Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
29108/18.4YIPRT.C1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ÓNUS DA PROVA
FACTO CONSTITUTIVO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 02/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I – Ao Supremo Tribunal de Justiça não cabe sindicar a decisão da Relação sobre a matéria de facto quando está em causa prova sujeita à livre apreciação do julgador;

II – Se é certo que na responsabilidade contratual se presume a culpa do devedor, (art. 799º do CC), os restantes pressupostos - a ilicitude, ou seja, a desconformidade entre a conduta devida e a observada, a culpa, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano - devem ser provados pelo credor, por serem constitutivos do direito alegado (nº 1 do art. 342º do CC).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.



José Aldeia Lagoa e Filhos SA, instaurou procedimento de injunção contra Arch SA, com vista a obter o pagamento da quantia de €14.799,25, acrescida de juros de mora já vencidos no montante de €474,50 e de indemnização de custos de cobrança, com fundamento na venda à Ré de produtos que comercializa e que não foram pagos.

A Ré contestou e deduziu pedido reconvencional de €137.006,18, alegando que os produtos que a Autora lhe forneceu apresentavam vários defeitos, o que lhe causou prejuízos naquele montante de que pretende ser ressarcida.

Foi proferida sentença que decidiu:

Quanto à acção, condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €14.799,25, sem juros, até ao apuramento do valor da indemnização devida à Ré consequente do incumprimento defeituoso;

Quanto à reconvenção, condenou a Autora a pagar à Ré “a quantia que se vier a apurar em liquidação da sentença, correspondente aos prejuízos decorrentes do fornecimento de caco micronizado, com excesso de cálcio à Ré, até ao apuramento do valor da indemnização que é devida à Ré, relegando-se para liquidação o apuramento de qual das partes é devedora da outra.


Da sentença apelaram ambas as partes, tendo a Autora recorrido subordinadamente, impugnando a matéria de facto.

O acórdão da Relação … de 31.03.2020, deu provimento ao recurso da Autora sobre a matéria de facto e, em consequência, decidiu:

Condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de €14.795,25, acrescida de juros de mora, à taxa comercial, desde o dia seguinte ao do vencimento fixado nas facturas;

Absolver a Autora do pedido reconvencional.


Inconformada, a Ré interpôs recurso de revista, no qual pede que seja julgado nulo o acórdão da Relação …, na parte em que apreciou a matéria de facto e, em qualquer caso, seja o mesmo revogado e substituído por outro que julgue a acção improcedente e procedente a reconvenção.

Formula as seguintes conclusões:

I. O Tribunal da Relação (…..) só poderia alterar os factos em resultado de uma livre apreciação do julgador, mas já não em resultado da livre arbitrariedade do julgador.

II. O direito de recurso para uma segunda instância poder reapreciar os factos, não pode e não deve ser subversivo, ou seja não pode ser entendido que o que foi previsto para corrigir erros efetuados por uma primeira instância seja exercido como um poder absoluto da exclusiva vontade ou de exclusiva perspectiva, tanto mais que não existe uma terceira oportunidade de promover nova correção.

III. A   reapreciação da matéria de facto só pode ser exercida (no sentido de ser alterada) desde que promova de forma fundamentada e motivada a correcção do erro de julgamento na apreciação dos factos.

IV. É essencial que o Tribunal da Relação analise novamente a prova no seu todo e a ouça e reproduza e que aponte concretamente os erros de apreciação (ou de julgamento).

VI. No caso dos presentes autos o Tribunal da Relação não conclui (nem indica de forma fundamentada) por um erro de apreciação de julgamento e que deveria ter sido julgado em sentido inverso, mas  apenas tirando ilações de algumas situações já que criou a dúvida e fundamentou-se na dúvida.

VII. Dúvida que o Tribunal Central Cível …., que ouviu as testemunhas todas e as confrontou não teve.

VIII. No entanto, para a alteração da matéria de facto não bastará a dúvida, mas sim a convicção de que existiu um erro de julgamento e, nessa medida, deveria ser julgado em sentido diverso.

IX. O Tribunal da Relação (…..) exerceu de forma errónea o direito de reapreciação dos factos e tal ato está “ferido” de nulidade, cuja apreciação da forma não sustentada como foi exercido está sujeita ao escrutínio e apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça.

X. O que é inadmissível - juridicamente pensando - é que de forma totalmente arbitrária - e diz-se arbitrário ao que não foi verificado, justificado, motivado e identificado como erro de julgamento dos factos que imponha decisão diversa - se proceda à alteração de factos, sob o denominado princípio da LIVRE APRECIAÇÃO DO JULGADOR.

XI.  E, isto impõe-se que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie, se a alteração efetuada à matéria de facto foi efetivamente no âmbito da livre apreciação do julgador e a tal justificou ou se não livremente apreciou, mas sim mudou porque protegido pelo dito princípio da dita livre apreciação livremente arbitrou.

XII. Uma coisa será seguindo critérios de legalidade identificar o erro e corrigi-lo, outra coisa será seguir um critério de exclusiva vontade ou perspetiva (pessoal) sobre determinado assunto, modificá-lo, o que está ferido de ilegalidade.

XIII. O Supremo Tribunal de Justiça tem efetivos poderes de apreciação sobre se os critérios da legalidade foram cumpridos ou não, porque trata-se de julgar, interpretar e aplicar o direito que esteve subjacente na aplicação e formulação da decisão.

XIV. Na primeira Instância (TRIBUNAL CENTRAL CÍVEL ….) a existência do defeito ficou claramente demonstrada (provada), assim como a origem ou a causa do mesmo.

XV. Na segunda Instância (TRIBUNAL DA RELAÇÃO …) a existência do defeito ficou ainda (mesmo assim) claramente demonstrada (provada), mas não a origem ou a causa do mesmo.

XVI. Assim, o defeito – apesar de tudo – continua lá “os artigos sanitários fabricados pela ré com a “pasta de sanitário”, composta pelo caco micronizado e outras substâncias, após a cozedura daquela, apresentaram na sua superfície poros, picos ou bolhas.”

XVII. No entanto, sem causa ou origem, uma vez que se deixou a atribuir que tal defeito resultava do caco micronizado fornecido pela autora, aqui recorrida.

XVIII. O Tribunal da Relação …. não invoca ter procedido à audição da prova produzida e pela confrontação de depoimentos ter chegado a conclusão diversa, faz apenas    considerações cruzadas entre a leitura de uma sentença conjugada com as alegações de recurso da autora e não mais.

XIX. O Tribunal da Relação …. para proceder a esta alteração que importa repercussão   substancial nos direitos e obrigações das partes, apesar de a efetivar, não apontou, nem verificou (que da prova existente e que tivesse ouvido) qualquer erro de apreciação da prova pela primeira instância.

 XX. O Tribunal da Relação ….  apenas aplicou, por confusão entre o direito civil e o direito penal (como a recorrida invocou nas suas alegações de recurso) o princípio in dúbio pro reo.

XXI. Da análise do acórdão verificasse (sic) que não existe uma convicção própria que resulte de uma apreciação da prova por reprodução (audição) integral da mesma, pois não invocou, não motivou e não justificou os erros de julgamento que impunham a alteração e decisão diversa.

XXII. O Tribunal da Relação …. invoca a falta de reclamação da ré para tirar ilações, mas tal não constitui qualquer facto em análise, nem consta da decisão da primeira instância.

XXIII. Mas, mesmo isso, dos autos resulta que o processo deu entrada pela autora em 08 de Março de 2018, a ré foi notificada em 09 de Março de 2018, recebida a 15 de Março de 2018 e os documentos n.ºs 1, 2 e 3 junto com a oposição - Medição e ensaios e análises laboratoriais de materiais do Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro - e que demonstraria o resultado em que se verificava o excesso de cálcio no caco micronizado fornecido pela autora, aqui recorrida, correspondendo, assim, ao fim de percurso feito pela ré, aqui recorrente, na identificação da origem ou causa para o defeito só ficou “pronto” em 20 de Fevereiro de 2018, depois ainda teve ser recebido pela ré, aqui recorrente, analisado e fazer os cálculos (dos prejuízos) que permitiria fazer a reclamação, o que, tudo somado, não tornou viável uma reclamação (como se pretendia fundamentada), pois (atenta a atitude da autora avançar com a ação de cobrança) já não era tempo de reclamar (enquanto reclamação extrajudicial), mas sim de contestar a ação intentada pela autora, na forma que se fez e consta dos autos,

XXIV. Também do depoimento da testemunha AA, que mais não é (embora o Tribunal da Relação …. ignore, porque, convictamente não ouviu a prova e as competências específicas das testemunhas) um Engenheiro Químico com mais de 40 anos de experiência em cerâmica e nas fórmulas de pastas de cerâmicas (porventura fator relevante para o Juízo Central Cível …., mas irrelevante tal qualidade (competência) específica e especializada da testemunha para o Tribunal da Relação …) resulta que efetivamente após a constatação do defeito iniciou-se todo um processo (descrito pelo referido Engº Químico) de análises e de tentativas para identificação da causa, que implicou muitos processos exaustivos, morosos e de exclusões e cuja última e só após exclusão de todos os outros elementos e processos de fabrico apontou para o caco micronizado.

XXV. Daí que, o Juízo Central Cível …. refira na sua motivação: “... apenas porque o desenrolar dos acontecimentos, tal como foi descrito pelas outras testemunhas (que relataram as diligências encetadas para apuramento da origem dos defeitos detetados nas peças sanitárias), parecer coeso e verosímil, não se surpreendendo na descrição dos factos inverdades ou incoerências”

XXVI. Daí que a indução/ilação pelo Tribunal da Relação ….. que a não reclamação equivale a criar a convicção da inexistência ou dúvida sobre o direito, além de errónea é insuscetível de criar qualquer convicção para uma livre apreciação que fundamente uma alteração tão profunda à matéria de facto.

XXVII. E, sobretudo não pode sustentar que exista  um erro de julgamento na  matéria de facto pelo Juízo Central Cível ….

XXVIII. A constatação da evidência pelo Tribunal da Relação ….. de que o processo de fabrico da louça inclui diferentes matérias primas … e que tornam um conjunto complexo … e que existe cálcio em outras matérias primas … e que o caco moído ou micronizado seria o mesmo que em grosso (partido ou aos bocados) seria o por si fornecido em nada muda o sentido ou a convicção para os factos provados, pois não resulta desta constatação que efetivamente eram nos outros elementos do fabrico que estavam os excessos de cálcio, nem que o caco (antes de moído e micronizado) estaria já contaminado, impondo, por isso, uma alteração aos factos.

XXIX. É da mera especulação (ilações) que o Tribunal da Relação ….. chega à dúvida e da dúvida à alteração dos factos, mas não sob o critério da livre convicção fundamentada e que nessa medida identifica o erro do primeiro julgador.

XXX. Tal como, porque não resultou prova disso, seria especulação, mas é hipótese que o caco micronizado ou moído pela autora, aqui recorrida, não seria na totalidade o fornecido pela ré, aqui recorrente, pois como é fácil de constatar e de conhecer, com naturalidade, seria impossível à ré, aqui recorrente, saber que o caco que recebia moído era exatamente o mesmo que fornecia ainda em grosso, tal só advinha da natural confiança na relação comercial e contratual entre as partes (autora e ré).

XXXI. Mas, sabe-se que, se o Tribunal da Relação … fizesse a análise profunda aos autos e à prova produzida nos mesmos teria chegado à conclusão que não poderia concluir que tais induções ou evidências seriam suficientes para divergir na convicção jurídica da forma fundamentada (diferente de arbitrária), na apreciação da prova efetuada Juízo Central Cível  …...

XXXII. A este respeito repristinámos, novamente, uma pequena parte da motivação do Juízo Central Cível ….., que refere na sua motivação: “Mas o tribunal, perante duas versões díspares dos factos, atendeu à versão das testemunhas acima referidas, em detrimento do depoimento desta última, não por o seu depoimento ser pouco credível; apenas porque o desenrolar dos acontecimentos, tal como foi descrito pelas outras testemunhas (que relataram as diligências encetadas para apuramento da origem dos defeitos detetados nas peças sanitárias), parecer coeso e verosímil, não se surpreendendo na descrição dos factos inverdades ou incoerências”

XXXIII. E, isto é que não foi contrariado, por convicção motivada e sustentada pelo Tribunal da Relação …., como se impunha, para legalmente poder ter cabimento ou enquadramento as alterações efetuadas à matéria de facto.

XXXIV. Pois, diremos ainda e em acrescento que resulta do depoimento da testemunha AA, que mais não é um Engenheiro Químico com mais de 40 anos de experiência em cerâmica e nas fórmulas de pastas de cerâmicas que após a constatação do defeito iniciou-se todo um processo (descrito pelo referido Engº Químico) de análises e de tentativas para identificação da causa, mudanças de processo de fabrico, tudo excluindo todas as partes até chegar ao caco moído ou micronizado, como o único elemento ou matéria prima suscetível de provocar tal efeito - isto consta tudo da gravação do depoimento, que o Tribunal da Relação ….. não identificou como um erro de julgamento.

XXXV. Tal como consta da gravação do depoimento da aludida testemunha que só após isso é que mandou fazer as análises dos concretos materiais a um laboratório que por sinal é de credibilidade reconhecida, acreditado pela IPAC, o Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, para comprovar o que tinha verificado, tendo a testemunha traduzido (por miúdos) ao Tribunal - Juízo Central Cível …. os relatórios, mas que o Tribunal da Relação ….. não faz alusões.

XXXVI. Tal como consta ainda da gravação que a ré, aqui recorrente, em cada processo de fabrico apenas utiliza em exclusivo a matéria prima de um fornecedor, fazendo fabricos com fornecimentos estanques, e que em todos os anos nunca tal aconteceu com tal matéria prima vinda de outros fornecedores, ou seja o caco micronizado (fornecido em grosso pela ré ao fornecedor e vendido moído ou micronizado pelo fornecedor à ré), nem antes da autora, aqui recorrida, nem depois da autora, aqui recorrida.

XXXVII. Foi explicado e demonstrado ao tribunal todo o processo de descoberta até chegar ao último elemento, como explicado o mais insuspeito, o caco micronizado.

XXXVIII. Tudo isto consta das gravações, mas não é abordado ou analisado ou referido para mudar o sentido da decisão, daí que esta mudança dos factos provados pelo Tribunal da Relação foi apenas arbitrária, o que é, seguramente no direito, inadmissível e ilegal.

XXXIX. O Tribunal da Relação ….., como afirma, não ficou com a convicção de que do depoimento das testemunhas e da análise de documentos o defeito não exista e que a causa ou origem não seja aquela, mas que não ficou com a certeza e na falta de certeza resolve a apreciação da prova contra a ré, aqui recorrida, porque seria a quem aproveitaria e a quem caberia a demonstração do facto.

XL. Ora, o Tribunal da Relação …. não altera o sentido dos factos porque ficou convencido que se impunha decisão diversa, mas porque (segundo invoca) ficou com duvidas.

XLI. E, o Tribunal da Relação …. não altera o sentido dos factos porque tenha verificado um erro de julgamento ou de apreciação, mas porque (segundo invoca) ficou com duvidas.

XLII. Se o Tribunal da Relação …. ficou com dúvidas, é sinal evidente que não constatou, não verificou e não motivou qualquer erro na apreciação da prova pelo Juízo Central Cível ….., pelo que não tinha o poder ou o direito de usar a lei e o processo para alterar os factos.

XLIII. E, as demais declarações das outras testemunhas invocadas pelo Tribunal da Relação …. só podem ser vistas para confirmar tudo o que foi verificado, vivenciado e feito pessoalmente pela testemunha AA e não para o contrário.

XLIV. Sem esquecer que tais verificações foram vivenciadas e feitas, pessoalmente, pela referida testemunha AA, Engenheiro Químico com mais de 40 anos de experiência em cerâmica e nas fórmulas de pastas de cerâmicas.

XLV. E, cujas verificações foram traduzidas nos relatórios (documentos 1 a 3 da oposição) do laboratório - Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro.

XLVI. Tal como a questão da identificação como Feldespato foi minuciosamente explicado pela testemunha AA, Engenheiro Químico, mas que o Tribunal da Relação …. não acompanhou, nem a tal se refere de forma perfeitamente identificada com o motivo para o efeito porque não ouviu as gravações da prova, caso contrário a explicação estava lá.

XLVII. A testemunha AA, Engenheiro Químico, não quis, propositalmente, identificar o produto, para não serem cruzadas outras informações, mas o que efetivamente queria era identificar e demonstrar laboratorialmente, por entidade terceira, as quantidades químicas que se encontravam nas amostras enviadas e que estas correspondiam (como também explicou ao tribunal e consta das gravações) ao caco da autora (as amostras 5- L e 1-L) e ao caco da ré (a amostra F).

XLVIII. E, efetivamente, o que se pode apreciar e obter é o que resulta do seu conteúdo e não pelo que se denomina.

XLIX. E, isto foi explicado pela testemunha AA, Engenheiro Químico, mas que o Tribunal da Relação …. não acompanhou, nem a tal se refere de forma perfeitamente identificada com o motivo para o efeito porque não ouviu as gravações da prova, caso contrário a explicação estava lá.

L. E, por isso ao contrário do afirmado as declarações da técnica BB, não poderiam de servir a qualquer sustentação, nem se percebe como o Tribunal da Relação … se poderá apoiar em tal, pois resultará em conhecimento comum que o resultado de uma análise irá traduzir o que resulta da efetiva amostra em recolha e análise e não do que se lhe chama.

LI. E, nem as declarações da testemunha BB, invocadas pelo Tribunal da Relação ….., poderiam levar a conclusões diferentes, nem serviriam para colocar em causa o depoimento da testemunha AA, nem para chegar a conclusão diversa.

LII. Resulta, assim, inexistirem quaisquer razões para que o Tribunal da Relação ….., pudesse, seguindo um critério legal, verificar qualquer erro de apreciação e julgamento da matéria de facto pelo Juízo Central Cível de …. e, nessa medida, proceder à alteração da matéria de facto na forma como efetuou.

LIII. A ALTERAÇÃO DOS FACTOS PELA INSTÂNCIA DE RECURSO NÃO É (OU NÃO DEVERIA SER) UM MERO RESULTADO DE UMA VONTADE OU DE UM QUERER, NO SENTIDO DE QUE NÃO PODE SER O RESULTADO DE QUE TEM (APENAS) A MELHOR CONVICÇÃO DO QUE A PRIMEIRA INSTÂNCIA, MAS SIM E APENAS QUE OS FACTOS DA PRIMEIRA INSTÂNCIA FORAM ERRADAMENTE APRECIADOS, SUSTENTANDO, JUSTIFICANDO E MOTIVANDO (POR EXPRESSA INDICAÇÃO) O ERRO DE JULGAMENTO   (APRECIAÇÃO) DA PRIMEIRA INSTÂNCIA E SEGUINDO CRITERIOS LEGAIS DO ARTIGO 662.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

LIV. SE NÃO FOR ASSIM, O RESULTADO DA ALTERAÇÃO, SÓ PODE SER O DA NULIDADE.

LV. E, ASSIM É O CASO DOS PRESENTES AUTOS.

LVI. Tal nulidade tem a sua sustentação, além dos princípios de direito, na lei, nomeadamente no artigo 615.º (n.º 1 alínea b)) e no artigo 662.º, ambos do Código de Processo Civil.

LVII. No limite, o que se percebe do escrito no acórdão do Tribunal da Relação …. é que (porque houve depoimentos diferentes e como se isto não fosse o banal dos processos) instalou-se (para o Tribunal da Relação ….) a dúvida.

LVIII. E, com dúvida deveria socorrer-se, como estabelece o preceituado, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

LIX. Mas o Tribunal da Relação ….., alicerçou a alteração da decisão da Primeira Instância sustentada no que considerou a dúvida e partindo da dúvida, retirou ilações e “chegou” às presunções judiciais, violando contudo as normas legais, nomeadamente o artigo 662.º do Código de Processo Civil, desenvolve raciocínios que carecem de uma coerência lógica e em factos não provados (como por exemplo que a autora fez análises da matéria prima vendida e que o resultado dos mesmos seria “x”, o que não consta dos factos, nem provados, nem não provados).

LX. Nenhum destes critérios (do artigo 662.º do Código de Processo Civil) foi respeitado e nenhuma das previsões legais foi aplicada, o que torna nula a decisão, porque não existem fundamentos, nem justificação para a alteração efetuada.

LXI. O que, legitima a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso, a corrigir anulando a decisão da segunda instância e ordenando a aplicação das previsões legais, mantendo os factos provados e pronunciar-se sobre o recurso da ré, para o Tribunal da Relação ou no limite (seguindo todo o raciocínio e alusões do acórdão do Tribunal da Relação ….) aplicar as alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

LXII. Concluindo-se que (como já dito e estudado) a questão, em sede de apreciação global e crítica da prova, resume-se a saber se os meios probatórios invocados pelos recorrentes são suscetíveis de fundamentar a convicção, do Tribunal de segunda Instância, sobre a existência de qualquer erro de julgamento por parte da primeira instância.

LXIII. Também é, este o sentido da Jurisprudência que se enunciou na motivação deste recurso e para a qual se remete, pela sua essencialidade, mas que pela sua extensão aqui não se repete.

LXIV. Pelo que, REQUER A NULIDADE DO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO …., POR VIOLAÇÃO DOS PRINCIPIOS JURIDICOS SUBJACENTES À ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E, NOMEADAMENTE DOS ARTIGOS 615º E 662.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E DOS ARTIGOS 349,º E 351.º DO CÓDIGO CIVIL.

DO RECURSO DE DIREITO (EM SENTIDO ESTRITO DA CAUSA, UMA VEZ QUE O AQUI ANTERIOR EM RECURSO NÃO DEIXA DE SER DE DIREITO).

LXV. Apesar de não prescindir do anteriormente alegado, impõe-se à aqui recorrente, que efetue o presente recurso de direito, tendo por base a matéria de facto fixada, no momento deste recurso, e que corresponde à matéria de facto fixada pela primeira instância com as alterações da segunda instância.

LXVI. Resulta da factualidade provada (neste momento deste recurso), que autora e ré são duas sociedades comerciais.

LXVII. E, inequivocamente, a autora forneceu matéria prima à ré e o produto produzido pela ré, que incorporava, também, essa matéria prima tinha defeito.

LXVIII. Estamos, assim, no âmbito de relações contratuais e, portanto, de responsabilidade contratual.                

LXIX. O contrato subjacente à relação comercial entre a autora e a ré é o da compra e venda e fornecimento.

LXX. E, está demonstrado que a produção da ré continha defeitos, aquando da utilização do produto (matéria prima) fornecido pela autora à ré.

LXXI. Podendo dizer-se que o produto produzido continha outros elementos e produtos, mas não existiu qualquer demonstração que os demais elementos ou matérias continham defeitos.

LXXII. Aliás, desde logo, dois dos produtos base e que permitem fazer a produção que viria a ser produzida com defeitos foram vendidos pela autora à ré.

LXXIII. Assim, os dois produtos de matéria prima (caco e feldespato) foram vendidos pela autora à ré e na sua utilização a produção da ré, como resulta dos factos provados, resultava produto defeituoso.

LXXIV. Não foram identificados quaisquer outros produtos ou matéria prima, para além dos dois fornecidos pela autora à ré, e que fossem sequer suscetíveis de conter defeito ou cálcio em excesso.

LXXV. Na responsabilidade contratual a culpa presume-se do devedor (vendedor).

LXXVI. Cabe ao vendedor, neste caso à autora, afastar a culpa, demonstrando e provando não a ter, o que não foi efectuado, nem resulta dos factos provados.

LXXVII. E, presumindo-se a culpa da autora, imputa-se e resulta a sua responsabilidade.

LXXVIII. É, assim, a autora responsável pelos produtos defeituosos que a ré produziu e fabricou e pelo ressarcimento dos prejuízos por esta sofridos.

LXXIX. Tanto mais que, beneficiando a ré de uma presunção legal não tem que provar os factos que a ela conduzem, invertendo-se quanto a esses factos, se constitutivos do direito do demandante, o encargo da não prova para a contraparte “ex vi” do n.º 1 do artigo 344.º do Código Civil.

LXXX. Na responsabilidade contratual há uma presunção legal “tantum juris” da culpa do contraente faltoso, mas é sobre o contraente cumpridor que recai o ónus da prova dos restantes pressupostos: violação contratual, dano e nexo causal.

LXXXI. É, neste sentido a jurisprudência que se enunciou na motivação deste recurso e para a qual se remete, pela sua essencialidade, mas que pela sua extensão aqui não se repete.

LXXXII. Assim, de todo o exposto, é a autora responsável por todos os prejuízos e danos causados à ré e por esta reclamados.

LXXXIII. Os danos deverão ser apurados em liquidação de sentença, caso, dadas as alterações à prova efetuadas, o Supremo Tribunal de Justiça entenda não lograr atribuir um valor como certo e líquido.

LXXXIV. Ou, na medida do que a ré alega, sejam repostos os factos provados e ainda seja apreciado o que a ré invocou em sede de recurso para o Tribunal da Relação e tendo em conta a alteração aos factos promovida pelo Tribunal da Relação …., foi por este considerado inútil tal pronuncia.

LXXXV. A este título, importa aqui, agora a este título, repristinar a:

-  Da omissão da pronúncia na sentença do pedido da ré, em reconvenção, do prejuízo de 6.925,29€ que pagou a mais nos 16.235,81€ fornecidos e pagos, tendo em conta que pagou matéria contaminada sendo completamente inutilizada e sem qualquer proveito 60% a 70% da referida matéria-prima do valor de fornecimentos faturados de 31.035,06€.

-  Da condenação da ré no pagamento da quantia resultante das faturas peticionadas;

- Da não condenação da autora nos pedidos e concretos montantes formulados pela ré ou, pelo menos, e desde logo, em parte deles.

LXXXVI.

A ré alegou que:

- A ré foi ainda fornecida pela autora do mesmo tipo de matérias-primas que constam das respetivas faturas e que foram pagas pela ré à autora no montante de 16.235,81€, montante este que acresce ao montante das faturas do requerimento de Injunção – conforme documentos n.ºs 4, 5, 6, 7, 8 e 9 da contestação.

- Assim, a ré foi fornecida pela autora de matérias-primas, que na globalidade representaram cerca de 31.035,06€, e das quais pelas razões de tratar-se de matéria-prima contaminada, produto (matéria-prima) de não qualidade e/ou não conformidade e impróprio para a atividade da ré o que impediu a sua normal utilização, uso e aproveitamento pela ré da referida matéria-prima, sendo completamente inutilizada e sem qualquer proveito mais de 70% da referida matéria-prima, o que representou sempre uma inutização ao fim a que se destinava, para além de outros prejuízos que provocou, desses pelo menos 70%, o que representam no valor de fornecimentos faturados de 31.035,06€, cerca de 21.724,54€ de matéria-prima inutilizada ou sem proveito na atividade da ré e 9.310,52€, utilizado ou aproveitada, ainda que em circunstâncias deficitárias e com prejuízos acrescidos.

- O que, tendo a ré dos referidos fornecimentos pago o montante de 16.235,81€, desde já, não efetuando o pagamento das faturas invocadas no requerimento de Injunção, a ré tem um prejuízo acrescido de 6.925,29€, resultante do pagamento indevido ou a mais de 16.235,81€ sobre os fornecimentos recebidos e os cerca de 9.310,52€, aproveitados, tudo com causa na não qualidade e/ou não conformidade e matéria-prima imprópria para a atividade da ré/requerida.

LXXXVII. A autora não impugnou os documentos juntos sob os n.ºs 4, 5, 6, 7, 8 e 9 da contestação.

LXXXVIII. Os documentos correspondem à demais faturação e fornecimentos da mesma matéria prima paga pela ré à autora e por esta fornecida à ré.

LXXXIX. A ré ainda alegou que entre 60% a 70% da matéria prima foi inutilizada”.

XC. Desde logo, atente-se que como resulta dos demais factos provados a matéria prima foi sendo utilizada na produção, pasta e peças defeituosas, pelo que foi inutilizada não só o caco, este com defeito, como o feldespato que integrava também uma das matérias primas para a produção da pasta.

XCI. Pelo menos 60% foi inutilizada, mas que teria sido entre 60% e 70%.

 XCII. Assim;

=>   Total fornecido = 31.035,06€,

=>   Deste valor pago = 16.235,81 €,

=>   Deste valor em dívida = 14.799,25€ (facto provado 7),

=>   60% inutilizado = 18.621,03€,

=>   70% inutilizado = 21.724,54€,

=>   40% utilizado = 12.414,02€,

=>   30% utilizado = 9.310,52€,

=> Pago = 16.235,81 €, pago a mais entre 3.821,79€ (60% inutilizado) e 6.952,29€ (70% inutilizado). =s> Valor em dívida considerando as faturas não pagas e constantes do pedido da autora (se pago a mais) = 0€.

=s> Prejuízo da ré por pagamento indevido ou a mais = 3.821,79€ (60% inutilizado) e 6.952,29€ (60% inutilizado).

XCIII. Relevante é que será possível extrair que a ré, dos montantes que pagou e do que inutilizou, em virtude da venda defeituosa, ainda pagou a mais do que utilizou, pelo que tem um prejuízo que deverá ser ressarcido, aliás conforme é peticionado em reconvenção,

XCIV. E, pelo mesmo quadro factual não assistirá à autora o direito de ver procedente o seu pedido de pagamento, pois se o valor que peticiona está “dentro” do que foi inutilizado e não aproveitado pela ré, em virtude da venda defeituosa, a autora não poderá receber do que não vendeu nas condições devidas e a ré não terá obrigação de pagar pelo que não beneficiou, por culpa da vendedora, autora, quanto mais não seja pela aplicação das regras do enriquecimento sem causa.

XCV. PELO QUE O TRIBUNAL DEVERÁ SUPRIR ESTA OMISSÃO DE PRONÚNCIA E JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO RECONVENCIONAL QUANTO A ESSE DANO/PREJUÍZO INVOCADO, ALTERANDO A SENTENÇA E O ACÓRDÃO RECORRIDOS.

XCVI. Tal como, não assistirá à autora o direito de ver procedente o seu pedido de pagamento, pois se o valor que peticiona está “dentro” do que foi inutilizado e não aproveitado pela ré, em virtude da venda defeituosa, a autora não poderá receber do que não vendeu nas condições devidas e a ré não terá obrigação de pagar pelo que não beneficiou, por culpa da vendedora, autora, quanto mais não seja pela aplicação das regras do enriquecimento sem causa.

XCVII. PELO QUE O TRIBUNAL DEVERÁ, TAMBÉM NESTA PARTE, ALTERAR A SENTENÇA E O ACÓRDÃO RECORRIDOS E JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DA AUTORA E ABSOLVER A RÉ DE QUALQUER CONDENAÇÃO.

XCVIII. Consta ainda da reconvenção os seguintes pedidos de pagamento:

A condenação da autora a pagar à ré um prejuízo acrescido de 6.925,29€, resultante do pagamento indevido ou a mais de 16.235,81€ sobre os fornecimentos recebidos e os cerca de 9.310,52€, aproveitados.

A condenação da autora a pagar à ré o valor do prejuízo sofrido com as peças que ficaram com defeito depois de cozidas e que devido ao defeito/anomalia que apresentavam foram para o “lixo” ou inutilizadas e não tiveram qualquer aproveitamento comercial e que representou para a ré uma perda ou um prejuízo de 61.376,39€.

A condenação da autora a pagar à ré o valor do prejuízo sofrido com custos com energia elétrica e com gás, que representou a cozedura das peças fabricadas pela ré nas peças produzidas e comercializadas, um custo de 8.075,00€ de custo de excesso de gás e um custo de 2.375,40€ de excesso de energia elétrica, num total destes dois custos/prejuízos de 10.450,40€.

A condenação da autora a pagar à ré o valor do prejuízo sofrido com as peças em cru já moldadas e ainda não cozidas e portanto ainda existentes em stock e em cru que, num valor total de prejuízo de 9.021,10€.

A condenação da autora a pagar à ré o valor do prejuízo sofrido com os danos na imagem e na credibilidade, perda de negócios e clientela a ser apurado em liquidação de sentença.

A condenação da autora a pagar à ré o valor do prejuízo sofrido em peças produzidas, mas perdidas e por isso não comercializadas resultaram em perdas de resultados ou lucro, correspondendo a uma perda de resultado de 49.233,00€.

Assim, o prejuízo global já contabilizado de 137.006,18€ (6.925,29€ + 61.376,39€ + 10.450,40€ + 9.021,10€ + 49.233,00€) e ainda o que resultar da liquidação de sentença nos termos supra expostos.

XCIX. Quanto aos dois últimos itens ou pedidos, os danos de imagem e perda de clientela e os danos da perda do lucro, admite-se que os mesmos devam ser verificados e dados como existentes, mas porque não comprovado o seu efetivo montante os mesmos devam ser relegados para liquidação de sentença.

C. Ainda quanto ao dano reclamado do pagamento a mais de mercadoria fornecida, no valor de 6.925,29€, embora se entenda como supra se descreveu, também,  se admite montante possa ser o que se viesse a apurar em liquidação de sentença.

CI. Quanto aos itens peticionados relativamente aos valores de 61.376,39€ + 10.450,40€ + 9.021,10€, peças produzidas e defeituosas, custos a mais com energia elétrica e gás e peças em cru, o tribunal poderia e deveria, desde logo, condenar a ré nesses valores, embora, também, se admite que o montante possa ser o que se viesse a apurar em liquidação de sentença.

CII. PELO QUE O TRIBUNAL DEVERÁ, TAMBÉM NESTA PARTE, ALTERAR A SENTENÇA E ACÓRDÃO RECORRIDOS E JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO RECONVENCIONAL DA RÉ, CONDENANDO A AUTORA NOS MONTANTES ALI PEDIDOS OU, SE ASSIM NÃO ENTENDER, NOS MONTANTES QUE SE VIEREM A APURAR EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA.

CIII. Pelo que, deverá a decisão ser revogada, alterada e substituída por outra nos termos supra expostos.

CIV. Pelo exposto, o Tribunal da Relação não poderia julgar da forma como julgou os presentes autos, tendo feito uma errada interpretação e aplicação, nomeadamente dos artigos 1.º, 2.º, 3.º e 230.º do Código Comercial, artigos 344.º, 349.º, 351.º, 799.º e 874.º, 939.º, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º e 762.º do Código Civil e 615.º e 662º do Código de Processo Civil.


Não foram apresentadas contra alegações.


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Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.

São as seguintes as questões suscitadas no recurso:

- Nulidade do acórdão, por violação dos princípios que regem os poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto;

- Cumprimento defeituoso do contrato por parte da Autora e obrigação de indemnizar.


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Fundamentação.

 Para melhor compreensão da primeira questão suscitada na revista, transcreve-se a matéria de facto provada e não provada da sentença:

1.º A autora dedica-se à extração e comercialização de matérias-primas para cerâmica e vidro.

2.º A ré dedica-se à produção e comercialização de artigos cerâmicos para usos sanitários, da marca Valadares

3.º Para o fabrico das peças cerâmicas, a ré utiliza diversas matérias-primas, entre as quais o feldspato e o caco micronizado.

4.º O caco micronizado é um pó de caco moído.

5.º O caco micronizado entra no processo produtivo da ré para fazer uma “pasta de sanitário” que, por sua vez, permite produzir os artigos sanitários.

6.º A pedido da ré, a autora vendeu-lhe os seguintes produtos: a) em 26 de agosto de 2017: - 11.420 kg de feldspato FGb 63; - 11.420 kg de caco FCC63; b) em 8 de setembro de 2017: - 8.000 kg de feldspato FGb 63; - 10.000 kg de caco FCC63; c) em 16 de setembro de 2017: - 12.000 kg de feldspato FGb 63; - 10.000 kg de caco FCC63; d) em 30 de setembro de 2017: - 11.830 kg de feldspato FGb 63; - 9.850 kg de caco FCC63; e) em 14 de outubro de 2017: - 23.110 kg de feldspato FGb 63; - 21.210 kg de caco FCC63; f) em 21 de outubro de 2017: - 21.080 kg de feldspato FGb 63; g) em 28 de outubro de 2017: - 21.520 kg de caco FCC63.

7.º Uma vez fornecidos os mencionados produtos, foram emitidas as seguintes faturas: a) n.º ….17, datada de 26-08-2017, com vencimento na mesma data, no valor de 2.176,94 EUR (IVA incluído); b) n.º …81, datada de 08-09-2017, com vencimento na mesma data, no valor de 1.697,15 EUR (IVA incluído); c) n.º …44, datada de 16-09-2017, com vencimento na mesma data, no valor de 2.115,35 EUR (IVA incluído); d) n.º …83, datada de 30-09-2017, com vencimento na mesma data, no valor de 2.084,67 EUR (IVA incluído); e) n.º …85, datada de 14-10-2017, com vencimento na mesma data, no valor de 4.241,81 EUR (IVA incluído); f) n.º …44, datada de 21-10-2017, com vencimento na mesma data, no valor de 2.203,91 EUR (IVA incluído); g) n.º …03, datada de 28-10-2017, com vencimento na mesma data, no valor de 1.852,34 EUR (IVA incluído.

8.º Em 17 de outubro de 2017, a ré procedeu à devolução à autora de 11.805 kg de feldspato FGb 63 e de 3.935 kg de caco FCC63.

9.º Pelo que a autora emitiu a nota de crédito n.º …/4, no valor de 1.572,92 EUR.

10.º A autora devia fazer a moagem do caco a partir de caco “em bruto” fornecido pela ré.

11.º O caco micronizado fornecido pela autora continha excesso de cálcio.

12.º Em consequência do facto referido em 11.º, os artigos sanitários fabricados pela ré com a “pasta de sanitário” composta pelo caco micronizado apresentaram na sua superfície poros, picos ou bolhas.

13.º Por estar contaminado, entre 60% a 70% do caco micronizado fornecido pela autora ficou inutilizado.

14.º Para minimizar e/ou disfarçar os defeitos referidos em 12.º, a ré prolongou o número de horas de cozedura das peças sanitárias, o que implicou um incremento de gastos em gás e energia elétrica.

15.º A ré moldou um total de 365 peças que, devido às anomalias que apresentavam, não chegaram a ser cozidas.

16.º A ré fabricou peças, em número não concretamente apurado, que apresentaram defeito depois de cozidas, não sendo possível a sua comercialização.

E foi julgado não provado:

a) O facto referido em 14.º representou um custo acrescido de gás, no valor de 8.075,00 EUR, e de energia elétrica, no valor de 2.375,40 EUR.

b) A produção das peças em cru referidas no ponto 15.º teve um custo de € 9.021,10

c) O facto referido em 16.º representou para a ré um prejuízo no valor de € 61.376,39

d) A ré atrasou-se na entrega e não aceitou algumas encomendas, o que causou danos na imagem e na credibilidade da ré e da marca Valadares junto dos seus clientes.

e) Em consequência, a ré sofreu perdas de resultados no valor de 49.233,00 EUR.


*


As partes impugnaram a decisão proferida sobre a matéria de facto, e sobre esta questão a Relação pronunciou-se nestes termos:

“A Autora questiona os factos assentes em 11 a 16.

A Ré questiona parte do facto assente em 16, a omissão relativa a outra faturação, paga nas mesmas condições (pedindo o aditamento de um facto) e os factos não provados.

A Autora invoca as declarações de BB e CC e pretensas incoerências na prova considerada mais relevante pelo Tribunal recorrido.

A Ré invoca os documentos por si juntos e as declarações de AA e DD.

A prova disponível, a reconsiderar, está sujeita à livre apreciação do julgador.

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662, nº 1, do Código de Processo Civil).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados. (Abrantes Geraldes, Recursos, 3ªedição, 2010, Almedina, pág.320.)

A aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta necessariamente com a circunstância de que existem fatores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação nem para a respetiva transcrição.

Reapreciada a documentação, em especial os documentos 1 a 3 juntos com a oposição, e a prova pessoal concretizada, a nossa convicção não se manifesta no mesmo sentido do decidido, encontrando razões para alterar a decisão sobre a matéria de facto, julgando procedente a impugnação feita pela Autora.

Vejamos:

Apesar do alegado em 17º da oposição, a Ré não juntou qualquer documento que exteriorize uma reclamação sua do sucedido, à Autora.

A única reclamação conhecida, porque foi aceite, é a que conduziu à nota de crédito provada e que nada tem a ver com o facto em julgamento.

Devemos notar que o “caco” pretensamente contaminado foi entregue pela Ré à Autora para “moagem”, sendo esta o serviço da Autora para a Ré.

O processo de fabrico da louça inclui diferentes matérias primas e uma cozedura da pasta que tornam o conjunto complexo. Existe cálcio em algumas dessas matérias e até no gesso que serve nos moldes da louça.

As declarações de AA, as únicas que realmente possibilitam a imputação à Ré da contaminação do “caco”, não têm apoio em qualquer outra prova.

EE, embora fosse engenheiro da produção, não certificou ele a causa do problema detetado, tendo obtido da pessoa de AA, mais tarde, a referência de que foi o “caco” moído pela Autora a origem daquele; enquanto esteve na Ré, o depoente EE colocou as hipóteses do vidro e das condições da cozedura como causas dos problemas ocorridos.

Também DD apenas refere essa origem (o “caco” contaminado) por força do que lhe disse o AA.

O controle externo (confirmação) das declarações de AA poderia ser feito pelas análises laboratoriais (documentos 1 a 3, juntos com a oposição). Porém, as amostras enviadas são da responsabilidade da Ré, sem qualquer participação ou conhecimento da Autora, vindo a verificar-se que elas foram identificadas como relativas ao “feldspato” e não ao “caco” em julgamento. O Sr. AA desvalorizou essa sua errada identificação, mas, de acordo com a técnica BB, tal informação não é indiferente para o laboratório, como é normal supor.

As declarações de AA, quem afinal controlou todo o processo de certificação da causa, internamente, são infirmadas pelas de BB e CC, pessoas que referem que a contaminação não podia ter ocorrido na Autora.

BB, técnica do laboratório que existe na Autora, referiu que fez análise química ao “caco”, após o processo de “moagem”, verificando que ele não apresentava valores anómalos de cálcio, nomeadamente os referidos nos documentos 1 a 3 apresentados pela Ré; mais diz que o único contaminante possível, utilizado naquele moinho, é o constituído pelo “feldspato”, não ultrapassando este o valor de 0,3 % de cálcio.

CC corrobora estas declarações, embora indiretamente, como pessoa que acompanha o funcionamento da Autora.

A Ré não conferiu a qualidade do produto à entrada na sua fábrica.

O próprio Tribunal recorrido deu credibilidade ao testemunho de BB, dizendo: “perante duas versões díspares dos factos, atendeu à versão das testemunhas acima referidas, em detrimento do depoimento desta última, não por o seu depoimento ser pouco credível; apenas porque o desenrolar dos acontecimentos, tal como foi descrito pelas outras testemunhas (que relataram as diligências encetadas para apuramento da origem dos defeitos detetados nas peças sanitárias), parecer coeso e verosímil, não se surpreendendo na descrição dos factos inverdades ou incoerências.”

Quanto a nós, na sequência do que já demos conta, o que percebemos é uma insuficiência de prova, limitada à pessoa de AA, não apoiada, em segurança, nos dados externos, e uma contradição insanável entre as “certificações” de AA e de BB, dúvida que deve ser resolvida contra a Ré, a quem cabia a prova da origem do defeito (art. 346º do Código Civil).

Sem a certificação das amostras, de forma externa e imparcial, ficamos sem saber se o problema ocorrido decorreu mesmo do excesso de cálcio existente no “caco”.

Pelo exposto, julgamos procedente a impugnação feita pela Autora e decidimos declarar o seguinte, relativamente aos factos assentes em 11 a 16:

11.º Não está provado.

12.º Apenas está provado que os artigos sanitários fabricados pela ré com a “pasta de sanitário”, composta pelo caco micronizado e outras substâncias, após a cozedura daquela, apresentaram na sua superfície poros, picos ou bolhas.

13.º Não está provado.

14.º Para minimizar e/ou disfarçar os defeitos referidos em 12.º, a ré prolongou o número de horas de cozedura das peças sanitárias, o que implicou um incremento de gastos em gás e energia elétrica.

15.º A ré moldou um total de 365 peças que não chegaram a ser cozidas.

16.º A ré fabricou peças, em número não concretamente apurado, que apresentaram defeito depois de cozidas, não sendo possível a sua comercialização.”


O direito.

Na revista, a Recorrente começa por suscitar a nulidade do acórdão, por violação das regras que regem os poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto (art. 662º do CPC), imputando-lhe os seguintes vícios: i) a decisão é arbitrária e não fundamentada; ii) não demonstra ter havido erro de julgamento na decisão da 1ª instância; iii) não justificou por que não valorizou, ao contrário da 1ª instância, o depoimento do Eng. AA, um profissional muito qualificado; iv) na dúvida sobre a realidade dos factos dados como provados deveria ter determinado a renovação da prova ou a produção de novos meios de prova (art. 662º/2 do CPC), e não alterar para não provados os factos que a sentença deu como provados e que demonstram o cumprimento defeituoso do contrato pela Autora.

Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista, que em regra, apenas conhece de matéria de direito. É isso que resulta do art. 46º da Lei nº 62/2013 de 26.08 (Lei de Organização do Sistema Judiciário): “Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito.”

Princípio também consagrado no art. 682º do CPC, que sob a epígrafe Termos em que julga o tribunal de revista, preceitua:

 1. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

2. A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do art. 674º.

3. (…).

O nº 3 do art. 674º diz que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

Debruçando-se sobre este regime, escreve o Cons. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, pag. 517:

“O Supremo só pode censurar o assentamento factual operado pelas instâncias quando esteja em causa a violação de regras de direito probatório material, ou seja, das normas que regulam o ónus da prova (estabelecendo as respectivas regras distributivas), bem como a admissibilidade e a força probatória dos diversos meios de prova. Isto é: apenas poderá imiscuir-se (sindicar) a matéria de facto dada como assente pelas instâncias se vier invocada pelas partes ou se verificar (ex-officio) a existência ou a necessidade de recurso a meios com força probatória plena. Não pode assim, em princípio, e por ex., o Supremo censurar a convicção formada pelas instâncias sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre a que se reporta o art. 607º.”

É neste sentido que o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido de forma constante e uniforme:

“Está vedado ao Supremo conhecer de eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, apenas lhe sendo permitido sindicar a actuação da Relação nos casos designados por prova vinculada ou tarifada” (Ac. STJ de 12.07.2018, P. 701/14 (Maria do Rosário Morgado);

Tratando-se de prova sujeita à livre apreciação do juiz, a derradeira palavra sobre eventual erro de apreciação cabe à Relação, não podendo o STJ intervir e modificar a decisão” (Ac. Do STJ de 09.05.2019, P. 9036/09 (Olindo Geraldes), e no mesmo sentido o Acórdão de 17.12. 2015 (Abrantes Geraldes).

No caso vertente, a Relação alterou a matéria de facto, tendo julgado não provados os factos enunciados sob os nºs 11 – “o caco micronizado fornecido pela autora continha excesso de cálcio”; que o facto dos artigos sanitários fabricados pela ré “com a pasta sanitário” apresentarem na sua superfície poros, picos, ou bolhas, foi consequência do caco micronizado fornecido pela autora ter excesso de cálcio” (facto 12), e  “por estar contaminado, entre 60% a 70% do caco micronizado fornecido pela autora ficou inutilizado” (13).

 Fê-lo com a base em prova não vinculada, como é a prova testemunhal, sujeita à livre apreciação do tribunal (arts. 396º do CC e 607º do CPC).

Pelas razões supra descritas, o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar este juízo da Relação.

 Este Tribunal também não pode sindicar a decisão da Relação que considerou que a prova produzida pela Ré para sustentar o pedido reconvencional, no essencial o depoimento da testemunha AA, foi infirmada pelos depoimentos de BB e CC, e que nos termos do art. 346º do CCivil decidiu contra a Recorrente, que estava onerada com a prova (art. 342º/1).

Assim decidiu o Acórdão de 26.02.2015, P.738/12, Maria dos Prazeres Beleza: “não cabe no âmbito do recurso de revista apreciar se a prova produzida por uma das partes foi ou não suficiente para criar dúvida no espírito do julgado, nos termos da chamada contraprova (art. 346º); apreciar a contra prova significa controlar a livre apreciação da prova, feita pela instância inferior.”

 A alegação de que a Relação agiu arbitrariamente ao alterar a matéria de facto não tem qualquer fundamento. A Relação explicitou as razões que a levaram a dissentir da decisão da 1ª instância, explicou porque não valorizou o depoimento da testemunha AA, em face dos depoimentos das testemunhas BB e CC, como evidencia o excerto supra transcrito, e tratando-se de meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal está fora da competência do STJ interferir no juízo da Relação.

 Não se indiciando a violação pela Relação de qualquer norma de direito probatório material ou a força probatória de qualquer meio de prova, o acórdão recorrido não sofre de nulidade, improcedendo, assim, este primeiro fundamento do recurso.

Defende ainda a Recorrente a procedência do pedido reconvencional, por a Autora não ter ilidido a presunção de culpa que sobre ela recai nos termos do art. 799º do CC.

 A Autora vendeu à Ré produto da sua actividade (feldspato e caco) que a Ré utiliza na sua actividade comercial de fabrico e comercialização de artigos de cerâmica para uso sanitário.

 Na acção proposta pela Autora com vista a obter a condenação da Ré a pagar-lhe parte do preço em dívida, veio a Ré, em reconvenção, alegar o cumprimento defeituoso do contrato e pedir a condenação da Autora a indemnizá-la dos prejuízos que sofreu em consequência do incumprimento.

 Movemo-nos no âmbito da responsabilidade contratual (arts. 762º e sgs do CC).

Decorre do art. 762º que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.

Como é sabido, atendendo ao efeito e resultado, existem três formas de não cumprimento: a falta de cumprimento ou incumprimento definitivo, a mora ou atraso no cumprimento e o cumprimento defeituoso. (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral, 7ª edição, II, pag. 62 e sgs., Almeida e Costa “Direito das Obrigações, 9ª edição, pag. 997).

No cumprimento defeituoso, o devedor realiza a prestação a que está obrigado, mas fá-lo com vícios ou deficiências, ou seja, não realiza a prestação como devia. A consequência mais importante do cumprimento defeituoso é a obrigação de ressarcimento dos danos causados ao credor (art. 798º do CC e Antunes Varela, obra citada, pag. 131).

Na responsabilidade contratual são pressupostos da obrigação de indemnizar a ilicitude, a culpa e o dano, o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

A ilicitude resulta da desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado.

A culpa, que é um requisito essencial em face do disposto no art. 798º - “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” - significa que a conduta do agente é pessoalmente censurável ou reprovável.

Na responsabilidade contratual, há uma presunção de culpa do devedor (art. 799º): “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”

Por fim, só há obrigação de indemnizar se o credor, em consequência do incumprimento, sofrer um prejuízo.

No entanto, a lei só presume a culpa do devedor depois de demonstrado o não cumprimento da obrigação a que estava vinculado; a prova do não cumprimento ou do cumprimento defeituoso cabe ao credor da obrigação (Acórdão do STJ de 13.07.2010, P. 5492/04).

Escreve a este propósito Antunes Varela, obra citada, pag. 101:

“É ao credor que incumbe a prova do facto ilícito do não cumprimento. Se em lugar de não cumprimento da obrigação, houver cumprimento defeituoso, ao credor compete fazer a prova do defeito verificado, como elemento constitutivo do seu direito à indemnização ou de qualquer outro dos meios de reacção contra a falta registada.”

Postos estes princípios, é altura de voltar ao caso dos autos.

A Ré imputa à Autora o cumprimento defeituoso do contrato, alegando que lhe forneceu produto deteriorado.

Á Ré cabia fazer a prova do que alegou; só feita essa prova se coloca o problema de saber se a Autora ilidiu a presunção de culpa.

Sucede que a Ré não fez a prova do cumprimento defeituoso do contrato por parte da Autora, como resulta da matéria de facto apurada, pois não provou que o caco fornecido pela Autora tivesse excesso de cálcio e que esse defeito tenha sido a causa dos problemas surgidas com a louça que produziu.

Não provado o incumprimento do contrato pela Autora, a pretensão indemnizatória que a Ré formulou está votada ao insucesso.

Com o que improcedem na totalidade as conclusões do recurso.


Sumário.

I – Ao Supremo Tribunal de Justiça não cabe sindicar a decisão da Relação sobre a matéria de facto quando está em causa prova sujeita à livre apreciação do julgador;

II – Se é certo que na responsabilidade contratual se presume a culpa do devedor, (art. 799º do CC), os restantes pressupostos - a ilicitude, ou seja, a desconformidade entre a conduta devida e a observada, a culpa, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano - devem ser provados pelo credor, por serem constitutivos do direito alegado (nº 1 do art. 342º do CC).


Decisão.

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 18.02.2021

Ferreira Lopes (relator)

Manuel Capelo

Tibério Silva

Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A de 13.03, aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo.