Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
918/12.8TBCBR.C2.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
OBRAS NOVAS
INDEMNIZAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
PRINCÍPIO DO PEDIDO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 03/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - No caso de impugnação da decisão da matéria de facto em sede de revista, tendo por base a faculdade excepcional e restritamente contemplada pelos arts. 674.º, n.º 3, 2.ª parte, e 682.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, não procede a impugnação se a valoração probatória do acórdão recorrido tiver sido baseada em regras de livre apreciação crítica ou se não se tiver verificado desrespeito pelas normas legais de consideração da força probatória de meio de prova.
II - No âmbito da celebração de um contrato de empreitada, verificando-se a realização de “obras novas” (com «autonomia em relação às previstas no contrato»: art. 1217.º, n.º 1, do CC), sendo da iniciativa do empreiteiro e autorizadas ou consentidas pelo dono da obra, haverá dever de compensação ou indemnização do empreiteiro, em função das circunstâncias, de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (arts. 473.º e ss. do CC), da gestão de negócios (arts. 474.º e ss.) ou da acessão imobiliária (arts. 1340.º e 1341.º do CC), sem aproveitamento do regime predisposto pelo art. 1214.º do CC.
III - Uma vez fundamentada a acção por solicitação do empreiteiro no incumprimento de pagamento do preço de “obras extra” em relação às obras convencionadas no contrato de empreitada, não pode o tribunal conhecer e decidir de uma obrigação de compensação ao empreiteiro que desencadeou tais obras, uma vez considerado aplicável o regime de restituição do enriquecimento sem causa (art. 473.º, n.º 2, do CC), mesmo que a título subsidiário (art. 474.º do CC), se tal não se encontrada plasmado na causa de pedir formulada na acção (art. 5..º, n.º 1, do CPC).
Decisão Texto Integral:


Proc. Nº 918/12.8TBCBR.C2.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação …….., …... Secção

Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I) RELATÓRIO

1. «Goldcentro, Construções, Lda.» intentou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra AA e cônjuge mulher, BB, tendo como pedido a condenação dos Réus no pagamento da quantia global de 127.086,68 €, bem como dos respectivos juros de mora vincendo até integral pagamento. Alegou, em síntese, o acordo com os Réus para, no exercício da sua atividade, executar as obras de construção-remodelação da fachada da frente e de trás, assim como outras “extra orçamento”, no imóvel urbano de que os Réus são proprietários e de outras; executou todas as obras extra, que descreve, a pedido dos RR., com material e mão-de-obra incluída, as quais ascendem ao preço de 160.842,83€, acrescido do IVA à taxa legal; os Réus procederam ao pagamento parcial de algumas dessas obras, pagando várias facturas, no total de 59.500€, com IVA incluído, devendo à autora a quantia de 111.300,12€, acrescido de IVA à taxa de 6%.

Os Réus apresentaram articulado de Contestação/Reconvenção, pugnando pela improcedência da ação e pedindo a condenação da Autora no pagamento da quantia de € 59.500,00 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de € 13.410,00 por danos não patrimoniais. Alegaram, em síntese: a Autora, no decurso da intervenção, destruiu a traça arquitectónica original do imóvel, contrariando o desejo de preservação de todo o edifício nas suas estruturas de origem; a Autora sempre se recusou a fazer qualquer outro orçamento envolvendo as restantes obras; as obras foram realizadas segundo os desígnios da autora, sempre para tentar resolver problemas criados pela mesma que, assim, multiplicava serviços para a sua empresa; a acção demolidora da Autora inviabilizou a candidatura que os réus haviam feito em fevereiro de 2008 ao programa PRAUD e que estes recebessem uma comparticipação de 50% nas obras de restauro da casa.

Em sede de Réplica, a Autora impugnou a factualidade apresentada pelos Réus na sua reconvenção e pugnou pela improcedência desta.

Os Réus apresentaram Tréplica, na qual mantiveram a posição do anterior articulado.

2. Foi proferido despacho saneador e realizada audiência final de discussão e julgamento.

No decurso da tramitação, foi anulada a perícia efectuada nos autos por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação …. em 8/11/2016, conduzindo à anulação das alegações finais e da sentença, ordenando-se a realização de nova perícia e a conclusão da audiência.

3. O Juiz …. do Juízo Central Cível  …… no Tribunal Judicial da Comarca  ….. proferiu sentença em 15/2/2019, com o seguinte dispositivo:


“- Condenar os RR. a pagar à autora a quantia global de € 60.000,85, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, absolvendo os RR. do mais peticionando;
- Julgar a reconvenção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a autora-reconvinda do pedido reconvencional.”

4. A Autora e os Réus vieram então interpor recursos de apelação para o Tribunal da Relação …. (TR……). Foram identificadas como questões decidendas, quanto à apelação da Autora, a “1. Impugnação da matéria de facto – ponto 11 da matéria de facto dada como provada” e “2. Se ao valor das obras a que se refere o ponto 11, deve acrescer o valor do respetivo IVA”. No que respeita à apelação dos Réus, as questões sob escrutínio foram: “3. Nulidade da sentença”, “4. Impugnação da matéria de facto” e “5. Em caso de alteração da matéria de facto, se é de alterar a decisão recorrida”.

Em acórdão proferido pelo TR….. em 26/11/2019, foi declarada improcedente a nulidade da sentença, foi julgada parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto – alterações dos pontos 2., 3. (corpo), 6., al. e), 9., 10., 11., 12., 13., 44., 52., 67., 77., dos factos provados, considerar os pontos 14., 62., 64., 65., 66., 78., 79., como factos não provados/eliminados, considerar/aditar os pontos 29. (modificado), 31., 36., 51., 67., 75. e 80. como factos provados –, revogada a decisão recorrida quanto ao pedido de condenação da Autora e mantida a decisão recorrida quanto ao pedido reconvencional dos Autores, concluindo-se com o seguinte dispositivo decisório: “1. Improcedente, a Apelação deduzida pela autora, 2. Parcialmente Procedente a Apelação deduzida pelos RR., na sequência do que: i) se revoga a decisão recorrida, julgando-se a ação improcedente e absolvendo os Réus do pedido; b) se confirma a decisão recorrida relativamente à improcedência da reconvenção.

5. Inconformada, a Autora veio interpor recurso de revista para o STJ, finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões:


“A.  O Acórdão recorrido viola a lei substantiva não só porque faz uma errada interpretação da
norma que aplica, como faz uma errada interpretação da norma aplicável,

B.   Fazendo, igualmente, um erro na apreciação das prova[s] e fixação dos factos materiais, em virtude de uma violação de lei do processo, já que se verifica a ofensa de disposições
processuais que impõe certa espécie de prova para a existência do facto e que fixam a força
de determinados meios de prova.

C.   Começando por este segundo aspeto temos que...
D.   A alteração dos factos fixados pelo Tribunal recorrido pode ocorrer, na situação "sub
judice", porquanto se verifica a existência de ofensa do direito probatório material, nas
duas vertentes previstas no artigo 674º, n.º 3 do CP.Civil,

E.   Tal violação consubstancia-se na valoração (ou falta dela) que foi feita:

- Do depoimento de parte do A.,

- Da força dos documentos assinados pelos RR. e pagamento constantes dos documentos juntos aos autos,

- Do resultado da peritagem efetuada.
F.   O Tribunal recorrido para considerar a matéria de facto provada, como considerou, para lá
do mais, entende que o depoimento de parte da A. vai ao encontro do afirmado pelos RR.,
no que toca à ausência de pedido ou solicitação prévia da partes destes, no que respeita à
realização das obras (página 20 do douto Acórdão),

G.   Ora, o depoimento de parte do legal representante da A. foi determinado pelo Mss. Juiz,
conforme consta da ata de 16/6/2015, que o inquiriu apenas e tão somente a uma parte
específica da matéria, concretamente a construção do telhado, sendo que o mesmo não foi
ouvido acerca de toda a restante factualidade alegada;

H. Ora, o depoimento parcial e limitado do legal representante da A., atinente a uma parte concreta da factualidade, não pode produzir prova de confissão plena quanto a toda a matéria,
I. Pelo que o Tribunal recorrido ao considerar o depoimento de parte da A., nos termos que considerou, violou a força e as consequências da confissão de depoimento de parte.

J. No que toca aos documentos assinados pelas partes e aos comprovativos de pagamento efetuados pelos RR. e juntos aos autos, fazem prova plena do que deles consta, não podendo dos mesmos retirar-se como provado algo diferente;

K. Ora, dos documentos resulta o acordo (e não o consentimento) celebrado entre as partes, no que toca a algumas obras;

L. Aliás, atenta tal situação e a não consideração da força probatória dos documentos, verifica-se uma contradição entre os factos provados nos pontos 12 e 52;

M. O Tribunal recorrido não atendeu igualmente à força probatória do relatório pericial e do valor que dele consta, em termos de fixação de material e mão-de-obra,

N. Pelo que desrespeitou as normas que regulam a força probatória destes meios de prova, concretamente o disposto nos artigos 607º n.os 4 e 5 e 463º n.º 1 do CPCivil.

O. Entende a recorrente, como começou por alegar, que há, igualmente, no douto Acórdão uma violação da lei substantiva porquanto...
P. O Tribunal recorrido considerou provado o seguinte:

9°) Todas as obras referidas de 3° a 8o foram executadas entre o mês de Setembro de 2009 e 5 de Agosto de 2010, relativamente às quais a autora foi obtendo o consentimento dos RR.,

10°) Os RR. aceitaram pagar o preço dos materiais constantes dos documentos de fls. 1382 e 1387,

11°) E o seu custo, contabilizando o material que foi fornecido pela autora e mão d obras ascendeu à quantia de 108.652,37€, mais IVA.

12°) Os RR. procederam a vários pagamentos por conta dessas obras, efetuando entregas num total de 68.5506.

Q. Esta factualidade reporta-nos ao contrato de empreitada, ao disposto nos artigos 1211º e 883° do C. Civil.

R. Na verdade, se o preço não estiver fixado por entidade pública e as partes não o determinarem, nem   convencionarem, vale   como   preço   aquele   que   é   praticado, habitualmente, neste caso, pelo empreiteiro,

S. Aliás, esse Venerando Tribunal tem entendido que:

..."Na empreitada o preço pode consistir numa quantia em numerário previamente fixado, ou pode ser convencionado qualquer outro modo para a sua fixação, desde que possibilite a sua determinação " (Acórdão do STJ, de 1982.07.20, BMJ, 319, página 273).

T. Considerando igualmente que:

..."Há empreitada sempre que o objeto do respetivo contrato seja a realização de uma obra e ainda que o preço não esteja indicado com precisão"... (STJ 15-3-1974, in BMJ, 235°, 269).

U. O contrato de empreitada caracteriza-se pelo facto de o empreiteiro se comprometer a um resultado, sem subordinação à direção do dono da obra, atuando segundo a própria vontade ajustado e sujeito à fiscalização do dono da obra.

V. Na situação "sub judice" os recorridos consentiram na realização da obra, aceitaram parte dela porque a pagaram e, diariamente, conforme resulta do ponto 75 da matéria provada, a recorrida mulher ia à obra o que implica a sua fiscalização.

W. Portanto, estão reunidas as condições para que se considere a existência do contrato de empreitada ou a aplicação das regras aplicáveis ao contrato de empreitada.

X. Ainda que assim não se entendesse, e se considerasse a existência da obra nova, atendendo à matéria considerada provada, pugnamos pela existência de um novo contrato de empreitada,

Y. Sendo que há jurisprudência que defende tal tipo de solução, como por exemplo, o Acórdão da Relação do Porto de 25/5/1995 que decidiu

..." Tratando-se de obras novas existe um novo contrato de empreitada a que se aplicam, em principio, as regras gerais do negócio, não havendo, assim, nenhuma subordinação necessária ao preço estipulado nem necessidade de documento escrito para a fixação do novo preço"...

Z.  Portanto o douto Acórdão violou o disposto nos artigos 1211º e 883° do C. Civil.”

6. Os Réus contra-alegaram, sustentando a confirmação do acórdão recorrido nos seus exactos termos e a improcedência da revista.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO


1. Objecto do recurso

Vistas as Conclusões da Recorrente, que delimitam o objecto submetido à apreciação em último grau de revista (arts. 635º, 2 a 4, 639º, 1, CPC), identificam-se as seguintes questões para decisão quanto à bondade do acórdão recorrido:

— impugnação da decisão sobre a matéria de facto tendo por base a alegada violação das regras de direito probatório material nas modalidades previstas no art. 674º, 3, 2.ª parte, do CPC (com fundamento no art. 682º, 2, 2ª parte, CPC);

— errada interpretação e aplicação da lei no que toca ao regime jurídico do contrato de empreitada.


2. Factualidade assente

Foram preliminarmente dados como provados por acordo os seguintes factos:

“A) A A. é uma sociedade comercial que se dedica à construção civil.
B) A A. e o R. marido, com o conhecimento e consentimento da R. mulher, acordaram na realização das obras indicadas no orçamento, datado de 29/8/2009, junto como doc.1 na pi.

C) Foi acordado entre a A. e os RR que o pagamento das obras a executar pela A seria efetuado conforme o andamento e avanço das mesmas.”

São os seguintes os factos dados como provados, com a redacção que lhes foi dada depois da reapreciação da matéria de facto provada e não provada:

“1º) A A. deu início à realização das obras referidas em B) em 29.8.2009.

2º) A A. executou obras no mesmo imóvel que não constavam no orçamento referido em B).

3º) A nível de rés-do-chão a A. executou o seguinte:
a) Início das escadas em betão armado que dão acesso aos primeiro e segundo andares do imóvel;
b) Construção de patamares em betão armado;
c) Mão-de-obra relativa ao revestimento em pedra (Lioz), desta construção;

d) Demolição da casa de banho existente debaixo das escadas na área comercial;
e) Demolir parede das escadas em encha mel lado ao nível do direito desde o rés-do-chão até ao segundo andar;
f) Demolir tetos das escadas que se encontravam em madeira e todos os tetos da área comercial;
g) Abertura de uma vala em todo o comprimento da área comercial desde a parede tardoz do edifício até ao coletor público que faz ligação dos esgotos do mesmo;
h) Construção de uma caixa;
i) e j) Execução de elementos de travamento e apoio em betão armado para suporte de escadas, patamares, cozinha, corredores em parte, despensa da cozinha, quarto no 1º andar, quarto do segundo andar;
k) Remoção de revestimentos da parede original bem como demolição de zonas localizadas desta e reparação executada parte em betão e parte em alvenaria de tijolo;
l) Construção de paredes em alvenaria na zona do escritório da área comercial, tapagem de vão de parede que se encontrava tapada em madeira de platex do escritório para a sala tardoz do edifício, em todo o arranque das escadas lado direito deixando um vão de porta aberto do patamar do fundo das escadas para a área comercial;
m) Construção parcial de tetos do rés-do-chão em placa de betão armado e vigotas de pré esforçado;

n) Execução de redes de esgotos de duas casas de banho, cozinha até ao coletor público;

o) Colocação de redes de água nas zonas sanitárias e cozinha;
p) Recolocar paredes, estanhá-las em toda a área das escadarias e patamares;

q) Aplicação de pedra (Lioz) com os produtos necessários em todas as escadarias e patamares;

r) Colocação de teto das escadas ao nível do rés-do-chão em placas de pladur, projetores embutidos e sua pintura final em tinta acetinada (fornecida pelo cliente).

4º) A nível do primeiro andar do imóvel a A. executou as seguintes obras extra orçamento, na casa de banho:
a) Demolição do existente, construção de laje em vigotas de betão pré esforçado, pilares, vigas em betão armado e paredes em alvenaria de tijolo;
b) Tapagem de vão de porta que dava acesso da casa de banho ao quarto tardoz do lado poente do edifício;

c) Construção de uma parede em alvenaria do lado esquerdo de quem entra e no topo do wc;

d) Recolocar paredes, bem como todo o seu revestimento em material cerâmico e pavimentos (revestimento fornecido pelo cliente, azulejo e mosaico);
e) Construção de uma sanita, tampo, autoclismo e seus acessórios marca ….. e sua base de chuveiro fornecida pela empresa e também colocação do restante;
f) Pinturas dos tetos em madeira.

5º) A nível do primeiro andar do imóvel a A. executou as seguintes obras extra orçamento, na cozinha nova:
a) Demolição da cozinha existente, teto em paredes em encha mel;
b) Demolir uma casa de banho que se encontrava debaixo das escadas que dão acesso ao 2º andar, sua desativação de águas e esgotos;
c) Construção de laje em parte maciça em betão armado e seu restante em vigotas, abobadilha, tarugos e sua cofragem para suporte das escadas, seus patamares e o hall de entrada do segundo andar que faz de teto da cozinha;

d) Recolocar todas as paredes da cozinha e sua despensa que substituiu a casa de banho;
e) Assentamento de azulejos em todas as paredes até uma altura pedido pelo cliente, seu restante em estuque tradicional bem como os seus tetos, sanca e filete;
f) Assentamento de mosaico nas duas divisões (fornecido pelo cliente);
g) Demolição de teto no corredor, quarto em frente à cozinha, quarto ao fundo do corredor à esquerda e teto das escadarias;
h) Construção de teto de gesso cartonado (pladur) no corredor, no quarto em frente à cozinha, teto das escadas que dá acesso ao 2º andar com sanca, projetores embutidos e pinturas dos tetos;

i) Pilares, vigas em betão armado, tarugos e paredes em alvenaria de tijolo;

j) Revestimento em material cerâmico;
k) Colocação de revestimentos cerâmicos na cozinha e despensa;

l) Construção parcial do teto em placa de betão armado e vigotas de préesforçado;

m) Colocação de rede de água.
6º) A nível de segundo andar do imóvel a A. executou as seguintes obras extraorçamento, no hall de entrada e casa de banho:
a) Demolição do interior que existia;
b) Construção de laje em vigotas de betão pré-esforçado;
c) Pilares, vigas em betão armado e paredes em alvenaria de tijolo na zona do hall de entrada, acesso ao sótão e wc do lado esquerdo;
d) Revestimento do pavimento em pedra Lioz;
e) Demolição da casa de banho e construção de pavimento em betão armado, colocação de revestimento em material cerâmico, construção de paredes novas em alvenaria de tijolo e revestimento em material cerâmico (com exceção da parede do lado direito);
f) Colocação de tetos e sancas em gesso cartonado na casa de banho, hall de entrada da casa de banho, corredor, hall de entrada principal que dá acesso ao sótão e fundo das escadas do sótão e suas laterais;
g) Colocação de projetores em todas as divisões;
h) Emassar todos os tetos, lixar e suas pinturas finais;
i) Execução de rodapé e aplicação de velatura nas escadas em pinho tradicional desde o segundo andar até ao sótão;
j) Colocação de teto em pladur seus acabamentos;
k) Debaixo das mesmas colocação de flutuante no pavimento;
l) Colocação de rodapé nos corredores no hall de entrada, nas escadas para o sótão e no corredor apenas parcialmente de um dos lados;

m) Colocação de porta nova na entrada do wc e no quarto do fundo do lado direito;

n) Colocação das mesmas louças na casa de banho do 2º andar.

7º) A nível de fachada posterior a A. executou as seguintes obras extra orçamento
a) Restauração de metade do telhado, ao nível da parte posterior da cobertura, nomeadamente revestimento de telha e beirado;

b) Demolição de uma chaminé existente e que se encontrava no exterior do edifício;

c) Construção de nova chaminé embutida dentro da parede de fachada;
f) Colocação do beirado;
g) Foram cortadas e retiradas todas as pedras antigas existentes nas janelas da fachada do edifício da parte posterior; bem como as janelas em madeira, portadas, interiores, peitoris e ombreiras;

h) Colocação de forras nas ombreiras e peitoris em pedra vidrado polido;

i) Colocação de uma janela em alumínio lacado a branco.

8º) Para lá de todas as obras extra alegadas anteriormente a A. ainda realizou as seguintes:
a) Execução de rede de esgotos a nível de primeiro e segundo andares na cozinha e casa de banho.
9º) Todas as obras referidas de 3º a 8º foram executadas entre o mês de Setembro de 2009 e 5 de Agosto de 2010, relativamente às quais a autora foi obtendo o consentimento dos Réus.
10º) Os RR aceitaram pagar o preço dos materiais constantes dos documentos de fls. 1382 e 1387.
11º) E o seu custo, contabilizando o material que foi fornecido pela autora e mão-de-obra, ascendeu à quantia de 108.652,37 €, mais IVA.
12º) Os RR. procederam a vários pagamentos por conta dessas obras, efetuando entregas num total de 68.550,00 €.
13º) O último pagamento, por conta de tais obras, feito pelos RR. à A. ocorreu em 31/7/2010.

(…)

21º) A estrutura em madeira da casa estava funcional.

(…)
27º) Os dois lances das escadas em madeira para ao primeiro e segundo piso eram originalmente seguros e estáveis.

(…)

29º) Em 11.12.2009 o réu constatou que o wc do primeiro andar não tinha qualquer piso, que as vigas e toda a estrutura em madeira que suportava o piso tinha desparecido, sem o consentimento e conhecimento prévios por parte do réu.
(…)

31º) Na sequência da intervenção da autora esta retirou também os tetos em madeira dos dois corredores, do quarto do 1º andar, do hall do segundo andar, do wc do segundo andar e do hall do wc do segundo andar e demoliu o piso em madeira do wc do primeiro andar.
(…)

36º) A autora cortou e retirou todas as pedras antigas existentes nas janelas da fachada posterior do edifício.

(…)

43º) O telhado tinha sofrido obras de reparação e reconstrução antes da intervenção da autora.

44º) A autora desmontou toda a metade sul do telhado.

(…)
46º) No dia 5 de Agosto de 2010 o gerente da A. pediu aos RR o pagamento da quantia de 10.000,00 euros.

47º) Os RR recusaram-se a efetuar mais pagamentos.

48º) Tendo a autora abandonado a obra.

(…)
50º) Os réus apenas em 21.11.2010 tiveram conhecimento que a autora reclamava o pagamento da quantia de 111.000,00, acrescida de IVA, pelos trabalhos que tinha executado no prédio.
51º) A autora efetuou duas denúncias na CMC pelas obras que tinham sido executadas pela mesma, uma em 5.8.2010 e outra em 6.8.2010.
52º) Durante o período em que decorreram as obras os RR pagaram à A. a quantia de 83.510,30 € e adquiriram materiais para a obra no valor de 12.597,50.
(…)

59º) Na instalação dos projetores a A. não utilizou caixas de derivação.

60º) A A. deixou um lance das escadas do quintal mergulhado no entulho.

60º[-A]) … comprometeu-se a fortalecer as escadas do quintal

61º) No r/ch a tampa do compartimento com os contadores da água foi colocada ao contrário.

62º) A A. fez um rasgo na parede exterior em pedra e colocada uma manga vermelha.

63º) Foi feita uma candidatura ao programa Praud em 26/2/2008, aprovado em 9/5/2008, da qual a proprietária desistiu em 6/8/2010.
As obras realizadas ao nível da fachada posterior, no que diz respeito aos vãos e substituição dos pavimentos não se enquadram no referido programa por não manter a autenticidade da edificação e a história da sua época construtiva.

(…)

67º) A atuação da autora, relativamente ao modo como decorreram as obras e o facto de ter abandonado a obra e de ter apresentado queixa contra os Réus na CMC, causou grandes incómodos aos réus.
(…)
74º) Desgosto por terem ficado com a edificação de que são proprietários no estado em que a autora a deixou.
75º) A ré mulher ia diariamente à obra e o Sr. Prof. AA aí se deslocou não mais do que uma dúzia de vezes.

(…)

77º) Os RR. e acordaram com a A., na parte de trás, a colocação de beirado à portuguesa.

(…)
80º). As obras constantes do orçamento referido em B) nunca foram completadas pela autora que nunca chegou a iniciar as obras da fachada principal do imóvel.”


3. O direito aplicável

 

3.1. Da violação das regras de direito probatório material na impugnação da decisão sobre a matéria de facto


O preenchimento do art. 674º, 3, 2ª parte, do CPC é susceptível de ser convocado em revista nos termos do art. 682º, 2, do CPC – «A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674º.» –, como hipótese residual em face da regra de cognição do STJ prevista pelo art. 682º, 1, do CPC – «Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.» Ou seja, excepcionalmente, a revista pode incidir sobre a reapreciação da matéria de facto considerada pela Relação se for invocada a violação de norma legal que exija prova vinculada para a existência do facto ou norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, considerados como vícios de direito em sede de direito probatório material a conhecer no âmbito dos poderes do STJ[1].

Vistas as Conclusões do Recorrente e, ainda que sumárias e escassamente fundadas à luz do exigível pelo art. 639º, 1, do CPC, apreendido o objecto recursivo, a «ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado determinado meio de prova» (art. 674º, 3, 2ª parte, CPC) por parte do acórdão recorrido estaria consubstanciada na “valoração (ou falta dela) que foi feita: - Do depoimento de parte do A., - Da força dos documentos assinados pelos RR. e pagamento constantes dos documentos juntos aos autos, - Do resultado da peritagem efetuada” (cfr. Conclusão E).

3.1.1. O depoimento de parte da Autora é aqui invocado no que respeita à impugnação do facto provado 2. (v. Conclusão F, com referência à pág. 20 do acórdão recorrido) e respeita à coincidência do sustentado pelos Réus quanto à “ausência de pedido ou solicitação prévia da parte destes” na realização das “obras extra” que se discutem nos autos. Segundo a Recorrente, tendo sido o “representante legal” da Autora inquirido sobre “uma parte específica da matéria, concretamente a construção do telhado”, “o depoimento parcial e limitado (…) não pode produzir prova de confissão plena quanto a toda a matéria”; logo, na perspectiva recursiva, o acórdão recorrido “violou a força e as consequências da confissão do depoimento de parte”.

O depoimento de parte como meio de obtenção de confissão judicial tem o seu regime previsto nos arts. 452º e ss do CPC (em contraponto ao mecanismo das “declarações de parte”, nos pressupostos delineados pelo art. 466º do CPC), visto em articulação com o regime geral da prova por confissão (arts. 352º e ss do CCiv.); seja, em primeira linha, sobre factos desfavoráveis, seja sobre factos que interessem à decisão da causa.

Para que ocorra confissão (judicial, por essa via do depoimento) e se realize força probatória plena contra o confitente – de acordo com o art. 358º, 1, do CCiv. – é imprescindível que o depoimento se faça com a correspondente assentada, não bastando para esse efeito o simples facto de a audiência ser gravada (art. 463º, 1, CPC: «O depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão do depoente, ou em que este narre factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória.»; nos termos do seus n.os 2 e 3).

Neste âmbito, por um lado, sendo “confissão judicial não escrita”, esta é apreciada livremente pelo tribunal (art. 358º, 4, CCiv.); por outro lado, «o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente» (art. 361º do CCiv.).
Neste detalhe, o acórdão recorrido concluiu: “o teor do depoimento do legal representante da autora acaba por vir ao encontro do afirmado pelos Réus relativamente à ausência de pedido ou solicitação prévia da sua parte. Do seu depoimento ressalta que as obras que foi executando, não incluídas no orçamento inicial (e único) por si apresentado, foram-no porque ele próprio, à medida que foi executando as obras orçamentadas, se foi deparando com traves podres, a chaminé a cair… Ora, se o legal representante da autora, quando tal lhe perguntado diretamente, afirma ter havido feitas as obras a pedido do réu, à medida que vai explicando o porquê da realização de cada uma das suas intervenções, acaba por justificá-las (não num pedido dos Réus), mas na ocorrência de “anomalias” por si encontradas, à medida que a obra ia evoluindo e que o levaram a intervenções no prédio não inicialmente previstas nem acordadas, ainda que, nas suas palavras, o Réu nelas tenha consentido”.

Daqui resulta que o depoimento do representante orgânico da Autora – mobilizado a págs. 20-21 do acórdão recorrido – foi valorado no domínio da livre apreciação segundo o prudente critério do julgador, e não vinculado à força probatória plena de uma confissão judicial escrita, assumindo, sem valor confessório, um valor probatório relacional no contexto das demais provas[2], como se verifica na sindicação muito completa e exaustiva do facto provado 2. – que desembocou na sua modificação em relação ao assente pela 1.ª instância –, a respeito da averiguação da solicitação pelos Réus das obras “extra orçamento”, a págs. 14-31 (arts. 607º, 5, 662º, 1, CPC).

Estamos, por isso, no domínio da irrecorribilidade determinado pelo art. 662º, 4, do CPC, e afastados da sindicação excepcional do art. 674º, 3, do CPC.


3.1.2. Depois estão em causa os “documentos assinados pelos Réus” e “comprovativos de pagamento efetuados pelos Réus” quanto à prova dos factos provados 12. (“Os RR. procederam a vários pagamentos por conta dessas obras, efetuando entregas num total de 68.550,00 €.”) e 52. (“Durante o período em que decorreram as obras os RR pagaram à A. a quantia de 83.510,30 € e adquiriram materiais para a obra no valor de 12.597,50.”) – v. Conclusões J, K e L: segundo a Recorrente, a prova plena que deles resulta implica “o acordo (e não o consentimento) celebrado entre as partes, no que toca a algumas obras” e faz surgir “uma contradição entre os factos provados nos pontos 12 e 52”.

Visto o acórdão recorrido na parcela relevante – págs. 37 e ss –, encontram-se na mira as facturas emitidas pela Autora, os cheques subscritos pelos Réus para pagamento e o “documento por si [Autora] elaborado e junto aos autos (Doc. 18 junto a fls. 1411)”,

A sindicação da força probatória plena, alegada pelo Recorrente quanto ao aludido “acordo entre as partes”, implicaria convocar em primeira linha o art. 376º do CCiv.
O art. 376º, 1, do CCiv. dispõe: «O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento». O respectivo n.º 2 adiciona: «Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão».
Em detalhe.
O art. 376º, 1, do CCiv. refere-se à autoria do documento reconhecida nos termos dos preceitos anteriores. Destarte, os documentos particulares devem ser assinados nos termos indicados pelo art. 373º do CCiv.; por outro lado, «a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras» e, ademais, «se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade» (art. 374º, 1 e 2, CCiv.). Isto significa que os documentos particulares assinados pelo seu autor, se não existir a impugnação a que alude o art. 374º (e também 375º, se for o caso, para o reconhecimento), fazem prova plena em relação às declarações atribuídas ao seu autor, nas condições do art. 376º, 1, sem prejuízo, porém, da arguição e prova da sua falsidade.
Em complemento, o art. 376º, 2, do CCiv. prescreve que os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante, sendo, todavia, indivisível a declaração, nos termos prescritos para a prova por confissão (convocando-se, nesse encalce, os arts. 358º e 359º, 1, CCiv.). Tal remissão implica que, desde logo, o declarante tem ao seu alcance a prova de que essa declaração não correspondeu à vontade negocial das partes ou à sua emissão livre e esclarecida. Poderá fazê-lo se invocar que a declaração foi inquinada por algum vício de consentimento ou que a sua declaração não correspondeu à sua vontade, de acordo com a aplicação do regime da confissão extra-judicial[3].
Assim sendo – os factos objecto da declaração que são contrários aos interesses do declarante apresentam-se como factos objecto de confissão e, por isso, consideram-se provados nos termos gerais da confissão –, a aplicação do regime da confissão determina um último pressuposto para a força vinculativa do documento particular: tendo em conta o prescrito pelos arts. 352º («Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.») e 358º, 2 («A confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.»), do CCiv., a referida prova plena, quanto à eficácia do acto documentado, apenas ocorre nas relações inter partes (no confronto entre si dos intervenientes declarante e declaratário) e não abrange a esfera de terceiros nem lhes oponível; relativamente a estes e perante estes, a prova documental fica sujeita à livre apreciação do tribunal (como resulta da aplicação do art. 358º, 4, do CCiv.)[4].

Posto isto, vejamos a motivação dos factos que foram objeto da impugnação do Recorrente. Sendo certo que, como acentuou ADRIANO VAZ SERRA no seu clássico escrito sobre estas matérias, a eficácia probatória dos documentos particulares “diz respeito somente à materialidade das declarações nele feitas ou dos factos neles referidos, não aos efeitos jurídicos que essas declarações ou factos possam produzir”[5].

Ora, vista essa motivação quanto aos factos provados 12. e 52.

por um lado: “Constata-se, contudo que, do elenco dos cheques por si contabilizados, se encontrarão também os cheques igualmente destinados ao pagamento das obras orçamentadas. Somados os valores que os Apelantes indicam corresponder a obras orçamentadas obtemos um valor de 13.100 €, valor este que, além do mais, a autora admite ter recebido, como se pode constatar do documento por si elaborado e junto aos autos (Doc. 18 junto a fls. 1411). Assim sendo, e subtraindo este valor ao valor dos pagamentos totais efetuados pelos Apelantes (81.650€), atingiremos o valor de 68.550 € pago por conta das obras “extra orçamento”. Assim sendo, e subtraindo este valor ao valor dos pagamentos totais efetuados pelos Apelantes (81.650€), atingiremos o valor de 68.550 € pago por conta das obras “extra orçamento”.”;

por outro lado: Ora, reconhecendo os Apelantes, no quadro de pagamentos que apresentam na impugnação que deduzem à matéria do ponto 12, que dos vários pagamentos que efetuaram 13.100 € se destinaram ao pagamento das obras orçamentadas (valor de 13.100,30 €, na tese da A.), poderemos ter por provado que os RR. terão procedido a entregas por conta dos trabalhos “extra orçamento” no valor de 68.550,00 €. Quanto ao valor das faturas pagas pelos Réus, os Apelantes remetem para os cheques juntos aos autos, sendo que os próprios peritos, no cálculo do valor estimado das obras tiverem em consideração o valor dos materiais pagos pelos Réus, sendo de deferir, nesta parte, a pretensão dos Apelantes.” –,

verifica-se tão-só, quanto à consideração probatória dos documentos alegados para efeitos do apuramento das quantias pagas pelos Réus como contrapartida das obras efectuadas, uma apreciação sem desconformidade legal de força probatória e feita em regime de prova livre e “não tarifada”, se e enquanto tal insindicável de acordo com os arts. 674º, 3, e 662º, 4, do CPC.

3.1.3. Alega ainda a Recorrente que o tribunal não atendeu à força probatória do relatório pericial e do valor que dele consta “em termos de fixação de material e mão-de-obra” (Conclusão M).
Vista a apreciação da impugnação da matéria de facto operada pelo acórdão recorrido, está a Recorrente a referir-se, em esp., às alegações feitas relativamente aos pontos 6. (als. e) e n)) e 11 dos factos provados e ao ponto 34 dos factos não provados. Acontece, porém, que o art. 389º do CCiv. é claro: «A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal». Assim sendo, a reapreciação feita pela Relação com recurso à peritagem constante dos autos foi exercida em sede do princípio da liberdade da apreciação da prova, sendo esta actuação, fundada no art. 662º, 1, do CPC, no domínio da “prova livre”, insusceptível de reapreciação no âmbito recursivo suscitado junto do STJ.

             

Assim, improcede a revista no que respeita às Conclusões B a N.

3.2. Interpretação e aplicação do regime jurídico do contrato de empreitada

Na sentença de 1.ª instância, concluiu-se que Autora e Réus celebram contrato de empreitada, relativamente ao qual os Réus não teriam pago a totalidade do preço correspondente à realização da obra convencionada, sendo o montante em falta no valor de € 60.000,85, acrescido de juros moratórios.

No entanto, o acórdão recorrido da Relação …., confrontado com a modificação dos factos provados 2., 9 e 10., chegou a enquadramento jurídico diverso e conclusão decisória que inverteu a condenação dos Réus. Assim discorreu (com os pontos por nós agrupados):


(i)

“A atuação da Autora iniciou-se na sequência da celebração de um contrato de empreitada entre a autora e os Réus para a execução dos trabalhos orçamentados e elencados no Doc. 1 junto com a P.I., a executar num prédio dos Réus, obras estas orçamentadas no valor de 13.000,00 €, mais IVA.

Contudo, não só a autora não executou na sua totalidade as obras orçamentadas, como veio a executar uma série de obras “extra”, a que atribui unilateralmente o valor de 160.842.83 €, pedindo a condenação dos Réus no pagamento da quantia de 117.972,12 €, correspondente à diferença entre o valor de 59.500 € que os Réus já lhe teriam entregado por conta de tais “trabalhos extra” e o seu custo global.
Os Réus opõem-se a tal pretensão, alegando nada dever à autora porquanto esta apenas lhes pediu que eles assinassem um documento prevendo obras extra, sem indicação de qualquer preço, e à medida que a obra ia sendo feita (…), as obras iam surgindo como uma inevitabilidade e uma premência para evitar o descalabro do edifício; mais alegam que não só a autora nunca apresentou qualquer orçamento, como apenas lhe pediram 10.000,00 € para acabar a obra, só lhe apresentando uma conta de 111.000 €, acrescida de IVA em dezembro de 2010.

Tal conflito remete-nos para o regime das alterações e obras novas no âmbito do contrato de empreitada, e que se acham reguladas nos artigos 1214º e 1217º do Código Civil (CC).

Como salientam Pedro Albuquerque e Miguel Assis Raimundo [Direito das Obrigações, Contratos em Especial – Contrato de Empreitada”, Vol. II, Almedina 2012, pp. 341-342.], suscitando o processo de execução de uma obra, nos moldes de um plano previamente estabelecido, desafios particulares, gerados, quer pela normal existência de discrepâncias entre as estimativas e a realidade, quer pela desigualdade de preparação técnica entre o empreiteiro e o dono da obra, quer ainda, pela atribuição ao dono da obra de uma, também normal, possibilidade de mudar de ideias sobre o plano, a generalidade dos Direitos possui uma regulamentação específica para as alterações ao plano convencionado na empreitada. Segundo tais autores, a simples remissão para as regras gerais (artigo 406º/1) tornaria rígido um contrato que se pretende flexível, pois o resultado visado deve, acima de tudo, satisfazer o interesse, as necessidades do dono da obra.

O Código Civil sujeita as alterações ao plano convencionado (em sentido lado) a diferentes regimes consoante as obras constituam “alterações” ao objeto do contrato (em sentido estrito) ou trabalhos extracontratuais – “alterações posteriores à entrega” e “obras novas”, apontando como critério diferenciador entre alterações e obras novas, a circunstância de estas possuírem autonomia em relação às previstas no contrato – nº 1 do artigo 1217º.
A citada norma situa a obra nova (bem como as alterações feitas após a entrega) fora da relação contratual estabelecida entre o empreiteiro e dono da obra, sendo que a sua colocação fora da relação contratual resulta de um juízo de autonomia técnica ou funcional: são suscetíveis, portanto, de ser objeto de uma obra independente [JOÃO SERRAS DE SOUSA, “Código Civil Anotado”, Ana Prata (Coord.), Vol. I, Almedina 2017, anotação ao artigo 1217, p.1511.].

O artigo 1217º estabelece um regime específico para as alterações posteriores à entrega e para as obras novas, devendo distinguir-se consoante são (i) da iniciativa do empreiteiro ou (ii) do dono da obra.

Se for o dono da obra a exigi-las, não fica o empreiteiro vinculado à sua realização.
Caso aceite, estaremos já perante um novo contrato, cujas condições – nomeadamente quanto ao preço e ao prazo – devem ser acordadas livremente.

Quando estas alterações sejam da iniciativa do empreiteiro, poderá o dono da obra recusá-las. Em tal caso, pode exigir a sua eliminação (se possível) e uma indemnização pelos prejuízos causados, a ser arbitrada nos termos gerais (artigo 1217º, nº 2). Todavia, o dono da obra pode aceitar estas alterações. Neste caso, tem a doutrina entendido dever o empreiteiro ser compensado, consoante a situação em concreto: por via do enriquecimento sem causa (arts. 473º e ss), da gestão de negócios (arts. 474º e ss), ou da acessão industrial imobiliária (arts. 1340º e 1343º).”;

(ii)

“As obras que fizeram parte do contrato de empreitada celebrado entre a Autora e os Réus e a que se reporta o Orçamento datado de 09-08-2009 (Doc.1 junto com a P.I.) respeitavam, única e exclusivamente, à “Remodelação das fachadas da frente e de trás do edifício nº 20”, orçamentadas no valor de 13.000,00 € mais IVA.
Não discutiremos que a totalidade das obras cujo preço a autora aqui vem reclamar possam constituir, não meras alterações ao objeto contratual acordado, mas “obras novas” [Qualificação que apenas não discutiremos por as partes com ela se terem conformado, sendo que o modo como a autora, a partir do orçamento acordado foi avançando para outras obras, umas no exterior (passando da pintura dos beirados para a sua substituição e para o levantamento de toda a telha, demolição da chaminé) e outras no interior do edifício (da demolição da chaminé passa para a sua reconstrução até ao primeiro piso e por aí adiante), pode levantar dúvidas sobre a autonomia dos “trabalhos extra” face ao âmbito das obras de recuperação acordadas. Para melhor entendimento do conceito de “autonomia” necessária à qualificação de determinada obra como nova, socorreremos das palavras de ADRIANO VAZ SERRA, segundo o qual as “obras novas” ou “trabalhos extracontratuais”, são aqueles que, “tendo embora certa relação com a obra primitivamente prevista, não representam um simples complemento desta: tais são os novos trabalhos que constituem uma obra independente (v.g., construção de um caminho contíguo ao edifico dado de empreitada ou a elevação de um outro andar na casa a construir), as modificações radicais da natureza da obra (v.g., em vez do moinho a construir, construir uma adega), os trabalhos exigidos pelo dono da obra após a conclusão e a aceitação desta” – “Empreitada”, Boletim do Ministério da Justiça nº 145, Abril 1965, p.126. Também ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA refere que o aumento do número de divisões de um andar constituirá uma alteração, mas já será uma obra nova o aditamento de um novo piso ao prédio projetado – Direito Privado II (Contrato de Empreitada), Lisboa AADFL, 1983, pp. 51-52.] – as obras “extra” aqui em causa respeitam à recuperação do telhado, nele incluído a substituição do beirado e a demolição e substituição da chaminé, passando de seguida para o interior do imóvel, sendo que nenhuma destas obras tem qualquer ligação funcional com as tais obras posteriores –, qualificação à qual as partes aderem. Igual enquadramento se afigura ter sido feito pela sentença recorrida que, tendo dado provado que as obras foram executadas a solicitação dos réus, os condenou no respetivo pagamento.
Contudo, em sede de recurso, encontramo-nos, agora, perante um diferente circunstancialismo factual: na sequência da procedência da impugnação deduzida pelo RR., foi dado como “não provado” que as mesmas tenham sido executadas “a solicitação” dos Réus, apenas se dando como provado que os Réus foram dando o seu “consentimento” às obras sugeridas pela autora, umas vezes prévio e, outras vezes, posterior.
Como já se referiu, quando as “obras novas” sejam da iniciativa do empreiteiro, o dono da obra pode: i) recusá-las, podendo exigir a sua eliminação e uma indemnização pelos prejuízos causados; ii) aceitar estas alterações, caso em que o empreiteiro terá direito a ser compensado, consoante o caso, por via do enriquecimento sem causa, da gestão de negócios ou da acessão imobiliária [Neste sentido, LUÍS MANUEL TELES DE MENESES LEITÃO, Direito das Obrigações, Vol. III – Contratos em Especial, 3ª ed., Almedina, p. 543.].
Tal regime compreende-se porquanto, em princípio, encontra-se vedada, mesmo relativamente às simples alterações, a sua realização por iniciativa do empreiteiro (artigo 1214º, nº 1). Se o empreiteiro considerar, por qualquer motivo (que não se enquadre na previsão do artigo 1215º) poder o plano convencionado ser alterado – por ex., por motivos estéticos, de funcionalidade da obra, de adaptação do plano convencionado à funcionalidade da obra –, deve efetuar proposta nesse sentido ao dono da obra, sob pena de a obra ter-se por defeituosa, podendo o dono aceitá-la sem ficar obrigado a qualquer aumento de preço, nem sequer de acordo com as regras do enriquecimento sem causa (artigo 1214º, nº 1).
Atentar-se-á, ainda, que, na empreitada por preço global (à forfait) [Empreitadas cujo preço é fixado no momento da celebração do contrato, de modo global e invariável para toda a obra, às quais se opõem aquelas em que o preço é estabelecido por medida (unidades de medida de que a obra se compõe – v.g. tempo de trabalho) ou por artigo (marche sur devis), sendo portanto determinado em função do tempo despendido na execução da obra, do número de artigos produzidos ou utilizados, número de metros executados, etc. – JOÃO ESPÍRITO SANTO, “O Contrato de Empreitada – Alteração ao objeto do contrato e alterações contratuais”, Revista Jurídica nº 21 Junho 1997, p.225, nota 9, e ADRIANO VAZ SERRA, “Empreitada”, BMJ nº 145, Abril 1965, pp.62-63.], se a autorização for dada pelo dono da obra, mas não revestir a forma escrita com indicação do aumento do preço, o empreiteiro tem direito apenas ao enriquecimento sem causa (artigo 1214º, nº 3). Tal normativo impõe uma dupla exigência – forma escrita e a indicação do valor do aumento –, oferecendo uma garantia suplementar ao dono da obra no sentido de o preço global convencionado não ser afetado sem a sua autorização expressa. Tendo a empreitada por preço global na sua base um plano ou projeto, normalmente escrito, apenas será suscetível de ser alterado por esse modo, considerando-se aplicável tal regra mesmo se o contrato de empreitada tiver sido celebrado verbalmente e não existir um projeto reduzido a escrito.

A exigência da forma escrita assenta na constatação de que, “no caso de alterações ao projeto da obra, são mais fáceis os expedientes do empreiteiro lesivos dos interesses do dono da obra do que no momento do contrato originário: o empreiteiro que procura obter a conclusão do contrato pode mostrar-se pouco exigente nesta fase e, uma vez celebrado o contrato, recorrer a tais expedientes” [ADRIANO VAZ SERRA, “Empreitada”, BMJ nº 145, Abril 1965, p.95-96.].
Segundo Vaz Serra [“Empreitada”, p. 90-91.], o então artigo 1401º (que corresponde ao atual 1214º, nº 2) tem por fim defender o dono da obra, que tenha contratado à forfait (isto é, por um preço global invariável, contra expedientes do empreiteiro destinados a elevar o custo da obra, expedientes com que o dono desta, pela sua inexperiência, facilmente poderia ser lesado. Desde que o preço foi fixado à forfait, mostrou o dono da obra que queria ficar a coberto de alterações de preço, pelo que a lei exige convenção escrita para o efeito de lhe poder ser reclamado um suplemento do preço em razão de alterações das originariamente convencionadas modalidades da obra.
No caso de obras novas, o artigo 1217º afasta a aplicação do disposto no artigo 1214º, dispondo, no seu nº 2, que o dono da obra tem o direito de recusar as alterações posteriores ao contrato e as obras novas, se as não tiver autorizado, podendo exigir a sua eliminação, se esta for possível e, em qualquer caso, uma indemnização pelo prejuízo nos termos gerais.
No entanto, o artigo 1217º nada dispõe quanto à situação das obras novas que, embora da iniciativa do empreiteiro, venham a ser autorizadas (ou consentidas) pelo dono da obra. Afastada a aplicação do nº 2 do artigo 1214º – que prevê a dispensa de pagamento de qualquer preço adicional ou sequer de qualquer indemnização por enriquecimento sem causa, mesmo que o dono da obra a venha aceitar –, a doutrina tem vindo a considerar que, se o dono da obra decidir aceitá-las, terá de compensar, de indemnizar o empreiteiro.

Se o dono da obra, apesar de na obra terem sido executados trabalhos extracontratuais ou introduzidas alterações depois da entrega, aceitar a obra e retirar vantagens da atividade extracontratual do empreiteiro, deverá compensar a contraparte nos termos do enriquecimento sem causa, ou noutros termos que couberem [ADRIANO VAZ SERRA, Empreitada”, p. 127. Segundo PEDRO ROMANO MARTINEZ, a compensação basear-se-á, consoante os casos, nas regras de um contrato de empreitada, ou nos institutos da gestão de negócios (arts. 464º ss.), da acessão (arts. 1340º e 1341º) ou do enriquecimento sem causa (arts. 437º ss), sendo de aplicar as regras do contrato de empreitada, no caso de o comitente estar disposto a receber a obra nova, podendo considerar-se que há aceitação da proposta de um novo contrato de empreitada, apresentada pelo empreiteiro: Contrato de Empreitada, Almedina, p. 147-148.].

No artigo 8º do anteprojeto de Vaz Serra propunha-se que se o dono da obra aceitar ou aprovar os trabalhos e deles tirar proveito, “fica obrigado, para com o empreiteiro, de harmonia com os princípios do enriquecimento em causa”. Esta segunda parte foi eliminada porque, segundo Pires de Lima e Antunes Varela, “se em certos casos pode justificar-se esta solução, já não se legitima noutros; tudo depende da figura jurídica que tiver ocorrido. Pode, por ex., ter havido uma gestão de negócios por parte do empreiteiro, a que se devam aplicar as disposições dos artigos 464º e seguintes. Pode ter havido uma acessão de boa-fé ou de má-fé a que sejam aplicáveis as disposições dos artigos 1340º ou 1341º. Pode a aceitação da obra corresponder à aceitação de uma proposta contratual. E pode verificar-se apenas um enriquecimento sem causa a que devam ser aplicadas, diretamente, as disposições dos artigos 473º e seguintes, sem necessidade de preceito especial que as determine. O que importava que a lei dissesse, para evitar que o dono da obra ficasse sujeito a despesas e encargos com que não contava, é que este tinha sempre o direito de recusar a obra e de pedir uma indemnização. Aceitando-a sem pedir a eliminação das alterações ou da obra nova, ou sendo impossível a sua eliminação, há que procurar, para cada caso, conforme as circunstâncias de facto, o regime que lhe couber” [Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., Coimbra Editora – 1986, p.813, nota 4.].

No caso em apreço, encontra-se demonstrado que as obras “extra contrato” foram executadas por iniciativa do empreiteiro e que os Réus nelas foram consentindo, fazendo pagamentos por conta das mesmas, num total de 68.550,00 € e suportando em materiais a quantia de 12.597,50 €. No dia 5 de agosto de 2010 o gerente da autora pediu aos Réus o pagamento de mais 10.000,00 €, que os réus se recusaram a pagar e a autora abandonou a obra nesse mesmo dia (e foi apresentar queixa contra os Réus por ilegalidade das obras junto da CMC).

Assim sendo, em nosso entender, a autora teria direito, quando muito, não ao preço unilateralmente por si fixado e que aqui se encontra em cobrança mas, única e eventualmente, a uma compensação por enriquecimento sem causa.

E dizemos que, eventualmente, teria direito a uma compensação por enriquecimento sem causa, porquanto, tal compensação sempre se encontraria dependente da aceitação da obra, aceitação que nem sequer se encontra demonstrada:
– a autora não acabou as obras extra contrato que começou (nem sequer as obras constantes do contrato de empreitada);
– tal abandono não se pode ter por justificado – a autora exigiu 10.000,00 € para terminar a obra, mas dos factos dados como provados não se consegue extrair que os Réus se encontrassem em mora relativamente a quaisquer pagamentos; apesar de autora alegar ter sido acordado que os RR. deveriam ir pagando o respetivo preço conforme o avanço e o andamento dos trabalhos, naquela data não se encontrava qualquer fatura em dívida. A única fatura emitida pelos trabalhos que aqui se pretendem cobrar foi emitida pela autora quase dois anos depois do abandono da obra, em maio de 2012 (fatura junta como Doc. 3).

De qualquer modo, ainda que considerássemos que, apesar de a autora ter abandonado a obra, os Réus a tenham aceitado no estado em que se encontrava, e uma vez não ter ficado demonstrado que tais obras tenham sido realizadas “a solicitação dos réus”, a autora teria direito a uma compensação por enriquecimento sem causa.
Contudo, o enriquecimento sem causa não integra a causa de pedir nos presentes autos [Sobre a distinção entre a causa de pedir de uma ação de responsabilidade contratual – incumprimento contratual – e a causa de pedir em caso de direito à restituição com base em enriquecimento sem causa – uma deslocação patrimonial, que aumenta um património à custa de outrem –, cfr., JOSÉ LEBRE DE FREITAS, “Caso Julgado e causa de pedir. O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229º do Código Civil”, ROA, Ano 66, Vol. III, Dezembro 2006 (…).], não tendo sido alegados os factos integradores das normas que disciplinam o enriquecimento sem causa – os factos integradores do enriquecimento dos réus, o seu próprio empobrecimento e a correlação entre o enriquecimento e o empobrecimento.
Fundamentando-se a pretensão da Autora, tão só, na realização de obras “extras” acordadas com os Réus e no incumprimento dos réus da obrigação de pagamento do preço, ou seja, no incumprimento do contrato de empreitada, vedado está ao tribunal o conhecimento de uma eventual obrigação de compensação por parte dos Réus com fundamento em enriquecimento sem causa, por extravasar a causa de pedir em que assenta a presente ação.”

Neste contexto, consideramos que a Relação analisou com a necessária profundidade a questão aberta pela impugnação da Recorrente, sendo dada resposta negativa, com adequada e consistente argumentação em prol da subsunção da matéria de facto ao direito aplicável. Assim, encontrando-se o acórdão recorrido suficientemente fundamentado – em particular, quanto à articulação do regime dos arts. 1214º a 1217º e à aplicação dos arts. 473º e 479º respeitantes ao regime do enriquecimento sem causa –, depois da nevrálgica alteração da matéria de facto, promovida pela Relação no exercício da competência prevista no art. 662º, 1, do CPC – em relação ao provado pela 1.ª instância –, adere-se ao transcrito para os devidos efeitos de confirmação, de acordo com o previsto pelo art. 663º, 5, 2ª parte, ex vi art. 679º, do CPC.

Deve apenas acrescentar-se que, estando a pretensão da Autora/Recorrente retirada da disciplina legal da empreitada, não se pode aplicar o regime do art. 1211º do CCiv., com remissão para o art. 883º do mesmo CCiv., tal como se pretende. A obrigação eventual de ser ressarcido de eventuais “obras novas” consentidas pelos Réus estaria contemplada pelo art. 473º, 2, no contexto de subsidiariedade imposta pelo art. 474º do CCiv[6], e não foi alegada com tal abrigo, nem sequer a esse título subsidiário[7].

Improcedem, nesta linha, as Conclusões P a Z com a que Recorrente finalizou as suas alegações de recurso.

III. DECISÃO

Em conformidade, acorda-se em negar provimento à revista.

Custas pela Recorrente.

STJ/Lisboa, 2 de Março de 2021

Ricardo Costa (Relator)

Nos termos do art. 15º-A do DL 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do DL 20/2020, de 1 de Maio, e para os efeitos do disposto pelo art. 153º, 1, do CPC, declaro que o presente acórdão, não obstante a falta de assinatura, tem o voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos que compõem este Colectivo.

António Barateiro Martins

Ana Paula Boularot

SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)

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[1] Ao que se acrescenta, noutra frente de excepcionalidade de tratamento da matéria de facto, o exercício da competência do art. 682º, 3, do CPC (devolução ao tribunal recorrido «quando o Supremo Tribunal de Justiça entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito»).
[2] V. ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA, Código de Processo Civil, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.º a 702.º, Almedina, Coimbra, sub art. 452º, págs. 519-520, sub art. 463º, pág. 526.
[3] V. por todos PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, Código Civil anotado, com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, sub art. 376º, pág. 332.
[4] V. MANUEL DE ANDRADE, Noções elementares de processo civil, com a colaboração de Antunes Varela, ed. revista e actualizada por Herculano Esteves, Coimbra Editora, Coimbra, 1976, págs. 230-232, 255, ANTUNES VARELA/J. MIGUEL BEZERRA/SAMPAIO E NORA, Manual de processo civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, nt. (1) – pág. 524.
[5] “Provas (Direito probatório material)”, BMJ n.º 112, 1962, págs. 69 (sublinhado nosso), 77.
[6] V. ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, Vol. I, 10.ª ed., 2000, pág. 505: “Outras vezes, (…) a lei não não chega a dizer explicitamente em que termos ela [a restituição] se deva processar, mas a integração da lacuna (por analogia com outros casos ou pelo recurso ao disposto no n.º 3 do art. 10.º) poderá conduzir o jurista à aplicação das mesmas regras [“da situação genericamente descrita no art. 473.º”]”.
[7] Com proveito para esta relação com o pedido e dispositivo processuais, v. o Ac. do STJ de 24/1/2019, processo n.º 948/14.5TVLSB.L1.S1, Rel. ROSA RIBEIRO COELHO, in www.dgsi.pt.