A., aqui Recorrido, a partir de Janeiro de 2011 passou a prestar serviços à Ré através da sociedade CC, Lda., pessoa a quem eram pagos os respectivos serviços prestados pelo A., dando quitação». Efectivamente, tal como se sublinha no acórdão recorrido, «da emissão desses recibos não resulta que tenha passado a ser essa sociedade, e não o A., a prestar a atividade para a Ré e/ou que o sujeito titular dessa relação contratual tenha passado a ser tal sociedade. Com exceção dessa alteração relativamente à forma e em nome de quem eram emitidos os recibos e dada a quitação, nada mais decorre no sentido de ter havido qualquer alteração substantiva ou material da relação contratual mantida com o A., relação essa que se manteve inalterada na sua execução, tudo se continuando a passar como anteriormente se passava, nos termos descritos na matéria de facto provada.»

Carece, assim, de suporte fáctico a invocação de que, uma vez constituída e registada a sociedade unipessoal por quotas “CC, Lda.”, «foi a mesma que passou a exercer a actividade de medicina dentária, através dos seus órgãos próprios, no caso, o Recorrido».

Logo, no caso, os princípios da aparência e da confiança legítima, ancorados no princípio da boa-fé, justificam adoptar uma solução que conduza ao levantamento da personalidade colectiva da mencionada sociedade unipessoal por quotas, enquanto emitente dos recibos discriminados no facto provado n.º 30, instituto que, no dizer de MENEZES CORDEIRO [Tratado de Direito Civil Português, I (Parte Geral), Tomo III, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 627-649] surgiu para sistematizar e explicar diversas soluções concretas, estabelecidas para resolver problemas reais postos pela personalidade colectiva, que se manifestam, v. g., na confusão de esferas jurídicas, a qual se verifica «quando, por inobservância de certas regras societárias ou, mesmo, por decorrências puramente objectivas, não fique clara, na prática, a separação entre o património da sociedade e a do sócio ou sócios» (ob. cit., p. 628).

Tudo para concluir que, perante o quadro fáctico provado, não se configura, no caso, a celebração de contrato de trabalho com uma pessoa colectiva, nem, a partir de Janeiro de 2011, a transferência da posição contratual do recorrido para a sociedade «CC, Unipessoal, Lda.».

Improcedem, pois, as conclusões 3.ª a 16.ª e 18.ª a 61.ª, na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

                                             III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                          
 Lisboa, 4 de Fevereiro de 2015


Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha