Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PEREIRA MADEIRA | ||
Descritores: | EXTRADIÇÃO CONVENÇÃO EUROPEIA DE EXTRADIÇÃO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE REEXTRADIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200606080021775 | ||
Data do Acordão: | 06/08/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I - O art. 44.º, n.º 1, al. c), da Lei 144/99, exige genericamente que o pedido de extradição inclua a «garantia formal que a pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado nem detida para procedimento penal, para cumprimento de pena ou para outro fim, por factos diversos dos que fundamentaram o pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos»; é óbvio, no entanto, que essa exigência não terá de ser satisfeita, nem expressa nem formalmente, pelos Estados Partes da Convenção Europeia de Extradição, pois que na assinatura e ratificação desta, todos eles se obrigaram expressa e formalmente, perante os demais, a não perseguir, julgar ou deter a pessoa entregue, «por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivar a extradição» (art. 14.º, n.º 1 - regra da especialidade) nem, sem consentimento da Parte requerida, a entregá-la a outra Parte ou a um terceiro Estado que a procure por infracções anteriores à entrega) - (art. 15.º - reextradição para um terceiro Estado). II - A admissão e a concessão da extradição levam implícito - na decorrência da própria aceitação das garantias oferecidas - o seu condicionamento (resolutivo) ao cumprimento, pelo Estado requisitante, de tais garantias, condicionamento que, posto que não explícito, conferirá ao Estado requisitado (oficiosamente ou a pedido do interessado), em caso de inobservância, o direito de, oportunamente (e pelos apropriados canais diplomáticos ou judiciários), exigir a devolução do extraditado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1 – O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, promoveu o cumprimento do pedido de extradição de AA, de nacionalidade arménia, casado, nascido em 5 de Agosto de 1968 em Yerevan, República da Arménia, então residente na Avenida ……., nº …., …. D, em Lisboa e actualmente preso no Estabelecimento Prisional da ……. (desde 23/03/06 – fls. ….. vº, …., …., ….-….) com os seguintes fundamentos: 1. As autoridades judiciárias da República da Arménia emitiram um mandado de captura para difusão internacional no âmbito do processo nº ……, do Departamento de Investigação da Procuradoria-Geral da República da Arménia, contra aquele cidadão arménio. 2. Tal mandado resulta de estar o mesmo indiciado da prática do crime p. e p. pelo art.º 90º, § 4º, do Código Penal Arménio, a que corresponde, em abstracto, a pena de 6 a 12 anos de prisão; actualmente previsto pelo art.º 179º, § 3º, nº 1, do novo C.Penal Arménio, a que corresponde, em abstracto, a pena de 4 a 8 anos de prisão. 3. Como resulta da exposição dos factos constante do pedido de extradição, sobre o extraditando pende grave suspeita de ilicitamente se haver apropriado, em data indeterminada, entre o mês de Julho de 1998 e Setembro de 2000, da importância de $ 85.000 dólares dos E.U.A., pertencentes ao “.....” CJSC. 4. Os factos são puníveis tanto pela legislação arménia como pela legislação portuguesa – art.º 205º, nºs 1 e 5, do C. Penal – com penas cujo limite máximo é superior a um ano de prisão e o respectivo procedimento não se encontra extinto por prescrição. 5. O pedido de extradição encontra-se devidamente instruído pela forma legalmente exigida no art.º 12º da Convenção Europeia de Extradição, de 13 de Dezembro de 1957, e nos termos dos art.ºs 23º e 44º, da mencionada Lei nº 144/99 . 6. Uma vez que o extraditando foi localizado como residindo em Lisboa, é este Tribunal da Relação o competente para apreciação da fase judicial do pedido de extradição – art.º 49º, nº 1, da Lei nº 144/99 . 7. O Ministro da Justiça, ao abrigo do disposto no art.º 31º da Lei nº 144/99 e no art.º 2º da Convenção Europeia de Extradição, considerou admissível o pedido de extradição para a República da Arménia do mencionado cidadão arménio, por, no âmbito do citado processo nº……., que corre termos no Departamento de Investigação da Procuradoria-Geral da República da Arménia, estar indiciado da prática de um crime de abuso de confiança. 8. Nada de formal ou substancial obsta à extradição do identificado AA, que poderá ou não consentir nela desde logo e na sua entrega às autoridades da República da Arménia – art.º 54º da Lei nº 144/99 . Juntou pedido de extradição, despacho ministerial e duplicados legais, devidamente traduzidos. No despacho liminar (art.º 51º da LCIMP), o juiz desembargador (relator) verificou da suficiência dos elementos que instruíram o pedido e da sua viabilidade, ordenando a passagem e entrega dos mandados de detenção contra o extraditando, como foi promovido, mormente por se verificar dupla incriminação já que os factos imputados ao requerido integram a prática do crime p. e p. pelo art.º 90º, § 4º, do Código Penal Arménio, aliás actualmente p. e p. pelo art.º 179º, § 3º, nº 1, do Novo Código Penal Arménio ora punível de 4 a 8 anos de prisão e punível pelo art.º 205º, nºs 1 e 5, do Código Penal Português. Detido o extraditando, em 23/03/2006, pelas 10H45 (cfr. fls. …. - ….), foi o mesmo apresentado nesse dia, pelas 15 horas, e de imediato interrogado, perante o juiz desembargador relator, nos termos e com os formalismos previstos no art.º 54º da LCIMP; tendo, nessa ocasião, o extraditando declarado expressamente opor-se à extradição e não renunciar à regra da especialidade. O relator, além do mais, julgou válida a detenção, por ter sido efectuada mediante mandado judicial, aliás em conformidade com o mandado internacional de captura constante dos autos e ordenou que o extraditando permanecesse os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, por ser a única medida de coacção, adequada e proporcional, mormente por se indiciar, no caso, perigo de fuga – cfr. art.ºs 27º, nº 3, al. c) da CRP, 193º, nº 2, 202º, nº 1, al. a), e 204º, al. c), todos do Código de Processo Penal. Foi ainda ordenado o cumprimento do disposto no art.º 55º, nº 1 da LCIMP (fls. 81-84). Nos termos e prazo do art.º 55º da LCIMP, o extraditando deduziu oposição, alegando, em síntese, que: O processo de extradição tem natureza eminentemente formal, pelo que está sujeito ao cumprimento efectivo, integra e absoluto de todas as formalidades, devendo conter toda a documentação legalmente prevista. A falta dos documentos indicados na lei leva ao arquivamento do processo e, consequentemente, quando a pessoa reclamada se encontra detida, acarreta a sua imediata restituição à liberdade. Ora, segundo alega, deviam constar dos autos e não constam elementos e documentos necessários à instrução do processo de extradição, nomeadamente: a) Não se mostra junta aos autos a garantia formal de que o extraditando não será extraditado para terceiro Estado, nem detido para procedimento penal, para cumprimento de pena ou para outro fim, por factos diversos dos que fundamentam o pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos – cfr. al. c) do nº 1 do art.º 44º da LCIMP. Reafirma que não renunciou ao benefício da regra da especialidade – cfr. auto de audição a fls. ... dos autos. A tal preceito corresponde a aplicação prática da regra da especialidade, nos termos da qual a pessoa que, em consequência de um acto de cooperação, comparecer perante uma autoridade estrangeira para intervir em processo penal como suspeito, arguido ou condenado não pode ser perseguida, julgada, detida ou sujeita a qualquer outra restrição da liberdade por facto anterior à sua presença em território nacional, por facto ou condenação anteriores à sua saída do território português diferentes dos determinados no pedido de cooperação (cfr. nº 2 do art.º 16º da LCIMP). Para além disso, esta garantia deve obrigatoriamente ser prestada pelo Estado que formula o pedido, antes de autorizada a transferência do extraditando (cfr. nº 3 do art.º 16º da LCIMP). É uma garantia “formal”, que não pode resultar ou ser inferida pela análise de quaisquer outros elementos constantes do processo, mas deve ser prestada clara e explicitamente. Pelo que, faltando um requisito de ordem formal, e que é também de ordem substancial, na medida em que afecta os direitos do extraditando, deve o pedido de extradição ser arquivado. b) Alega ainda que falta um outro elemento no presente processo, o mandado de captura, ou a decisão na qual o mesmo se baseia. Admite que consta do processo uma decisão de 2001, nos termos da qual deverá ser emitido mandado de captura sobre a pessoa do extraditando. No entanto, considera que não consta qualquer documento que consubstancie efectivamente o mandado de captura, porquanto o que é designado de mandado de captura (cfr. fls. …. a …) parece ser apenas, salvo melhor opinião, a decisão de emissão do mesmo. Acresce que a decisão que determina a emissão do mandado de captura remonta a 2001 e refere, como fundamento, uma decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades de Kentro e Nork-Marash – a qual terá sido proferida em 16 de Janeiro de 2001 (cfr. fls. …, § 3º). Ora, a única decisão daquele Tribunal que se encontra junta aos autos é datada de 17 de Janeiro de 2001 (cfr. fls. …..). Pelo que não existe qualquer mandado de captura junto aos autos. Ou se considera que o mandado de captura é o documento junto a fls. ….. a … dos autos, o que se admite sem conceder, então não existe nos autos qualquer decisão que determine a emissão de tal mandado. Mas quer falte um quer falte outro documento, estaremos sempre perante a omissão de um requisito de ordem formal que a lei determina como essencial. De facto, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do art.º 44º da Lei nº 144/99 , ao pedido de extradição devem ser juntos o mandado de detenção da pessoa reclamada, emitido pela autoridade competente, e certidão ou cópia autenticada da decisão que ordenou a expedição do mandado de detenção, no caso de extradição para procedimento penal. c) Acresce que, admitindo que a decisão que fundamenta a emissão de mandado de captura seria a que consta a fls. …. a …, ainda assim tal decisão determina a aplicação da medida de prisão preventiva pelo período de dois meses. Ora, como tal período há muito expirou, alega a caducidade do pedido de captura – nomeadamente, por ter entretanto havido decisão de alteração de acusação (cfr. fls. …. a ....) e, na mesma data, nada ser referido quanto à medida de coacção, v.g. prisão preventiva. E, embora confesse desconhecer o regime legal que sobre a matéria (aplicação de medidas de coacção e, especialmente, a prisão preventiva) vigora na República da Arménia, conclui que “nada garante que tal medida não tenha, entretanto, caducado”. Com estes fundamentos, mormente por falta de documentos que constituem requisitos de forma e até substanciais essenciais à instrução do processo de extradição, conclui o extraditando que o processo deve ser arquivado e ele restituído à liberdade. Seguidamente, o desembargador relator ordenou a junção aos autos de prova documental que demonstre que a República da Arménia assinou e ratificou a Convenção Europeia de Extradição (fls. …. ) – o que foi cumprido (cf. fls. …. - …..) – e onde se pode constatar que a República da Arménia assinou aquela Convenção em 11/05/2001 e que a ratificou em 25/01/2002, tendo entrado em vigor em 25/04/2002. Finda a produção de prova, foram os autos, sucessivamente, por cinco dias, para alegações (por escrito), à Ex.ma PGA e ao Il. Advogado do extraditando (cf. art.º 56º, nº 2 da LCIMP). A final foi proferido acórdão em que se decidiu, além do mais, julgar procedente o pedido e, em consequência, autorizar a entrega do detido AA para ser extraditado para a República da Arménia, a fim de aí responder no processo penal nº ….. do Departamento de Investigação da Procuradoria-Geral da República da Arménia (Tribunal 1ª Instância das comunidades de Kentron e Nork-Marash. Inconformado, recorre o requerido ora ao Supremo Tribunal de Justiça, assim delimitando o objecto da sua discordância: a) O presente recurso visa apelar da decisão de extraditar o ora recorrente por a mesma padecer de uma errada interpretação e aplicação dos art.ºs. 32°., n°.1, alínea a), art.º. 44°., n°. 1, alínea c) e n°. 2 alíneas a) e b) ambos da Lei n°. 144/99 , de 31 de Agosto, e ainda a violação dos os art.ºs. 1°., 2°., 12°. 14°., 15°. e 22°., todos da Convenção Europeia de Extradição b) No pretérito dia 23 de Março o extraditando e ora recorrente foi detido e sujeito a medida de coacção de prisão preventiva, no âmbito dos presentes autos de extradição. c) O Estado Arménio restringiu o âmbito do seu pedido de extradição a factos alegadamente ocorridos em “data indeterminada, entre o mês de Julho de 1998 e Setembro de 2000”, os quais indiciam o ora recorrente como autor da prática de “Esbanjamento ou desvio”, crime previsto no art.º 179°. do Código Penal Arménio. d) O Tribunal a quo, após análise dos elementos constantes dos autos, considerou estarem preenchidos todos os requisitos de que a Lei faz depender a extradição de um cidadão estrangeiro. e) Contudo, o Estado Arménio não ofereceu garantia formal de que o ora oponente não será detido “para cumprimento de pena ou para outro fim, por factos diversos dos que fundamentarem o pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos”, garantia esta exigida no art.º. 44°., n°. 1, alínea c). f) A apresentação desta garantia é sempre obrigatória, devendo a sua falta dar lugar ao arquivamento do processo, nos termos do art.º. 45°., no. 2 da Lei n°. 144199, de 31 de Agosto. g) A falta da garantia prevista no art.º. 44°., n°. 1, alínea c) da Lei n°. 144/99 , de 31 de Agosto, ofende o princípio da especialidade elencado no art.º. 16°. da Lei n°. 144/99, de 31 de Agosto (aliás, o ora recorrente não renunciou ao beneficio da regra da especialidade). h) Contudo, no acórdão sob recurso consideraram os Senhores Desembargadores estar garantido o cumprimento, por parte do Estado Arménio, da regra da especialidade, não porque essa garantia haja sido efectivamente dada e conste dos autos — que não consta –, mas antes porque, a República Arménia ratificou, em 25 de Janeiro de 2002, a Convenção Europeia de Extradição. i) Da mera leitura das duas acusações existentes nos autos, fácil é de alcançar a dificuldade em perceber qual, afinal, a quantia monetária exacta, alegadamente, desviada pelo extraditando. Isto, por um lado. j) Por outro lado, constata-se que, ao fim e ao cabo, não se concretiza em que local exacto, o alegado crime é cometido, havendo nomeadamente a referência a fls. … de que «as autoridades portuguesas apreenderam o restante [dinheiro]”. 1) Impunha-se, assim, como fundamental a existência da garantia prevista na alínea c) do n°. 1 do art.º. 44°. da Lei n°. 144/99, de 31 de Agosto. m) A ser verdadeira a tal apreensão por parte das autoridades portuguesas de quantias monetárias respeitantes aos factos imputados ao ora recorrente, pode, igualmente, ser verdade que se encontre a correr investigação criminal sobre os mesmos factos em Portugal, não havendo, assim, garantias de que o extraditando não dê por si a responder em vários processos pelos vários países porque foi passando desde a sua saída da Arménia. n) Acontece, também, que da simples leitura do art.º. 75°. do Código Penal Arménio — cuja tradução se encontra a fls. 43 dos autos — se conclui que na Arménia existe pena de prisão perpétua, o que significa que, não existindo a garantia formal que dê cumprimento à regra da especialidade, não se pode ter a certeza absoluta que, ao caso em concreto, se impõe, de que o extraditando não verá, por mais uma vez, a acusação ser alterada para uma alegada prática de um crime a que corresponda pena de prisão perpétua. o) O Tribunal a quo ao ter decidido extraditar o ora recorrente da forma e com a fundamentação constante do, aliás douto, acórdão fez uma errada interpretação e aplicação dos art.ºs. 29, no. 5 e 33, n°. 5, da Constituição da República Portuguesa e dos art.º. 6°., no. 2, alínea b) e 440, n°. 1, alínea c), ambos da Lei n°. 144/99, de 31 de Agosto, tendo, igualmente, sido violados os art.ºs. 1°., 2°., 12°. 14°., 15°. e 22°., todos da Convenção Europeia de Extradição. p) Acresce, ainda que, não existem nos autos os elementos elencados nas alíneas a) e b) do n°. 2 do art.º. 44°. da Lei já citada. q) Não existe nos autos qualquer mandado de detenção do ora recorrente para efeitos da presente extradição. r) A decisão da Procuradoria Geral da República Arménia, de que o Tribunal recorrido se socorre para concluir pela existência de um mandado de detenção para efeitos de extradição, visa tão somente o decretamento de uma medida de coacção de prisão preventiva ao ora recorrente, e apenas por um período de dois meses. s) E isto, no âmbito da acusação original, ainda antes desta vir a ser modificada conforme tradução constante a fls. …. a …. dos autos, sendo que, na última acusação já nem, sequer, é decretada a medida de prisão preventiva. t) Ainda assim, e como se isto não fosse bem claro, insistiram os Senhores Desembargadores que o (inexistente) mandado de detenção foi confirmado com o pedido formal da extradição apresentado à Embaixada de Portugal a fls. …. e (pág. ….. do Acórdão recorrido), contudo, da mera leitura desse pedido resulta claro que não há qualquer referência a qualquer mandado de detenção. u) Ora, ao terem considerado uma decisão de decretamento de uma prisão preventiva, pelo período de dois meses, proferida no âmbito de uma acusação, entretanto dada como inexistente por ter sido alterada, violou o Tribunal a quo o disposto nas alíneas a) e b) do n°. 2 do art.º. 440 e a alínea a) do n°. 1 do art.º. 6, todos da Lei n°. 144/99, de 31 de Agosto e os art.ºs. 10., 2°., 12°. 14°., 15°. e 22°., todos da Convenção Europeia de Extradição. v) Se para extraditar alguém bastasse a existência de uma medida de prisão preventiva, decretada no âmbito de um processo a decorrer no País de origem do cidadão visado, os preceitos vertidos no art.º. 44.º da já citada Lei careciam em absoluto de sentido. x) Não foi este, concerteza o espírito do legislador, o qual com a formulação da referida norma legal, pretendeu a protecção dos mais elementares direitos dos extraditandos, evitando extradições arbitrárias, impondo o máximo rigor na entrega de um cidadão pelas autoridades portuguesas a um terceiro país. z) A falta deste elementos tem, à semelhança do que já se disse quanto á falta da garantia prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º. 44.º da Lei da Cooperação Internacional, de determinar o arquivamento do processo, restituindo-se, de imediato o ora recorrente à liberdade, de acordo com o disposto no art.º. 45°. do mesmo diploma legal. Nestes termos e nos mais de Direito, deverá o, aliás douto, Acórdão recorrido ser revogado, determinando-se o arquivamento do processo e a imediata restituição do recorrente à liberdade, fazendo-se assim Justiça. Ao que respondeu o Ministério Público em suma concluindo: l. Os autos preenchem todos os requisitos formais no sentido da extradição do arguido, pelos factos que são objecto do pedido de cooperação internacional, tal como foi decretado no douto acórdão recorrido, determinando-se a sua entrega às autoridades da Arménia. 2. Tal como resulta da fundamentação de direito do douto acórdão recorrido, constam dos autos todos os elementos exigidos nos art. 23°n°1 e 44° n°1,2 da LCIMP (lei 144/99), na Convenção Europeia de Extradição, e ainda nos art.s. 8°, 33° nºs 5, 6, 7 da CRP. 3. Relativamente à garantia da regra da especialidade verifica-se que – a não renúncia à regra da especialidade por parte do extraditando, conjugada com o princípio da reciprocidade e as normas da Convenção da Extradição, constituem garantia suficiente e vinculante para o Estado da Arménia, nos termos dos art.s. 16° n°3, 44° n°1 c) da LCIMP, tal como foi deliberado na douta decisão impugnanda. 4.Desta forma, esta decisão favorável à entrega do arguido às autoridades da Arménia, está sempre delimitada pelos factos descritos no douto acórdão, factos correspondentes aos que constam do mandado de detenção e da Acusação, não admite perseguição penal doutra natureza ou por outros factos, ou a entrega a terceiro Estado, pelo que se respeitam todas as exigências internacionais de protecção dos direitos humanos. 5. É de confirmar, a inexistência de causas válidas de recusa do pedido de cooperação internacional penal, dirigido a este Tribunal, atento o disposto nos art.s. 6°, 7°, 16° n°1, 3, 23°, 24°, 31°, 44° n°1,2 todos da Lei 144/199 de 31 de Agosto e 8° n°1,2, 33°n°4,5 da CRP. 6. Nos termos em que foi transmitido e julgado, o conteúdo deste pedido de extradição, é de molde a garantir que o Estado requisitante consagra as garantias dum processo justo e equitativo. 7.Estando em vigor entre os dois Estados (Portugal e Arménia) a Convenção Europeia de Extradição, o Estado requerido está vinculado ao seu cumprimento nos termos do art. 8° n°2 da CRP; e o Estado requerente está vinculado aos princípios de humanidade, da especialidade, da consagração de um processo justo e equitativo, princípios decorrentes do texto da Convenção. 8.Por essa razão, continuam a não proceder os fundamentos do recurso do arguido, nomeadamente quanto ao respeito pelo princípio da especialidade e à efectivação das garantias da extradição. 9. O Estado requerente está obrigado a respeitar o princípio da especialidade não só pela exigência expressa, nos autos, pelo arguido, e o decorrente princípio da vinculação temática aos factos motivadores do pedido de extradição, como também pelas normas dos art.s. 14° e 15° da citada Convenção Europeia de Extradição. 10.Aliás, comprovando-se a rectificação da Convenção Europeia de Extradição pela República da Arménia, confirma-se a sua vinculação a estes princípios com a natureza de garantia iurídico-internacionalmente vinculante entre os Estados. 11. Em consequência, é confirmar o douto acórdão recorrido, que declarou procedente o pedido de extradição do arguido, apresentado validamente pela República da Arménia. Termos em que, o presente recurso não deve merecer provimento. 2. Colhidos os vistos legais em simultâneo, cumpre decidir em conferência, nos termos do disposto no artigo 59.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto – Lei de Cooperação Judiciária Internacional Em Matéria Penal (LCJIMP) As questões a decidir 1. «…O Estado Arménio não ofereceu garantia formal de que o ora oponente não será detido “para cumprimento de pena ou para outro fim, por factos diversos dos que fundamentarem o pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos”, garantia esta exigida no art.º. 44°., n°. 1, alínea c)» apresentação que é sempre obrigatória, devendo a sua falta dar lugar ao arquivamento do processo, nos termos do art.º. 45°., no. 2 da Lei n°. 144199, de 31 de Agosto e a sua falta ofende o princípio da especialidade elencado no art.º. 16°. da Lei n°. 144/99, de 31 de Agosto (aliás, o ora recorrente não renunciou ao beneficio da regra da especialidade). 2. «Da mera leitura das duas acusações existentes nos autos, fácil é de alcançar a dificuldade em perceber qual, afinal, a quantia monetária exacta, alegadamente, desviada pelo extraditando, […] constatando-se ainda que, «ao fim e ao cabo, não se concretiza em que local exacto, o alegado crime é cometido, havendo nomeadamente a referência a fls. 53 de que «as autoridades portuguesas apreenderam o restante [dinheiro]”». 3. «A ser verdadeira a tal apreensão por parte das autoridades portuguesas de quantias monetárias respeitantes aos factos imputados ao ora recorrente, pode, igualmente, ser verdade que se encontre a correr investigação criminal sobre os mesmos factos em Portugal, não havendo, assim, garantias de que o extraditando não dê por si a responder em vários processos pelos vários países porque foi passando desde a sua saída da Arménia.» 4. «Acontece, também, que da simples leitura do art.º. 75°. do Código Penal Arménio — cuja tradução se encontra a fls. …. dos autos — se conclui que na Arménia existe pena de prisão perpétua, o que significa que, não existindo a garantia formal que dê cumprimento à regra da especialidade, não se pode ter a certeza absoluta que, ao caso em concreto, se impõe, de que o extraditando não verá, por mais uma vez, a acusação ser alterada para uma alegada prática de um crime a que corresponda pena de prisão perpétua.» 5. Acresce, ainda que, não existem nos autos os elementos elencados nas alíneas a) e b) do n°. 2 do art.º. 44°. da Lei já citada, pois, «não existe nos autos qualquer mandado de detenção do ora recorrente para efeitos da presente extradição» e «a decisão da Procuradoria Geral da República Arménia, de que o Tribunal recorrido se socorre para concluir pela existência de um mandado de detenção para efeitos de extradição, visa tão somente o decretamento de uma medida de coacção de prisão preventiva ao ora recorrente, e apenas por um período de dois meses» e isto, «no âmbito da acusação original, ainda antes desta vir a ser modificada conforme tradução constante a fls. ….. a ….. dos autos, sendo que, na última acusação já nem, sequer, é decretada a medida de prisão preventiva». A decisão recorrida assentou em suma nestes resumidos fundamentos: « (…) Prosseguindo, como resulta do documento junto a folhas 121 e seguintes dos autos, constata-se que a República da Arménia assinou em 11/05/2001, e ratificou em 25/01/2002, tendo a Convenção Europeia de Extradição entrado em vigor, no seu caso, a partir de 25/04/2002. Assim, está formalmente garantido por parte da República da Arménia que, como Estado requerente do presente pedido de extradição, cumprirá a regra da especialidade, aliás nos precisos termos consagrados no art.º 14º, nº 1, da Convenção Europeia de Extradição, ou seja, de que a pessoa que tenha sido entregue não será perseguida, julgada ou detida com vista à execução de uma pena ou medida de segurança, nem submetida a qualquer outra restrição à sua liberdade individual, por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivou a extradição [Note-se que as excepções previstas nas als. a) e b) não se aplicam ao presente caso]. Acresce a manifestação de vontade expressa pelo extraditando, nestes autos, ao declarar não renunciar à regra da especialidade, aquando da sua audição perante juiz desembargador (relator), nos termos e para os efeitos do art.º 54º, nº 1 da LCIMP – cf. auto de audição de extraditando a folhas 81-84. Em suma, tanto basta para ter como garantida a aplicação, no caso concreto, da regra da especialidade, sem que seja exigível qualquer outra garantia formal (concreta) pelo Estado requerente. Concluindo: No presente caso, está garantida a regra da especialidade, nos termos do art.º 14º, nº 1 da Convenção Europeia de Extradição, assinada e ratificada por ambos os Estados (requerente e requerido), atentos os termos concretos do presente pedido de extradição e, mormente, face à declaração expressa do extraditando, na audição perante juiz desembargador – cfr. auto de folhas 81-84. Em suma, aquela norma do art.º 14º nº 1 da Convenção Europeia de Extradição prevalece, no caso (tornando desnecessária qualquer outra garantia extra), mormente face aos citados art.ºs 16º, nº 3, e 44º, nº 1, al. c), da LCIMP (Lei nº 144/99). 2. Quanto à validade do mandado de captura. a) Como vimos acima, neste aspecto, prevalecem os termos do pedido de extradição – muito embora se tenha de dizer que, no essencial, está conforme o peticionado pela Ex.ma PGA. Assim, temos de considerar como verdadeiro e autêntico mandado de detenção o que foi emitido, nos termos promovidos pela Procuradoria-Geral da República da Arménia, em 16 de Janeiro de 2001, cfr. tradução a folhas 51-54, e com a concordância do Tribunal de 1ª Instância das Comunidades de Kentron e Nork-Marash, da cidade de Yerevan, por decisão judicial de 17 de Janeiro de 2001, cfr. tradução a folhas 55-57. Em suma, resulta evidente do presente pedido de extradição que aquele mandado de detenção foi emitido em 17/01/2001 (cfr. ainda fls. 21-22), no âmbito do processo penal nº 62208300, instaurado em 25/09/2000, no Departamento de Investigação da Procuradoria-Geral da República da Arménia, contra o arguido, ora extraditando, imputando-lhe a prática de um crime p. e p. pelo art.º 90º, § 4º do Código Penal Arménio, a que correspondia, na altura, a pena de 6 a 12 anos de prisão. Depois, face à entrada em vigor do Novo Código Penal Arménio – a partir de 1 de Agosto de 2003 – procedeu-se à alteração da acusação, nos termos que constam da decisão de 20 de Agosto de 2004, traduzida a folhas 58-62, a qual, embora mantendo a identidade dos factos, passou a qualificar o crime imputado ao ora extraditando, como punível pelo art.º 179º, § 3, nº 1 do Novo Código Penal Arménio – passando a ser punível com a pena de 4 a 8 anos de prisão (cfr. tradução a folhas 58-62 e a folhas 63-66, dadas por reproduzidas). b) Como vimos, “Constitui, pois, elemento fundamental do procedimento de extradição o pedido da Parte requerente, que deve conter, precisa e completamente, a descrição dos factos imputados, com data, local e circunstâncias da infracção...” (citado Ac. STJ de 13/04/05, supra mencionado). No presente pedido de extradição a descrição dos factos mostra-se precisa e completa, como se pode constatar da Acusação e sua alteração, constantes da decisão de folhas … a …, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, em síntese: aí se descreve a apropriação ilícita por parte do arguido, ora extraditando, juntamente com outro indivíduo (de nome BB), entre 28 de Julho de 1998 e Maio de 1999, locupletando-se de somas parciais de $ 45.000 USD e $40.000 USD, ou seja, de valor consideravelmente elevado, mais concretamente o total de $ 85.000 USD (oitenta e cinco mil dólares dos EUA), pertencentes ao “.....” CJSC – actuando, na altura, o ora extraditando como Vice – Administrador desse banco. Assim, o facto de existir um evidente lapso de escrita, numa mera epístola que se encontra junta a fls. 19 e 40 dos autos – e onde, erradamente, se escreveu $ 85,000,000 USA, quando se queria dizer $ 85.000 USD – não tem qualquer importância, porquanto, como já vimos acima, o que releva é a emissão do mandado de captura e a decisão que lhe deu origem, e especialmente a Acusação formulada no processo em causa, onde como se disse consta o total de $ 85.000 USD (oitenta e cinco mil dólares dos EUA). Também neste aspecto falecem as objecções do extraditando. Importa ainda reafirmar que, de acordo com o aludido princípio da dupla incriminação, os factos descritos no pedido da Parte requerente são puníveis tanto pela legislação penal da República da Arménia (nos termos acima concretizados já), como são pela legislação portuguesa – aqui, como crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art.º 205º, nºs 1 e 5 do Código Penal Português (punível com pena de prisão de 1 a 8 anos). c) Finalmente, entendemos que o pedido de detenção do extraditando não caducou – ao invés do que pretende – já que o pedido formal de extradição foi apresentado à Embaixada de Portugal, para transmissão à Autoridade Central / PGR, em 22/02/2005 (cfr. fls. … - …), ou seja, após a acusação e confirmando a validade emissão dos mandados de detenção. Sendo ainda certo que o fundamento para a emissão dos mandados de detenção era, além do mais (cfr. fls. … ), a fuga do arguido ao interrogatório, naquele processo penal nº ….. (…). O recurso cinge-se, naturalmente, à apreciação da matéria de direito – art.ºs 434.º do Código de Processo Penal e 58.º e 59.º da Lei n.º 144/99, de 31/8, (LCJIMP). Dela cumpre então conhecer, até porque em relação aos factos tidos por verificados se não vislumbram vícios capazes de afectarem a respectiva validade, nomeadamente os referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. Primeira questão «…O Estado Arménio não ofereceu garantia formal de que o ora oponente não será detido “para cumprimento de pena ou para outro fim, por factos diversos dos que fundamentarem o pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos”, garantia esta exigida no art.º. 44°., n°. 1, alínea c)» apresentação que é sempre obrigatória, devendo a sua falta dar lugar ao arquivamento do processo, nos termos do art.º. 45°., no. 2 da Lei n°. 144/99, de 31 de Agosto e a sua falta ofende o princípio da especialidade elencado no art.º. 16°. da Lei n°. 144/99, de 31 de Agosto (aliás, o ora recorrente não renunciou ao beneficio da regra da especialidade). Já se viu supra como a decisão recorrida deu resposta a esta questão. E fê-lo em termos que merecem a concordância deste Supremo Tribunal. Com efeito, a questão já foi objecto de decisão em casos idênticos, aí tendo recebido idêntica resposta. Nomeadamente em arestos com assinatura de, pelo menos, dois dos actuais subscritores, entre eles o ora relator: De facto assim se decidiu no acórdão deste supremo Tribunal de 8 de Setembro de 2003, proferido no recurso n.º 2916/03-5em que foi relator o Ex.mo Cons. Carmona da Mota, nestes termos: « (…) O art. 44.1.c da Lei 144/99 (Lei de cooperação judiciária internacional em matéria penal) exige genericamente que o pedido de extradição inclua «garantia formal de que a pessoa reclamada não será extraditada para terceiro Estado nem detida para procedimento penal, para cumprimento de pena ou para outro fim, por factos diversos dos que fundamentarem o pedido e lhe sejam anteriores ou contemporâneos». (…) É óbvio, no entanto, que essa exigência não terá de ser satisfeita, nem expressa nem formalmente, pelos Estados Partes da Convenção Europeia de Extradição – (…) –, pois que, na assinatura e ratificação desta, todos eles se obrigaram expressa e formalmente, perante os demais, a não perseguir, julgar ou deter a pessoa entregue, «por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivar a extradição» (art. 14.1: Regra da especialidade) nem, sem consentimento da Parte requerida, a entregá-la a outra Parte ou a um terceiro Estado que a procure por infracções anteriores à entrega (art. 15.º - Reextradição para um terceiro Estado).» De resto na sequência do que já havia sido decidido no acórdão proferido no recurso n.º 606/01-5, com os mesmos intervenientes: « (…) «Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena (...) privativa (...) da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, em condições de reciprocidade estabelecidas em convenção internacional e desde que o Estado requisitante ofereça garantias de que tal pena (...) não será aplicada ou executada» (1) A extradição por crimes a que, segundo o direito do Estado requisitante, corresponda prisão perpétua ou de duração indefinida só é, pois, admitida – pela nossa ordem constitucional – desde que o Estado requisitante, por um lado, seja parte de convénio internacional de extradição de que Portugal seja comparte e, por outro, ofereça garantias de que tal pena não será aplicada ou, se aplicada, não será executada. Todavia, a «garantia de não execução» de pena privativa de liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida tanto poderá decorrer (substancialmente) da própria ordem jurídica interna do Estado requisitante como (formalmente) de, conforme os casos, garantia de «promoção, nos termos da sua legislação e da sua prática em matéria de execução das penas, das medidas de alteração de que possa beneficiar a pessoa reclamada» ou «acto irrevogável e vinculativo para os seus tribunais ou outras entidades competentes para a execução da pena». Com efeito, a natureza, a configuração e o grau de exigência dessas garantias aferirar-se-ão, em primeira linha, «pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português» (art. 3.1 da Lei 144/99 de 31Ago) – pois que «as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português» (art. 8.2 da Constituição) e, «na sua falta ou insuficiência», pelas disposições da Lei 144/99 de 31Ago (art. 3.1). Só, pois, em caso de «falta ou insuficiência de convenção internacional que vincule o Estado Português» é que será de recorrer – como garantia de não execução de pena de reclusão com carácter perpétuo ou de duração indefinida – à que o art. 6.2 a da. Lei 144/99, subsidiariamente, exige (qual seja, um «acto» do Estado que formula o pedido, «irrevogável e vinculativo para os seus tribunais ou outras entidades competentes para a execução da pena», que tenha «previamente retirado carácter perpétuo ou duração indefinido à pena»).» Esta doutrina mantém-se actual e aqui se reafirma. E, assim, sem necessidade de mais aditamentos, improcede aquela primeira objecção do recorrente. Segunda questão «Da mera leitura das duas acusações existentes nos autos, fácil é de alcançar a dificuldade em perceber qual, afinal, a quantia monetária exacta, alegadamente, desviada pelo extraditando, […] constatando-se ainda que, «ao fim e ao cabo, não se concretiza em que local exacto, o alegado crime é cometido, havendo nomeadamente a referência a fls….. de que «as autoridades portuguesas apreenderam o restante [dinheiro]”». O tribunal recorrido já deu resposta a estas dúvidas do recorrente em termos de sossegarem o seu espírito. Com efeito, ali se afirma com toda a clareza: «No presente pedido de extradição a descrição dos factos mostra-se precisa e completa, como se pode constatar da Acusação e sua alteração, constantes da decisão de folhas 63 a 66, […], em síntese: aí se descreve a apropriação ilícita por parte do arguido, ora extraditando, juntamente com outro indivíduo (de nome BB), entre 28 de Julho de 1998 e Maio de 1999, locupletando-se de somas parciais de $ 45.000 USD e $40.000 USD, ou seja, de valor consideravelmente elevado, mais concretamente o total de $ 85.000 USD (oitenta e cinco mil dólares dos EUA), pertencentes ao “.....” CJSC – actuando, na altura, o ora extraditando como Vice – Administrador desse banco. Assim, o facto de existir um evidente lapso de escrita, numa mera epístola que se encontra junta a fls. 19 e 40 dos autos – e onde, erradamente, se escreveu $ 85,000,000 USA, quando se queria dizer $ 85.000 USD – não tem qualquer importância, porquanto, como já vimos acima, o que releva é a emissão do mandado de captura e a decisão que lhe deu origem, e especialmente a Acusação formulada no processo em causa, onde como se disse consta o total de $ 85.000 USD (oitenta e cinco mil dólares dos EUA).» Trata-se essencialmente de matéria fáctica que ora importa ter assente e que não deixa lugar para as dúvidas do recorrente: a «quantia monetária» em causa é de oitenta e cinco mil dólares dos Estados Unidos da América, a data é a que ali é referida – entre 28 de Julho e Maio de 1999 – e o local, aquele em que o requerido exercia na Arménia as suas funções de Vice – Administrador do banco lesado – o ..... CJSC. E a insinuação – que mais não é – de que pelos mesmos factos haveria outro processo a correr em Portugal é sobejamente esclarecida na resposta da pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido: «(…) Pela primeira vez, o arguido vem invocar, com base numa referência a uma parte de uma das traduções do mandado de detenção internacional, junta a fls. … , a incerteza quanto à pendência, em Portugal, de inquérito crime contra o arguido. Tal dúvida advém apenas, da referência nesse parágrafo, nessa parte da tradução, a que “as autoridades portuguesas apreenderam o restante dinheiro”. Com base numa suposta dúvida daqui decorrente, sem atentar na restante documentação, incluindo a acusação, o mandado de captura na sua totalidade, os restantes documentos remetidos pelas autoridades da Arménia e pela autoridade central, documentos esses que esclarecem o lapso, e apenas com base nesse lapso, pretende o arguido a denegação da cooperação solicitada. Mas não pode admitir-se tal fundamento porque: Relativamente, à invocada “apreensão pelas autoridades portuguesas do restante dinheiro”, trata-se de um evidente lapso de escrita na tradução a fls. …. O documento mencionado corresponde a uma das traduções do “mandado de captura contra o acusado”. A tradução foi feita do inglês. Comparando os dois textos, é possível concluir a olho nu que, as “autoridades portuguesas” estão a mais, O que se menciona é que, a restante quantia (da que fora subtraída e depositada pelos dois arguidos, para além da mencionada) foi apreendida pelas autoridades, sem dizer quais. As “portuguesas” não foram certamente: estamos perante um típico lapso de escrita, corrigível em face do contexto. E tanto assim é que, o arguido confrontado com toda a documentação que instrui o pedido, na audição efectuada após a detenção, na fase da dedução da oposição e das alegações escritas, nunca suscitou o “problema”, nem nunca referiu a existência de processo crime pendente contra si próprio, em Portugal. É também o que resulta da informação que dever de ofício, solicitamos ao DIAP de Lisboa e ao DCIAP. Fazemos notar ainda, que na Audição após a detenção, na parte da identificação e sobre os antecedentes criminais, o recorrente respondeu ao M°. Relator que o ouviu que, “Não tem antecedentes criminais e nunca respondeu em Tribunal por quaisquer crimes.”- Audição no dia da detenção a 23 de Março de 2006 (cfr. fls. …). Tendo sido advertido do dever de responder com verdade sobre estes elementos. Não nos parece razoável, vir agora invocar como causa de recusa do pedido de extradição, um mero lapso de escrita, corrigível em face do contexto – e ao qual não pode atribuir-se o significado negativo pretendido». De resto, sendo questão nova, não levada à ponderação do tribunal recorrido, sempre seria deslocada a sua discussão, agora, em via de recurso, que, como se sabe, é um remédio jurídico destinado a corrigir eventuais erros de decisões proferidas, e, não, um meio processual de obter decisões novas. Improcede igualmente esta segunda questão. Terceira questão «A ser verdadeira a tal apreensão por parte das autoridades portuguesas de quantias monetárias respeitantes aos factos imputados ao ora recorrente, pode, igualmente, ser verdade que se encontre a correr investigação criminal sobre os mesmos factos em Portugal, não havendo, assim, garantias de que o extraditando não dê por si a responder em vários processos pelos vários países porque foi passando desde a sua saída da Arménia.» Acabou esta questão de obter resposta desfavorável ao recorrente na decisão tomada quanto à questão que antecede, nada mais havendo a acrescentar. Quarta questão «Acontece, também, que da simples leitura do art.º. 75°. do Código Penal Arménio — cuja tradução se encontra a fls. … dos autos — se conclui que na Arménia existe pena de prisão perpétua, o que significa que, não existindo a garantia formal que dê cumprimento à regra da especialidade, não se pode ter a certeza absoluta que, ao caso em concreto, se impõe, de que o extraditando não verá, por mais uma vez, a acusação ser alterada para uma alegada prática de um crime a que corresponda pena de prisão perpétua.» Esta questão já obteve resposta no desenvolvimento dada à primeira das que cumpria dar resposta. Sempre se acrescenta que a sem razão do recorrente mais se evidencia por duas vias: - em primeiro lugar, se é certo que pode existir prisão perpétua no Estado requerente, o certo é que ao crime que motiva o pedido de extradição não corresponde esse tipo de pena: o crime é actualmente punível com pena de prisão de 4 a 8 anos e nada mais. - em segundo lugar, o que fica dito quanto ao princípio da especialidade a que o Estado requerente está subordinado nesta matéria, basta para afastar os temores manifestados. De resto, como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal, de 8 de Setembro de 2003 supra citado, ao requerente assiste sempre uma garantia adicional: «como o Supremo Tribunal de Justiça vem repetidamente afirmando (2) – que «a admissão e a concessão da extradição levam implícito – na decorrência da própria aceitação das garantias oferecidas – o seu condicionamento (resolutivo) ao cumprimento, pelo Estado requisitante, de tais garantias, condicionamento que, posto que não explícito, conferirá ao Estado requisitado (oficiosamente ou a pedido do interessado), em caso de inobservância, o direito de, oportunamente (e pelos apropriados canais diplomáticos ou judiciários), exigir a devolução do extraditado». E daí que, em conclusão, o recurso (sustentado no injustificado temor de que, com violação da regra da especialidade, o Estado requerente aproveite a extradição do ora recorrente, pedida e concedida especialmente para o julgamento do extraditando por determinado crime comum, para o «perseguir ou punir em virtude das suas convicções políticas») seja, pois, manifestamente improcedente». Quinta questão Não existem nos autos os elementos elencados nas alíneas a) e b) do n°. 2 do art.º. 44°. da Lei já citada, pois, «não existe nos autos qualquer mandado de detenção do ora recorrente para efeitos da presente extradição» e «a decisão da Procuradoria Geral da República Arménia, de que o Tribunal recorrido se socorre para concluir pela existência de um mandado de detenção para efeitos de extradição, visa tão somente o decretamento de uma medida de coacção de prisão preventiva ao ora recorrente, e apenas por um período de dois meses» e isto, «no âmbito da acusação original, ainda antes desta vir a ser modificada conforme tradução constante a fls. … a … dos autos, sendo que, na última acusação já nem, sequer, é decretada a medida de prisão preventiva». Sobre este ponto, pronunciou-se o Ministério Público junto do tribunal recorrido em termos que merecem a inteira concordância deste Supremo Tribunal: «Os autos encontram-se devidamente instruídos com o mandado de detenção contra o arguido, enquanto pessoa reclamada pelo Estado da Arménia, emitido pela autoridade competente e transmitido pela autoridade Central, como se reconhece devidamente no douto acórdão. Vem o arguido mais uma vez, insistir na inexistência do mandado de detenção. O documento designado pelo arguido, como “Decisão de emissão do mandado de captura” é na realidade, um verdadeiro mandado de captura em boa e devida forma: contém a identificação da autoridade competente de que emana e da autoridade a quem se dirige, identifica o arguido, a narração dos factos motivadores, com a alteração de 20 de Agosto de 2004, e as disposições legais aplicáveis no Estado que formula o pedido – cfr. tradução de fls. 51-54, com a alteração de fls. 58-62. O mandado de captura foi emitido no âmbito do processo penal n° 62208300, instaurado em 25 de Setembro de 2000, no Departamento de Investigação da Procuradoria-Geral da República da Arménia, contra AA; tal mandado resulta, de o mesmo, estar indiciado pela prática do crime p. p. pelo art. 90°, parág.4 do Código Penal Arménio, a que corresponde em abstracto, a pena de 6 a 12 anos de prisão; actualmente previsto pelo art. 179°, parág. 3, n°1, do Código Penal Arménio, a que corresponde em abstracto, a pena de 4 a 8 anos de prisão, o que originou a aludida alteração; Como resulta da descrição dos factos constante do mandado, dada por reproduzida, sobre o extraditando pendem indícios fortes de apropriação ilícita, em data indeterminada, entre o mês de Julho de 1998 e Setembro de 2000, de valor consideravelmente elevado de 85.000 dólares dos EUA, pertencentes ao “.....” CJSC. À data, o arguido, exercia as funções na administração do aludido Banco, como funcionário. Os factos são puníveis tanto pela legislação Arménia, como pela legislação Portuguesa (art. 205° do CP). Logo, a “decisão” cuja tradução foi junta de fls. … - …, corresponde ao mandado de captura para difusão internacional, segundo as exigências próprias do processo de extradição; a “decisão de alteração da Acusação” cuja tradução foi junta de fls. 58-62, corresponde ao mesmo mandado de captura, actualizado em função da entrada em vigor, em 1 de Agosto de 2003, do novo Código Penal da República da Arménia, com a correspondente alteração da qualificação jurídico criminal para a previsão do art. 179°,n°3, alínea 1 – mantendo-se a identidade dos factos descritos e a espécie de crime. Deste modo não procedem os fundamentos invocados sobre a falta de mandado de captura extradicional. O douto acórdão recorrido decidiu correctamente, também nesta parte. (…) O recorrente insiste que, a haver mandado de detenção, o mesmo não é válido, por caducidade do respectivo prazo. Para tanto, invoca o texto da decisão fundamentadora da detenção, cuja parte final decreta “a medida de prisão preventiva por um período de dois meses relativamente a AA” – cfr. fls. 58. O despacho tem a data de 17 de Janeiro de 2001. Só que o prazo invocado, respeita aos prazos de prisão preventiva no regime interno da Arménia, e não a nenhum período de validade do respectivo mando de captura, contrariamente ao pretendido, conforme resulta da correcta interpretação daquele documento. Tratando-se de prazo de prisão preventiva no regime interno do Estado da Arménia, não é aplicável a estes autos nem afecta a validade da ordem de detenção internacional, como nos parece evidente. Sendo assim, a decisão recorrida, sobre a validade do mandado de captura resulta duma correcta interpretação da lei e dos elementos transmitidos com o pedido de extradição apresentado ao Estado Português. Em matéria de prisão preventiva, o único prazo aplicável corresponde ao que está previsto no art. 52° da Lei 144/99. O “dies a quo” situa-se na data da detenção do arguido, isto é, no dia 23 de Março de 2006, dia em que foi apresentado a este Tribunal cfr. fls. 75 verso, 81-84, 85. Este prazo atinge o seu limite máximo, para a decisão final, no dia 26 de Maio próximo, sendo prorrogável por mais 25 dias – cfr. art. 52° n°1,2 da citada Lei. O prazo indicado na decisão cuja tradução consta de fls. 55-57, por sua vez, só se desencadeará no caso da entrega do arguido ás autoridades da Arménia, com efeitos a partir da sua entrega, e se for o caso. É pois, um prazo estranho aos requisitos próprios do pedido de extradição. É um prazo interno do Estado requerente e não é um prazo de validade do mandado de detenção internacional. Nem é possível atribuir-lhe outra natureza, considerando o conjunto dos documentos a instruir este pedido de cooperação internacional, o seu teor literal e a própria cronologia do processo. Senão vejamos: - o mandado de captura no processo n° ……. da procuradoria-geral da Arménia, contra o arguido, foi emitido em 17 de Janeiro de 2001 – fls. … - …, …-….; -a alteração da Acusação foi proferida em 20 de Agosto de 2004, no mesmo processo fls. … - …; A Acusação, nos mesmos autos, foi deduzida aliás na mesma data, 20 de Agosto de 2004 – cfr. fls. …. - …. O pedido formal de extradição foi entretanto apresentado à Embaixada de Portugal, para transmissão à autoridade Central PGR, no dia 22 de Novembro de 2005 – cfr. fls. … - …. Esta apresentação formal do pedido de extradição, após dedução da Acusação, não só confirma a validade do mandado de detenção, como prossegue o pedido para a sua execução. Caso contrário estaríamos perante um pedido formal de extradição sem conteúdo, o que seria contraditório com o conjunto da documentação junta – e que corresponde ao originário processo penal n° ……. A subsistência dessa finalidade cautelar é tanto mais evidente quando se constata no mandado de detenção, que a fundamentação sobre o juízo de perigosidade, se baseia na subtracção à acção da justiça da Arménia, por parte do extraditando, conforme texto do mandado de detenção emitido e válido – “Tendo em conta que AA fugiu ao interrogatório, que a sua localização é desconhecida, em conformidade com as disposições do art. 259° do Código do Processo Penal da República da Arménia, decidi emitir o mandado de captura no âmbito do processo penal n° ……, (...) “ – cfr. fls. 53 Temos pois um mandado de captura para difusão internacional emitido em 17 de Janeiro de 2001, com a alteração de 20 de Agosto de 2004, que preenche todos requisitos de validade de transmissão, que vincula directamente o Estado Português, segundo o princípio da reciprocidade consagrado no art. 8° n°1,2 da CRP. Deve pois, ser confirmado o douto acórdão recorrido, inclusive na parte em que declara a validade do mandado de captura emitido contra o arguido.» Esta argumentação é juridicamente escorreita, está ancorada nos factos e documentos juntos do processo, e merece, por isso, a inteira aceitação deste Supremo Tribunal que julga supérfluo fazer-lhe qualquer outro aditamento. Em suma: improcedendo todas as questões postas pelo recorrente, o recurso não logra provimento. 3. Termos em que, negando provimento ao recurso, confirmam a decisão recorrida, que decretou a extradição do recorrente para a República da Arménia a fim de aí responder no processo penal nº …. do Departamento de Investigação da Procuradoria-Geral da República da Arménia – Tribunal 1ª Instância das comunidades de Kentron e Nork-Marash – por alegada autoria de um crime p. e p. pelo art.º 90º, § 4º, do Código Penal Arménio, a que corresponde, em abstracto, a pena de 6 a 12 anos de prisão; actualmente previsto pelo art.º 179º, § 3º, nº 1, do novo Código Penal Arménio, a que corresponde, em abstracto, a pena de 4 a 8 anos de prisão. Em matéria de custas observar-se-á oportunamente o disposto no artigo 73.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99 , de 31 de Agosto. Supremo Tribunal de Justiça, 8 de Junho de 2006 Pereira Madeira, Simas Santos, Santos Carvalho. _______________ 1- Art. 33.5 da Constituição 2- Cfr. STJ 01Mar01 e 03Jul03, recursos 606/01-5 e 2640/03-5, conselheiros Carmona da Mota, Pereira Madeira e Simas Santos. |