Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4048/22.6T8GMR.G1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 11/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I. As nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa.

II. A nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d), do CPC], sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, do mesmo diploma, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer “questões temáticas centrais”, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções; e, reciprocamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conheça de matéria diversa desta.

III. Não há violação do princípio do contraditório se as partes discutiram nos autos, aprofundadamente, todas as questões temáticas centrais atinentes ao thema decidendum

Decisão Texto Integral:
Revista n.º 4048/22.6T8GMR.G1.S1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.



1. Julgado o recurso, veio a ré, Sociedade Musical de Guimarães, arguir a nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia, condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido e violação do princípio do contraditório.

2. Alega, em síntese, que o decidido no tocante à (declarada) ilicitude do despedimento da autora excede o âmbito daquilo que foi definido pelo acórdão que admitiu a revista excecional (da Formação dos três Juízes desta Secção Social a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do CPC1), o qual ajuizou que “é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito a resposta à questão de saber se, por um lado, é suficiente que algumas das funções desempenhadas pela Autora sejam transferidas para um órgão da entidade empregadora e, por outro, se, mencionando a decisão de despedimento que havia outra trabalhadora com um posto de trabalho de conteúdo funcional idêntico e qual o critério de seleção do trabalhador a despedir, pode o Tribunal, caso o referido critério não conduza à seleção da Autora, concluir que o posto de trabalho da outra trabalhadora não tinha um conteúdo funcional idêntico”.

3. A autora, AA, respondeu, pugnando pelo indeferimento do peticionado.

Decidindo.


II.


4. Entre as causas de nulidades da sentença, enumeradas taxativamente no artigo 615.º, n.º 1, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Atualizada, Coimbra Editora, 1985, pág. 686).

Na verdade, como se sabe, as nulidades de sentença apenas sancionam vícios formais, de procedimento, e não patologias que eventualmente possam ocorrer no plano do mérito da causa, como este Supremo Tribunal tem reiteradamente declarado (v.g. Ac. do STJ de 10.12.2020, proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, 7.ª Secção).

Em matéria de pronúncia decisória, o tribunal deve conhecer de todas (e apenas) as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º], questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3).

Vale dizer que o tribunal não tem o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes, ou de recorrer a qualquer abordagem jurídica de que seja passível determinada questão (desde que não extravase os limites da questão propriamente dita).

Assim, a nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d)], sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais2, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções; e, reciprocamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conheça de matéria diversa desta.

Especificamente em sede de recurso, o tribunal deve conhecer de todas e apenas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo(s) recorrente(s) – arts. 663.º, n.º 2, e 679º, sendo certo que, estando em causa um objeto processual incindível (como acontece no caso vertente), admitida a revista, a título excecional, pela Formação de Juízes a que alude o art. 672º, nº 3, há que conhecer de todas as (sub)questões convocadas pelo objeto da revista.

Com efeito, como v.g. decidiu o Ac. do STJ de 11.11.2020, Proc. nº 3454/16.0T8LRA.C1.S1, 2.ª Secção, “não se pode confundir pressupostos de admissibilidade do recurso de revista, a título excecional, com o objeto do recurso de revista”, sendo que «a revista excecional mais não é do que a “revista regra”, admitida, excecionalmente, nas situações de dupla conforme, nos termos do art. 671º, nº 3, do Código de Processo Civil e quando se verifique algum dos requisitos específicos previstos nas alíneas a) a c) do nº 1, do art. 672º, do mesmo código, constituindo, nestes casos, exceção à regra da irrecorribilidade dos acórdãos do Tribunal da Relação».

Vale dizer que, no caso dos autos, o enfase dado pela Formação a determinada matéria, tida por “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, de forma alguma implica o alheamento dos demais temas suscitados pelo objeto da revista, considerado na sua globalidade; ou seja, em síntese, nas palavras da trabalhadora recorrente, “saber se foi corretamente verificada a adequação dos fundamentos invocados para o despedimento por extinção do posto de trabalho e o estabelecimento do nexo de causalidade entre esses fundamentos e a extinção, tendo em conta o disposto nos artigos 367º, nº 2 e 359º nº 2, bem como os requisitos constantes do artigo 368º, todos do Código de Trabalho”.

5. O raciocínio desenvolvido no acórdão proferido no recurso de revista (excecional) foi, essencialmente, o seguinte:

1. O fundamento invocado pela ré na comunicação prevista no art. 369º, do CT, bem como na decisão de despedimento, não foi a extinção do posto de trabalho de chefe dos serviços administrativos, mas, diferentemente, a extinção de um posto de trabalho nos serviços administrativos, área funcional na qual laboravam mais duas trabalhadoras.

2. Naquelas comunicações, a ré indicou os critérios de seleção definidos no art. 368.º, n.º 2, do CT, cuja aplicação pressupõe a existência, na secção ou estrutura equivalente, de uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, tendo sido, precisamente, na discussão de tais critérios de seleção que a trabalhadora centrou parte significativa da sua contestação.

3. A lei condiciona o despedimento por extinção do posto de trabalho a diversas exigências formais [comunicações e consultas – arts. 369º e 370º, do CT] que visam assegurar o esclarecimento do trabalhador abrangido, garantir o exercício do contraditório e tutelar a segurança jurídica, bem como permitir o posterior controlo jurisdicional desses fundamentos.

4. Estava vedado às instâncias basear a decisão de despedimento na extinção do cargo de chefia dos serviços administrativos, quando a empregadora não só não invocou este fundamento, como expressamente afirmou que é “premente proceder à extinção de um posto de trabalho nos nossos serviços administrativos”, sob pena de violação do ónus de alegação que onerava a empregadora (art. 5º, nº 1) e ainda dos princípios do pedido (art. 3º, nº 1) e do contraditório (art. 3º, nº 3), para além do direito de defesa da autora.

5. Por outro lado, constata-se que a pretensão da ré nunca poderia proceder com base no fundamento por si invocado, uma vez que é patente que o posto de trabalho da recorrente, que detinha funções de chefia, não era um mero “posto de trabalho nos serviços administrativos”, idêntico ao das demais trabalhadoras que aí exerciam funções, não tendo, assim, o posto de trabalho da autora conteúdo funcional correspondente ao daquele que se visava extinguir.

6. Antes dos mais, tendo em conta que nos encontramos no âmbito de uma ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento e o acórdão reclamado apenas declarou, precisamente, “a ilicitude do despedimento da autora”, é patente que não teve lugar qualquer condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Não se verifica, pois, a nulidade prevista no art. 615.º, n.º l, e).

7. Igualmente se não verifica qualquer excesso de pronúncia, uma vez que não se conheceu de matéria situada fora do âmbito da questão temática central, ou seja, por outras palavras, alheia ao thema decidendum.

Acresce que o ponto que, pela sua relevância jurídica, em primeiro lugar foi destacado por parte da Formação (cfr. supra nº 2), corporizando, no fundo, a questão de saber se o posto de trabalho da autora se extinguira realmente, pressupõe, implícita e até previamente, dada a sua indissociável conexão, todos os temas atinentes à delimitação do posto de trabalho invocado pela ré para fundamentar o despedimento, seja na comunicação prevista no art. 369º, do CT, seja na própria decisão de despedimento.

8. Por último, refira-se que a conclusão contida no acórdão reclamado, segundo a qual “o fundamento invocado pela ré na comunicação prevista no art. 369º, do CT, bem como na decisão de despedimento, não foi a extinção do posto de trabalho de chefe dos serviços administrativos, mas, diferentemente, a extinção de um posto de trabalho nos serviços administrativos, área funcional na qual laboravam mais duas trabalhadoras”, de forma alguma configura uma decisão surpresa, não tendo ocorrido, pois, qualquer violação do princípio do contraditório.

Com efeito:

As partes discutiram nos autos, aprofundadamente, todas as questões temáticas centrais atinentes ao thema decidendum

Especificamente, foi a própria ré, nas sobreditas comunicações, a invocar os critérios de seleção definidos no art. 368.º, n.º 2, do CT, critérios cuja aplicação pressupõe a existência, na secção ou estrutura equivalente, de uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, razão pela qual a trabalhadora centrou parte significativa da sua contestação, precisamente, na discussão de tais critérios de seleção. Vale dizer que se evidencia uma dinâmica processual pautada por temas amplamente discutida pelas partes e em termos que se revelam incompatíveis com um procedimento dirigido à extinção do posto de trabalho de chefe dos serviços administrativos.

Sem necessidade de considerações complementares, improcede, pois, totalmente, o requerido pela ré.


III.


9. Em face do exposto, acorda-se em indeferir o requerido pela ré.

Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

Lisboa, 12.11.2025

Mário Belo Morgado, relator

Domingos Morais

José Eduardo Sapateiro

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1. Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.

2. Nas palavras de Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 2015, p. 371.