Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00017573 | ||
Relator: | MIRANDA GUSMÃO | ||
Descritores: | RECURSO OBJECTO QUESTÃO NOVA PROPRIEDADE DE IMÓVEL LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA MATÉRIA DE FACTO ILAÇÕES MATÉRIA DE DIREITO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO DANOS PATRIMONIAIS DANOS MORAIS INDEMNIZAÇÃO NEXO DE CAUSALIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ199212070817752 | ||
Data do Acordão: | 12/03/1992 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL ÉVORA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 521 | ||
Data: | 06/06/1991 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR PROC CIV - RECURSOS. DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR RESP CIV / DIR REAIS. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 10 N3 ARTIGO 494 ARTIGO 496 ARTIGO 563 ARTIGO 1346. CPC67 ARTIGO 668 N3 ARTIGO 722 N2. DL 224/87 DE 1987/06/03 ARTIGO 3 N4 ANEXOIII. DN 29/87 DE 1987/03/20. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1989/06/15 IN BMJ N388 PAG418. ACÓRDÃO STJ DE 1979/05/22 IN BMJ N278 PAG296. ACÓRDÃO STJ DE 1985/02/13 IN BMJ N344 PAG377. ACÓRDÃO STJ PROC80678 DE 1992/02/26. ACÓRDÃO STJ PROC78631 DE 1992/05/21. | ||
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Sumário : | I - Os recursos servem, não para apreciar questões novas, mas para reapreciar questões já decididas. II - O artigo 1346 do Código Civil tem especialmente em vista as emissões de agentes fisicos, com caracter de continuidade ou, pelo menos de periocidade, que tenham a sua fonte em determinado prédio e perturbem a utilização normal do prédio contíguo. III - Não se verifica tal hipótese quando uma fábrica de produção de papel emitiu gazes sulfurosos (dióxido de enxofre) para a atmosfera em dois momentos (Maio e Junho de 1984 e finais desse ano e início de 1986) e as emissões não colocaram o dono de um prédio vizinho na situação de não poder continuar a sua exploração agrícola. IV - Tendo a empresa proprietária daquela fábrica sido condenada a pagar ao proprietário do prédio vizinho a quantia que se liquidar em execução de sentença referente ao dano constituido pela diminuição da produção de pêssegos no periodo compreendido entre 1984 e 1987, a condenação implica dever a ré pagar ao autor a quantia a liquidar em execução de sentença respeitante aos prejuízos resultantes da não comercialização dos pêssegos que deixou de produzir. V - Em principio, o Supremo Tribunal de Justiça tem de aceitar a matéria de facto fixada pela Relação e as conclusões dela tiradas, desde que a não alterem. VI - O Decreto-Lei n. 224/87, de 3 de Junho, e o Despacho Normativo n. 29/87, de 20 de Março, não se aplicam a factos ocorridos antes da sua entrada em vigor. VII - A existência de danos, tanto patrimoniais como não patrimoniais, é questão de facto. No entanto, saber se a indemnização fixada pelos danos é não só devida, mas também exagerada, envolve questão de direito. VIII - Os danos não patrimoniais são compensáveis quando a sua gravidade o justifique, dependendo a medida da sua satisfação da apreciação das circunstâncias do caso concreto. IX - Segundo a doutrina da causalidade adequada, para que um facto seja causa de um dano, é necessário, antes de mais, que, no plano naturalístico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado; e, depois, que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do dano. X - No plano naturalístico, o nexo de causalidade constitui matéria de facto; no plano geral ou abstracto, matéria de direito. XI - A condição deixa de ser causa adequada do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - 1. No Tribunal de Círculo de Abrantes, A, intentou acção com processo ordinário contra a Companhia de Celulose do Caima, S.A., pedindo a condenação desta a cessar de imediato a emissão de fumos sulfurosos (dióxido de enxofre), e a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de 45701880 escudos, com o fundamento da sua fábrica ter emitido para a atmosfera abundante quantidade de dióxido de enxofre, em Maio e Junho de 1984, finais de 1984 e início de 1986, que, em consequência das condições atmosféricas, geraram sulfitos e hisulfitos, os quais cairam em prédio rústico seu, com depósito nos botões, folhas e ramos das diferentes culturas, queimando-as e destruindo-as, tornando a terra ácida, sendo certo que esta situação causou danos em diversas culturas, danos estes que foram especificados e integrativos do segundo pedido formulado. A Ré contestou. Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença no sentido de condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 1924717 escudos e a que se liquidar em execução de sentença referente ao dano constituído pela diminuição de produção de pêssegos no período compreendido entre 1984 a 1987 e pelo atraso no desenvolvimento vegetativo dos 2532 pessegueiros, plantados em 1985, e, ainda a absolver a ré do pedido de cessação imediata da emissão de fumos sulfurosos (dióxido de enxofre). 2. Autor e Ré apelaram e a Relação de Évora, por acórdão de 6 de Junho de 1991, negou provimento ao recurso da Ré e concedeu, em parte, ao do autor, condenando a Ré a pagar a este não apenas 1924717 escudos, mas antes 2035110 escudos, bem assim o que se liquidar em execução de sentença para ressarcimento do dano patrimonial consistente na diminuição de pêssegos entre 1984 a 1987 e no atraso vegetativo dos 2532 pessegueiros plantados em 1985. 3. Autor e Ré pedem revista, principal e subordinada. 4. O Autor pede provimento do recurso em consonância com as conclusões que formula, e que são: 1) Encontrando-se passados todos os factos que integram os requisitos previstos no artigo 1346 do Código Civil, bem como os demais pressupostos, deverá ser condenada a ré a cessar de imediato a emissão de fumos sulfurosos (dióxido de enxofre); 2) por erro de cálculo fixou-se em 1435110 escudos o valor actualizado com as podas efectuadas nos pessegueiros, e, por tal, deverá a Ré ser condenada a pagar ao autor a quantia de 1712040 escudos, acrescido da actualização indicada na sentença da primeira instância; 3) Deverá a Ré ser condenada a pagar ao autor, atendendo aos factos provados e nos termos dos artigos 483, 487 n. 1, 493 n. 2, 562 e 566, todos do Código Civil; a) A quantia a liquidar em execução de sentença respeitante aos prejuízos resultantes da não comercialização dos pêssegos que deixou de produzir por um preço 25% superior ao preço ao produtor; b) a quantia a liquidar em execução de sentença referente aos danos sofridos pelas laranjeiras, couves, favas, nabos e oliveiras, de imediato traduzidas na queixa e morte de botões, folhas e ramos também dessas culturas, bem como na queda de algumas folhas e flores já existentes, para cuja quantificação não existem elementos. 5- A Ré apresentou contra-alegações onde pugna pela manutenção do decidido, salientando que: 1) não se encontram em parte alguma do processo provados os requisitos do artigo 1346 do Código Civil, tal como decidiram as instâncias; 2) as emissões de dióxido de enxofre não foram a causa directa das podas levadas a cabo pelo Autor, razão porque não deverá ser-lhe atribuído o direito a qualquer indemnização; 3) não poderá haver lugar a condenação, a liquidar em execução de sentença, no que respeita aos pretensos prejuízos resultantes da não comercialização dos pêssegos que "deixou" de produzir por um preço de 25% superior ao preço dos produtos e pelos "danos sofridos" pelas laranjeiras, couves, favas, nabos e oliveiras. 6. A Ré pede provimento do seu recurso subordinado nos termos das conclusões que formula, e que são: 1) Os factos passados não apontam para um adequado nexo causal entre a actividade industrial da Ré e os danos que, de ordem material e moral, o Autor alega ter sofrido. 2) Ao contrário, das respostas aos quesitos 20, 21, 22, 23, 30, 36, 40, 45, 46, 52, 58, 66, 67, 75, 76, 77 e 78 resulta que as produções por hectare que o recorrido obteve, foram superiores à média. 3) Não havendo danos, não pode haver presunção de culpa e, consequentemente, não há obrigação de indemnizar. 4) Deste modo, não pode haver lugar ao pagamento de qualquer "quantum indemnizatório" para ressarcimento das alegadas podas, uma vez que elas se mostram necessárias ao desenvolvimento das próprias árvores de fruto; 5) E mesmo que assim se não entendesse, sempre se dirá que não ficou provado que o recorrido teve de proceder à poda de 15564 árvores. - Provou-se, apenas, que fez podas em relação a algumas árvores. 6) No que respeita aos danos não patrimoniais, a que a recorrente não deu causa, pela sua natureza e circunstância, não se mostram suficientemente graves para merecerem a tutela do direito; 7) Mas, mesmo que não fosse esse o entendimento, sempre o quantum indemnizatório atribuído ao recorrido teria de ser considerado manifestamente exagerado; 8) Porque não resultou provado que as emissões de dióxido de enxofre tivessem dado causa à diminuição da produção de pêssegos entre 1984 e 1985 e no atraso vegetativo dos 2532 pessegueiros plantados em 1986, não poderá haver lugar à atribuição ao recorrido do direito ao ressarcimento ao respectivo dano patrimonial. 7) O autor não apresentou contra-alegações. Corridos os vistos, cumpre decidir II - Elementos a tomar em conta na decisão: 1) Na freguesia e concelho de Constância, no lugar de Almagem, existe um prédio rústico, composto por terra de semeadura com oliveiras e árvores de fruto e casa de habitação... e no lugar de Marca Tudo existe um prédio rústico de cultura arvense, com a área de 64920 metros quadrados... 2) O autor desenvolveu a exploração agrícola destes prédios, nos quais existem culturas frutícolas e hortícolas, sendo os mesmos constituídos maioritariamente por férteis terrenos de aluvião e, por isso, com especiais aptidões para a agricultura, sendo constituídos só em parte por terrenos arenosos; 3) O autor tem um lugar de venda no mercado grossista do Cais do Sodré, em Lisboa, para onde promove o transporte e venda de grande parte da produção das culturas existentes nestes prédios; 4) Estes prédios confrontam com uma fábrica da Ré, que produz pasta de papel; 5) No processo de laboração da fábrica, esta emite para a atmosfera dióxido de enxofre; 6) A fábrica da Ré utiliza enxofre para a preparação de um composto químico impulsionador de libertação de fibras de celulose das madeiras; 7) Em Maio e Junho de 1984, nos finais deste ano e no início de 1986, a fábrica da Ré emitiu para a atmosfera várias toneladas de dióxido de enxofre; 8) Por nessa altura existir grande concentração de água no ar, a absorção da água pelo dióxido de enxofre deu origem a ácido sulfuroso e a dióxido de enxofre, reagindo com partículas de óxido de magnésio deu origem a sulfitos e hissulfitos; 9) A absorção da água pelo dióxido de enxofre é uma forma de passagem próxima quer ao ácido sulfúrico quer ao ácido sulfídrico, em presença de catalisadores; 10) Esse sulfito e hissulfito depositou-se nos botões, folhas e ramos das culturas dos prédios, queimando-as e matando-as por destruição dos seus tecidos, cada vez mais profundamente à medida que neles penetra, tornando a terra ácida e provocaram a queda de algumas folhas e flores já existentes; 11) A fábrica da ré na sua laboração liberta para a atmosfera fusfural, o qual só parcialmente neutraliza o dióxido de enxofre, podendo este ser arrastado pelo vento; 12) Nos prédios supra referidos existiam plantados em 1984, 1985 e 1986, pelo menos, 8 ha de pessegueiros, num total de, pelo menos, 6516 árvores; 13) Por causa dos factos supra referidos (os referidos em 10), a produção de pêssegos em 1984 foi de 86 toneladas e em 1985 de 94 toneladas; 14) O preço da tonelada de pêssegos ao produtor foi em 1984 de 113116 escudos, em 1985 de 121000 escudos e em 1986 foi de 126000 escudos; 15) No ano de 1985 foram plantados nos prédios referidos supra mais 2532 pessegueiros que, por causa dos factos supra referidos (os constantes de 10), sucedidos em 1986, sofreram um atraso no desenvolvimento negativo; 16) Por causa desses mesmos factos, sucedidos em 1986, a produção de pêssego em 1987 foi apenas de 90 toneladas; 17) O preço da tonelada de pêssegos ao produtor, em 1987, foi apenas de 135000 escudos; 18) No ano de 1984, no continente, a produção média de pêssegos por hectare foi de 3129 kgs., no ano de 1985 foi de 3407 kg e no período de 1975 a 1984 foi de 4005 kgs. 19) Por causa dos factos referidos em 10), sucedidos em 1984 e 1986, o Autor, para minorar os danos nas árvores (pessegueiros), teve de fazer podas em relação às mesmas, gastando, para o efeito, em cada árvore de pessegueiro a quantia de 110 escudos; 20) O Autor vendeu todas as produções de pêssegos por um preço superior em 25% dos preços anteriormente referidos para o produtor; 21) Nos prédios supra referidos existiam em 1984, laranjeiras, sendo o preço da tonelada da laranja ao produtor, em 1984, de 44655 escudos e, em 1985, de 53586 escudos; 22) No ano de 1984, no continente, a produção média de laranja por hectare foi de 5068 kg. e, no ano de 1985, foi de 4912 kg. 23) Nos prédios referidos supra havia em 1984 uma cultura de couves e favas, existindo oliveiras, e, em 1986, havia uma cultura de nabos; 24) No ano de 1984 a produção média de favas por hectare, no continente, foi de 743 Kg. e nos anos de 1985 e 1986 a produção de nabos por hectare oscilou entre 20 a 25 toneladas; 25) Por causa de ver a sua exploração agrícola afectada pela actividade da fábrica da Ré, desde 1984, que o Autor tem sofrido preocupações, angústias e tristezas, tendo de sacrificar parte do seu tempo de lazer na resolução do conflito que o opõe à Ré. III- Questões a apreciar no presente recurso. A) No recurso principal: - A apreciação deste recurso passa pela análise das seguintes questões: a primeira, se se encontram provados todos os factos que integram os requisitos previstos no artigo 1346 do Código Civil; a segunda, se a Ré deverá ser condenada a pagar ao autor os prejuízos resultantes da não comercialização dos pêssegos que deixou de produzir por um preço 25% superior ao produtor; a terceira, se a Ré deverá pagar ao Autor os danos sofridos com as laranjeiras, couves, favas, nabos e oliveiras; a quarta, se houve erro de cálculo na fixação de 1435110 escudos com as podas efectuadas nos pessegueiros, devendo ser fixada a quantia de 1712040 escudos. B) Do recurso subordinado: - A apreciação deste recurso passa pela análise das seguintes questões: a primeira, se não existe um adequado nexo causal entre a actividade industrial da Ré e os danos que, de ordem material e moral, o Autor alega ter sofrido; a segunda, se não há obrigação de indemnizar por não haver danos e presunção de culpa; a terceira, se não pode haver lugar ao pagamento de qualquer "quantum indemnizatório" para ressarcimento das alegadas podas; a quarta, se a indemnização, arbitrada a título de danos não patrimoniais, além de indevida, será manifestamente exagerada pelo quantitativo fixado; a sexta, se o autor (ora, recorrido), não tem direito ao ressarcimento do dano patrimonial traduzido na diminuição da produção de pêssegos entre 1984 e 1985 e no atraso vegetativo de 2532 pessegueiros plantados em 1986. Caso a primeira questão venha a sofrer resposta positiva, ou seja, caso se venha a entender não existir o pressuposto nexo de causalidade entre o facto e o dano, as demais questões ficarão prejudicadas na sua apreciação. Abordemos, pois, as questões a serem reapreciadas nos presentes recursos. IV - Se se encontram provados todos os factos que integram os requisitos previstos no artigo 1346 do Código Civil. 1. A Relação de Évora decidiu, no seu acórdão, que é pressuposto da tutela inibitória que o artigo 1346 do Código Civil confere ao atribuir ao proprietário de um imóvel, o poder de se opor às emissões provenientes do prédio vizinho, o carácter contínuo ou pelo menos periódico das mesmas, pois só nessa medida é que a concreta perturbação se configura como excessiva e por isso intolerável. - Acrescenta que face ao quadro factual adquirido, se é certo que ao processo de laboração da fábrica da Ré, em prédio contíguo aos prédios do autor, esta emite para a atmosfera dióxido de enxofre, já certo não é que toda a emanação sulfurosa dessa fábrica acarreta prejuízos substanciais para tais prédios, e muito menos que essa emanação não resulte da utilização normal do seu processo de laboração. E conclui que, como também na sentença se frisa, e sendo estas emissões meramente episódicas e ocasionais, inscrevem-se, ainda, na medida ordinária do que é suportável "...não assumindo relevância para desencadearem a "acção negatória" conferida pelo citado artigo 1346. 2. Por sua vez, o Autor-recorrente sustenta que se verificam os requisitos previstos no artigo 1346 do Código Civil, pelo que deverá a Ré ser condenada a cessar de imediato a emissão de fumos sulfurosos (dióxido de enxofre). Por um lado as emissões de fumos sulfurosos não decorrem da utilização anormal do prédio da Ré, pois a produção da pasta de papel poderá ser feita através de dois processos (o de Kraft e o de hissulfito), sendo precisamente o processo de hissulfito o utilizado na fábrica da Ré que usa o enxofre para a preparação de um composto químico, impulsionador da libertação das fibras de celulose das madeiras, emitindo para a atmosfera dióxido de enxofre. - Por outro lado, a lei não exige qualquer continuidade ou regularidade nas emissões, como também a fonte reconhecidamente tida como inspiradora do artigo 1346 as não consagra, igualmente não sendo considerados tais requisitos no "Tratado de Derecho Civil, tomo III, volume I, parágrafo 53, 10 Revision, de Enneecerus - Kipp-Wolf, nem tampouco Menezes Cordeiro (Direitos Reais, volume I, 1979, páginas 591 a 596), Oliveira Ascensão (Direitos Reais, 1978 páginas 191 e 192) e Pires Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, edição de 1984, volume III, páginas 176 a 179), fazem menção aos citados requisitos. Que dizer? 3a) O autor pediu a condenação da Ré a cessar de imediato a emissão de fumos sulfurosos (dióxido de enxofre), invocando como causa de pedir o primeiro dos requisitos enunciados no artigo 1346 (as emissões importaram um prejuízo substancial para o uso do imóvel) conforme flui dos factos alegados nos artigos 15 a 31 e 90 da petição inicial. - Veio fundamentar o seu pedido também no segundo requisito enunciado no artigo 1346 (não resultem da utilização anormal do prédio de que emanam), razão porque não se pode conhecer, agora, de tal questão que se apresenta como nova (com causa de pedir não invocada), sendo certo que os recursos servem para reapreciar questões já decididas. 3b) Com vista a possibilitar a coexistência e o exercício harmónico dos direitos reais sobre imóveis limítrofes ou vizinhos, a lei estabelece uma regulamentação dos conflitos a que tais direitos podem dar origem, integrando as normas respeitantes a esta matéria o chamado direito de vizinhança. - Conforme sublinha Henrique Mesquita "quando a lei permite que o titular de um direito real sobre prédio rústico ou urbano pratique actos directamente em prédio vizinho, ou pratique actos no seu prédio que vão repercutir-se para além dos respectivos limites materiais... não está a criar relações jurídicas, entre os proprietários que têm de suportar tais restrições e os que delas beneficiam... antes trata a lei, em ambas as hipóteses, de fixar o estatuto da ordenação jurídica dos bens, estabelecendo em que termos estes são postos à disposição do titular". Acrescenta: "Falar, a propósito destas restrições, em relações jurídicas entre o proprietário que tem de respeitá-las e o proprietário que delas beneficia, cedendo numa inflacção conceitual perfeitamente dispensável. "Tudo pode explicar-se, com efeito, através da ideia de que, seja qual for o seu conteúdo, as limitações impostas por lei no âmbito das situações de vizinhança fixam a medida ou o conteúdo objectivo do direito - fixam, por outras palavras, os termos em que a ordem jurídica atribui os bens aos respectivos titulares, sem necessidade de estabelecer entre estes quaisquer relações jurídicas" (obrigações reais e ónus reais, páginas 96 a 98). Pois bem: Na conflitualidade entre o direito de propriedade do Autor sobre uma exploração agrícola, em prédio rústico e o da Ré sobre uma fábrica de produção de papel que, no seu processo de laboração verificam-se, por vezes, emissões de gazes sulfurosos (dióxido de enxofre) para a atmosfera, a lei confere a esta de, no exercício do seu direito, emitir os referidos gazes, emissão que será licita enquanto não importar um prejuízo substancial para o uso do imóvel limítrofe ou vizinho. A licitude de emissão dos gazes por parte da fábrica da Ré tem como limite o de não prejudicar de modo essencial a utilização do prédio do Autor, ou seja a de continuar a possibilitar, embora com prejuízos, que este continue a sua exploração agrícola. É este o sentido que tem de dar-se ao primeiro dos requisitos enunciados no artigo 1346 do Código Civil. Sentido que está conforme com a fonte do artigo 1346, precisamente o parágrafo 906 do código alemão que dispõe"que o proprietário de um prédio não pode proibir a emissão de gazes, vapores, fuligem, calores, ruído, trepidação e análogas intervenções derivadas de outro prédio, na medida em que a intervenção não prejudica a utilização do seu prédio ou só a prejudica de modo não essencial..." (tradução de Vaz Serra, na Rev. Leg. ano 103, páginas 376). Daqui que Antunes Varela refira que o artigo 1346 tem especialmente em vista as emissões de agentes físicos, com carácter de continuidade ou, pelo menos, periodicidade, que tenham a sua fonte em determinado prédio e perturbem a utilização normal do prédio contíguo (Rev. Leg. ano 114, páginas 74). Antunes Varela dá tal interpretação apoiando-se em Enneccenes - Wolff, Tratado de Derecho Civil, trad. espanhola, volume III, 1, parágrafo 53, páginas 314 e seguintes, sendo certo que o sentido dado por Martin Wolff ao parágrafo 906 corresponde à interpretação que se dá ao artigo 1346, pois diz: "I. Em certos casos permite-se a produção de gazes, vapores, cheiros, resíduos... que procede de uma coisa e se propaga a outrém (os chamados imponderáveis). "II. a penetração dos imponderáveis noutra coisa permite-se só numa medida limitada. 1) uma penetração que não produza dano algum ou não produza "prejuízo essencial" para a utilização da coisa. 2) Permite-se inclusivamente os danos essenciais se resulta utilizar-se a coisa em forma corrente segundo os usos locais" (Martin Wolff, Derecho de cosas, 10 revision por Martin Wolff e Ludwig Laiser, páginas 350 a 352). 3c) No caso concreto, as emissões de gazes sulfurosos (dióxido de enxofre) para a atmosfera processaram-se em dois momentos (Maio e Julho de 1984 e finais desse ano e inicio de 1986), emissões estas que não colocaram o Autor na posição de não continuar a sua exploração agrícola. - Daqui que ao Autor não lhe assista o direito que formulou na presente acção: a condenação da Ré a cessar de imediato a emissão de fumos sulfurosos (dióxido de enxofre). V - Se a Ré deverá ser condenada a pagar ao Autor os prejuízos resultantes da não comercialização de pêssegos que deixou de produzir por um preço 25% superior ao produtor. O Autor-recorrente submeteu ao Tribunal da Relação a questão da Ré ser condenada à quantia que se liquidar em execução de sentença pela falta de recebimento pelo autor do produto da venda das suas produções no mercado abastecedor, com um acréscimo em relação ao preço praticado ao produtor (2 parte da conclusão segunda das alegações de fls. 1098 a 1108). A Relação de Évora, no acórdão recorrido, não se pronunciou sobre tal questão. Vem, agora, o Autor-recorrente formular a conclusão de que, atendendo aos factos provados deveria o douto acórdão ter igualmente condenado a Ré a pagar ao Autor a quantia a liquidar em execução de sentença respeitante aos prejuízos resultantes da não comercialização dos pêssegos que deixou de produzir por um preço 25% superior ao preço do produtor. Que dizer? Houve, na verdade, omissão de pronúncia, omissão que foi invocada tacitamente na conclusão referida, o que é admissível nos termos do parágrafo único do artigo 668 do Código de Processo Civil. E conhecendo da omissão de pronúncia dir-se-á que a mesma se verifica, sendo a consequência de tal nulidade, o passar-se a apreciar a questão colocada na transacta conclusão. E apreciando-a, dir-se-á que a Ré foi condenada a pagar ao autor a quantia que se liquidar em execução de sentença referente ao dano constituído pela diminuição de produção de pêssegos no período compreendido entre 1984 a 1987, condenação esta que veio a ser confirmada pelo acórdão recorrido. Tal condenação implica que a Ré deverá pagar ao Autor a quantia a liquidar em execução de sentença respeitante aos prejuízos resultantes da não comercialização de pêssegos que deixou de produzir dada a matéria de facto fixada pela Relação (nomeadamente n. 20), II do presente acórdão). VI VI - Se a Ré deverá ser condenada a pagar ao Autor os danos sofridos com as laranjeiras, couves, favas, nabos e oliveiras. 1. O Autor A recorreu da sentença da 1 instância formulando a pretensão de a Ré Companhia de Celulose do Caima, S.A. ser condenada na quantia que se liquidar em execução de sentença referente à diminuição, no período compreendido entre 1984 a 1987 da produção de laranjas, azeite, favas, nabos e couves, e à falta de recebimento pelo autor do produto da venda das suas produções no mercado abastecedor, com um acréscimo em relação ao preço praticado ao produtor. A Relação de Évora, no seu acórdão recorrido, não deu guarida a tal pretensão, com o fundamento de que a factualidade provada não dá qualquer conta de que o Autor também tenha sofrido diminuição na produção de laranjas, azeite, favas, nabos e couves entre 1984 a 1987, pelo que também a Ré não tinha que suportar a eventual privação do lucro que na venda desses produtos o Autor tenha por não os ter vendido a um preço superior em 25%, ao dos preços ao produtor no lugar que tem no mercado do Cais do Sodré. O autor-recorrente insiste que apesar de não terem sido provadas as quantidades produzidas em virtude do ocorrido, provado foi o terem sido igualmente afectadas, isto é, o sulfito e o hissulfito também se depositou nos botões, folhas e ramos destas culturas queimando-as e matando-as por destruição dos seus tecidos, cada vez mais profundamente à medida que nele penetrou, tornando a terra ácida e provocando a queda de algumas folhas e flores já existentes. - É assim inegável a existência nas demais culturas dos mesmos danos existentes na cultura de pessegueiros, só não tendo sido provados os factos que permitiriam a imediata determinação dos prejuízos, a sua quantificação: - Que dizer? 2. A Ré formulou um pedido de indemnização por danos sofridos com laranjeiras, couves, favas, nabos e oliveiras por sulfito ou hissulfito se ter depositado nos botões, folhas e ramos das culturas, queimando-as e matando-as, sendo certo que alegou factos que foram levados ao questionário com os artigos 31 e 32, 36 e 37, 40 e 41, 47 e 48, 53 e 54, que sofreram resposta negativa, o que equivale a dizer que tal pedido não tem facto a sustentá-lo. - Acresce que, este Supremo Tribunal tem de aceitar a matéria de facto fixada pela Relação (salvo se houve erro na apreciação das provas, nos casos referenciados no artigo 722 n. 2 do Código de Processo Civil, e devidamente invocada), e ainda as conclusões tiradas da matéria de facto, desde que sem a alterarem, conclusões que constituem matéria de facto alheia à competência deste Supremo (acórdão de 15 de Junho de 1989 - Boletim do Ministério da Justiça n. 388, 418). A Relação não fez as influências da matéria de facto que o Autor-recorrente fez, de sorte que não existe suporte fáctico a apoiar a sua pretensão. VII VII- A rectificação do erro de calculo na indemnização da poda dos pessegueiros. ... - A Relação de Évora, no seu acórdão recorrido, decidiu que o total despendido pelo Autor nas podas das árvores foi não apenas de 995280 escudos mas sim de 1712040 escudos (15564 X 110 escudos), o que, actualizado em razão da inflacção à taxa anual média até ao presente, de 10%, desde Julho de 1987 (data da proposição da acção), dá o mínimo de 1435110 escudos. - O recorrente pede a rectificação da quantia fixada dado ser evidente o erro de cálculo. - Pois bem. - Houve, na verdade, erro na actualização das despesas tidas pelo Autor pois a mesma compreende o período de dois anos e onze meses, e, por tal, o valor actualizado será de 2261537 escudos. VIII Se não existe um adequado nexo causal entre a actividade industrial da Ré e os danos que, de ordem material e moral, o Autor alega ter sofrido. 1. A Relação de Évora decidiu, no seu acórdão que no tocante ao nexo de causalidade entre o conjunto de danos e a actividade, incontroversamente perigosa pela Ré exercida em seu prédio através da laboração da fábrica de pasta de papel que nele tem instalado, temos abundante factualidade provada a demonstrarem-no: o facto de a Ré ter emitido toneladas de dióxido de enxofre para a atmosfera em alturas em que esta se encontrava - o que ela não podia ignorar -, carregada de humidade, daí que fosse para ela, Ré, previsivel que pudesse vir a, em consequência disso, formar-se sulfito e hissulfito, ou seja, sais corrosivos com incidência nas culturas e nos prédios rústicos vizinhos. - Por sua vez, a Ré-recorrente continua a sustentar que mesmo que houvesse danos, era necessário que se tivesse provado verificação de um facto e do necessário nexo de causalidade entre esse facto e tais danos, sendo certo que danos não houve, antes pelo contrário, e quanto ao facto apenas se provou que a fábrica da recorrente emitiu para a atmosfera dióxido de enxofre. - Sustenta ainda a recorrente que não se provou que tivesse emitido abundante quantidade de dióxido de enxofre, e, o que é mais importante, não se provou que esse dióxido de enxofre tivesse atingido ou ultrapassado os limiares definidos pelo artigo 3 n. 4 e anexo III do Decreto-Lei n. 224/87, de 3 de Junho, e pelo Despacho Normativo n. 29/87, de 20 de Março, a partir dos quais há perigosidade. - Que dizer? 2. Antes de mais, haverá que sublinhar que a invocação pela Ré-recorrente do Decreto-Lei n. 224/87, de 3 de Junho,e, ainda, do Despacho Normativo n. 29/87, de 20 de Março, não é aplicável ao caso dos autos na medida em que os mesmos não existiam quando a fábrica da Ré emitiu para a atmosfera várias toneladas de dióxido de enxofre. - Fechado este parêntesis, haverá que dizer, por um lado, que a existência dos danos patrimoniais (danos emergentes e lucros cessantes) os danos não patrimoniais é uma questão de facto que escapa à censura deste Supremo Tribunal, na medida em que foram inferências feitas pela Relação nos limites da matéria de facto que fixou. Por outro lado, tem sido jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal que a relação de causalidade é matéria de facto da exclusiva competência das instâncias (acórdãos de 22 de Maio de 1979 - Boletim n. 278, páginas 296 -, e de 13 de Fevereiro de 1985 - Boletim n. 344, páginas 377) e, por isso, não sindicável pelo mesmo. - Parece-nos, porém, na esteira dos recursos de revista n. 78631 - 2 secção, de 21 de Maio de 1992, e n. 80678 - 2 secção, de 26 de Fevereiro de 1992 (não publicados) que, segundo a doutrina da causalidade adequada, consagrada no artigo 563 do Código Civil, para que um facto seja causa de um dano, é necessário, antes de mais, que no plano naturalistico, ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, depois que, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do dano. - Se o nexo de causalidade, no plano naturalístico, constitui matéria de facto, não sindicável por este Tribunal de Revista, já o mesmo, no plano geral ou abstracto, vem a constituir matéria de direito, pois respeita à interpretação e aplicação do artigo 563 do Código Civil (que consagra a teoria da causalidade adequada), e, por isso, sindicável pelo Tribunal de Revista. - Qual o critério a usar para sabermos se o facto é ou não causa adequada do dano? - Dado que não existem elementos preparatórios a indicar qual das duas formulações foi adoptada pelo legislador (a negativa correspondente ao ensinamento de Enneccesses Lehmann, e a positiva), conforme anota Vaz Serra (Boletim do Ministério da Justiça n. 84, páginas 284, e n. 100, páginas 127), parece-nos que a mais idónea, a mais criteriosa deve ser a que o artigo 10 n. 3 do Código Civil vem a impor, ou seja, aquela que o interprete criaria se procedesse de legislador dentro do espírito do sistema, precisamente a causalidade adequada na sua formulação negativa: a condição deixará de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstancias extraordinárias, sendo portanto inadequado para esse dano" (Antunes Varela, Das obrigações em geral, volume I, 6 edição, páginas 861, nota 2). 3. No caso concreto, a emissão de toneladas de dióxido de enxofre para a atmosfera em alturas em que esta se encontrava carregada de humidade e, em consequência disso, formando-se sais corrosivos, apresenta-se como nexo naturalístico (conforme apurou a Relação de Évora), dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor, sendo certo que esses danos se apresentaram como efeito normal da emissão daqueles gases, o que equivale a dizer que as emissões de toneladas de dióxido de enxofre não foram indiferentes para a produção dos danos sofridos pelo Autor. - Daqui concluir-se, como concluimos, que existe um adequado nexo causal entre a actividade industrial da Ré e os danos sofridos pelo Autor. IX Se não há obrigação de indemnizar por não haver danos e presunção de culpa. - A Ré-recorrente sustenta que, mau grado as decisões das instâncias, das respostas aos quesitos 20, 21, 22, 23, 30, 36, 40, 46, 58, 66, 67, 68 e 75 a 78, resulta que as produções por hectare que o Autor (ora recorrido) obteve foram superiores à média, pelo que não há danos, e não havendo estes não pode haver presunção de culpa e, consequentemente, não há obrigação de indemnizar. - Que dizer? - Foram negativas as respostas que o Tribunal Colectivo deu aos quesitos 20, 21, 22, 30, 36, 40 e 46, o que significa que tudo se passa, como se sabe, como se tais factos não tivessem sido alegados. Com base nas respostas afirmativas que o Tribunal Colectivo deu aos quesitos 23, 66, 67, 68 e 75 a 78, a Relação de Évora fixou matéria de facto (que se encontra transcrita no parágrafo II, presente acórdão) e, com base nela, ousem sair dela, inferiu não só a natureza como a extensão de danos, de tal sorte que constituindo, como constitui, matéria de facto, não é sindicável pelo Tribunal de Revista, - Existe, pois, obrigação de indemnizar por parte da Ré-recorrente. X Se não pode haver lugar ao pagamento de "qualquer" quantum indemnizatório para ressarcimento das alegadas podas. A recorrente sustenta que não pode haver lugar ao pagamento de qualquer "quantum indemnizatório" para ressarcimento das alegadas podas, uma vez que elas se mostram necessárias ao desenvolvimento das próprias árvores de fruto, sendo certo que, mesmo que assim se não entendesse, sempre se dirá que não ficou provado que o recorrido teve de proceder à poda de 15564 árvores, pois provou-se, apenas, que fez podas em relação a algumas árvores. - Que dizer? Conforme já se sublinhou, no presente acórdão, o nexo de causalidade entre o facto e o dano co-envolve matéria de facto (nexo naturalístico) e matéria de direito (nexo de adequação), sendo este último sindicável por este Supremo, o que, oportunamente se fez (vide parágrafo V, presente acórdão). No caso concreto, a Relação de Évora fixou o nexo naturalístico, e, agora, haverá que apreciar o nexo de adequação, uma vez que o recorrente aponta que as podas às árvores foram necessárias ao desenvolvimento das mesmas. O nexo de adequação entre a emissão de gases da fábrica da recorrente e as despesas com as podas das árvores de fruto do Autor verifica-se uma vez que não se encontra provado que tais podas tinham de ser feitas apesar da emissão de gases pela fábrica da Ré-Recorrente. - Por outro lado, este Supremo Tribunal tem de aceitar que as podas se efectivaram em 15564 árvores a 110 escudos cada uma, uma vez que tal matéria foi fixada pela Relação de Évora, no acórdão recorrido, sem que a Ré-recorrente viesse, agora, invocar ofensa de disposição expressa da lei que exija prova vinculada do facto ou que para a mesma venha a estabelecer o valor de determinado meio de prova (artigo 722, n. 2 do Código de Processo Civil). - Daqui a concluir-se, como se conclui, haver lugar à indemnização pelas despesas que o Autor-recorrido efectuou com as podas de 15564 (quinze mil quinhentos sessenta quatro), árvores de fruto. XI Se a indemnização arbitrada a título de indemnização de danos não patrimoniais, além de indevida, será manifestamente exagerada pelo quantitativo fixado. - Conforme já se sublinhou no presente acórdão, a inferência que a Relação de Évora fez de que havia danos não patrimoniais constitui matéria de facto, não sindicável por este Supremo Tribunal. - Se a indemnização fixada por tais danos é não só indevida mas também exagerada envolve questões de direito quer por envolver a interpretação do artigo 496 do Código Civil (na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito), quer pelo ressarcimento dos mesmos, dependeu, na sua medida, de uma série de circunstâncias que devem conduzir á fixação do que o julgador considerar justo (artigo 494 Código Civil). Determinar se certo ou determinado dano não patrimonial é ou não compensável é tarefa que cabe aos Tribunais perante as circunstâncias envolventes do caso concreto, já que estas é que poderão levar o julgador a inferir que revestem natureza tal que seja justificável a sua compensação pecuniária. Os danos não patrimoniais fixados pela Relação de Évora revestem a natureza de gravidade a justificar a sua compensação na medida em que se prolongaram no tempo (enquanto a fábrica da Ré com a emissão de gases ocasionou prejuízos na exploração agrícola do Autor) de tal sorte a reflectir-se no equilíbrio anímico ou espiritual do autor. No que concerne ao montante da indemnização a fixar por esses danos, as circunstâncias a atender (as do artigo 494 do Código Civil), foram devidamente ponderadas pela Relação de Évora, de sorte que não se vê razões para proceder à alteração do montante fixado. XII Se o Autor recorrido não tem direito ao ressarcimento do dano patrimonial traduzido na diminuição de pêssegos entre 1984 e 1985 e no atraso vegetativo dos 2532 pessegueiros plantados em 1986. A Ré-recorrente sustenta não poder colher a atribuição ao recorrido do direito ao ressarcimento do dano patrimonial consistente na diminuição da produção de pêssegos entre 1984 e 1985 e no atraso vegetativo dos 2532 pessegueiros plantados em 1986, por, por um lado, não resultou provado que as ditas emissões de dióxido de enxofre tivessem dado causa à invocada situação, e, por outro lado, o que ficou provado, foi que o recorrido obteve nas suas plantações uma plantação superior à media. Que dizer? Com base nas respostas afirmativas que o Tribunal Colectivo deu aos quesitos 25, 55 e 56, a Relação de Évora fixou matéria de facto (que se encontra transcrita em 13) e 15), parágrafo II do presente acórdão) e, com base nela, e sem sair dela, inferiu não só a natureza como a extensão de danos, de tal sorte que constituindo, como constitui, matéria de facto, não é sindicavel pelo Tribunal de Revista. Por outro lado, já se sublinhou no presente acórdão existir nexo de causalidade entre a actividade industrial da Ré e os danos sofridos pelo autor (vide parágrafo IV, presente acórdão). Existe, pois, obrigação de indemnizar por parte da Ré-recorrente. XIII Conclusão. Do exposto, poderá extrair-se que: 1) O artigo 1346 do Código Civil tem em vista as emissões de gazes, vapores ... com carácter de continuidade ou, pelo menos, periodicidade que tenham a sua fonte em determinado prédio e perturbem a utilização normal do prédio vizinho. 2) O artigo 563 do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa correspondente ao ensinamento de Enneccesus-Lehmann. 3) A doutrina da causalidade adequada determina que o nexo de causalidade co-envolve matéria de facto (nexo naturalístico: o facto condição sem o qual o dano não se teria verificado), e matéria de direito (nexo de adequação: o facto, em abstracto ou em geral, seja causa adequada do dano). 4) O Supremo Tribunal de Justiça tem de aceitar a matéria de facto fixada pela Relação e ainda as conclusões tiradas da mesma, desde que a não alterem, conclusões que, por constituírem matéria de facto, são alheias à competência deste Supremo Tribunal. 5) Os danos não patrimoniais são compensáveis quando a sua gravidade assim o justifique, sendo a medida da sua satisfação dependente da apreciação de uma série de circunstâncias, as referidas no artigo 494 do Código Civil. Face a tais conclusões, em conjugação com os elementos resumidos nos autos, poderá precisar-se que: 1) Ao autor não lhe assiste o direito que formulou na presente acção: a condenação da Ré a cessar de imediato a emissão de fumos sulfurosos (dióxido de enxofre). 2) A Ré deverá pagar ao autor a quantia que se liquidar em execução de sentença respeitante aos prejuízos resultantes da não comercialização de pêssegos que deixou de produzir por um preço de 25% superior ao produtor; 3) A Ré não deverá ser condenada a pagar ao autor os danos sofridos com as laranjeiras, couves, favas, nabos e oliveiras. 4) O autor tem direito à quantia de 2261537 escudos (dois milhões duzentos e sessenta e um mil quinhentos trinta sete escudos), a título de indemnização pelas despesas efectuadas com as podas dos pessegueiros. 5) O Autor tem direito à indemnização por danos não patrimoniais fixada pela Relação de Évora. 6) O Autor tem direito à quantia que se liquidar em execução de sentença para ressarcimento do dano patrimonial consistente na diminuição da produção de pêssegos entre 1984 e 85 e no atraso vegetativo dos 2532 pessegueiros plantados em 1986. 7) O acórdão recorrido só merece censura na parte em que não observou o afirmado em 2) e 4). Termos em que: a) se concede parcial revista ao autor, e, assim, confirma-se o acórdão recorrido com a rectificação de que o Autor tem direito à quantia de 2261537 escudos a titulo de indemnização pelas despesas efectuadas com as podas dos pessegueiros, e condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia que se liquidar em execução de sentença respeitante aos prejuízos resultantes da não comercialização de pêssegos que deixou de produzir por um preço 25% superior ao do produtor. b) se nega revista à Ré. Custas da revista principal pelo Autor e Ré na proporção de metade. Custas da revista subordinada pela Ré. Lisboa, 3 de Dezembro de 1992. Miranda Gusmão, Sampaio da Silva, Roger Lopes. Decisões impugnadas: I - Sentença de 90.04.02 do Tribunal de Abrantes; II - Acórdão de 91.06.06 da 2 Secção da Relação de Évora. |