Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04S3581
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
ADVOGADO
PROFISSÃO LIBERAL
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
Nº do Documento: SJ200503030035814
Data do Acordão: 03/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 603/04
Data: 04/28/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. As actividades tradicionalmente exercidas por profissionais liberais, nomeadamente a advocacia, podem ser objecto de contrato de trabalho.
2. Quanto estejam em causa essas actividades, nem sempre é fácil determinar a natureza do contrato.
3. Para ultrapassar essa dificuldade há que recorrer aos chamados indícios da subordinação jurídica que é o elemento que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho quando em confronto com o contrato de prestação de serviços.
4. A denominação dada pelas partes ao contrato é um desses indícios e terá uma relevância muito especial quando o contrato foi celebrado entre um Banco e um advogado com 13 anos de profissão.
5. Não deve ser considerado de trabalho, o contrato celebrado entre um Banco e um advogado nos termos do qual este prestava a sua actividade na Direcção de Contencioso do Banco, durante três ou quatro horas por dia, despachando os processos que lhe eram distribuídos, sem sujeição a horário, sem controlo de assiduidade e sem necessidade de justificar as faltas e sem que as mesmas lhe fossem descontadas na retribuição, auferindo uma remuneração mensal fixa durante 12 meses no ano, um dos quais era de férias, mediante a emissão dos chamados recibos verdes, não recebendo, todavia, subsídio de alimentação, nem diuturnidades, nem subsídio de férias e de Natal.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção contra o Banco B, pedindo que se:
- declare que o contrato por ele celebrado com o Banco C tinha a natureza jurídica de um contrato de trabalho sem prazo e não de prestação de serviços;
- reconheça o direito de ele auferir subsídios de férias e de Natal pelo tempo que esteve ao serviço do C, condenando-se o réu a reconhecer tal direito e a pagar-lhe os subsídios de férias e de Natal correspondentes ao período em que trabalhou para o C, a liquidar em execução de sentença, acrescidos dos juros de mora, contados desde a data de vencimento de cada uma daquelas prestações;

- declare ilícito o despedimento promovido pelo C;
- condene o réu, em consequência desse despedimento ilícito, a pagar-lhe a indemnização legal por antiguidade que à data da propositura da acção ascende a 3.959.400$00;
- condene o réu a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias que antecederam a propositura da acção até á data da sentença, nelas se incluindo a remuneração d férias e os subsídios de férias e de Natal, sendo o valor das já vencidas de 164.875$00;

- condene o réu a pagar-lhe a pensão de reforma a que tem direito, a partir da cessação do contrato, acrescida de juros de mora reportados à data do vencimento das respectivas prestações mensais, a liquidar em execução de sentença.

O autor fundamentou o pedido alegando, em resumo, que em 1997 foi admitido ao serviço do C (que mais tarde veio a ser incorporado, por fusão no Banco ...), para subordinada e remuneradamente exercer as funções de advogado, na Direcção de Contencioso, em Lisboa, tendo assinado, então, um contrato que denominaram de "contrato de prestação de serviços", mas que tal contrato, apesar da denominação que lhe foi dada, configurava um verdadeiro contrato de trabalho subordinado sem termo, que o C fez cessar, sem processo disciplinar nem justa causa, em 31 de Outubro de 2000.

Após a frustrada audiência de partes, o réu contestou, alegando, também em resumo, que o contrato celebrado como o C era um contrato de prestação de serviços.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença julgando a acção totalmente improcedente (apesar de nela se ter reconhecido que o contrato celebrado entre o autor e o C era um contrato de trabalho e que o autor tinha sido ilicitamente despedido) com o fundamento de que o autor tinha agido em manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

O autor recorreu e o réu também recorreu embora subordinadamente, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa julgado procedente o recurso do réu, por entender que o contrato era de prestação de serviços, mantendo por essa razão a decisão recorrida no que concerne à absolvição da ré do pedido.

Mantendo o seu inconformismo, o autor recorreu de revista, formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso é interposto do aliás douto acórdão com a qual o A. se não conforma pelas razões que passa a expor.

2. Contrariamente ao que foi decidido na sentença proferida na 1.ª instância, o Tribunal da Relação perfilhou o entendimento - face à matéria de facto assente - de que a relação contratual em discussão se enquadraria no dito "contrato de avença, que é uma modalidade de contrato de prestação de serviços."

3. No entanto, o correcto enquadramento jurídico dos factos dados como assentes foi o feito pela 1.ª instância, cujas razões e argumentos o recorrente acompanha e aqui dá como reproduzidos.

4. O acórdão recorrido concluiu pela existência de um contrato de prestação de serviços, dizendo haver indícios, de relevo considerável, que apreciados na sua globalidade revelariam existir um contrato de prestação de serviços, na modalidade de avença.

5. Sucede, porém, que, ao discriminar de seguida tais invocados indícios, o acórdão recorrido fá-lo em termos desconformes e contraditórios com a matéria de facto que também enuncia como assente, manifestamente incorrendo na contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão, que integram a nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 668, do CPC.

6. Para o mostrar - e nem sequer exaustivamente - refere-se o seguinte:
a) - Invoca-se a falta de controlo de assiduidade do recorrente, quando - ponto 33 da matéria de facto - não existia esse controlo nem para o A. nem para os demais advogados.
b) - Invoca-se falta de prova dos motivos de faltas pelo recorrente, que - ponto 35 - também os advogados do Quadro não apresentavam, a não ser que o Banco considerasse necessário, mas que nada impedia que o Banco também solicitasse ao A., se o entendesse, nem se pode concluir que, em tal caso, o A. não estivesse obrigado a fazer essa prova!
c) Diz-se que "o A. podia também exercer, e exercia embora em parte, no seu próprio escritório a actividade profissional relacionada com o C", o que - ponto 13 - só ocorria "excepcionalmente, por conveniência decorrente de proximidade de comparência a diligências nos tribunais ou da expiração de prazos para elaborar peças processuais", circunstâncias essas que, como é notório fluiem da simples experiência comum, para além de excepcionais (e portanto não características) eram e não podiam deixar se aplicar-se também aos outros advogados do Banco!
d) - Isto quando também se provou - ponto 34 - que todos os advogados do Banco, até para outros clientes, podiam exercer a advocacia em escritório próprio e faltar no Banco para assegurarem as diligências nos Tribunais desses seus clientes particulares! Se o podiam fazer para estes, não o poderiam fazer para o Banco?!
e) - Diz-se que o "A. não tinha horário de trabalho", mas provou-se - ponto 23 - que o A. prestava a actividade com regularidade diária, durante 3 a 4 horas, primeiro de manhã e depois de tarde e - ponto 24 - também nos tribunais, muitas vezes dias inteiros!
f) Invoca-se a falta de controlo da comparência ou de cumprimento de horário pelo ª, quando também isso de acontecia quanto aos demais advogados - ponto 33 - e os cartões electrónicos de acesso eram usados apenas por razões de segurança e por todos os advogados (incluindo o A.) - ponto 43!
g) - Pretende-se que "o A. não recebia ordens do Banco, no exercício da sua actividade profissional" - afirmação também contrariada pela matéria dos pontos 19, 20, 21 e 22 (idêntica para todos os advogados).
h) - E - contra o afirmado no acórdão recorrido - não se provou que as informações ou indicações do Banco tinham natureza idêntica às que qualquer cliente dá ao seu advogado, nem que as "ordens de serviço" eram dirigidas aos serviços administrativos e não aos advogados ou que para estes tivessem carácter meramente indicativo!
i) - Diz-se (pág. 27) que "o reembolso de despesas feitas pelas deslocações do A, "era feito nos mesmos termos que o eram para os demais advogados avençados, etc., etc....", afirmação manifestamente contra o assente no ponto 25, segundo o qual "as despesas com estas deslocações eram reembolsadas pelo Banco, nos mesmos termos em que o eram as realizadas pelos outros advogados trabalhadores do Banco"!
j) - E - se dúvidas houvesse quanto aos termos em que o A. desenvolvia a sua actividade - elas ficam dissipadas pelo ponto 18, segundo o qual "os advogados que tinham com o Banco os denominados contratos de trabalho exerciam a sua actividade de modo semelhante ao descrito nos pontos 8 a 14" - ou seja, em termos em tudo idênticos ao A.

7. Decorre do acima exposto que o acórdão recorrido concluiu que o A. exercia a sua actividade em termos diversos dos advogados com contrato de trabalho no Banco, quando, quer na globalidade (ponto 18), quer na especialidade (pontos 19, 20, 21, 22, 25, 33, 34), o que se provou é que a actividade do A. e dos advogados trabalhadores do Banco eram exercidas em termos substancialmente idênticos.

8. Só em razão dos inexactos pressupostos de facto que invocou pôde, pois, o acórdão recorrido concluir como concluiu, pelo que o acórdão recorrido enferma da nulidade acima indica ou, se assim não fosse entendido, procedeu a uma incorrecta aplicação do direito aos factos, designadamente com violação do disposto no artigo 1 do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n° 49408.

9. Acresce que não existe "abuso de direito", nem qualquer "confissão" ou "reconhecimento de que o contrato é de prestação de serviços" por parte do trabalhador que reclama, em tempo, o reconhecimento da verdadeira natureza jurídica da relação estabelecida, quando esta é terminada em circunstâncias que - quer à luz do direito do trabalho, quer até do direito civil, se aplicável - não encontram cobertura legal.

10. Pelo contrário, existe por parte da entidade patronal preterição, ao longo de mais de 25 anos, dos direitos sociais do recorrente, que exercia as suas funções em termos em tudo semelhantes aos dos seus Colegas a quem o Banco reconhecia os direitos e obrigações emergentes do contrato de trabalho.

11. Devendo ser reconhecido que o contrato é de trabalho, o recorrente não acompanha a decisão da 1.ª instância enquanto na mesma se pretende que, no caso, teria surgido um contrato novo, a prazo, de seis meses, renovável, sem qualquer consideração ou continuidade do período anterior.

12. No caso dos autos nunca surgiu um contrato novo, mas apenas a transformação ou modificação do contrato inicial e único e com reflexos apenas no regime aplicável ao seu termo e não com reflexo nas demais pretensões deduzidas na petição, que deverão ser acolhidas.

13. Assim não se entendendo, viola-se o artigo 5 do Decreto-Lei n. 64-A/89 (Lei dos Despedimentos).

14. Deve também reconhecer-se que não existiu abuso de direito na propositura da presente acção, na modalidade de "venire contra factum proprium", obstando ao seu exercício, com a consequente paralisação dos efeitos e consequências jurídicas decorrentes da matéria de facto.

15. No caso dos autos, não resulta da matéria de facto que o A. tivesse investido o R. em qualquer situação de confiança, pelo que o decurso do tempo não pode, só por si, impedir o A. de discutir as questões objecto dos autos.

16. Nem outras circunstâncias, para além do decurso do tempo, o impedem, sendo que também da matéria de facto não resultam minimamente elementos que indiciem qualquer abuso de direito pelo A. no exercício das suas posições jurídicas, cuja legitimidade jurídica é inegável.

17. O presente caso não é de abuso de direito mas de abusivo recurso pela entidade patronal à figura do contrato de prestação de serviços para se eximir às obrigações legais que, no interesse do trabalhador subordinado, lhe são impostas.

18. Não se trata, pois, de um caso de abuso de direito por parte do trabalhador, mas sim de fraude à lei por parte da entidade patronal.

19. A invocação do "abuso de direito" constituiria, no presente caso, a "válvula de escape" legal para as consequências do anterior incumprimento de obrigações estabelecidas e seria o meio de obstar às consequências do reconhecimento da verdadeira natureza jurídica da relação entre as partes; acabaria, pois, o dito "abuso de direito" por funcionar como um verdadeiro "prémio ao infractor"!

20. Nem sequer o abuso de direito foi invocado pelo Banco na sua contestação ou na defesa, o que certamente teria sucedido se algum excesso MANIFESTO existisse, ou se o Banco o tivesse sentido!

21. O abuso de direito não é remédio que possa ser invocado e aplicado para a protecção de posições jurídicas inadmissíveis, ou seja, que não são, elas próprias, merecedoras de tutela jurídica, nomeadamente quando correspondem à violação ou preterição de normas legais imperativas ou que não está na disponibilidade das partes afastar. E é este o caso dos autos!

22. Um abuso ao longo do tempo pode criar ao infractor um sentimento de confiança que se vai acrescentando quanto mais dura, mas de confiança que só pode ser na impunidade e não na legitimidade da sua posição. É a "confiança" que o decurso do tempo, quanto mais passa, traz ao prevaricador de que a infracção não será descoberta ou questionada e de que, afinal" compensa".

23. Mas esta "situação de confiança" não é a que merece a tutela do remédio do abuso de direito.

24. Se, no caso dos autos, alguma tivesse existido, ela só poderia corresponder a um investimento e confiança na impunidade e que, uma vez revelados os reais contornos do caso, não pode pretender-se que seja coberto e mais uma vez oculto sob o véu do "abuso de direito" por parte da vítima!

25. Termos em que o douto acórdão recorrido, para além da nulidade em que incorre, violou, na solução jurídica da causa e ao considerar o contrato como prestação de serviços, as disposições legais acima citadas e ainda o disposto no artigo 334.º do Código Civil, devendo por isso ser revogado e julgar-se a acção procedente, como é de JUSTIÇA.

O réu contra-alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida e neste Supremo Tribunal o Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos que este tribunal tem de acatar, não só porque não foram objecto de qualquer impugnação, mas também porque não enfermam de nenhum dos vícios referidos no n. 3 do art. 729 do CPC:

1. O A. é advogado inscrito na Ordem dos Advogados, através do Conselho Distrital de Lisboa, desde 18.05.1964, sendo portador da cédula profissional n. 2533.

2. A partir de 1975, o A. prestou a actividade de advogado, no seu escritório e com meios próprios, para o então BIP - Banco B, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.

3. Após a incorporação deste Banco no Banco C, o A. foi contratado por este, em 1977, para lhe prestar a actividade de advogado.

4. Para o efeito, o A. e o C assinaram um contrato escrito, que denominaram de "Contrato de Prestação de Serviços", constante de documento de que o A. não conservou a cópia.

5. Tendo a cópia da parte contrária também se extraviado.

6. Nos termos do referido contrato, as partes acordaram, nomeadamente, que:
- o serviço era prestado pelo A. nas instalações do Contencioso, com regularidade diária, e nos tribunais;
- o apoio técnico, burocrático e administrativo era fornecido pelo Banco (os processos não saíam do Contencioso);
- a retribuição do A., paga durante 12 meses por ano, era de 50% da remuneração equivalente ao nível 15 do CCT/Sector Bancário;
- era assegurado ao A. um período de um mês de férias por ano;
- havendo necessidade de deslocação do A. para outras comarcas que não as da "Grande Lisboa", em caso de impossibilidade ou inconveniência de a mesma ser assegurada por um advogado do Quadro, o Banco pagava ao A. uma quantia certa por quilómetro em viatura própria e despesas de portagens, refeição e alojamento, quando necessário, contra facturas específicas (Doc. de fls. 287 a 290).

7. O A. veio a exercer efectivamente as referidas funções, ininterruptamente, desde 1977 até 31 de Outubro de 2000.

8. Desde o início do exercício das referidas funções, o A. prestou sempre a sua actividade em instalações próprias do C, que eram as da Av. Fontes Pereira de Melo, em Lisboa.

9. O A trabalhava nelas, num gabinete que lhe estava reservado e que, em certos períodos, compartilhava com outro Colega, tendo cada um a respectiva secretária e outro mobiliário de apoio, que usavam exclusivamente.

10. Todos os instrumentos de trabalho utilizados diariamente na actividade exercida pelo A., designadamente, e além do mobiliário, papéis, livros, esferográficas, etc., pertenciam ao C.

11. Todo o apoio administrativo de serviço interno e de serviço externo à actividade de advogado exercida pelo A. era prestado por um serviço de secretaria organizado pelo C e integrado por trabalhadores seus, os quais nomeadamente dactilografavam ou passavam em computador todas as peças processuais que eram elaboradas pelo A. e providenciavam pela sua entrega nos respectivos Tribunais.

12. Os processos ou dossiers de documentos relativos aos casos cujo tratamento era confiado ao A. encontravam-se nesse serviço de secretaria, que os apresentava ao A. para despacho e realização das diligências necessárias, sempre que era necessária a intervenção do A., como advogado.

13. Excepcionalmente, por conveniência decorrente de proximidade da comparência a diligências nos tribunais ou da expiração de prazos para elaborar peças processuais, o A. podia levar os processos e trabalhar em casa ou no seu escritório.

14. O A. não intervinha na organização ou no modo de funcionamento daquele serviço de secretaria, que exclusivamente dependia do Director de Contencioso.

15. A Direcção do Contencioso era constituída por um Director, dois Subdirectores, o serviço de secretaria e os advogados e solicitadores.

16. Além de advogados que tinham com o Banco denominados "contratos de trabalho", havia outros advogados que com ele tinham denominados "contratos de prestação de serviços" ou de "avença".

17. Estes últimos, onde se incluía o A., prestavam a sua actividade de modo e em condições semelhantes àquele (Docs. de fls. 246/247 e 287 a 290).

18. Os advogados que tinham com o Banco os denominados contratos de trabalho exerciam a sua actividade de modo semelhante ao descrito nos pontos 8. a 14.

19. O Director dirigia superiormente a actividade da Direcção do Contencioso, nomeadamente através de directivas e orientações gerais, algumas constantes de Ordens de Serviço, respeitantes, por exemplo, a fixação de prazos para propositura de acções e execução de decisões transitadas, a determinação dos actos processuais sujeitos a prévio conhecimento ou autorização da Direcção, a definição de matérias sujeitas a informação à Direcção, a posições jurídicas gerais assumidas pelo Banco, etc..

20. Tais directivas e orientações eram comunicadas a todos os advogados, inclusive o A., para conhecimento dos procedimentos e regras em vigor e observância pelos mesmos na parte respeitante à respectiva actividade, sem prejuízo da autonomia técnica da profissão (Docs. de fls. 24 a 26, 325 e 327/328).

21. O A. e todos os demais advogados careciam de autorização da Direcção para interpor ou não recurso, exceder os prazos gerais definidos para a propositura de acções ou execução de decisões transitadas, realizar transacções judiciais, etc..

22. A distribuição dos processos e pareceres a cargo de cada um de todos os advogados, inclusive o A., era feita pela Direcção segundo critérios pela mesma definidos (Docs. de fls. 330 a 340).

23. O A. prestava a sua actividade nas instalações do Contencioso com regularidade diária, durante 3 a 4 horas, inicialmente durante o período da manhã e ultimamente durante o período da tarde.

24. Além disso, e frequentes vezes, o A. exercia as suas funções fora das instalações do Contencioso, nomeadamente junto dos Tribunais onde era necessária a sua intervenção, em julgamentos ou outras diligências, quer em Lisboa, quer em outras Comarcas do País onde pendessem os respectivos processos, sendo que estas intervenções processuais muitas vezes se prolongavam por dias inteiros.

25. As despesas com estas deslocações eram reembolsadas pelo Banco, nos mesmos termos em que o eram as realizadas pelos outros advogados trabalhadores do Banco.

26. A actividade exercida pelo A. para o C era a do seu patrocínio judiciário, e predominantemente a de intervenção em processos judiciais, designadamente em processos-crime em que o Banco era queixoso ou assistente, que durante muitos anos foram distribuídos exclusivamente ao A., bem como em processos cíveis, quer de natureza declarativa, em acções intentadas pelo Banco ou contra o Banco, quer em processos de natureza executiva para cobrança de créditos de que o Banco era titular.

27. O C procedeu sempre anualmente à actualização da remuneração do A., e sempre de acordo e na mesma medida das actualizações que fazia aos seus trabalhadores com o Nível 15 da Tabela Salarial que praticava (Docs. de fls. 279 a 286).
28. Pagou-lhe, nomeadamente, desde 1989, as retribuições constantes dos Docs. de fls. 141 a 159.

29. Sendo ultimamente no valor ilíquido de 164.975$00.
30. A última retribuição paga pelo C ao A. foi a relativa ao mês de Outubro de 2000.

31. Durante o período em que o A. trabalhou para o C, o A. gozou sempre anualmente um período de férias de 30 dias seguidos, que eram marcadas com o acordo do Banco, habitualmente em Agosto.

32. O C sempre pagou ao A. a retribuição correspondente a esse período de férias.

33. Inexistia controlo manual, mecânico ou electrónico da assiduidade no serviço do A. e todos os demais advogados.

34. Todos os advogados podiam exercer a advocacia em escritório próprio e faltar no Banco para assegurarem diligências nos tribunais relativas a processos dos respectivos escritórios.
35. O A. não fazia prova dos motivos das faltas e os advogados do Quadro faziam-no quando o Banco o considerasse necessário.

36. O Banco não descontava as faltas do A. na sua retribuição mensal, fazendo-o aos advogados do Quadro que comunicassem faltas sujeitas a perda de retribuição.

37. O Banco nunca instaurou ao A. qualquer processo disciplinar.
38. O A. emitia recibos Modelo 6 - "recibos verdes" (Docs. de fls. 291 a 299).

39. Sobre a retribuição mencionada acrescia IVA à taxa legal prevista para a prestação de serviços (Docs. de fls. 291 a 299).
40. O A. não constava dos quadros de pessoal nem dos mapas de férias dos trabalhadores do Banco (Docs. de fls. 197 a 229).
41. O A. não estava abrangido pelos SAMS - Serviços de Assistência Médica e Social dos Bancários.

42. O A. nunca fez descontos para o CAFEB.
43. Todos os advogados tinham cartões electrónicos de acesso às instalações, por razões de segurança, mas só os do Quadro com identificação e fotografia, contendo os dos demais a menção de "provisório" (Doc. de fls. 245).

44. O A. nunca recebeu subsídio de férias, subsídio de Natal, subsídio de alimentação, diuturnidades ou qualquer outra retribuição complementar.

45. Durante a vigência do contrato, o A. nunca reclamou junto do Banco a alteração das situações mencionadas nos pontos anteriores, designadamente o pagamento das prestações pecuniárias referidas.

46. Sucedeu que, na previsão da sua fusão e integração no Banco B, o C preparou a realização de medidas de reorganização de serviços, que abrangeram o Departamento de Contencioso do C.

47. No âmbito dessas medidas que o C pretendia tomar, o A. foi contactado pelo então Director do Contencioso, Dr. D, que lhe comunicou que por força de tais medidas o Banco iria fazer cessar o exercício de funções do A. e que lhe iria enviar uma minuta.

48. No dia 13/10/2000, a Sra. E - Secretária do Director do Contencioso - foi entregar ao A., sem nada lhe dizer quanto a prazo para devolução, um texto elaborado pelo advogado do Quadro, Dr. F, a pedido do Director, com o seguinte teor (Doc. de fls. 33):
"Acordo de Resolução de contrato de prestação de serviços
(minuta)
Entre Banco C, S.A., com sede em Lisboa, Rua Áurea, nº 28, aqui designado por primeiro contraente e A, casado, advogado, residente em Lisboa, na Rua ... , aqui designado por segundo contraente, é celebrado e mútua e reciprocamente aceite o seguinte acordo, que se regerá pelas cláusulas seguintes.
Entre o primeiro e o segundo contraente encontra-se em vigor um contrato de prestação de serviços no âmbito de actividade de advocacia prestada ao primeiro, pelo segundo outorgante.
As partes acordam em pôr termo ao contrato mencionado na anterior cláusula a partir do dia 31 de Outubro, data na qual cessarão, mútua e reciprocamente, os direitos e obrigações dos contraentes.
A, aqui acordada, cessação do contrato de prestação de serviços, não dará direito a qualquer indemnização ou compensação qualquer que seja a sua origem ou natureza.
Os dois contraentes aceitam nada se encontrar em dívida por parte do outro, respectivo, contraente.
Lisboa..."
49. No canto superior esquerdo do mesmo documento está escrito "à mão" pelo Director do Contencioso - Dr. D, com a sua letra e assinatura, o seguinte:
" Caro Dr. A
Está de acordo?
Um abraço" (Doc. de fls. 33).
50. Que já constava do documento aquando da sua entrega ao A..

51. O A. leu o referido texto e pelo seu punho corrigiu o seu nome, riscando "...." e escrevendo "A" (Doc. de fls. 33).

52. Na parte de baixo do mesmo documento, o próprio A., pelo seu próprio punho, escreveu e assinou o seguinte:
"Concordo Lx.13.10.00"

53. Após o que, ainda no mesmo dia 13/10/2000, o A. devolveu o referido documento.

54. E em 18/10/2000, o C fez chegar ao A. um texto, em dois exemplares, assinados, por sua parte, pelo Dr. D, Director do Contencioso, que pretendia que o A. assinasse (Docs. de fls. 28 e 30).

55. O A. disse à Sra. E, que procedeu a tal entrega, que os deixasse ficar pois queria falar primeiro com o Dr. D.

56. O Autor nunca veio a assinar, por seu lado, os referidos exemplares (Docs. de fls. 28 e 30).

57. O A. pediu para ter uma reunião com o Director do Contencioso, que veio a realizar-se no dia 27/10/2000.

58. Nessa reunião com o Dr. D, o A. comunicou-lhe que decidira não assinar os exemplares entregues em 18/10, por o seu teor não acautelar os direitos que entendia resultarem para si da relação jurídica mantida com o Banco.

59. Tendo o Dr. D comunicado ao A. que o Banco não pretendia alterar em nada a sua posição.

60. Em 31/10/2000, foi entregue pessoalmente ao A. a carta de fls. 32, assinada pelo referido Director, com o seguinte teor:
"Na sequência da conversa que tivemos em 27 do corrente e para dar satisfação ao solicitado por V. Exa., envio-lhe fotocópia do "Acordo de Resolução de Contrato de Prestação de Serviços" celebrado entre V. Exa. e o Banco C e assinado em 13 do corrente."

61. Anexa a essa carta vinha a referida minuta inicialmente entregue ao A., com a aposição de uma nota manuscrita daquele Director com o seguinte teor:
"Face ao acordo formal aqui consignado pelo Sr. Dr. A, o contrato extingue-se na data de hoje (cláusula 2ª), Lisboa, 31 de Outubro de 2000" (Doc. de fls. 33).

62. O A. dirigiu, com data de 6/11/2000, à Administração do agora R. Banco B - em que o C veio a ser incorporado, por fusão - a carta que se junta como doc. nº 5 e cujo conteúdo aqui se dá como reproduzido.

63. À qual o R. respondeu com a carta de 8/01/2001, que se junta como doc. nº 6 e cujo conteúdo se dá como reproduzido.

64. O C e o R. aderiram a um Fundo de Pensões, para o qual efectuam descontos que asseguram posteriormente o pagamento de prestações de reforma aos seus trabalhadores.

65. O C nunca procedeu a quaisquer descontos nas retribuições pagas ao A. para o Fundo de Pensões.

66. O R., Banco B, S.A., é uma sociedade aberta, titular do cartão de pessoa colectiva n.º 501525882, com o capital social de € 2.326.714.877, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o nº 40.043, na qual, já depois de 31 de Outubro de 2000, foi incorporado, por fusão, por transferência global do respectivo património, o Banco C, S.A..

67. Por força da referida fusão, o Banco B recebeu todo o activo e todo o passivo do C, adquirindo todos os direitos e assumindo todas as obrigações a que o C estava legal ou contratualmente vinculado.

3. O direito
Como resulta das conclusões do recurso, são três as questões suscitadas pelo recorrente:
- saber se o acórdão é nulo, por sofrer de contradição entre os fundamentos e a decisão;
- saber se a actividade por ele prestada ao Banco C ocorreu no âmbito de um contrato de trabalho ou de um contrato de prestação de serviços;
- saber se, ocorrendo a primeira hipótese, a sua conduta configura um caso de abuso do direito.

3.1 Da nulidade do acórdão
Relativamente à alegada nulidade do acórdão, limitamo-nos a dizer que este tribunal não pode conhecer dela, pelo facto de a mesma só ter sido arguida nas alegações e não no requerimento de interposição de recurso, conforme preceitua o disposto no n. 1 do art. 77 do CPT, aplicável à arguição das nulidades do acórdão, como reiteradamente tem vindo a ser decidido por este Supremo Tribunal. Quando feita apenas nas alegações do recurso, a arguição das nulidades da sentença ou do acórdão é extemporânea e impede que sejam apreciadas pelo tribunal ad quem.

3.2 Da natureza do contrato
Relativamente à natureza do contrato, na 1.ª instância decidiu-se que era um contrato de trabalho e na Relação decidiu-se que era um contrato de prestação de serviços. Importa agora averiguar de que lado está a razão.

E antes de mais importa observar que era ao autor que competia alegar e provar os factos que permitissem caracterizar o contrato em questão como sendo de trabalho subordinado. Com efeito, emergindo os direitos por ele reclamados na presente da acção de uma relação de trabalho subordinado, era ele que tinha de provar que a actividade por si exercida ao serviço do C, que veio a ser incorporado por fusão no Banco réu (BCP), configurava juridicamente um contrato individual de trabalho (art. 342, n. 1, do CC). Não era a ré que tinha de provar que aquela actividade configurava um contrato de prestação de serviços. Só assim não seria se na ordem jurídica portuguesa vigorasse (o que não acontece) a presunção da existência do contrato de trabalho.

E feita esta observação (que é absolutamente pertinente, uma vez que havendo dúvidas acerca da natureza laboral do contrato, tudo de passa como se o mesmo não existisse, o que implicará a improcedência da acção), podemos adiantar, desde já, que os factos dados como provados não são suficientes para concluir pela caracterização do contrato em questão como sendo um contrato de trabalho. Vejamos porquê.

Como é sabido, a diferença entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços reside fundamentalmente na chamada subordinação jurídica que só no primeiro existe. E essa diferença resulta da diferente natureza da prestação que, em cada um dos contratos, uma das partes se obriga a prestar à outra. No contrato de trabalho, o objecto da prestação a cargo do "trabalhador" é a sua própria actividade intelectual ou manual, é a sua força de trabalho que é colocada à disposição da outra parte que dela usará consoante os seus interesses e conveniências, dentro naturalmente dos limites do próprio contrato (ar. 1152 do CC e art. 1.º da LCT). Por sua vez, no contrato de prestação de serviços, a prestação consiste em proporcionar à outra parte determinado resultado do seu trabalho intelectual ou manual (art. 1154 do CC), o que significa que, no contrato de trabalho, temos (pelo menos, em regra) uma obrigação de meios, enquanto que, no contrato de prestação de serviços temos uma obrigação de resultado.

É verdade que, ao fim e ao cabo, ambos os contratos visam a obtenção de determinado resultado e ambos se traduzem na alienação da capacidade produtiva de uma das partes em favor da outra. A diferença está na forma como a actividade é prestada e na forma como o resultado é obtido. Como diz Monteiro Fernandes (1), no contrato de prestação de serviços, ao contrário do que acontece no contrato de trabalho, o processo conducente à produção do resultado, a organização dos meios necessários e, desde logo, a ordenação da actividade (trabalho) que o condiciona, estão, em princípio, fora do contrato, não são vinculados, mas antes determinados pelo próprio fornecedor do mesmo trabalho.

Por outras palavras, acrescentamos nós, no contrato de prestação de serviços o prestador organiza a sua actividade como bem entender, enquanto que no contrato de trabalho a actividade do trabalhador é prestada segundo as ordens e directivas emanadas da entidade empregadora no uso do poder directivo que a lei lhe confere (art. 39, n. 1, da LCT) e a que se contrapõe o dever de obediência por parte do trabalhador (art. 20, n.º 1, al. c) da LCT).

Como diz Pedro Romano Martinez (2) , no plano teórico, a diferença entre aqueles dois contratos é clara, mas, na prática, essa diferença nem sempre é óbvia. As dificuldades são grandes quando a actividade em causa seja exercida com grande autonomia técnica a qual, como se depreende do disposto no art. 5, n. 2, da LCT, não é incompatível com a existência do contrato de trabalho, uma vez que ela não é conferida ao trabalhador pelo empregador, resultando, antes, da natureza da actividade e da qualificação profissional do trabalhador cujo trabalho continua a ser organizado, orientado, controlado e utilizado pelo empregador.

As dificuldades da distinção são maiores ainda quando em causa estejam actividades que tradicionalmente são exercidas por profissionais liberais (por ex., médicos, advogados, arquitectos). Como é sabido, nas últimas décadas houve lugar a uma proletarização das profissões liberais (utilizando a expressão de Victor Russamano (3) e, por via desse fenómeno, houve um alargamento do âmbito de aplicação do Direito do Trabalho aos profissionais liberais, sendo frequente, actualmente, encontrar situações em que aquelas actividades são exercidas mediante contrato de trabalho. Acontece, porém, como diz Pedro Romano Martinez (4), que a obrigação desses profissionais, mesmo quando celebram um contrato de prestação de serviços, costuma ser, em princípio, uma obrigação de meios e não de resultado e que, quando celebram contratos de trabalho, não ficam por via de regra sujeitos a um horário de trabalho e, muitas vezes, nem sequer exercem a profissão junto do empregador, o que torna por vezes extremamente difícil a tarefa da qualificação do contrato.

Aquelas dificuldades têm de ser resolvidas pelo tribunal, caso a caso, podendo haver algum casuísmo nessa resolução, casuísmo, não no sentido de incerteza, mas tendo em conta a especificidade de cada caso concreto, que será um factor relevante (5). E o critério base para a distinção será o da subordinação jurídica, nas suas várias facetas, nas quais se inclui a subordinação com autonomia técnica.

Todavia, porque a subordinação jurídica não existe no estado puro, por ser um mero conceito jurídico, a doutrina aconselha o recurso aos chamados método tipológico e método indiciário, traduzindo-se o primeiro na indagação dos elementos do tipo negocial do contrato de trabalho ou do contrato de prestação de serviços e, o segundo, na averiguação da existência de indícios de subordinação jurídica (6). Através deste último método, o julgador, perante determinada situação concreta, procurará indagar se naquela situação existem factos que normalmente andam associados à existência daquela subordinação, indícios que normalmente a revelam ou concretizam.

Os indícios que normalmente costumam ser referidos são o local onde a actividade é exercida, a existência de um horário de trabalho, a utilização de bens ou de utensílios fornecidos pelo beneficiário da actividade, o tipo de remuneração, o pagamento de subsídio de férias e de Natal, o recurso a colaboradores por parte do prestador da actividade, a repartição do risco, o direito a férias e a integração na organização produtiva. Para além destes indícios, que podemos designar de indícios negociais internos (7), há ainda os chamados os indícios externos ao contrato, como sejam, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a sua inscrição na Segurança Social como trabalhador dependente ou independente, a sua sindicalização sindical e a prestação da mesma ou idêntica actividade a outros beneficiários.

Os indícios referidos, apreciados isoladamente, não são determinantes para a qualificação do contrato, dada a sua evidente relatividade. Por outro lado, sendo a subordinação jurídica um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características, a sua determinação através deste método não se reconduz a um mero juízo de subsunção. O juízo a fazer, com base nos indícios recolhidos, é um juízo de globalidade e é um juízo de mera aproximação entre dois modelos analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação. Como diz M. Fernandes (8), "os elementos deste modelo que assumam expressão prática na situação a qualificar serão tomados como outros tantos indícios de subordinação, que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, uma maior ou menor proximidade entre o conceito-tipo e a situação confrontada."

Como se disse no acórdão deste tribunal de 2.11.2004 (Revista n.º 2845/04, 4.ª Secção), não basta o preenchimento, em abstracto, de um ou mais indícios apontados como susceptíveis, em princípio, de revelar a subordinação jurídica, para se poder concluir, desde logo, que se está perante um contrato de trabalho. Nem basta que o número de indícios nesse sentido seja maior que o dos indícios que apontam em sentido diverso. Há que avaliar, em concreto e em globo, o valor sintomático dos respectivos factos.

Em qualquer caso e para além daqueles indícios, há que levar em conta, nos casos em que haja contrato escrito, a qualificação jurídica que as partes lhe atribuíram e, tratando-se de negócios que têm por objecto actividades que são próprias das profissões liberais, deve-se presumir que são contratos de prestação de serviços (9).

Transpondo, agora, para o caso em apreço, as considerações que acabamos de fazer, vejamos as razões que nos levam a concluir pela não existência do contrato de trabalho.

A primeira diz respeito à denominação que as partes deram ao contrato. Está provado que o autor foi contratado, em 1977, para exercer as funções de advogado, mediante contrato escrito que foi denominado de "contrato de prestação de serviços" (factos n.º 3 e 4). Também está provado que o autor está inscrito na Ordem dos Advogados, desde 18 de Maio de 1964 (facto n.º 1), o que significa que, quando celebrou e assinou o contrato com o C, já era um advogado experiente, não podendo ignorar a diferença que existe entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços. É suposto, por isso, que as partes quiseram celebrar realmente um contrato de prestação de serviços e não um contrato de trabalho e daí a denominação que lhe atribuíram. É certo que tal denominação não vincula o tribunal, mas, dada a qualidade profissional dos intervenientes, não podemos deixar de reconhecer-lhe uma relevância muito especial.

A respeito daquela denominação, também importa realçar que o contrato só veio a cessar em 31 de Outubro de 2000, não havendo notícia de que o autor, durante os 23 anos da sua vigência, tenha questionado aquele qualificação. Pelo contrário, está provado que ele, aquando da cessação do contrato, ainda estava plenamente de acordo com tal qualificação, uma vez que deu o seu acordo ao teor da minuta que então lhe foi apresentada visando a resolução amigável do mesmo, a qual, sob o título de "Acordo de Resolução de contrato de prestação de serviços", continha, na cláusula 3.ª, uma referência expressa à "cessação do contrato de prestação de serviços" (vide factos n.º 47 a 53).

A segunda razão diz respeito ao juízo de avaliação global que é possível fazer com base nos restantes indícios recolhidos em sede da matéria de facto, os quais, salvo o devido respeito, estão longe de permitir um juízo seguro a favor da existência do contrato de trabalho, como detalhadamente foi referido no acórdão recorrido, em termos que subscrevemos e para os quais remetemos, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 713.º do CPC, sem prejuízo das breves considerações que passamos a expor.

Relativamente ao local onde a actividade era prestada, à propriedade dos instrumentos de trabalho e ao tipo de colaboração, está provado que o autor prestava a sua actividade nas instalações do Banco, que todos os instrumentos de trabalho pertenciam ao Banco e que todo o apoio administrativo era prestado por funcionários do Banco.
Reconhece-se que tais factos indiciam a favor de uma integração na organização produtiva, a qual por sua vez prenuncia, normalmente, a existência de trabalho dependente, mas tais factos não são de todo incompatíveis com a existência de um contrato de prestação de serviços e, no caso em apreço, a prestação da actividade nas instalações do Banco explica-se pelo interesse que o Banco tem em manter o controlo e a confidencialidade sobre os processos em curso cujo número é certamente elevado, como resulta do número de advogados que prestavam serviço na Direcção de Contencioso.

Relativamente ao poder de direcção do Banco, apenas ficou provado que o autor recebia directivas e orientações gerais do Director do Contencioso, algumas das quais constavam de Ordens de Serviço.

Tais orientações não são incompatíveis com o contrato de prestação de serviços, pois, como é evidente, neste tipo contrato o beneficiário da actividade sempre terá de dar orientações ao prestador da actividade no sentido de este obter o resultado nos moldes por ele pretendidos. Acresce que o autor não logrou provar tudo o que alegou a tal este respeito. Concretamente não provou que as ordens e instruções que recebia do Director e dos Subdirectores da Direcção de Contencioso respeitavam, nomeadamente, à forma ou ao modo de cumprir e executar as suas funções, mesmo em aspectos que não eram de natureza técnico jurídica, mas sim administrativa (vide art. 21 da p.i.).

O recorrente alega que a sua actividade era prestada em termos idênticos á actividade que era prestada pelos advogados vinculados ao Banco por contrato de trabalho, mas a verdade é que não foi exactamente isso o que foi dado como provado. Apenas ficou provado que a sua actividade era exercida "de modo semelhante" à dos outros advogados, o que é coisa algo diferente (vide factos n.º 17 e 18).

No que diz respeito ao horário de trabalho, apenas se provou que o autor prestava a sua actividade "com regularidade diária durante 3 a 4 horas, inicialmente durante o período da manhã e ultimamente durante o período da tarde." Ao contrário do que o recorrente alegou nos artigos 25 e 26 da petição inicial, não ficou provado que ele "estava sujeito à observância de um horário de trabalho, que efectivamente cumpria, e que era a tempo parcial, correspondendo a metade do horário a tempo completo dos outros advogados trabalhadores do Banco." E muito menos ficou provado, ao contrário do que alegou nos artigos 27 e 28 da p.i., que estivesse obrigado a cumprir o horário de trabalho e a permanecer no local de trabalho, mesmo que não houvesse pontualmente tarefas para executar.

Quanto a faltas, ficou provado que o autor não estava sujeito a controlo da assiduidade e que não tinha de justificar as faltas e, se é verdade que os demais advogados também não estavam sujeitos aquele controle, também é certo que tinham de justificá-las, quando o Banco assim o entendesse. Por outro lado, ficou provado que o Banco não descontava na retribuição as faltas dadas pelo autor, mas o mesmo não acontecia com todas as faltas dadas pelos advogados com contrato de trabalho (vide factos 33 a 36).

Quanto à retribuição, ficou provado que o autor auferia uma retribuição certa mensal, durante doze meses ano e que gozava um mês de férias. Mas também ficou provado que nunca recebeu subsídio de férias nem de Natal, nem subsídios de alimentação, diuturnidades ou qualquer outra retribuição complementar. E provado ficou que emitia os chamados recibos verdes (Modelo 6). Ora, se é verdade que a retribuição mensal e o direito a férias indiciam a existência de um contrato de trabalho, isso tem pouco relevo, no caso em apreço, não só porque no contrato de avença a retribuição costuma ter periodicidade mensal, mas também porque aquela forma de retribuição e o direito a férias foram convencionados aquando da celebração do contrato. De qualquer modo, a valia que daqueles dois indícios pudesse resultar a favor da existência do contrato de trabalho seria aniquilada pela inexistência do pagamento do subsídio de férias e de Natal, pela passagem de recibos verdes com a cobrança do respectivo IVA e pelo não pagamento do subsídio de alimentação e das diuturnidades que são duas prestações verdadeiramente típicas do contrato de trabalho.

Finalmente, também está provado que o autor não estava abrangido pelos SAMS - Serviços de Assistência Médica e Social dos Bancários e que o Banco nunca lhe fez descontos
para o Fundo de Pensões, factos que também desabonam a favor do contrato de trabalho.

Resumindo, diremos que, feito um balanço global dos factos dados como provados, sempre teríamos de concluir pela inexistência do contrato de trabalho, ainda que puséssemos de lado a qualificação que as partes deram ao contrato celebrado, o que implica a improcedência do recurso e deixa prejudicado o conhecimento da questão do abuso de direito.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar a revista e manter a absolvição do réu do pedido.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 3 de Março de 2005
Sousa Peixoto,
Vítor Mesquita,
Fernandes Cadilha.
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(1) - Direito do Trabalho, I, 9.ª edição, Almedina, pag. 132.
(2) - Direito do Trabalho, Almedina, pag. 306.)
(3) - Curso de Direito do Trabalho, 6.ª ed., Curitiba, 1997, pag. 61 (citado por P. Romano Martinez, obra citada, pag. 299, nota 4).
(4) - Ob. citada, pag. 299.
(5) - P. R. Martinez, ob. cit., pag. 299.
(6) - Vide autores e obras citadas, pag. 135 e 306, respectivamente.
(7) - Vide P. R, Martinez, ob. citada, pag. 308 e 309.
(8) - Ob. citada, pag. 136 e 137.
(9) - Monteiro Fernandes, ob. citada, pag. 125.