Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2964/05.9TBSTS.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DA RELAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SIMULAÇÃO DE CONTRATO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
ESCRITURA PÚBLICA
PROVA PROIBIDA
PROVA TESTEMUNHAL
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
TERCEIRO
HERDEIRO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - A Relação não pode dar por provados factos não incluídos na base instrutória e que não foram objecto de específica impugnação pela recorrente, no seu recurso de apelação (art. 712.º. n.º 1, al. a), do CPC), o que desencadeia a necessidade da revogação do indevidamente acrescentado pela Relação aos factos julgados provados, havendo, assim, que considerar como “não escrita” a factualidade em causa.
II - Por força da aplicação da proibição contida no art. 394.º, n.º 1, do CC ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores (n.º 2 do mesmo preceito), é vedado o recurso a testemunhas para a prova quer do pacto simulatório que do negócio real, em caso de simulação relativa, quando o negócio aparente esteja titulado por documento autêntico ou particular.
III - É de permitir o recurso a testemunhas para a prova da simulação quando não for arguida pelos simuladores, ou seja, quando for invocada por terceiros (n.º 3 do citado art.), excepção que se justifica pela dificuldade que teriam terceiros de obterem documentos probatórios da trama simulatória, justamente dada essa sua qualidade.
IV - Esta proibição não reveste carácter absoluto, vindo a jurisprudência a admitir, de há muito, a prova testemunhal quando por documentos haja um princípio de prova desse acordo.
V - No caso de falecimento de um ou de ambos os simuladores, em princípio, a simples lógica jurídica imporia que, enquanto sucessores, deveriam assumir a mesma posição dos simuladores a quem sucediam. No entanto, este regime era fonte de injustiça, enquanto a simulação tivesse sido feita para prejudicar na sucessão esses mesmos herdeiros.
VI - Por tal motivo, o n.º 2 do art. 242.º do CC veio permitir a invocação da simulação pelos herdeiros legitimários quando ainda em vida do autor da sucessão pretendam agir contra negócios por eles simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar. Isto significa que, mesmo após a abertura da herança, têm, obviamente, os herdeiros legitimários, legitimidade para invocar a nulidade de negócios simulados que se traduzam em prejuízo da respectiva legítima, ainda que não com esse intuito.
VII - Considerando que ficou subtraido da herança do pai da autora um lote de três prédios, dos cinco cuja nua propriedade a ele pertencia, através de doação dos progenitores, com reserva de usufruto, ainda subsistente no tocante à sua avó paterna, podia a Relação, com base na prova testemunhal e com uso de presunções judiciais, nos termos do art. 351.º do CC, aferir da consistência da invocada simulação absoluta do contrato de compra e venda dos ditos três prédios, alterando o juízo firmado pela 1.ª instância.
VIII - As decisões da Relação em matéria de prova de livre apreciação são insindicáveis por via de recurso, como decorre do disposto no art. 712.º, n.º 6, do CPC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I -AA, então menor e representada por sua mãe BB, assumindo depois com a maioridade a direcção da lide e ratificando a procuração forense por esta emitida intentou, com apoio judiciário, a presente acção declarativa de condenação com processo ordinário contra a HERANÇA INDIVISA POR ÓBITO DE CC, representada por CC, viúva do falecido e outros, pedindo seja a venda celebrada por escritura pública lavrada em 3 de Setembro de 1997 a fls. 12 e ss. do livro de Notas 42-F do Cartório Notarial de Santo Tirso, decretada nula e sem efeito por simulada, com a consequente restituição dos bens nela pretensamente vendidos ao património de FF, sendo ainda declarados nulos todos os registos efectuados, com base na dita venda.

Fundamentou a sua pretensão no facto de, nem o referido FF nem CC terem pretendido efectuar qualquer negócio, tendo efectuado as declarações constantes da mencionada escritura para enganar fraudulentamente quer os seus herdeiros legitimários, entre eles a requerente, por estar de más relações com eles, quer eventuais credores.

A Ré DD contestou na dita qualidade de representante da herança ainda ilíquida e indivisa por decesso do marido, impugnando a referida factualidade. Realizou-se a audiência de julgamento tendo sido proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré Herança Indivisa de todos os pedidos.

Interposto recurso pela A, com impugnação da matéria de facto, no tocante às respostas aos quesitos que contemplavam o “pactum simulationis” e o animus decipiendi”, quesitos 10º a 17º, a Relação do Porto, após alterar, em parte, a decisão de facto na parte concretamente impugnada e com base na prova testemunhal e com uso de presunções, julgou procedente o mesmo, revogando a sentença e condenando a R a reconhecer a nulidade por simulação absoluta da venda dos prédios a que alude a aln k) da matéria assente pelo falecido pai da A ao falecido autor da mesma e a resituição dos mesmos ao património de FF,. declarando nulos os registos efectuados.

.A R veio então recorrer de revista, concluindo do seguinte modo as suas alegações de recurso:

1.ª A Relação para sustentar a sua decisão de alteração da matéria de facto impugnada, designadamente a resposta dada aos quesitos 12, 13, 14 e 16 da b.i. não reapreciou s provas que sobre tais factos foram produzidas

2 ª Para alterar a resposta dada à referida matéria de facto, a Relação teria que analisar criticamente a prova produzida em audiência de julgamento “in casu” sobre os depoimentos que incidiram sobre esses concretos pontos de facto, sustentando e fundamentando quais os concretos meios de prova que imporiam decisão diversa da recorrida , apreciando livremente as provas e decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.

3 – A Relação violou o disposto no art º 712º,nº1 aln a) já que a decisão de alterar a matéria de facto impugnada não se baseou em elementos probatórios produzidos no processo .

4 –Antes se baseou em ilações deduzidas de outros factos provados para infirmar a matéria de facto alterada

5 – Sendo certo que como vem sendo entendido na jurisprudência, os poderes dados à Relação sobre alteração da matéria de facto em 1ªinstância tem que se cingir a casos em que de flagrante desconformidade entre o que foi produzido em termos de prova e aquilo que foi dado como provado

6 – O Tribunal da Relação para formar a sua convicção da existência do alegado acordo de simulação e da intenção de enganar terceiros acrescentou dois factos provados, não incluídos nas base instrutória –alns oo) e pp):

- O FF ao longo da sua vida contraiu dívidas avultadas

- Nos últimos anos de vida, o FF não exercia qualquer actividade que lhe importasse rendimentos.

7 – Merece também censura a decisão da Relação já que para firmar a sua convicção, infringiu os limites dos factos levados ao questionário ao incluir novos factos não constantes da base instrutória , violando assim o princípio do dispositivo, qual seja o ónus de alegação a da prova de tais factos por parte da A

8 – Entendemos, pois, que não é correcta a presunção judicial extraída pela Relação, por não se verificarem os pressupostos que condicionam a alteração da decisão proferida em 1ª instância sobre a matéria de facto

9 – Sempre teria de improceder a acção , atento o s disposto no artº 394º do C. Civil que dispõe a proibição da prova testemunhal quando a simulação invocada pelos próprios simuladores

10 – É R na acção a herança ilíquida e indivisa por óbito de CC e a A AA que intenta a acção na qualidade de herdeira do falecido FF

11-Apenas se pode considerar como terceiro no negócio simulado todo aquele que não interveio no negócio e todo aquele que não represente por sucessão quem nele participou .

12 - Ora quer a A, quer a R representam na acção, por vias sucessória os simuladores, pelo que sempre lhes estaria vedada a prova testemunhal e consequentemente a prova por presunções judiciais .

13 – É inaplicável, por conseguinte, o disposto nos artº 242ºnº2 do C. Civil que dispõe que a nulidade pode ser invocada pelos herdeiros legitimários que pretendam agir em vida do autor da sucessão, já que, como é patente, aquando da instauração da acção, já havia falecido o pai da A vendedor simulador.

13 – O Tribunal ao alterar a resposta ao quesito 10º alicerçando que o falecido FF continuou a usar o prédio transmitido como anteriormente dito não está a considerar o usufruto que existia sobre os prédios a favor de terceiros e, consequentemente, a fazer uma incorrecta aplicação do artº 1439º do C. Civil. O adquirente CC na qualidade de proprietário de raiz na sua propriedade nada podia fazer para obstar a esse uso pelo vendedor, tal só poderia ser efectuado pelo usufrutuário.

14 – Foram violados os artºs 712º do CPC e394º242º e 1439º do C. Civil .

A recorrida contra alegou, sustentando a correcção do julgado .

Foram corridos os vistos legais.

Cumpre, pois, decidir.

II -É a seguinte a factualidade dada por assente pela 1ª Instância, a que a Relação aditou as alíneas oo) e pp) infra, no âmbito do disposto no artº 712º nº1 aln a) do Cod de Processo Civil

a) A Autora é uma das filhas de FF, juntamente com GG, solteiro, maior, e JJ, esta casada com PP, sob o regime de separação de bens.

b) Tais filhos, são os únicos de FF e nasceram na constância do casamento que este manteve com BB, em primeiras núpcias de ambos os cônjuges, que durou até 15/10/1993, altura em que foi dissolvido por divórcio, sendo o dito FF considerado o único culpado.

c) Como o falecido CC não tivesse deixado descendentes, os seus herdeiros legitimários, em conformidade com a lei, passaram a ser os Réus, CC, sua mulher e EE e LL, seus pais, que não se entendendo nas partilhas de forma consensual, instauraram processo de inventário que correu termos sob o nº. 621/98 do 2°. Juízo Cível deste Tribunal Judicial

d) A mulher do falecido, DD, ora Ré, veio assim prestar as declarações de cabeça de casal, relacionando entre outros os bens que o seu falecido marido CC havia alegadamente adquirido a FF.

e) FF em 8 de Agosto de 2003, resolveu pôr termo à vida, enforcando-se.

f) Após o divórcio entre FF e BB, ambos pais da Autora AA, foi instaurado o inventário facultativo para separação de bens distribuído em 25 de Novembro de 1993 tendo o FF sido citado a 13/01/1994 para prestar as declarações de cabeça de casal e relacionar todos os bens.

g) No aludido processo o pai da Autora prestou as devidas declarações pedindo prazo para juntar a relação de bens, não o tendo feito, nem no tempo concedido, nem em qualquer outro.

h) Na altura, a mãe da Autora para evitar que o processo se prolongasse indefinidamente e atento o comportamento do ex-marido GG vem pedir a remoção de cabeça de casal, sendo ela entretanto a nomeada.

i) A progenitora da Autora vem então fazer a referida relação de bens, onde entre outros menciona que o prédio urbano composto por casa de habitação sito em Santiago ......, é um bem próprio da dita Requerente por ter sido obtido por sucessão, bem como os bens imóveis sitos em Monte Córdova eram bens próprios do dito FF por também lhe terem sido doados por partilha antecipada.

j) FF, por escritura de 9/3/1977, intitulada de doação e partilha antecipada exarada na constância do casamento que este manteve com BB, com que aí se declara ser casado em comunhão de adquiridos, recebeu, com reserva de usufruto a favor dos doadores, seus pais, 00, também conhecido por 00 do Cabo e mulher KK os prédios rústicos a seguir discriminados:

- prédio rústico denominado L......de Rocas a mato e arvoredo inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2221;

- prédio rústico denominado Campo de A......., a lavradio, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2222;

- prédio rústico também denominado Campo de A......, a lavradio com ramadas, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2223;

- prédio rústico denominado Bouça de A......, a mato e arvoredo inscrito na respectiva matriz sob o artigo 2225;

- prédio rústico denominado B..... das Bocas, a mato e arvoredo inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1699,

- todos eles situados no lugar de Cabanas, freguesia de Monte Córdova, concelho de Santo Tirso.

k) Por escritura pública de 3/9/1997, FF, já casado novamente com NN, vendeu a nua propriedade dos aludidos ou parte dos bens possuídos em Monte Córdova, inscritos na matriz sob os artigos 1699, 2222 e 2223, a CC, solteiro, pelo preço de 300.000$00 (1.500 €).

l) Em 10/06/2000, faleceu o usufrutuário 00 também conhecido por 00 do Cabo, no estado de casado com KK.

m) CC casou catolicamente com DD em 6 de Agosto de 1995.

n) CC faleceu a 25 de Agosto de 1998.

o) Teor do doc. nº. 1 junto com a contestação que aqui se dá por reproduzido e integrado para todos os legais efeitos, ( respeita a uma relação adicional de bens no inventário por óbito de CC atinente aos prédios objecto da escritura de compra ao FF)

p) O divórcio referido em B) supra, foi precedido de arrolamento.

q) Houve ainda necessidade de recorrer a diligências, para os filhos, entre eles, a Autora, na altura com cerca de 6 anos, obterem os alimentos provisórios para assegurar o mínimo do seu sustento.

r) Foi até necessário atribuir a casa de morada de família à mãe da Autora, já que FF ocupava-a sucessivamente através de violência, obrigando a que a Autora, irmãos e sua mãe tivessem que se refugiar em casa de familiares.

s) Por requerimento junto ao processo de inventário, EE juntou uma série de documentos comprovativos de dívidas do casal no valor superior a 10.000.000$00, actualmente cerca de 50.000 €.

t) No referido inventário para divisão de bens do casal, a partir de certa altura começou a levantar-se a questão de que, em cada um dos bens próprios dos interessados FF e HH existiam benfeitorias por construções entretanto efectuadas, discussão que se prolonga desde data próxima a 1996, com a nomeação de sucessivos peritos para avaliação das benfeitorias.

u) Entretanto, FF começou a remeter cartas escritas pelo seu próprio punho para os processos que corriam em Tribunal, acusando o Mandatário da mãe da Autora e “pedindo para ser feita justiça e para o chamarem a Tribunal e que caso mentisse a essa Digna instituição que aceitava ser rugido com azeite”.

v) Ao mesmo tempo, o interessado FF continuou a remeter cartas aos vários processos que entretanto move, nomeadamente ao Mandatário da sua ex-mulher, Dr. II, ameaçando-o de pistola e passando a ameaçá-lo também por carta.

x) Entretanto, enquanto no inventário se continuava a discutir a realização ou não de benfeitorias nos terrenos de cada um, a mãe da Autora tomou conhecimento da venda referida em k).

z) O pai da Autora sempre morou na supra dita construção do prédio inscrito sob o art. 2223, usando-o e fruindo-o, colocando lá a sucata que entendeu, fazendo dali o seu centro de interesses, e procedia ao pagamento da luz.

aa) O prédio encontrava-se inscrito na respectiva matriz predial em nome de FF.

bb) Em 1997 o valor total da nua propriedade dos prédios a que alude a escritura referida em k) ascendia a cerca de 45.000 €.

cc) O inventário do falecido CC ficou interrompido pelo facto de EE não ter pretendido gastar mais dinheiro.

dd) Durante este período, nomeadamente em 2000/2001, FF chegou a falar com o então noivo da irmã da Autora, JJ, numa tentativa de aproximação com os filhos, dizendo que lhes dava o terreno de Cabanas para que lá pudessem construir a sua residência, mas ao mesmo tempo chegava a passar pelo seu futuro genro e fingia que não o conhecia.

ee) Quando faleceu, FF deixou um bilhete no bolso das calças onde informava “onde se encontravam as chaves da sua casa e que se ninguém as encontrasse que falassem com o Primo EE que ele sabia onde elas estavam”.

ff) Na altura, o corpo foi encontrado, já sem vida, por uma vizinha de FF e de sua mãe, KK, de nome M.....

gg) Aberta a porta da residência do falecido, a casa estava recheada de cartas dirigidas a diversas pessoas, com vista a destinar os seus bens.

hh) Uma das cartas referidas na resposta ao número que antecede era a que consta de fls. 144/145, dirigida a EE (S......), onde designadamente, o falecido FF escreveu “falas com o meu irmão, parta o terreno com a DD e a parte dela dá à minha filha R...... Que cumpra.” e “A minha mãe a JJ e minha irmã e o GG e N....do J....não os deixes vir à minha beira mesmo morto”.

ii) O falecido FF deixou uma carta dirigida à ora Ré DD, cujo conteúdo se desconhece.

jj) Fez também algumas disposições de vontade com vista a destinar determinados bens móveis, camiões, aparelhos de soldar, rebarbadeiras, reboques e outros.

kk) CC ocultou à Ré DD a aquisição referida em k).

ll) Só após a morte de CC e de ter apresentado a relação de bens na Repartição de Finanças de Santo Tirso é que a Ré DD tomou conhecimento da aquisição referida em k).

mm) No inventário por morte de CC, a Ré DD, cabeça-de-casal, arrolou os imóveis referidos em k) e os interessados pais de CC (EE, irmão de FF, e LL) não reclamaram dessa relação de bens.

nn) CC faleceu na sequência de doença cancerígena e entre a descoberta da doença e a morte decorreu cerca de um ano, o que era do conhecimento de FF , o qual o visitou várias vezes na fase terminal.

oo) FF ao longo da vida contraiu dívidas avultadas (cfr. fls. 73, declarações de credores a fls. 79, 80, 81-82, 88-89, 91, e depoimentos de: EE: “Conheço pessoas a quem ele devia dinheiro”; MM: “ele disse-me que passou o terreno para o sobrinho para fugir a umas dívidas que tinha”; BB, mãe da apelante “ele tinha várias dívidas. Vendeu o terreno mas não foi para pagar as dívidas à Cercil”.

pp) Nos últimos anos de vida FF não exercia qualquer actividade que lhe importasse rendimentos (de acordo com os depoimentos de: EE: “só trabalhava quando não tinha dinheiro”; : “ele andou empregado dois, três meses”; NN ex-esposa de FF “ele não trabalhava quase nada, ficou quase na miséria. Quando casou ele não vendia nada, ele vivia muito mal toda a gente sabe disso”.

No seguimento e apreciando a matéria da impugnação, a Relação considerou provados, com base em prova testemunhal e recurso a presunções, mais os seguintes factos, com alteração das repostas dadas

- O pai da Autora sempre morou na supra dita construção do prédio inscrito na matriz sob o artº 2, usando e fruindo, colocando lá a sucata que entendeu, fazendo dali o seu centro de interesses, tal como faria se não tivesse alienado a quem quer que fosse (quesito 10º)

- E sempre agiu na convicção de que o prédio era sua propriedade (quesito 12º)

- …Já que nunca o havia pretendido vender, não sendo a escritura referida em K) mais do que um meio de enganar terceiros, fossem eles os seus herdeiros legitimários, fossem eventuais credores a quem devesse dinheiro (quesito 13º)

- …como o CC bem sabia (quesito 14º)

- Nunca o CC considerou os terrenos como seus (quesito 16º)

III - O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer das matérias não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3 do CPC).
Por sua vez, este tribunal não pode censurar a matéria de facto decidida pela Relação, a não ser que no uso dos poderes que a lei lhe confere ela os não haja exercido de acordo com ela ou que se verifiquem quaisquer das situações excepcionais a que alude o artº 722º, nº2 do mesmo código, ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
São as seguintes as questões a decidir:

- Saber se no caso vertente, o tribunal fez ou não fez uma devida análise crítica da prova testemunhal e ou documental produzida na 1ª instância o que pressupõe apurar se era possível o recurso à prova testemunhal para apurar a invocada simulação do negócio constante da aln k) envolvendo o falecido pai da A e o falecido CC, este representado pela sua viúva DD e demais interessados na herança por ele deixada..

-Saber se, em conformidade, a acção devia ser julgada improcedente como na decisão na 1ª instância.

Antes de mais, importa saber se o tribunal da Relação podia ou não dar por provados factos não incluídos na base instrutória e que não foram objecto de específica impugnação pela recorrente, no seu recurso de apelação.

É evidente que não pode, em função do disposto nas aln a) do nº1 do artº 712º do CProc Civil, como é jurisprudência constante deste Supremo ( c v., entre outros, os Acs de 5/07/2007, procº nº 07ª1990.dgsi.Net e de 29/01/2008, proc. nº07ª4675, dgsi.Net)

E tal desencadeia a necessidade da revogação do indevidamente acrescentado pela Relação aos factos julgados provados, havendo, assim, que se considerar como “não escrita” a factualidade inserta nas alns OO e PP) .

Passemos, agora, a um outro aspecto e que tem que ver com o assentimento parcial à impugnação dos pontos de facto decididos no que concerne ao acordo de simulação na modalidade de simulação absoluta do contrato de compra e venda da nua propriedade dos prédios constantes da escritura da aln k)

Para isso importa definir em que termos aparece a A a arguir a nulidade por simulação do dito negócio, na sua qualidade de filha e herdeira legitimaria do falecido FF.

E isto tem relevância para, em consequência, se poder determinar se era possível o recurso à prova testemunhal em ordem a apurar o fenómeno simulatório

Com efeito, dispõe o artº 394º nº2 do C.Civil que a proibição contida no nº anterior (inadmissibilidade da prova por testemunhas quando tenha por objecto convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artºs 373º a 379º , sejam anteriores, contemporâneas ou posteriores à formação do documento) aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.

E o nº3 acrescenta que o disposto nos nºs 1 e 2 não é aplicável a terceiros.

Com efeito, qualquer terceiro pode arguir a simulação enquanto vicio gerador de nulidade, a todo o tempo, a lei apenas veda aos simuladores que a invoquem contra terceiros de boa fé- artº 243º nº1 do Ccivil

É que a arguição da simulação como nulidade do negócio por ela contaminado segue um regime especial.

Mas vejamos.

Como bem se sabe, a simulação de negócio jurídico traduz-se, como decorre da definição do artº 240º nº1 do CCivil numa divergência entre a vontade real e a declarada, mediante acordo entre as partes “pactum simulationis” e com o intuito de enganar terceiros, “animus decipiendi”, vício esse causa de nulidade –nº2 do mesmo preceito.

No direito anterior ao actual código, era duvidoso que a simulação pudesse ser arguida pelos próprios simuladores e isto com o argumento de que a ninguém deve ser permitido invocar ou aproveitar a sua própria torpeza ou a torpeza do seu acto.

No entanto, no Assento de 10 de Maio de 1950 a questão foi resolvida no sentido de que a simulação podia ser invocada pelos próprios simuladores entre si, ainda que fraudulenta.

O actual Código manteve essa doutrina - artº 242ºnº1..

Como observa Pais de Vasconcelos ( Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., :

A nulidade emergente da simulação pode ser arguida , segundo artº 242º do CCivil pelos próprios simuladores entre sim, entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta , mas não contra terceiros de boa fé.

Nas relações dos simuladores um contra o outro, não há razão para proteger um em detrimento do outro”.

Todavia e por via do disposto no preceito supra aos simuladores, é vedado o recurso a testemunhas para a prova quer do pacto simulatório que do negócio real, em caso de simulação relativa e isto quanto o negócio aparente esteja titulado por documento autêntico ou particular.

No entanto, o alcance da proibição contida no artº 394º nº3 é de fazer excluir o regime geral do nº 1, ou seja o de permitir o recurso a testemunhas para a prova da simulação quando não for arguida pelos simuladores, ou seja quando for invocada por terceirós.

E este excepção justifica–se pela muita dificuldade que teriam terceiros de obterem documentos probatórios da trama simulatória, justamente dada essa sua qualidade.

Mas esta proibição, importa salientá-lo e a título de mero parêntesis, não reveste carácter absoluto.

De facto, a jurisprudência vem admitindo de há muito a prova testemunhal quando por documentos haja um princípio de prova desse acordo e não só a jurisprudência , como também a doutrina, como se pode melhor ver dos extensos considerandos sobre esta problemática tecidos por Carvalho Fernandes in “Estudos sobre a Simulação”pp45 a 75

Problemático será contudo, em caso de falecimento de um ou de ambos os simuladores, definir qual o estatuto dos respectivos sucessores em termos de legitimidade para essa arguição.

Em princípio, a simples lógica jurídica imporia que enquanto sucessores deveriam assumir a mesma posição dos simuladores a quem sucediam.

No entanto, este regime era ele mesmo, fonte de injustiça, enquanto a simulação tivesse sido feita para prejudicar na sucessão esses mesmos herdeiros.

Por tal motivo, o nº 2 do artº 242º do CCivil veio permitir a invocação da simulação pelos herdeiros legitimários quando ainda em vida do autor da sucessão pretendam agir contra negócios por eles simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.( cfr, igualmente, Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª ed., 482)

Tal disposição tornava-se necessária, sendo como são os sucessíveis, titulares de uma mera expectativa em vida do próprio hereditando, sendo certo que já no âmbito do Cod de Seabra, se reconhecia aos filhos a legitimidade para a invocar ainda em vida do causante por via do Assento de 19 de Dezembro de 1941( v, a este respeito, P.de Lima e A.Varela, C.Civil Anotado, Vol 1º ,4ªed., 229)

Isto significa que mesmo após a abertura da herança, têm obviamente os herdeiros legitimários, legitimidade para invocar a nulidade de negócios simulados que se traduzam, em prejuízo da respectiva legítima, ainda que não com esse intuito.

Observa Carvalho Fernandes:

“ A morte do autor da sucessão não exclui a possibilidade da declaração de nulidade dos negócios simulados por ele celebrados, pois que a nulidade é arguível a todo o tempo. Por outro lado é incontroverso que aos seus herdeiros não pode deixar de ser reconhecida legitimidade para invocar a simulação pois seja por uma razão, seja por outra, sempre eles têm de ser considerados como “interessados “ na declaração de nulidade…Mas não é de excluir, embora seja corrente colocar os herdeiros na mesma posição do simulador poderem eles ser tratados como terceiros , enquanto visam satisfazer interesses especificos da sua posição de herdeiros que seriam afectados pela subsistência da simulação, particularmente sendo essa a situação dos herdeiros legitimários quanto está em causa a defesa da sua legítima”

E o mesmo autor cita, aliás, vários acórdãos nesse sentido.

No caso, é justamente disso que se trata, visto acabar por ficar subtraido da herança do pai da A um lote de três prédios, dos cinco cuja nua propriedade a ele pertencia, através de doação dos progenitores, com reserva de usufruto, ainda subsistente no tocante à sua avó paterna.

Logo, podia perfeitamente a Relação com base na prova testemunhal e com uso de presunções judiciais nos termos do artº 351º do C. Civil aferir da consistência da invocada simulação absoluta do contrato de compra e venda dos ditos três prédios, alterando o juízo firmado pela 1ª instância a respeito dos factos constantes dos quesitos 10º a 17º.

As decisões da Relação em matéria de prova de livre apreciação são insindicáveis por via de recurso, como decorre do disposto no artº 712º nº 6 do Cod de Proc. Civil.

Diga-se, de resto e ao contrário do que afirma a recorrente, que a decisão mostra-se devidamente fundamentada, não só com base na análise crítica dos depoimentos gravados como por via de ilações lógicas retiradas de outros factos já provados no tocante ao contexto próprio das difíceis relações do falecido com a primeira mulher e os filhos que ficaram ao cuidado desta após o respectivo divórcio e subsequente e atribulado inventário de partilha dos bens comuns.

Ora as ilações lógicas, com base nas máximas da experiência estão no âmbito da competência própria das instâncias, em sede de fixação da matéria de facto sobre as quais este tribunal apenas poderia exercer censura, em caso de manifesto erro na consideração dos seus pressupostos, seja pela proibição em concreto de tal meio de prova, seja pela inexistência da regra de experiência invocada ou da falsidade da base da imputação ( cfr, entre outros, os Acs deste Supremo de 14 5/04/2004, proc.nº 04B970 dgsi,Net , de 20/05/2004, proc.nº 04B1528,dgsi.Net e de 6/01/2006, proc. nº 05ª3517.dgsi.Net) não se verificando aqui semelhante situação, justamente, porque e para o efeito a Relação indicou com clareza em que elementos da facto se baseou para retirar a sua convicção de que nenhum negócio os falecidos, tio e sobrinho, pretenderem efectuar quando celebraram a escritura de compra e venda do referido lote de prédios.

Reitera-se que a matéria de tais quesitos não estava, portanto, sujeita às restrições probatórias constantes do artº 394º nº2 citado.

De resto, a recorrente nem arguiu a nulidade de tais depoimentos incidirem sobre a matéria dos ditos quesitos 10º a 17º no decurso da audiência, pelo que sempre a mesma se teria de considerar sanada, como se ajuizou no Ac deste Supremo de 17/04/2007, proc nº 07A702 dgsi.Net.

O recurso improcede, pois, nesta parte e em toda a linha.

E por sua vez, perante a sobredita alteração, sobressai estarem reunidos todos os requisitos da simulação absoluta do aludido contrato invocada pela A enquanto uma dos três filhos do falecido simulador e, por via disso, lesada como herdeira legitimaria dos seus direitos na partilha de tais bens imóveis, relacionados como pertencentes à herança R no inventário aberto para o efeito.

IV -Nos termos expostos, decide-se negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Lisboa, 04 de Maio de 2010

Cardoso de Albuquerque (Relator)
Salazar Casanova
Azevedo Ramos