Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
80/14.1PBLRS.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
MINISTÉRIO PÚBLICO
MEDIDA DA PENA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
ROUBO
ROUBO AGRAVADO
FURTO QUALIFICADO
PENA ÚNICA
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 11/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I - O dever de fundamentação, expressamente consagrado no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, prescreve que sejam especificados os motivos de facto e de direito da decisão, impondo, por um lado, que se descreva expressamente os factos provados e a motivação de facto e, por outro lado, que se exponha os motivos de direito - subsunção do caso à previsão legal, argumentação jurídica, justificação de um certo sentido da interpretação da lei... - que estiveram na base da decisão tomada.

II - No caso de uma decisão sobre a aplicabilidade de uma pena única conjunta em sede de conhecimento superveniente, também esta fundamentação deve existir em cumprimento do art. 374.º do CPP, e ainda do art. 71.º, n.º 3, do CP, onde expressamente se diz que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.

III - A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.

IV- Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.

V - Do acórdão recorrido e da matéria de facto dada como provada, resulta que o arguido, agora recorrente praticou 6 crimes de roubo, um dos quais qualificado, e um crime de furto qualificado, tendo sido condenado nas penas singulares, já referidas, de 2 anos de prisão + 4 anos de prisão + 2 anos de prisão + 1 ano e 6 meses + 1 ano e 6 meses + 1 ano e 6 meses + 3 anos de prisão. A actividade delituosa no âmbito destes crimes foi levada a cabo em finais de Dezembro de 2013, em duas ocasiões do mês de Janeiro de 2014, em 1 de Abril e em 1 de Junho do mesmo ano.

VI - Os crimes de roubo foram cometidos pelo arguido de forma homogénea, quase repetitiva, e atingiram quer bens jurídicos patrimoniais, quer bens pessoais relativos à integridade física e à liberdade dos ofendidos. O arguido-recorrente, juntamente com outros, abordavam os ofendidos e usando a força, a superioridade física e numérica para intimidarem as vítimas, sucedendo que dois dos crimes foram cometidos num autocarro de transporte de passageiros.

VII - É, sem margem para dúvidas, elevada ilicitude global dos factos praticados com as inerentes necessidades de prevenção geral, já devidamente ponderadas na fixação das várias penas singulares.

VIII - Em sede de avaliação da ilicitude global do comportamento do arguido, a sua idade na data da prática dos crimes não pode assumir um valor atenuativo particularmente relevante,  atenta a sua actividade criminal e o tipo de delitos por si perpetrados, sendo, porém, relevante, em especial, o longo tempo já decorrido desde a prática dos factos sem que se conheça comportamento merecedor de reparo ao nível criminal.

IX - As exigências de prevenção geral positiva ou de integração são bastante salientes num tipo de crime como o de roubo, em que avulta a agressão a bens de natureza pessoal de grande ressonância ético-social, como a vida e a integridade física.

X - Tudo ponderado, considerando ainda as condições pessoais do recorrente e medianas as exigências de prevenção especial aqui presentes já que não tem antecedentes criminais e que, actualmente, após alguma agressividade na fase de entrada no estabelecimento prisional, revela um comportamento mais ponderado, registando-se, porém no acórdão recorrido uma postura que «espelha a falta de consciência da gravidade das suas condutas, justifica-se aqui uma intervenção correctiva da pena conjunta aplicada no sentido da sua redução.

XI - Em face da moldura penal do concurso – de 4 anos de prisão a 15 anos e 6 meses de prisão – e da também já assinalada da gravidade dos crimes competidos, em particular, dos crimes de roubo, consideramos justa e adequada a fixação de uma pena única de 5 anos e 3 meses de prisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I - RELATÓRIO


1. Por acórdão de … de Janeiro de 2020, proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Central Criminal de ..., foi efectuado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido

AA, filho de BB e de CC, natural da freguesia de ..., concelho de ..., nacionalidade portuguesa, nascido em ... de Julho de 1997, solteiro, ..., com residência no Bairro ..., Rua ..., ..., em ... .


Nele tendo sido englobadas as seguintes penas:

 - aplicadas no processo n° 894/14.2... cujos termos correram na Instância Central do Tribunal Judicial de ... - J... e no processo n.º 80/14.1PBLRS (presentes autos), tendo o arguido sido condenado na pena única de 8 anos e 3 meses de prisão.

O arguido encontra-se preso, desde ... de Julho de 2019, em cumprimento de pena de prisão, à ordem do processo nº 894/14.2... .

2. O Ministério Público interpôs recurso de tal decisão, rematando a respectiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«CONCLUSÕES


Nos presentes autos o Ministério Público recorre por lhe parecer que a pena aplicada ao arguido AA é desadequada  e  desproporcional às exigências de prevenção especial que o caso requer,  infringindo  o  disposto  no  artigo  77º  do Código Penal.


Considera o Ministério Público, que não devia ter sido afastada a suspensão da execução da pena de prisão cumulada nos presentes autos, ainda que com impondo ao arguido regras de conduta.


Bem como a pena encontrada é demasiado severa, atendendo à idade do arguido AA e afastando a possibilidade de ressocialização do mesmo na comunidade.


Nesse sentido, o acórdão cumulatório proferido nos autos não contém fundamentação quanto à possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, sendo que tal se ficou a dever à incompleta abordagem de parâmetros a ter em conta na análise global que se impõe, nos termos do artigo 374º, nº 2 do CPP e artigo 77º do Código Penal.


Na actividade delituosa do arguido AA apontada nos autos, sobressai uma pluralidade de crimes, cometidos num espaço temporal de 5 meses   (de   30   Dezembro   de 2013 a 01 de Junho de 2014);


Quando o arguido tinha 16 anos, e estava totalmente desamparado face à morte da mãe,


E à postura ausente do pai,


O que levou à aproximação do arguido de um grupo de pares com comportamentos desviantes, com os quais em conjunto praticou os factos pelos quais foi condenado.


Os factos foram cometidos num período de vida do arguido caracterizado pela sua juventude – 16 anos.

10º

O acórdão proferido nos autos afastou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada sem ponderar a sua aplicação e sem analisar e correlacionar de forma fundamentada o seguinte contexto pessoal do arguido AA:

a) Nomeadamente o tempo decorrido desde a prática dos factos e o teor do seu CRC, no momento contemporâneo e posterior à data dos factos em julgamento;

b) A idade do mesmo à data dos factos  – 16 anos;

c)  Que tais factos ocorreram num período de 5 meses, quando o arguido tinha 16 anos, e perdera o alicerce base da sua vida  – a mãe;

d) Que na sequência dos comportamentos do arguido, o pai solicitou a uma tia que morava em ... o seu apoio, pelo que o arguido ingressou no agregado familiar da Tia em ..., onde permaneceu desde então;

e) Que após integrar o agregado familiar da Tia e reencontrada uma figura de referência – no caso a tia, o arguido inverteu o seu percurso, estando integrado social e familiarmente, sendo que de há 5 anos a esta parte não há registo de qualquer facto em seu desabono.

f)  A sua idade actual – 21 anos;

g) Ou seja, o arguido ainda é muito jovem e já deu mostras de que familiarmente acompanhado foi capaz de infletir o seu percurso de vida;

h) Que a ressocialização do arguido – objectivo primeiro da lei penal portuguesa, será mais eficaz se a pena aplicada ao arguido permitir o seu desenvolvimento no seu meio natural e familiar;

i)  O que no caso do arguido já vinha acontecendo, primeiro junto da tia e agora junto da tia e da companheira, importando consolidar tal ressocialização;

j)   Que a reclusão tem um efeito altamente criminógeno, e que atendendo à idade e ao percurso evolutivo que já tinha sido atingido pelo arguido AA com o apoio familiar, a reclusão ao invés potenciará factores opostos à ressocialização;

l)   O tribunal “ a quo” não tomou em consideração que os factos têm cerca de 5 anos, e que desde 2014 o arguido não praticou qualquer facto ilícito penalmente registado,

11º

O arguido nos presentes autos, foi condenado em cúmulo jurídico, numa pena de 8 anos e 3 meses de prisão efectiva;

12º

Sendo que a medida da pena oscilava entre os 4 anos e os 15 anos e seis meses de prisão [].

13º

Os factos elencados em 10) não foram considerados de forma ampla e completa, na determinação da medida da pena do arguido, carecendo o acórdão de fundamentação neste concreto e violando o disposto nos artigos 40º, 50º, 70º e 77º do Código Penal.

14º

Foi violado o artigo 40º, nº 1 do Código Penal, ao não se indagar sobre a possibilidade de suspender a pena de prisão e nas suas vantagens para a ressocialização do arguido AA, um jovem que conta agora com 21 anos [].

15º

Para aquilatar da possibilidade de suspender a execução da pena de prisão aplicada, nos termos do artigo 50º nº do Código Penal o Tribunal tinha que atender à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ao facto e a posterior a este, o que não aconteceu, violando o disposto no artigo 50º Código Penal.

16º

Em virtude dessa falta de ponderação de vários vectores, o Tribunal “a quo”, condenou o arguido numa pena de prisão efectiva e de dosimetria muito elevada, colocando peremptoriamente de parte a aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.

17º

Decidindo de forma contrária aos princípios estipulados no artigo 70º do Código Penal e no artigo 71º, nº 2 alíneas c), d) e e) aplicáveis “ex-vi” do artigo 77º, nº 1, todos do Código Penal, em sede de determinação da medida da pena e de pressupostos para aplicação da suspensão da execução da pena de prisão.

18º

Verifica-se pois que o acórdão, não fundamentou concretamente os motivos pelos quais concluiu serem tão intensas as razões de prevenção especial relativamente ao arguido AA, conforme decorre do artigo 50º, nº 1 do Código Penal e do artigo 71º, nº 2 alíneas c), d) e e) do Código Penal, em sede de determinação da medida da pena e de pressupostos para aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, preceitos que o Tribunal “a quo”, violou, e que constituem uma insuficiência e consequente invalidade da decisão proferida nos autos.

19º

É parecer do Ministério Público que no caso “sub iudice” que para se determinar a aplicação em concreto da pena o arguido, deveria o Tribunal ter aquilatado e correlacionado a idade do arguido à prática dos factos, o tempo decorrido, a actual situação sócio-económica do arguido e o seu percurso de ressocialização.

20º

Face à ausência de tal raciocínio faltam – no parecer do Ministério Público, elementos que permitam determinar o “quantum” da medida da pena e no momento da exegese determinar se é de suspender (ou não) a execução da pena de prisão aplicada [].

21º

Crê-se que a pena agora encontrada no cúmulo realizado é excessiva.

22º

Em conclusão o acórdão cumulatório:

a) Não contém uma exposição completa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão de afastar a suspensão da execução da pena de prisão,

b) Não contemplou a especificação dos fundamentos que presidiram à escolha e determinação da medida da pena aplicada, uma vez que a decisão a esse respeito é vaga, abstracta e genérica parecendo uma determinação matemática de média dos valores encontrados sem ponderação e adequação ao caso concreto,

c) Pelo que foram assim violados os artigos 40º, nº 1, 50º nº 1 do Código Penal, 70º e 71º, nº 2, alíneas d) e e), 70º, nº 1 todos do Código Penal e os artigos 374º nº2 e 375º nº1, 379º, nº 1 alínea a e c) do Código de Processo Penal.


Face ao supra exposto, deverá o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência:

1) Alterar-se o acórdão cumulatório proferido, na parte da determinação da sanção penal aplicável e aplicar-se uma pena não superior a 5 anos e ser determinada a suspensão da execução da pena de prisão e a consequente diminuição da dosimetria penal aplicada

Ou cautelarmente, caso tal Colendo Tribunal entenda ser de manter a pena efectiva de prisão,

2) Determinar-se novo “quantum” adequado da mesma, diminuindo a medida da pena para perto do limite mínimo aplicável – 4 anos, atentos todos os considerandos supra expendidos.»


3. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal apôs o seu visto.

4. Com dispensa de vistos e realizada conferência, cumpre apreciar e decidir.


      II - FUNDAMENTAÇÃO

· Matéria de facto provada


Da instrução e discussão da causa e com relevância para a mesma, considerou o Tribunal Colectivo terem resultado provados os seguintes factos:

1_Por decisões transitadas em julgado, foi o arguido condenado nas seguintes penas:

· por sentença proferida em .../3/2015 e transitada em julgado em 8/5/2015, no processo n°1037/04.8... cujos termos correram no Tribunal Judicial da Comarca de ... - Juízo Local de Pequena Criminalidade - Juiz ..., foi condenado, pela prática, em .../10/2014, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21° do Decreto-Lei n°15/93, na pena de 1 ano de prisão, substituída por 360 dias de multa, à taxa diária de €5,00; por despacho de 6/6/2019, foi declarada extinta, por prescrição, a pena de multa;

· por acórdão proferido em ... de Março de 2015 e transitado em julgado em 27 de Abril de 2015, no processo nº 894/14.2... cujos termos correram na Instância Central do Tribunal Judicial de ... - J..., pela prática, em ... de Janeiro de 2014, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210°, n°s 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204°, n°1, alínea b), e n°4, e ao artigo 202°, alínea c), do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; em ... de Janeiro de 2014, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210°, n°s 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204°, n°1, alínea b), do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão; em ... de Dezembro de 2013, de um crime de roubo simples, previsto e punido pelo artigo 210°, n° 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; em ... de Abril de 2014, de um crime de roubo simples, previsto e punido pelo artigo 210°, n° 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão; e em ... de Junho de 2014, de dois crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210°, n° 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses, por cada ilícito; em cúmulo, foi condenado na pena única de 6 anos e 6 meses de prisão;

· por acórdão proferido nestes autos - processo nº 80/14.1 PBLRS -, em ... de Fevereiro de 2016 e transitado em julgado em 30 de Setembro de 2019, foi condenado, pela prática, em ... de Janeiro de 2014, como autor, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203°, n° 1, e 204°, n° 2, alínea e), por referência ao artigo 202°, proémio e alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.


2_No processo n° 894/14.2... ficou demonstrada a seguinte actuação do arguido:

"No dia ... de Dezembro de 2013, pelas 17 horas e 30 minutos, na Rua ..., em ..., o arguido AA, acompanhado por DD, à data com 15 (quinze) anos de idade, e outro indivíduo cuja identificação não se logrou apurar, ao visualizarem o ofendido EE naquela artéria, tomaram a decisão de, em conjugação de esforços e vontades entre todos, lhe retirar e fazerem seus os bens de valor que este possuísse, mesmo que para tanto tivessem de usar de força física e do medo gerado pelos seus actos e palavras.

Em execução desse plano, o arguido AA, acompanhado de DD e o seu outro companheiro, rodearam o ofendido EE.

Altura em que, o arguido AA lhe retirou o gorro azul, com estrelas brancas e três riscas de cor branca e vermelha, no valor de € 20,00 (vinte euros) que trazia na cabeça, enquanto os restantes companheiros assistiam de perto a tudo o que era feito pelo arguido AA, fazendo o ofendido EE recear pela sua vida e integridade física caso reagisse contra os actos praticados pelo arguido AA ou resistisse aos mesmos, atenta a superioridade numérica e física dos três rapazes que o rodeavam.

De seguida, DD exigiu ao ofendido EE a entrega do telemóvel de marca Huawei, no valor de € 60,00 (sessenta euros) que trazia consigo, o que este fez com receio que o molestassem fisicamente, perante a situação já supra descrita.

Após o que, na posse dos referidos objectos, o arguido AA e os seus dois companheiros abandonaram o local para parte incerta.

Ao actuarem da forma descrita, o arguido AA e os seus companheiros, fizeram-no em comunhão de esforços e vontades, com o propósito de se apoderarem dos bens e/ou  valores que se encontrassem em poder do  ofendido EE,  mais concretamente, do seu telemóvel, para seu proveito, bem como com intenção de amedrontá-lo perante a sua superioridade física e numérica, sabendo que a sua conduta era apta a gerar medo no ofendido EE pela sua integridade física se não fizesse aquilo que lhe era ordenado por estes, apesar de saberem que estes objectos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu legítimo dono. Usaram da força, superioridade física, numérica e intimidação conforme descrito, como meios para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, sendo os mesmos idóneos a provocar o resultado pretendido, ou seja, intimidar e constranger o ofendido EE, convencendo-o de que estavam na disposição de o maltratar fisicamente e, por essa forma, fazendo-o recear pela sua vida e saúde, forçá-lo pela intimidação a não resistir às suas acções, enquanto retiravam o seu bem, o que conseguiram (factos constantes dos pontos 11 a 17 da matéria de facto considerada provada no acórdão).

Posteriormente, no dia ... de Janeiro de 2014, pelas 20 horas e 45 minutos, o arguido AA ao visualizar o ofendido EE, no interior do transporte colectivo de passageiros da Rodoviária Nacional, que seguia em direcção a ..., após ter entrado no mesmo junto à paragem de ..., formulou o propósito de retirar-lhe os bens de valor que este possuísse, mesmo que para tanto tivessem de usar de força física e do medo gerado pelos seus actos e palavras.

Pelo que, sentou-se ao lado deste e ordenou que este lhe desse o dinheiro que tinha.

Sendo que o ofendido EE se recusou a tanto.

Perante o que, o arguido AA retirou ao ofendido EE o telemóvel que este tinha na mão, puxando-o, mas logo de seguida devolveu-o dizendo que era podre.

Após o que, o arguido AA exigiu que o ofendido EE despisse o casaco que trazia vestido e lho entregasse.

No entanto, o ofendido EE recusou-se a entregar o seu casaco ao arguido AA.

De imediato, o arguido AA colocou a mão no bolso das calças que envergava e exibiu uma parte de um objecto metálico que trazia consigo ao ofendido EE, ao mesmo tempo que dizia, em tom alto e sério: “Tira isso antes que isto te entre no pescoço.”

Com receio de ser molestado fisicamente pelo arguido AA, prontamente o ofendido EE despiu o casaco de marca Berska, em pano e forrado a pêlo, ambos de cor azul, no valor aproximado de € 45 (quarenta e cinco euros) e entregou-o ao arguido AA, o qual abandonou o local na posse do mesmo. Ao actuar da forma descrita, o arguido AA fê-lo com o propósito de se apoderar dos bens e/ou valores que se encontrassem em poder do ofendido EE, mais concretamente, do seu casaco, para seu proveito, bem como com intenção de maltratá-lo para esse efeito caso fosse necessário, sabendo que a sua conduta era apta a fazer o ofendido EE recear pela sua integridade física, apesar de saber que aquele objecto não lhe pertencia e que agia contra a vontade do seu legítimo dono. Assim, usou da intimidação, conforme descrito, não se coibindo de portar e exibir um objecto metálico, como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, sendo o mesmo idóneo a provocar o resultado pretendido, ou seja, intimidar e constranger o ofendido EE, convencendo-o de que estava na disposição de o maltratar fisicamente e, por essa forma, fazendo-o recear pela sua vida e saúde, forçá-lo pelo medo a entregar o referido objecto e a não exigir a sua devolução, não se coibindo de actuar desta forma no interior de um transporte colectivo de passageiros, o que conseguiu (factos constantes dos pontos 18 a 27 da matéria de facto considerada provada no acórdão).

No dia ... de Janeiro de 2014, pelas 21 horas e 20 minutos, os arguidos FF, GG e AA e DD, à data com 15 (quinze) anos de idade, entraram na paragem junto às escolas e ao Tribunal Judicial de ..., no autocarro da Rodoviária de ... que efectuava a ligação entre ... e ..., indo sentar-se na última fila de lugares.

Ao visualizarem o ofendido HH que ali seguia sentado nos bancos junto à saída traseira do autocarro, a ouvir música com o seu telemóvel na mão, de marca Samsung, modelo GTS5282, no valor de € 150,00 (cento e cinquenta euros), formularam o propósito de, em conjugação de esforços e vontades, lho retirar, mesmo que para tanto tivessem de usar de força física e do medo gerado pelos seus actos e palavras. Assim e em execução desse plano, o arguido AA e outro sentaram-se no banco imediatamente atrás daquele ocupado pelo ofendido HH e um deles sentou-se no banco por detrás do ocupado por estes, permanecendo o quarto elemento sentado num dos bancos da fila oposta.

Quando o autocarro se imobilizou na paragem da “...”, na Rua ..., em ..., o arguido FF agarrou, com um gesto brusco, na mão do ofendido HH que segurava o telemóvel e puxou-o. Como o ofendido HH não largava o telemóvel, o arguido FF puxou-o para o exterior do autocarro, os arguidos AA e GG empurraram-no, logrando, assim, em conjunto, retirar o referido telemóvel das mãos do ofendido HH, até se apoderarem do mesmo.

O ofendido HH, por temer ser molestado fisicamente pelos arguidos e DD, fugiu destes, deslocando-se até à porta dianteira do autocarro e batendo na mesma, instando o motorista e ofendido II para que o deixasse entrar, o que este fez.

Perante o que, o menor DD subiu novamente para o autocarro e dirigiu-se ao motorista do mesmo, o ofendido II, a quem disse: “Não me metas ao barulho. Se chamares a bófia parto-te todo!”

Em seguida, os arguidos e DD abandonaram o local na posse do telemóvel. Não obstante o ofendido II ter sentido medo de ser lesado fisicamente caso desobedecesse aos arguidos, comunicou a militares da Guarda Nacional Republicana os actos praticados pelos arguidos e DD, supra descritos. Vindo, instantes após, os arguidos a ser interceptados pelo militar da Guarda Nacional Republica - JJ - na posse daquele objecto.

Com a conduta descrita, os arguidos e DD quiseram, através da sua acção concertada e aproveitando-se da sua superioridade numérica e da violência que empreenderam, apropriar-se do referido objecto, o que lograram.

 Bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade do seu dono, mediante o uso da força física e no interior de um meio de transporte público colectivo, agindo da forma descrita com o intuito de aumentarem o seu património, o que lograram.

Bem sabiam que o ofendido II se encontrava em exercício de um serviço público (factos constantes dos pontos 28 a 41 da matéria de facto considerada provada no acórdão).

No dia ... de Abril de 2014, pelas 13 horas e 50 minutos, o arguido AA e o menor de 15 (quinze) anos de idade - KK - também conhecido pela alcunha de “LL”, acordaram entre si, dirigirem-se junto do ofendido MM, à data com 14 (catorze) anos de idade, o qual se encontrava na Rua ..., sita em ..., junto à paragem de autocarros, e retirar-lhe os bens de valor que estivessem na sua posse, mesmo que para tanto tivessem de usar de força física e do medo gerado pelos seus actos e palavras. Assim, na execução do plano previamente delineado entre todos, o arguido AA e KK cercaram o ofendido MM, altura em que o arguido AA ordenou que este lhe entregasse € 1,00 (um euro), ao que este se negou a tanto. Perante o que, o arguido AA agarrou na mão do ofendido MM que se encontrava no bolso do casaco e puxou-a para fora, o que fez com que a carteira deste caísse no chão, momento em que o arguido AA lhe retirou do interior da carteira 1 (uma) nota de € 5,00 (cinco euros) que fez sua, tendo devolvido a carteira ao ofendido. Enquanto isso, o KK rodeava o ofendido MM, assistindo de perto a tudo o que era feito pelo arguido AA, fazendo o ofendido MM recear pela sua vida e integridade física caso reagisse contra os actos praticados pelo arguido AA ou resistisse aos mesmos atenta a superioridade numérica e física. Após o que, na posse do dinheiro retirado ao ofendido MM, abandonaram os arguidos AA e NN, e KK aquele local, tendo os arguidos sido interceptados, pouco depois pelo agente da Polícia de Segurança Pública OO que os conduziu à esquadra.

 Ao actuarem da forma descrita, o arguido AA e o menor KK fizeram-no, em comunhão de esforços e vontades, com o propósito de se apoderarem dos bens e/ou valores que se encontrassem em poder do ofendido MM, mais concretamente, do seu dinheiro, para seu proveito, bem como com intenção de amedrontá-lo perante a sua superioridade física e numérica, sabendo que a sua conduta era apta a gerar medo no ofendido pela sua integridade física se não fizesse aquilo que lhe era ordenado por estes, ou se reagisse às suas condutas, apesar de saberem que este dinheiro não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do seu legítimo dono. Assim usaram da força, superioridade física numérica e intimidação conforme descrito, como meios para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, sendo os mesmos idóneos a provocar o resultado pretendido, ou seja, intimidar e constranger o ofendido MM, convencendo-o de que estavam na disposição de o maltratar fisicamente, e por essa forma, fazendo-o recear pela sua vida e saúde, forçá-lo pela intimidação a não resistir às suas acções, enquanto retiravam o seu bem o que conseguiram (factos constantes dos pontos 42 a 49 da matéria de facto considerada provada no acórdão).

No dia ... de Junho de 2014, pelas 06 horas e 10 minutos, os arguidos FF, PP, AA e DD, ao verem os ofendidos QQ e RR, junto da paragem de autocarro, sita na Rua ..., na ..., em comunhão de esforços e vontades entre todos, resolveram retirar, por meio da violência ou infligindo receio do uso de violência, os telemóveis que estes possuíssem.

Assim, todos os arguidos FF, PP, AA e DD rodearam os ofendidos QQ e RR, tendo o arguido FF se dirigido a estes perguntando: “Então, não cumprimentam nem nada?”.

Perante o que, o ofendido RR apertou a mão aos arguidos FF, PP, AA e DD.

De imediato, o arguido PP ordenou ao ofendido RR, em tom alto e sério, para lhe dar o telemóvel, caso não quisesse ser molestado fisicamente.

 Com receio dos arguidos FF, PP, AA e DD, o ofendido RR entregou o seu telemóvel ao arguido PP, da marca Samsung, modelo GT, no valor de € 90,00 (noventa euros). De imediato, o arguido FF ordenou ao ofendido QQ, em tom alto e sério, para lhe dar o telemóvel, caso não quisesse ser molestado fisicamente. Com receio dos arguidos, o ofendido QQ entregou o seu telemóvel ao arguido FF, de marca Samsung, modelo Young, no valor de € 80,00 (oitenta euros). Enquanto isso, os restantes arguidos (PP, AA e DD) continuavam a rodear os ofendidos QQ e RR, assistindo de perto a tudo o que era feito, ora pelo arguido FF, ora pelo arguido PP, fazendo todos, os ofendidos QQ e RR recear pela sua vida e integridade física, caso reagissem contra os actos praticados por estes ou resistissem aos mesmos atenta a superioridade numérica e física dos quatro rapazes que os rodeavam. Na posse dos referidos telemóveis, os arguidos FF, PP, AA e DD abandonaram o local para parte incerta, até que foram interceptados pela Polícia de Segurança Pública na posse dos mesmos. Ao actuarem da forma descrita, os arguidos FF, PP, AA e DD fizeram-no, em comunhão de esforços e vontades, com o propósito de se apoderarem dos bens e/ou valores que se encontrassem em poder dos ofendidos QQ e RR, mais concretamente, dos seus telemóveis, para seu proveito, bem como com intenção de amedrontá-lo perante a sua superioridade física e numérica, sabendo que a sua conduta era apta a gerar medo em ambos pela sua integridade física se não fizessem aquilo que lhe era ordenado por estes, ou se reagissem às suas condutas, apesar de saberem que estes objectos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade dos seus legítimos donos.

Assim usaram da força, superioridades física e numérica, e intimidação conforme descrito, como meios para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, sendo os mesmos idóneos a provocar o resultado pretendido, ou seja, intimidar e constranger os ofendidos QQ e RR, convencendo-os de que estavam na disposição de os maltratar fisicamente, e por essa forma, fazendo-os recear pela sua vida e saúde, forçá-los pela intimidação a não resistir às suas acções, enquanto retiravam os seus bens, o que conseguiram. Agiram os arguidos de modo voluntário, livre e consciente, sabendo da punibilidade das suas condutas (factos constantes dos pontos 57 a 67 da matéria de facto considerada provada no acórdão).

3_ No processo n° 80/14.1 PBLRS ficou demonstrada a seguinte actuação do arguido:

“No dia ... de Janeiro de 2014, antes das 11 horas, o arguido AA e outro indivíduo tomaram a resolução de se introduzirem na residência de SS, sita na Rua ..., n. º ..., ..., ..., ..., com o intuito de daí retirarem e fazerem seus os objectos que lhes interessassem.

Para tanto, agindo conjunta e concertadamente, os arguidos fizeram-se transportar no veículo com a matrícula ...-NS-..., pertença do arguido TT, o qual estacionaram em frente do prédio do ofendido, em segunda fila.

Aí chegados, o arguido AA permaneceu no interior do veículo, em funções de vigia, e o outro indivíduo dirigiu-se ao mencionado prédio, onde se apoiou de forma a subir pela parede e se introduzir pela porta da varanda do ofendido, que se encontrava aberta.

Já no interior da residência, após ter percorrido várias divisões e remexido em objectos que aí encontrou, o outro indivíduo retirou e levou consigo um anel em ouro, no valor de € 300,00, um fio em ouro, no valor de cerca de € 2.400,00 e o telemóvel do ofendido.

O outro indivíduo retirou dos quartos de casa do ofendido duas televisões, que colocou no hall de entrada.

Enquanto o arguido AA e o outro indivíduo praticavam estes factos compareceram no local agentes da P.S.P., devidamente uniformizados, os quais, após terem confirmado estar na presença da prática de um crime, implementaram um perímetro de segurança e deram voz de detenção aos arguidos.

Ainda no local os arguidos foram sujeitos a revista, tendo sido encontrado na posse do outro indivíduo o telemóvel do ofendido e um anel em ouro, entregues no local à ex-companheira do ofendido.

O arguido AA e o outro indivíduo quiseram agir corno agiram, em conjugação de esforços e vontades, com o intuito de se introduzirem na residência de SS e de fazerem seus os objectos que aí encontrassem, bem sabendo que deste modo agiam contra a vontade dos respectivos donos, o que apenas não conseguiram por motivos alheios à sua vontade.

O arguido e o outro indivíduo agiram de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei”.

Das condições sócio-económicas do arguido AA

5_ O processo de crescimento do arguido AA decorreu no seio da família composta pelos progenitores e uma irmã mais nova. O rendimento familiar era proveniente do trabalho precário do pai na área da ... e de alguns serviços esporádicos; e da mãe como trabalhadora ... em diferentes localidades.

6_ O controlo parental era efectuado essencialmente pela mãe por o arguido a acompanhar para as várias localidades onde a mesma trabalhava. As relações familiares eram tensas, pautadas pela dependência do ... do pai e o registo de frequentes conflitos, tendo sido este uma figura ausente do processo de crescimento do arguido.

7_ O arguido foi um estudante pouco motivado e com alguma dificuldade ao nível da aprendizagem por ser muito irrequieto e desestabilizador, tendo sido acompanhado em consultas externas no Hospital de ..., com toma de medicação para a hiperactividade.

8_ Com o falecimento da mãe, aos 12 anos de idade e sem controlo parental adequado por parte do pai, o comportamento na escola agravou-se, aumentou o absentismo, dedicando-se a vaguear com o grupo de pares, igualmente desintegrados do percurso escolar.

9_ O pai, fragilizado pela morte da mulher, com dificuldades acrescidas do ponto de vista económico, sem condições para criar os dois filhos que tinha a seu cargo e dificuldade para lidar com o comportamento desajustado de o arguido AA, solicitou a intervenção de uma tia paterna que se encontrava a viver em ..., tendo o arguido, com 16 anos de idade, e a sua irmã, então com 2 anos de idade, inserido o agregado dessa tia e de um primo, que naquele país detinham uma situação económica estável.

10_ Concluiu o 7º ano de escolaridade.

11_ Integrado no agregado familiar de sua tia, em ..., o arguido ingressou no meio laboral, exercendo actividade no sector da ... .

12_Com 18 anos de idade, em ..., iniciou vivência em união de facto, estando a sua companheira integrada laboralmente. Manteve a sua actividade laboral na área da ..., auferindo €450 por semana, sendo €1.800,00 por mês.

13_ Cumprido o mandato de captura europeu, foi extraditado para Portugal para cumprir a pena que lhe tinha sido aplicada.

14_ Em ..., os seus tempos livres eram passados em convívio junto da namorada.

15_ Encontra-se preso no Estabelecimento Prisional ..., desde ... de Julho de 2019, à ordem do processo nº 894/14.2... cujos termos correram no Tribunal Judicial de ... ... -Juízo Central Criminal de ... - J..., a cumprir a pena de 6 anos e 6 meses.

16_Na fase inicial de entrada no sistema prisional, demonstrou um comportamento agressivo e arrogante. Actualmente apresenta-se mais ponderado, com respeito pelas regras instituídas. Tem averbado o registo disciplinar, datado de ... de Agosto de 2019, por comportamento incorrecto. Aguarda colocação em actividade, no Estabelecimento Prisional.

17_Presentemente, recebe visitas do pai e da sua namorada. Tem, ainda, o apoio de familiares residentes em ..., nomeadamente da tia cujo agregado integrou aos 16 anos de idade.

18_ Perspectiva regressar a ... quando restituído à liberdade.»


2. Delimitação do objecto do recurso


Neste recurso, interposto pelo Ministério Público, está em causa a medida da pena única que o digno Recorrente entende por «desadequada e desproporcional às exigências de prevenção especial que o caso requer», «demasiado severa», sustentando-se ainda que «o acórdão cumulatório proferido nos autos não contém fundamentação quanto à possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, sendo que tal se ficou a dever à incompleta abordagem de parâmetros   a  ter  em  conta  na  análise global   que   se  impõe,   nos   termos    do  artigo  374º,   nº   2   do  CPP   e artigo 77º do Código Penal».


3. A questão da falta de fundamentação


Alega-se, como se vem de dizer, que «o acórdão cumulatório proferido nos autos não contém fundamentação quanto à possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão, sendo que tal se ficou a dever à incompleta abordagem de parâmetros   a   ter   em   conta   na   análise global   que    se   impõe,    nos    termos    do    artigo    374º,    nº    2    do   CPP    e artigo 77º do Código Penal» (conclusão 4.ª) e que «o acórdão, não fundamentou concretamente os motivos pelos quais concluiu serem tão intensas as razões de prevenção especial relativamente ao arguido AA, conforme decorre do artigo 50º, nº 1 do Código Penal e do artigo 71º, nº 2 alíneas c), d) e e) do Código Penal, em sede de determinação da medida da pena e de pressupostos para aplicação da suspensão da execução da pena de prisão, preceitos que o Tribunal “a quo”, violou, e que constituem uma insuficiência e consequente invalidade da decisão proferida nos autos».

O dever de fundamentação, expressamente consagrado no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, prescreve que sejam especificados os motivos de facto e de direito da decisão, impondo, por um lado, que se descreva expressamente os factos provados e a motivação de facto e, por outro lado, que se exponha os motivos de direito — subsunção do caso à previsão legal, argumentação jurídica, justificação de um certo sentido da interpretação da lei... — que estiveram na base da decisão tomada.

Ora, como se considera no acórdão deste Supremo Tribunal de 09-07-2014, proferido no processo n.º 548/10.9PABCL.S1 – 5.ª Secção, que se vem acompanhando, «também no caso de uma decisão sobre a aplicabilidade de uma pena única conjunta em sede de conhecimento superveniente, também esta fundamentação deve existir em cumprimento do art. 374.º do CPP, e ainda do art. 71.º, n.º 3, do CP, onde expressamente se diz que “na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena” — o que nos permite considerar que o legislador entendeu que havia uma necessidade de fundamentação da decisão judicial também na parte respeitante à escolha e determinação da medida da pena, que se trate de pena singular, quer de uma pena única conjunta, quer em casos de conhecimento “originário” do concurso de crimes, quer em situações de conhecimento superveniente. E neste seguimento o CPP estabelece no art. 375.º, n.º 1 que “a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da pena da sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social”.


E quando se trata de uma decisão que aplica uma pena única conjunta tem sido entendido que:

“uma decisão final cumulatória deverá integrar, conforme intersecção dos arts. 78.º, 77.º/1 e 71.º/3 CP com os arts. 471.º, 472.º, e 374.º/2 CPP, sob pena de nulidade por “falta de fundamentação” (art. 379.º/1,a) CPP):

a) A enumeração de cada uma das condenações sofridas, ordenadas pela data da prática dos crimes pelos quais o agente se mostra transitadamente condenado (para se explicitar imediatamente a evolução criminológica-criminal-penal), com expressa discriminação, além da data da ação ou omissão e da(s) respetiva(s) norma(s) incriminadora(s), do nomen iuris do crime pelo qual foi condenado acompanhado pelo menos de uma síntese compreensiva da atuação concretamente provada (por serem plúrimas as subsumíveis a uma norma incriminadora);

b) A referência à postura, v.g., negação ou confissão (que pode ser processual penalmente operante ou não, integral ou parcial) dos factos provados (como resulta da audiência de julgamento);

c) A data do trânsito de cada uma das decisões finais condenatórias (relevante para a definição do âmbito de um concurso vs de uma sucessão de crimes) a considerar na decisão a proferir conforme as soluções plausíveis de direito;

d) A referência aos dados pertinentes ao estado de cumprimento das penas concretamente aplicadas, a final;

e) A enumeração de todos os factos que tenham sido possível apurar quanto à história e condição pretérita e recente do condenado nas vertentes social, económica, familiar, cultural, profissional e ou laboral.” (Miguez Garcia/ Castela Rio, Código Penal com notas e comentários, Coimbra: Almedina, 2014, p. 394).

E, no que respeita à jurisprudência, este Tribunal tem, maioritariamente, entendido que enferma de nulidade, por falta ou insuficiência de fundamentação, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. a), por referência ao art. 374.º, n.º 2, ambos do CPP, a decisão cumulatória que, em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes, se limita a fazer uma referência aos crimes cometidos pelo condenado nos diversos processos em concurso, às datas da prática dos crimes pelo arguido, às datas das condenações e dos respetivos trânsitos em julgado.

Assim, entre outros, em acórdão de 10.01.2013, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que,

I - O tribunal está obrigado a fundamentar a decisão em termos de facto e de direito, indicando, ainda que sucintamente, as circunstâncias (de tempo, lugar e modo) em que foram cometidos os vários crimes que deram origem às várias condenações do recorrente, de maneira a que se perceba qual a ligação ou tipo de conexão que intercede entre os vários factos, encarados numa perspectiva global, e a sua relacionação com a personalidade do recorrente: se esses factos são a expressão de um modo de ser, de uma escolha assumida de determinado trajecto de vida, em suma, se radicam na personalidade do agente, ou se são antes fruto de uma multiplicidade de circunstâncias casuais, ou de uma particular conjuntura da vida do recorrente, uma situação passageira, mais breve ou mais longa, mas não um traço da personalidade (ou seja, aquilo que a doutrina designa de pluriocasionalidade).

II - No caso sub judice, o tribunal a quo fundamentou a medida da pena única, ainda que seguindo uma via minimalista, ou muito sucinta. O certo é que indicou os respectivos factos, caracterizando-os e referindo em que consistiram e o momento temporal em que foram praticados. A decisão recorrida podia ter ido um pouco mais longe na fundamentação, que não é inexistente ou substancialmente deficiente (só nesse caso merecendo a sanção de nulidade), e apenas demasiado sucinta, mas, ainda assim, perceptível quanto às razões que subjazem à determinação da pena única.» (processo n.º 218/06.2PEPDL.L3.S1, relator Rodrigues da Costa, também subscritor deste acórdão).

Ou seja, o Supremo Tribunal de Justiça tem, maioritariamente, entendido que não é necessária uma reprodução exaustiva de todos os factos considerados provados pelas decisões condenatórias referentes aos diversos crimes em concurso, bastando uma simples exposição sintética daquela factualidade, desde que se mostre suficiente para avaliar a ilicitude global do facto e a personalidade do agente. Não se exige nestas sentenças que procedem ao cúmulo das penas uma enumeração exaustiva facto a facto, pois esta já foi realizada em cada uma das decisões singulares, e ficou encerrada com o seu trânsito em julgado. O dever de fundamentação do acórdão ou sentença que procede à realização do cúmulo jurídico deve ser compreendido em conformidade com as finalidades que lhe são inerentes: a fundamentação deve ser a necessária e a adequada para apreender a imagem global do facto, para escrutinar se os diversos crimes cometidos pelo condenado são fenómenos ocasionais ou motivados por fatores conjunturais, ou se, pelo contrário, radicam em uma personalidade com apetência para a criminalidade, fazendo do crime o seu modo estrutural de atuação.»

Tem-se ainda entendido, por seu lado, que só a falta absoluta de fundamentação constitui nulidade.

Ora, no caso em apreço, o acórdão recorrido, independentemente da concordância ou discordância que ele possa suscitar, fundamenta com suficiência a fixação da pena única, convocando e especificando tanto as necessidades de prevenção geral como as necessidades de socialização no âmbito da prevenção especial.

Ou seja, a partir da descrição da factualidade apresentada é possível a percepção da imagem global dos factos e da personalidade do agente para que assim possamos avaliá-lo em ordem ao cumprimento do disposto no artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do Código Penal.

Conseguimos igualmente compreender e proceder a uma análise crítica dos fundamentos que estiveram na base da determinação da pena única aplicada. 

Pelo que entendemos que a decisão cumulatória está fundamentada, quer a nível da matéria de facto, quer a nível da matéria de direito, permitindo que seja sindicada quanto à determinação da pena única que realizou de modo a que se averigue se levou para a concreta ponderação da medida da pena «em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

E assim concluímos que decisão recorrida não está ferida de nulidade, nos termos do artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, pelo que improcede a questão da nulidade decorrente da alegada falta de fundamentação.


4. A medida da pena única


Estão englobadas no concurso, as penas seguintes parcelares em que o recorrente foi condenado:

A -  no processo nº 894/14.2...:

i.          a pena de 2 anos de prisão pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204º, nº 1, alínea b), e nº 4, e ao artigo 202º, alínea c), do Código Penal - praticado em ... de Janeiro de 2014;

ii.   a  pena de 4 anos de prisão pela prática de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204º, nº1, alínea b), do Código Penal - praticado em ... de Janeiro de 2014;

iii.   a  pena de 2  anos de prisão pela prática de um crime de roubo simples, p.e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal - praticado em ... de Dezembro de 2013;

iv.   a   pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal - praticado em ... de Abril de 2014;

v.   a pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal - praticado em ... de Junho de 2014;

vi.  a pena de 1 ano e 6 meses de prisão pela prática de um crime de roubo simples, previsto e punido pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal - praticado em ... de Junho de 2014.

 

B – No processo nº 80/14.1 PBLRS:

- a pena de 3 anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 2, alínea e), por referência ao artigo 202º, proémio e alínea a), do Código Penal - praticado em ... de Janeiro de 2014.


O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

O n.º 2 do mesmo preceito estabelece que «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera MARIA JOÃO ANTUNES que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico».

A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.

Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso» (sublinhado agora).

Por seu lado, lê-se no mesmo acórdão, «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente».

Neste domínio, dá-se nota no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-05-2015, (Proc. n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1 - 3ª Secção», «o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele (-)».

Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos «princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso» - acórdão do STJ de 10-12-2014 (Proc. n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1 – 3.ª Secção), imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que «[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu - se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido», sem esquecer, que «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização - acórdão do STJ de 27-06-2012 (Proc. n.º 70/07.0JBLSB-D.S1 – 3.ª Secção).

A decisão que determine a medida concreta da pena do cúmulo deverá, pois, correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade do condenado no domínio do ilícito cometido por forma a caracterizar a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado.

Tal decisão não pode, designadamente, deixar de se pronunciar sobre se a natureza e a gravidade dos factos reflecte a personalidade do respectivo autor ou a influenciou, «para que se possa obter, como se considera no acórdão que vem de se citar, uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, ou revela pluriocasionalidade (…), bem como ainda a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Tendo presentes as penas singulares supra indicadas e considerando o disposto no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, a moldura legal do concurso está compreendida entre um mínimo de 4 anos de prisão e um máximo de 15 anos e 6 meses.

Será dentro desta moldura que se terá que determinar a pena a aplicar em concreto ao arguido pelos crimes que praticou. E é aqui que se têm que ter em conta os factos e a personalidade do agente, ao lado das exigências de prevenção geral e especial e da sua culpa.

Do acórdão recorrido e da matéria de facto dada como provada, resulta que o arguido, agora recorrente praticou 6 crimes de roubo, um dos quais qualificado, e um crime de furto qualificado, tendo sido condenado nas penas singulares, já referidas, de 2 anos de prisão + 4 anos de prisão + 2 anos de prisão + 1 ano e 6 meses + 1 ano e 6 meses + 1 ano e 6 meses + 3 anos de prisão.

A actividade delituosa no âmbito destes crimes foi levada a cabo em finais de Dezembro de 2013, em duas ocasiões do mês de Janeiro de 2014, em ... de Abril e em ...de Junho do mesmo ano.

Os crimes de roubo foram cometidos pelo arguido de forma homogénea, quase repetitiva, e atingiram quer bens jurídicos patrimoniais, quer bens pessoais relativos à integridade física e à liberdade dos ofendidos. O arguido-recorrente, juntamente com outros, abordavam os ofendidos e usando a força, a superioridade física e numérica para intimidarem as vítimas, sucedendo que dois dos crimes foram cometidos num autocarro de transporte de passageiros.

Perante a prática sucessiva destes crimes, temos como razoável admitir que o conjunto dos factos praticados não é já revelador de uma tendência criminosa do recorrente, sendo de admitir que seja reconduzível a uma pluriocasionalidade não radicada na sua personalidade.

Como se reconhece no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17-03-2016, proferido no processo n.º 125/15.8T8VCD. S1 – 3.ª Secção, «o roubo é, hoje, um crime temível, sobretudo quando emergente de grupos, sempre de difícil controle, imprevisibilidade de acção, usando os seus agentes, por vezes, meios de actuação sofisticados, deslocalizando-se com facilidade, tornando mais complexa a sua neutralização, com o que a pertinência a essa forma de acção traz um “plus“ de culpa e de ilicitude, de censura e antijuridicidade, antinormativismo».

É, sem margem para dúvidas, elevada ilicitude global dos factos praticados com as inerentes necessidades de prevenção geral, já devidamente ponderadas na fixação das várias penas singulares.

Registe-se que as vítimas não sofreram lesões corporais e que, com excepção de um caso, os valores patrimoniais atingidos nos crimes de roubo não atingem a marca «valor elevado» estabelecida no artigo 202.º, alínea a), do Código Penal.

Por outro lado, há que ponderar que o agora recorrente tinha 16 anos nas datas em que praticou os crimes. Tal circunstância foi necessariamente tida em conta na fixação de cada uma das penas parcelares, cumprindo, a propósito, lembrar que «num acórdão de cúmulo jurídico o que está em causa é a punição de uma pluralidade ou concurso de crimes, a que se encontram aplicadas penas por decisões transitadas em julgado, tendo em conta as disposições conjugadas do n.º 1 do art. 30.º e do art. 77.º do CP».

Em sede de avaliação da ilicitude global do comportamento do arguido, a sua idade na data da prática dos crimes não pode assumir um valor atenuativo particularmente relevante,  atenta a sua actividade criminal e o tipo de delitos por si perpetrados.

Porém, é relevante, em especial, o longo tempo já decorrido desde a prática dos factos sem que se conheça comportamento merecedor de reparo ao nível criminal.

As exigências de prevenção geral positiva ou de integração são bastante salientes num tipo de crime como o de roubo, em que avulta a agressão a bens de natureza pessoal de grande ressonância ético-social, como a vida e a integridade física.

Sublinha-se: os crimes de roubo causam forte alarme e abalo na comunidade, determinando a instalação de um sentimento de insegurança nas pessoas. Há necessidade de transmitir um sinal claro à comunidade no sentido da afirmação da validade da norma violada, restabelecendo o sentimento de segurança abalado pelo crime.

Tudo ponderado, considerando ainda as condições pessoais do recorrente e medianas as exigências de prevenção especial aqui presentes já que não tem antecedentes criminais e que, actualmente, após alguma agressividade na fase de entrada no estabelecimento prisional, revela um comportamento mais ponderado, registando-se, porém no acórdão recorrido uma postura que «espelha a falta de consciência da gravidade das suas condutas, Justifica-se aqui uma intervenção correctiva da pena conjunta aplicada no sentido da sua redução.

Em face da já referida moldura penal do concurso – de 4 anos de prisão a 15 anos e 6 meses de prisão – e da também já assinalada da gravidade dos crimes competidos, em particular, dos crimes de roubo, consideramos justa e adequada a fixação de uma pena única de 5 anos e 3 meses de prisão.


5. Da suspensão da execução da pena

Tendo presente a dimensão da pena aplicada – superior a 5 anos de prisão – falta o pressuposto formal da suspensão da execução da pena exigido pelo artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.


III – DECISÃO

Em face do exposto, acordam os juízes da 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, condenando-se o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas no processo nº 894/14.2... cujos termos correram na Instância Central do Tribunal Judicial de ... - J... e no processo nº 80/14.1 PBLRS (presentes autos).

Sem custas (artigo 513.º, n.º 1, e 522.º do CPP).

(Texto processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP – que assina digitalmente)

Tem voto de conformidade da Ex.ma Conselheira Adjunta Conceição Gomes.           


SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 4 de Novembro de 2020


Manuel Augusto de Matos (Relator)