Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
217/22.7PVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECLAMAÇÃO
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :
No âmbito da nulidade da sentença por omissão de pronúncia, por questão deve entender-se o problema concreto, de facto ou de direito, a decidir, e não também, os motivos, os argumentos e os pontos de vista invocados pelos sujeitos processuais, em abono das respectivas pretensões, pelo que, só em relação àquela, e não, também, a estes, se pode coloca a possibilidade de o tribunal ter omitido pronúncia.
Decisão Texto Integral:

RECURSO Nº 217/22.7PVLSB.L1.S1


Recorrente: AA.


Recorrido: Ministério Público.


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Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÒRIO


Por acórdão de 17 de Abril de 2023, foi o arguido AA condenado, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, h) do Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B e I-C anexas, na pena de seis anos de prisão.


Inconformado com a decisão, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal que, por acórdão de 7 de Dezembro de 2023, negando provimento ao recurso, confirmou o acórdão da 1ª instância.


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Por requerimento de 21 de Dezembro de 2023 veio o arguido invocar a nulidade do acórdão de 7 de Dezembro de 2023, ao abrigo do disposto nos arts. 380º, nº 1, 379º, nº 1, c) e 425º, nº 4, todos do C. Processo Penal, afirmando que o mesmo não se debruçou sobre todos os argumentos vertidos nas conclusões 7ª a 12ª do recurso por si interposto, e concluiu pela procedência da arguição e consequente pronúncia por este Supremo Tribunal sobre todas as questões que lhe foram colocadas, mormente os restantes argumentos mencionados nas conclusões referidas.


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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal respondeu à reclamação alegando, em síntese, que a nulidade por omissão de pronúncia apenas ocorre se alguma questão que devia ser conhecida não obteve qualquer valoração e decisão, o que não é o caso, pois o acórdão reclamado pronunciou-se sobre a questão do invocado vício da alteração da qualificação jurídica operada no despacho de recebimento da acusação a páginas 20 a 25, sendo certo que o arguido reclama da desconsideração de alguns dos argumentos esgrimidos, e concluiu pelo indeferimento da nulidade.


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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO


O recorrente suscita, na reclamação apresentada, a nulidade do acórdão reclamado, por omissão de pronúncia.


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Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia


1. Comecemos por notar que, nos termos do disposto no art. 425º, nº 4 do C. Processo Penal, é aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, o regime da nulidade da sentença proferida pela 1ª instância.


O C. Processo Penal prevê no art. 379º o regime específico da nulidade da sentença, cominando como tal – de forma simplificada –, a falta de fundamentação (alínea a) do nº 1 do artigo citado), a condenação por factos diversos dos descritos na acusação ou na pronúncia (alínea b) do mesmo nº 1) e a omissão e o excesso de pronúncia (alínea c) do mesmo nº 1).


Existe omissão de pronúncia, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.


As questões a apreciar são as de conhecimento oficioso e as que foram submetidas à apreciação do tribunal pelos intervenientes processuais, desde que sobre elas não esteja legalmente impedido de se pronunciar.


É unanimemente entendido que, por questão se deve entender o problema concreto, de facto ou de direito, a decidir, e não também, os motivos, os argumentos, as doutrinas e os pontos de vista invocados pelos sujeitos processuais, em abono das respectivas pretensões, o que significa que só em relação àquela, e não, também, a estes, se coloca a possibilidade de o tribunal ter omitido pronúncia (Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, obra colectiva, 2014, Almedina, pág. 1182, Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, obra colectiva, Tomo IV, 2022, Almedina, pág. 801 e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Setembro de 2023, processo nº 257/13.7TCLSB.L1.S1 e de 24 de Outubro de 2012, processo nº 2965/06.0TBLLF.E1, in www.dgsi.pt). Com efeito, a possibilidade legal de arguição de nulidades não se destina a discutir argumentos a elas relativos.


Dito isto.


2. Pretende o arguido, como expressamente refere, que o acórdão reclamado não apreciou os argumentos que levou às conclusões 7ª a 12ª por si formuladas na motivação do recurso.


Estas conclusões têm o seguinte teor:


7ª - Está vedado ao juiz, tenha havido instrução ou não, deixar de receber a acusação e a pronúncia, alterá-la, corrigi-la ou alterar a qualificação jurídica indicada pelo Ministério Público, fora das hipóteses do nº 2. O acusatório assim o exige.


8ª - Naturalmente que o Juiz que age nos termos do n.º 2 do artigo 311º do Código de Processo Penal age próximo do risco de inconstitucionalidade, já que se atribui ao mesmo juiz o papel de fiscalizador moderado da acusação e de presidente da fase de julgamento, algo excluído pelo processo acusatório. Esse risco, no entanto, parece estar limitado, excluído, diríamos, pela interpretação restritiva a que haverá que sujeitar os citados preceitos.


9ª - Mas se o Juiz de julgamento, ao lavrar despacho nos termos do artigo 311º do C.P.P. age fora do espaço limitado que lhe é concedido pelos n.ºs 2 e 3 do preceito é evidente que viola a dimensão orgânica do acusatório por estar a exercer uma fiscalização e controlo da actividade do Ministério Público e, consequentemente, a violar o disposto no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.


10ª - Segundo a jurisprudência e a letra da lei, se não é possível alterar a qualificação em sede de audiência sem produção de prova, não faz sentido aceitar ideia contrária em fase anterior e sem que haja a possibilidade de produção de prova, ou sequer de exercício do contraditório.


11ª - A necessidade de produção de prova para permitir a alteração da qualificação jurídica tem a ver com a definição de um limite até ao qual o acusatório deve considerar-se intocado. Não faria sentido permitir a sua violação em momento anterior e sem condições.


12ª - Face ao que exposto deverá ser concedido provimento ao presente segmento do recurso e, em consequência, revogado - a decisão que alterou a qualificação jurídica dos factos vertidos na acusação, a qual, deverá ser substituída por outra que designe data para julgamento nos termos constantes da acusação deduzida, anulando-se assim o acórdão proferido.


Como se vê, é o próprio arguido quem qualifica como argumentos o que fez constar das indicadas conclusões, e assim é de facto, pois que o que nelas se polemiza visa invalidar a alteração da qualificação jurídica constante da acusação operada no despacho a que alude o art. 311º do C. Processo Penal.


A questão em causa é, pois, a da invalidade do referido despacho com o mencionado fundamento.


Ora, basta ler o acórdão reclamado para concluir que a questão foi, efectivamente, nele conhecida.


Com efeito, no ponto II., do acórdão, sob o título, «Da revogação do acórdão recorrido com fundamento na ilegalidade da alteração da qualificação jurídica que consta da acusação, no despacho que a recebeu», ao longo de seis páginas [17 a 22], foi a questão analisada e decidida no sentido de consubstanciar uma mera irregularidade, já sanada.


Inexiste, pois, a arguida nulidade.


Em suma, porque os argumentos não podem fundamentar a omissão de pronúncia, enquanto nulidade da sentença, e porque a questão submetida pelo arguido à apreciação do tribunal foi efectivamente por este conhecida, não padece o acórdão reclamado da referida nulidade.


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III. DECISÃO


Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em julgar improcedente a reclamação do arguido sobre o acórdão deste Supremo Tribunal de 7 de Dezembro de 2023, fundada em nulidade por omissão de pronúncia, por não enfermar o mesmo desta nulidade.


Custas pelo arguido, fixando-a a taxa de justiça em 3 UCS (art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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Lisboa, 11 de Janeiro de 2024


Vasques Osório (Relator)


Jorge Bravo (1º Adjunto)


João Rato (2º Adjunto)