Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
42151/18.4YIPRT.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
DECLARAÇÃO
FORÇA PROBATÓRIA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
MODIFICABILIDADE
MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PROVA TABELADA
PROVA PLENA
ERRO DE JULGAMENTO
ÓNUS DA PROVA
ADMISSIBILIDADE
Apenso:

Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de revista por escapar aos poderes de sindicância do STJ (cfr. nº 4 do citado art.662º), a não ser nas hipóteses previstas no nº 3 do art.674.º do C.P.C., ou seja, quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, situações essas que, é nosso entendimento, não se verificarem no caso em apreço (pois todas as provas juntas aos presentes autos são de livre apreciação pelo tribunal – cfr. art.607º nº 5 do C.P.C.).

II. A força ou eficácia probatória plena atribuída às declarações documentadas pelo n° 1 do art.376° do Cód. Civil limita-se à materialidade, à existência, dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas e, por isso, não é excluída a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Grenke Renting, S.A., instaurou a presente acção declarativa, com processo comum (iniciada como procedimento de injunção), contra Edu Motors – Comércio, Importação e Exportação de Automóveis, Sociedade Unipessoal, Lda., pedindo a condenação da R. no pagamento da quantia global de € 30.643,48, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.

Para o efeito alegou, em síntese, que celebrou com a R. um contrato de locação de diversos equipamentos. A R. não procedeu ao pagamento de parte das contraprestações mensais acordadas, razão pela qual a demandante resolveu o contrato. A R. encontra-se contratualmente obrigada ao pagamento das contraprestações vencidas, tendo-se vencido antecipadamente as restantes, todas no valor da quantia peticionada.

Devidamente citada veio a R. apresentar a sua contestação, na qual se defendeu por excepção e por impugnação. Em especial, alegou que desconhecia ter contratado com a A., estando convencida de que apenas negociou com o terceiro fornecedor dos equipamentos. O representante da R. subscreveu os documentos juntos pela A. sem os ter lido. Tais documentos, formalizando um deles um contrato de adesão, encontram-se redigidos com caracteres de “tamanho que não é aceitável”. O teor dos documentos não foi explicado ao legal representante da R. As cláusulas contratuais invocadas pela A. são “completamente desproporcionadas”. Além disso, os bens supostamente objceto do contrato invocado pela A. nunca foram entregues à R. Conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

No decurso da ação, a A. reduziu o seu pedido em € 2.460,00.

Oportunamente foi elaborado despacho saneador e fixados o objecto do litígio e os temas de prova.

De seguida veio a ser realizada a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu o seguinte:

- "Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:

1. a) Condeno a ré a pagar à autora a quantia de € 27 168,24 (vinte e sete mil, cento e sessenta e oito euros e vinte e quatro euros) acrescida dos juros, à taxa legal, vencidos:

1. Sobre € 617,46, desde 01.09.2017;

2. Sobre € 617,46, desde 01.10.2017;

3. Sobre € 617,46, desde 01.11.2017;

4. Sobre € 617,46, desde 01.12.2017;

5. Sobre € 617,46, desde 01.01.2018;

6. Sobre € 24 080,94, desde 10.01.2018,

E dos que se vençam até integral pagamento;

2. b) Condeno autora e ré no pagamento das custas do processo, fixando em 10% o decaimento da autora."

Inconformada com tal decisão dela apelou a R. para a Relação de Lisboa que, por acórdão de 25/3/2025, revogou a sentença recorrida, absolvendo a R. do pedido formulado pela A.

Não concordando com o teor do acórdão proferido pela Relação veio a A. interpor recurso de revista para o STJ, pedindo a revogação de tal aresto e, em consequência, a condenação da R. nos termos constantes da sentença proferida na 1ª instância.

Ora, tendo em conta o valor fixado à causa (superior a 30.000,01 €), a legitimidade da recorrente, a natureza e o conteúdo do acórdão recorrido e, bem assim, a tempestividade da impugnação, conclui-se pela admissibilidade do recurso de revista apresentado, nos termos do disposto nos arts. 629º nº 1, parte final, 631º nº 1, 671º nº 1 e 674º nº 1 alíneas a) e b), todos do C.P.C.

Para o efeito apresentou a A. as suas alegações de recurso, terminando as mesmas com as seguintes conclusões:

A. O contrato celebrado entre a Recorrente e a Recorrida reveste a natureza de contrato típico de locação, nos termos do artigo 1022.º do Código Civil, não contendo qualquer cláusula de promessa de venda ou de opção de compra que o descaracterize.

B. A qualificação do contrato como “contrato atípico ou de renting” feita pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa assenta em fundamentos doutrinários insuficientes e ignora a jurisprudência reiterada que tem reconhecido a natureza locatícia dos contratos da GRENKE.

C. O Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 662.º do Código de Processo Civil ao alterar a matéria de facto dada como não provada pela 1.ª instância, com base exclusiva nas declarações da representante legal da Ré — parte diretamente interessada — sem apoio em prova objetiva e sem a necessária fundamentação crítica da prova gravada.

D. A alteração dos factos não respeita os princípios da livre apreciação da prova e da imediação, sendo nula por falta ou vício de fundamentação conforme aos requisitos do artigo 607.º, n.º 4, aplicável ex vi artigo 663.º, n.º 2 do CPC.

E. O documento assinado pela Ré, denominado “Confirmação de Aceitação”, constitui uma declaração confessória com força probatória plena nos termos do artigo 376.º do Código Civil, não tendo sido ilidida por prova de qualquer vício da vontade.

F. A tentativa da Ré de desresponsabilizar-se alegando que não leu os documentos que assinou viola o princípio da boa-fé contratual e processual, não podendo ser aceite nos termos do artigo 334.º do Código Civil. A própria Relação reconhece, em contradição lógica, que essa conduta não é digna de tutela jurídica.

G. O Acórdão recorrido inverteu indevidamente o ónus da prova, violando o artigo 342.º do Código Civil, ao exigir da Recorrente a demonstração de factos que incumbiam à Ré, designadamente o não recebimento dos bens e os alegados vícios dos mesmos.

H. A cláusula penal constante das condições gerais de locação, previamente aceite pela Ré e cuja função é compensar a Recorrente pelos danos da resolução antecipada e pela não restituição dos bens, é válida e proporcional, nos termos dos artigos 810.º e 811.º do Código Civil, não se verificando qualquer desproporção sensível.

I. A decisão da Relação ao declarar a cláusula penal nula por alegada desproporção interfere de forma ilegítima na autonomia contratual das partes, violando os artigos 406.º e 405.º do Código Civil, além de o fazer sem base probatória para avaliar a real extensão dos danos.

J. O acórdão recorrido enferma, assim, de erro de julgamento de direito, com violação de normas substantivas e processuais, designadamente os artigos 1022.º, 342.º, 376.º, 405.º, 406.º, 810.º, 811.º, 334.º e 762.º do Código Civil, bem como os artigos 607.º, 662.º e 674.º do Código de Processo Civil.

L. Nestes termos e com o douto suprimento dos Venerandos Juízes Conselheiros, deverá ser dado provimento ao recurso, e consequentemente revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e repristinando-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, com a consequente condenação da Ré nos termos aí fixados, assim se fazendo a esperada Justiça.

Pela R. foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção do acórdão recorrido.

Foram colhidos os vistos junto dos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º nº 1 do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (art. 635º nº3 do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº4 do mesmo art. 635º).

Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

No caso em apreço emerge das conclusões do recurso apresentadas pela A., aqui recorrente, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:

1º) Saber se houve erro na apreciação e alteração da matéria de facto por parte da Relação (cfr. pontos 19 e 20 dos factos provados), tendo sido violado o disposto no art.662º nº 1 do C.P.C.;

2º) Saber se houve erro de julgamento na aplicação do Direito (nomeadamente, violação das regras do ónus de prova e inobservância da força probatória de documento assinado pela R.).

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente a factualidade que foi dada como provada nas instâncias, a qual, de imediato, passamos a transcrever:

1 – A ré declarou acordar com sociedade EBI – Investigação e Desenvolvimento, Unipessoal, L.da, (adiante, EBI) a certificação pela segunda como “Eco Oficina” de uma oficina mecânica de reparação de automóveis explorada pela primeira.

2 – Incluíam-se nos bens e serviços da EBI a prestar a decoração da oficina interior e exterior com imagens publicitárias, a publicidade da oficina através de vários canais, a certificação de funcionários, e a inclusão do nome da oficina numa lista de oficinas qualificadas como “Eco Oficinas”.

3 – Para suportar o preço dos bens e serviços a fornecer pela EBI, esta propôs à ré um financiamento de modo a poder efetuar o pagamento em prestações.

4 – A EBI informou a ré que diligenciaria pela documentação necessária ao dito financiamento, para o que solicitou os necessários dados da ré e do seu representante legal.

5 – A ré forneceu à EBI os elementos solicitados.

6 – A EBI apresentou ao legal representante da ré os documentos referidos nos pontos 8 – factos provados – e 12 – factos provados –, designadamente.

7 – O legal representante da ré subscreveu os documentos referidos nos pontos 8 – factos provados – e 12 – factos provados – sem ler o seu teor.

8 – Autora e ré subscreveram o documento denominado “Locação Clássica Contrato de Locação para Clientes Empresariais – Contrato de Locação N.º 094-20377”, junto aos autos, no qual consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

GRENKE RENTING S.A. (…) GRENKE Locação Clássica Contrato de Locação para Clientes Empresariais Contrato de Locação N.º 094-20377 (…) Locatário, Nome ou Sociedade (morada completa) Vendedor/Fornecedor do objeto locado (…) EDU MOTORS – COMERCIO, IMPORTAÇÃO E, EXPORTAÇÃO DE AUTOMO EBI Investigação e Desenvolvimento, L.da (…) (…) Fim: O objeto locado (adiante apenas OL) será utilizado no exercício da atividade/profissão Concessionário (man que é desenvolvida desde 2013-10-14 Tipo de pagamento: Mensal  Trimestral  Número de Rendas 48 Valor da Renda 502,00 EUR OL Pack Eco Oficina Premium de acordo com a proposta/acta de entrega (ver Anexo) (…)

1. O OL é previamente selecionado pelo Locatário e é adquirido pelo Locador GRENKE RENTING, S.A., adiante apenas designado por GR, no interesse do Locatário.

2. O contrato de locação inicia-se no primeiro dia do mês/trimestre civil após a receção do OL. Se o Locatário confirmar a receção do OL antes desta data, deverá pagar pela correspondente utilização 1/30 ou 1/90, respetivamente, do valor base da renda mensal ou trimestral por dia. O contrato de locação é automaticamente prorrogado por seis meses, se não for denunciado, por escrito, com aviso prévio não inferior a três meses sobre o prazo inicial ou renovação. Durante o período de vigência inicial do contrato de locação, o contrato não poderá ser denunciado.

3. No ato de entrega, o Locatário deve inspecionar o OL e deve indicar a existência de algum defeito. O Locatário só deve confirmar a aceitação do OL se puder assegurar que a entrega está completa e o OL se encontra nas condições contratadas.

3.1. O Locatário tem direito a utilizar o OL durante a vigência deste contrato.

4. O Locatário deve manter o OL em boas condições de funcionamento e seguir as instruções de funcionamento e outras instruções do fabricante e da GR, bem como deve imediatamente reportar quaisquer problemas com o OL à GR. O Locatário é obrigado a obter e manter, a expensas suas, as licenças oficiais e outras necessárias para a utilização do OL, incluindo as atualizações de sistema recomendadas, bem como deve cumprir toda a legislação e outras normas aplicáveis.

5. A menos que o Locatário obtenha autorização por escrito da GR para o efeito, não pode mover o OL para um local diferente daquele onde ele foi originariamente colocado. O Locatário não poderá ceder nem sublocar o OL a terceiros, incluindo ao fornecedor ou ao prestador de serviços, sem o acordo expresso e por escrito da GR.

6. A GR ou um seu representante estão autorizados a inspecionar o OL durante o horário normal de trabalho.

7. Com a celebração do contrato de locação, a GR transfere para o Locatário os direitos relativos a efeitos do bem locado que tenha obtido em virtude do contrato de aquisição do bem locado, bem como outros direitos derivados de garantias. A obrigação da GR está limitada aos direitos que tenha obtido do Fornecedor/Fabricante relativamente ao bem locado e direitos derivados de garantias. Se os defeitos surgirem, o Locatário deve fazer valer esses direitos imediatamente e avisar a GR. No caso de redução de preço ou de resolução do contrato de compra e venda, o Locatário deve exigir que o pagamento devido seja feito à GR. No caso de resolução do contrato de compra e venda, o Locatário poderá devolver o bem locado ao Fornecedor ou um representante deste apenas em simultâneo com o reembolso do preço de compra à GR. O Locatário terá o direito de recusar o pagamento total ou parcial das rendas, em caso de defeitos no bem locado, cuja reclamação o fornecedor seja efetuada dentro do prazo de garantia do bem locado que é de 1 (um) ano, apenas se o mesmo intentar ação contra o Fornecedor requerendo a resolução do contrato de compra e venda, a redução do preço de compra ou ressarcimento de danos sofridos pela não reparação.

(…)

9. A partir do momento da confirmação do recebimento do OL, o Locatário assume o risco de perda acidental, roubo, destruição ou deterioração do OL ou risco equivalente. Tais eventos não libertam o Locatário do cumprimento das obrigações decorrentes do presente contrato de locação. (…)

9.1. Em caso de danos pelos quais nenhuma das partes seja responsável, o Locatário assumirá os custos de reparação do OL.

10. O locatário é obrigado a contratar um seguro de propriedade para o período de vigência do contrato de locação, a suas próprias expensas, garanta a reparação ou substituição do OL, dando suficiente cobertura aos riscos típicos do sector (...) e em que a GR surja como beneficiária (…).

11. Em caso de incumprimento das obrigações do Locatário, serão devidos juros de mora equivalente à taxa legal para as operações comerciais, sem prejuízo do direito da GR reclamar indemnização pelos danos excedentes.

12. A GR tem o direito de resolver o contrato se o Locatário não pagar duas rendas consecutivas. Tendo em conta i) que a GR adquiriu o OL no interesse do Locatário, ii) o custo financeiro com a aquisição do OL e a sua perda de valor e iii) os custos administrativos com a celebração deste contrato, entre outros, se a GR exercer o seu direito de resolução sem aviso prévio terá direito a exigir, a título de cláusula penal, o valor equivalente à soma de todas as rendas que fossem devidas até ao termo inicial base do contrato. O mesmo se aplica em caso de denúncia antecipada do contrato por iniciativa do Locatário. (…).

13. Após o recebimento da notificação de resolução do contrato por incumprimento, o Locatário perde o seu direito de posse do OL, devendo devolver o OL à GR. Se e o Locatário não devolver o OL após a cessação do contrato de locação, deverá pagar a GR ou equivalente a 1/30 ou 1/90 do valor do dobro da renda mensal ou trimestral acordada para o período inicial de locação por cada dia adicional até que o OL seja devolvido.

(…)

15. O Locatário deverá devolver o OL à GR no final do contrato de locação em boas condições de funcionamento. (...) OL deve ser devolvido a expensas e risco do Locatário para a sede da GR ou para a morada por esta indicada. Se o OL não for devolvido pelo Locatário, a GR tem o direito de proceder ao respetivo levantamento a expensas do Locatário.

15.1. Se o contrato efetivamente terminar no final do prazo da locação e o Locatário não devolver o OL à GR, o Locatário mantém o dever de pagar a renda periódica conforme acordado. As condições deste contrato são aplicáveis até ao momento da devolução do OL, mantendo o Locatário todas as obrigações previstas neste contrato. A continuação do uso não implica a renovação automática deste contrato.

16. O Locatário não tem o direito de adquirir a propriedade do OL.

17. A GR pode transferir a propriedade do equipamento, e em consequência, o presente contrato de locação, incluindo todos os seus direitos e obrigações, para uma entidade financiadora. (…)

(…)

26. Para efeitos contabilísticos, as partes acordam em classificar o presente contrato como sendo um Contrato de Locação Operacional.

9 – O cabeçalho do documento referido no ponto 8 – factos provados – apresenta o seguinte aspeto fac-similado:


10 – O “objeto locado”, descrito no documento referido no ponto 8 – factos provados – como Pack Eco Oficina Premium, era composto por (1) um sistema de extração de óleo usado com enrolador duplo de 14 metros, (2) um depósito de parede 1000 Litros e (3) um sistema computorizado de abastecimento de óleos novos com punhos digitais 10w40 + 5w30.

11 – O “objeto locado” e o “vendedor/fornecedor” mencionados no documento referido no ponto 8 – factos provados – foram escolhidos pela locatária, aqui ré.

12 – Em 26 de abril de 2017, a ré subscreveu um documento denominado “Autorização de Débito Direto SEPA”, com a identificação do contrato n.º 094-20377, com, entre outro, o seguinte teor: “Ao subscrever esta autorização, está a autorizar a GRENKE RENTING S.A a enviar instruções ao seu banco para debitar a sua conta, de acordo com as instruções da GRENKE RENTENG S.A.”.

13 – Em 26 de abril de 2017, a ré subscreveu um documento com a identificação do contrato n.º 094-20377 com, entre outro, o seguinte teor:

«Contrato de Locação para Clientes Empresariais (…) Contrato de Locação N.º 094-20377 (…) Locatário, Nome ou Sociedade (morada completa) Vendedor/Fornecedor EDU MOTORS – COMERCIO, IMPORTAÇÃO E, EXPORTAÇÃO DE AUTOMO EBI Investigação e Desenvolvimento, L.da (…) (…) Quantidade Equipamento 1 Pack Eco Oficina Premium (…) Confirmação de aceitação Data: 26-04-2017

Eu/nós confirmamos pelo presente o seguinte relativamente à minha/nossa proposta/contrato de locação:

1. Recebi/recebemos o bem mencionado anteriormente no dia de hoje, data da entrega. Foi-me/foi-nos igualmente entregue um manual de procedimentos ou o mesmo não é necessário.

2. O bem foi montado e/ou instalado por um profissional.

3. Recebi/recebemos todas as instruções necessárias.

4. O bem esta em perfeito estado e funciona devidamente.

5. O bem foi entregue na sua totalidade e com todos os seus componentes.

6. O bem corresponde exatamente às descrições constantes do pedido/contrato e está em conformidade com o que foi acordado entre o fabricante e fornecedor (por exemplo, em termos de tecnologia, qualidade e performance). O bem possui todas as funcionalidades e atributos garantidos pelo fornecedor.

7. O bem tem a qualidade garantida pelo fornecedor e/ou por terceiros.

8. As obrigações assumidas pela GRENKE RENTING, S.A., em relação ao bem locado serão sempre confirmadas ao Locatário em forma escrita, sob pena de não terem validade. O mesmo se aplica à dispensa de uso da forma escrita.

9. O pedido acima mencionado – na parte em que não foi aceita – fica novamente submetido, concordando eu em permanecer vinculado à proposta para celebrar um contrato a respeito do mesmo por mais quatro semanas a partir da data em que esta confirmação de entrega é assinada.

10. Eu/nós recebemos hoje uma cópia desta confirmação de entrega. Atenção: O Locador irá pagar o preço de aquisição do bem locado ao fornecedor após a assinatura da confirmação de aceitação. No caso do Locatário não testar o funcionamento do bem e/ou no caso de assinar este documento antes de receber os bens completos em perfeitas condições, o Locatário indemnizará o Locador relativamente a quaisquer reclamações, bem como pelos danos em que o Locador tenha incorrido».

14 – O documento referido no ponto 13 – factos provados – no seu último parágrafo antes da assinatura do legal representante da ré, apresenta o seguinte aspeto fac-similado:


15 – O legal representante da ré subscreveu o documento referido no ponto 13 – factos provados – a pedido e seguindo as instruções do gerente de facto da EBI, afirmando este ser esse o procedimento a adotar no âmbito da conclusão do contrato subscrito.

16 – Consta da matrícula da autora no Registo Comercial, além do mais:

a) “Objeto: Aluguer de equipamento de escritório, de máquinas e de equipamento informático, incluindo software e hardware, actividades relacionadas e revenda de equipamentos usados. Aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens para aluguer e aluguer dos mesmos, prestação de consultoria de serviços relativos a equipamentos informáticos e software, prestação de serviços de instalação, montagem, manutenção e reparação de equipamentos informáticos, software e outros bens. Venda de equipamentos informáticos, software e outros bens, tanto novos como usados. Aquisição e venda de imóveis”;

b) “Capital: 100.000,00 Euros”.

17 – Com ressalva do texto inscrito nos espaços em branco do cabeçalho – em especial, a identificação do locatário e do fornecedor, e os dizeres sublinhados –, os restantes dizeres dos documentos referidos nos pontos 8 – fundamentação de facto –, 12 – fundamentação de facto – e 13 – fundamentação de facto – foram previamente elaborados predispostos pela autora, tendo sido apresentados à ré para, se os aceitasse e nos seus termos, os subscrever, sem possibilidade de procederem à sua alteração, socorrendo-se a autora habitualmente deste formulário na sua atividade, enquanto locadora.

18 – Em 26 de abril de 2017, a autora adquiriu à EBI o Pack Eco Oficina Premium, pelo preço de € 24.600,00 (€ 20 000,00 + IVA).

19 – Os equipamentos descritos no ponto 10 – fundamentação de facto – não foram entregues à ré.

20 – Sem prejuízo do referido no ponto 19 – fundamentação de facto –, foi pela EBI entregue à ré um sistema de extração de óleo usado com enrolador de 12 metros e um depósito de óleo usado, com uma parede simples, de capacidade não superior a 720 litros.

21 – A ré pagou à autora os alugueres vencidos até agosto de 2017, ficando em dívida os alugueres de setembro de 2017 a janeiro de 2018, o prémio de seguro para 2018, os custos de avisos e os juros de mora, tendo as entradas de débito direto sido devolvidas, com a informação de “Débito Rejeitado”.

22 – A autora remeteu à ré cartas de interpelação em 11 de setembro de 2017, 21 de setembro de 2017, 10 de outubro de 2017, 10 de novembro de 2017, 11 de dezembro de 2017 e 21 de dezembro de 2017.

23 – Em setembro de 2017 o legal representante da ré cancelou a autorização de débito direto acima mencionada no ponto 12 – factos provados.

24 – Em 10 de janeiro de 2018, a autora remeteu à ré, por correio registado com aviso de receção, uma comunicação com, entre outro, o seguinte teor:

Exmos. Senhores,

Em face do não pagamento dos alugueres mensais vencidos, desde 2017-09-01, e não obstante as nossas insistências, telefónicas e por escrito, através das quais o notificámos da nossa intenção de resolver o contrato caso a situação de incumprimento não fosse corrigida, fazendo uso dos nossos direitos, de acordo com as Condições Gerais de Locação acordadas, consideramos o Contrato de Locação supra identificado definitivamente incumprido, por motivo exclusivamente imputado a V. Exa. na qualidade de Locatária, pelo que vimos por este meio comunicar a resolução do referido contrato de locação, com todas as legais consequências, produzindo os respectivos efeitos na data da recepção da presente comunicação.

Os bens locados deverão ser devolvidos e entregues à GRENKE Renting S.A., por conta e risco da Locatária, até ao dia 2018-01-20 para a morada a seguir indicada:

(…)

Com a devolução dos referidos bens, deverão igualmente proceder ao pagamento de todas as quantias em dívida, constantes da Conta Corrente em anexo, cujo montante total em divida é de 27 373,03 €

As quantias liquidadas no Anexo 1 são devidas nos termos da Secção 1, n.º 2, e 16, n.º 1, das Condições Gerais de Locação, pois para que a Locadora celebrasse o contrato e adquirisse o(s) bem(bens) escolhido(s) pelo(a) Locatário(a), este(a) obrigou-se ao pagamento de todos os alugueres ajustados, de forma a amortizar integralmente o preço de aquisição pago pela Locadora, as despesas de execução do contrato e a margem de lucro estimada.

A Locadora só adquiriu o(s) bem(bens) para o(s) alugar ao abrigo deste contrato em concreto, não sendo novamente locado(s) depois de restituído(s), já que dada a sua natureza, fica(m) completamente desvalorizado(s) depois de usado(s), daí que o incumprimento do contrato causa prejuízos, danos emergentes e lucros cessantes, que só com o pagamento serão ressarcidos.

O referido montante foi calculado até à data acima indicada (…).

25 – A ré não entregou à autora os equipamentos que lhe haviam sido entregues pela EBI.

Apreciando, de imediato, a primeira questão recursiva suscitada pela A. – saber se houve erro na apreciação e alteração da matéria de facto por parte da Relação (cfr. pontos 19 e 20 dos factos provados), tendo sido violado o disposto no art.662º nº 1 do C.P.C. – importa referir a tal propósito que, contrariamente ao que foi alegado pela recorrente, é patente no acórdão sob censura, a análise dos vários elementos de prova produzidos no processo, nomeadamente dos depoimentos testemunhais e declarações de parte e, também, aos documentos juntos pelas partes, assim como a apreciação crítica e minuciosa de todos esses elementos, confrontados entre si, em face da decisão de facto proferida na 1ª instância.

Como é sabido, o art. 662º do C.P.C., invocado pela A. a este respeito, impede o Supremo Tribunal de Justiça de sindicar directamente as decisões da Relação sobre a matéria de facto (cfr. n.º 4), muito embora não o impeça de verificar a conformidade da actuação do tribunal de 2.ª instância com os correspondentes ditames processuais – cfr., nesse sentido, Lebre de Freitas, C.P.C. Anotado, Vol. 3º, 2022, págs.176/177.

Ao mesmo tempo, impende sobre o Tribunal da Relação o dever de "alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa" (cfr. art. 662º nº 1 do C.P.C.). Isto é, "a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência" – cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, pág.273..

No caso em apreço, constata-se que a alteração da factualidade apurada por parte do Tribunal da Relação – no que tange aos pontos 19 e 20 dos factos provados – teve na sua base, não só as declarações de parte prestadas pelo legal representante legal da R., o qual afirmou, de forma convincente e peremptória, não lhe terem sido entregues os concretos bens objecto do contrato celebrado, como também o teor de diversos documentos que foram juntos ao processo, afirmando-se a tal propósito no aresto recorrido, nomeadamente, o seguinte:

- (…) Este documento (que consta do ponto 8) – “Confirmação de aceitação” –, que mais adiante reproduzimos mais circunstanciadamente – cfr. o ponto 13 –, pela indeterminação de conteúdo – já que se refere genericamente ao famigerado “Pack Eco Oficina Premium” – tem um valor nulo na demonstração do fornecimento dos bens que constituem o “objeto locado”. Veja-se que os documentos juntos para prova da entrega dos bens são de 6 de junho de 2017 – guia de entrega n.º 66 784676-7 e guia de transporte n.º 48 – e de 4 de julho de 2017 – guia de entrega n.º 66 791190-7. Ora, o documento que consta do ponto 8. foi assinado meses antes, ou seja na data da encomenda (26 de abril de 2017). É evidente que foi assinado muito tempo antes de ter sido realizada qualquer entrega.

Foi admitido pelo legal representante da ré que alguns equipamentos foram fornecidos pela EBI à apelante. No entanto, os documentos juntos revelam que o fornecimento efetuado não foi conforme com o contratado.

Vem a propósito lembrar que, para prova da entrega dos bens locados, pela apelada foram juntas aos autos fotografias da oficina da autora. Ora, em tais fotografias juntas, para além das panorâmicas do estabelecimento – onde são visíveis os elementos decorativos que a testemunha AA (EBI) afirmou não integrarem o “objeto locado”, sendo add-ons (sic) –, apenas é apresentado em grande-plano um enrolador de mangueiras (já acima também descrito no primeiro sistema). Não se identifica o equipamento respeitante ao segundo sistema.

Tal já como adiantámos, em 6 de setembro de 2017 (pelas 13h37m), a EBI (AA) remeteu ao autor (à sua mandatária) uma mensagem de correio eletrónico sobre a “decoração eco-oficina nas instalações EDU Motors”, “fora do âmbito dos contratos de locação financeira” (sic). No entanto, no âmbito desta tentativa de resolução do litígio, é feita menção aos restantes equipamentos fornecidos, nos seguintes termos: (com uma “condição”) “não nos importamos de suportar os prejuízos e custos decorrentes da desmontagem integral do Sistema de Extração de Óleo de Motor CDS – Clic Drain System 12m e da respectiva extinção do contrato em vigor” – negrito nosso. Nada se diz quanto à devolução do “sistema computorizado de abastecimento de óleos novos com punhos digitais 10w40 + 5w30”.

O teor desta mensagem sugere fortemente que este “sistema computorizado” nunca foi entregue, bastando a devolução do “sistema de extração de óleo usado” para que o contrato se tivesse por distratado. Esta conclusão é confirmada pela mensagem que se segue.

No mesmo dia 6 de setembro de 2017 (pelas 13h45m), a EBI (AA) remeteu ao autor (à sua mandatária) uma mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor:

“Relativamente ao pedido de desistência dos contratos de locação sobre 1) Software e 2) Equipamentos reiteramos que o software Oficinal conforme já falamos não é passível de desistência por motivos óbvios que julgo saber e que são de lei e conhecimento geral;

“2) Equipamento Clic Drain System + depósito de parede dupla homologado (Pack Eco-Oficina), poderemos a titulo excepcional aceitar a extinção do contrato e a desmontagem do mesmo com os respectivos acessórios, caso paguem e cheguem a um acordo quanto ao valor justo do trabalho executado de decoração das Oficinas Edu Motors”.

Ou seja, dos “contratos de locação” – plural – apenas se discute a entrega de um equipamento – o “sistema de extração de óleo usado” – e a distinta utilização de um software. O silêncio sobre a existência de um (supostamente fornecido) “sistema computorizado” é total.

E, sobre a matéria supra referida - relativa à alteração da decisão de facto pela Relação - não podemos deixar de trazer à colação aquilo que foi afirmado no Ac. do STJ de 29/3/2022 (Relator Pedro Gonçalves), disponível in www.dgsi.pt, o qual, desde já, passamos a transcrever:

- No recurso de apelação com impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação não se encontra impedido de proceder à modificação da decisão de facto – após análise crítica da prova testemunhal, documental e prova por declarações de parte, de acordo com o conteúdo da impugnação da recorrida, aí apelante -, ainda que não tenha detetado qualquer “erro notório” na apreciação da prova por parte do Tribunal de 1.ª instância, assumindo uma convicção divergente da 1.ª instância fundada, essencialmente, numa análise diferenciada dos depoimentos testemunhais e da prova por declarações de parte e, ainda,, à luz do conteúdo de documentos não considerados pela 1.ª instância e com o inovatório apelo às regras da experiência comum (premissas maiores do raciocínio presuntivo judicial).

Deste modo, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de revista por escapar aos poderes de sindicância do STJ (cfr. nº 4 do citado art.662º), a não ser nas hipóteses previstas no nº 3 do art.674.º do C.P.C., ou seja, quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, situações essas que, é nosso entendimento, não se verificarem no caso em apreço (pois todas as provas juntas aos presentes autos são de livre apreciação pelo tribunal – cfr. art.607º nº 5 do C.P.C.).

Por isso, sendo as provas livremente apreciadas pelo Julgador, o pretenso erro de julgamento cometido pela Relação escapa aos poderes cognitivos do STJ no domínio da matéria de facto – cfr. Ac. do STJ de 24/5/2022 (Relator Pedro Gonçalves), disponível in www.dgsi.pt.

Assim sendo, forçoso é concluir que as extensas considerações lavradas a este propósito pelo Tribunal da Relação - a partir do confronto dos diferentes meios de prova carreados para os autos, a ponderação crítica evidenciada e a segurança do respetivo juízo decisório - mostram que não se afigura, “in casu”, qualquer error in procedendo nesta matéria e, por isso, não se configura, também, a existência de qualquer violação do disposto nos arts. 662º nº 1 e 607º nº 4, ambos do C.P.C. por parte do aresto recorrido, pelo que improcede, neste ponto, a questão recursiva suscitada pela A.

Analisando, de seguida, a segunda questão recursiva levantada pela A. – saber se se houve erro de julgamento na aplicação do Direito (nomeadamente violação das regras do ónus de prova e inobservância da força probatória de documento assinado pela R.) – haverá que dizer a tal respeito que, no que tange à força probatória dos documentos, dispõe o art.376º nº 1 do Cód. Civil que "o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento". E, efectivamente, não se contesta que o documento que opera como confirmação de aceitação dos equipamentos é verdadeiro e foi assinado pelo representante legal da R., aqui recorrida.

Não obstante, o que vem de ser dito afronta a ideia de que tal corresponda à manifestação de uma vontade livre e esclarecida, comprometida que também se provou estar, não apenas pela negligência daquele representante no que respeita à sua auto-informação, mas igualmente pela configuração irregular da cláusula, atinente a uma obrigação de indemnização, constante do ponto 14 dos factos provados, e pelo incumprimento por parte daquele, que de facto agiu como representante da A., do dever de comunicação e informação que estava obrigado a cumprir para com a R.

Acresce que, se é certo que os documentos particulares provam a emissão por determinado sujeito das declarações documentadas (cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág.230), também é certo que a força probatória do documento particular "nunca abrange os factos que nele sejam narrados como praticados pelo subscritor do documento ou como objeto da sua perceção direta: apenas as declarações, de ciência ou de vontade, nele constantes ficam documentalmente provadas" (cfr. Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, 2013, pág. 237).

Por isso, se outros elementos de prova carreados para o processo, conjugados criticamente, contrariarem a evidência configurada em abstracto no documento em causa, a ponto de influenciarem noutro sentido a ponderação do Julgador e o levarem, com segurança, a uma solução diversa, tal deverá ser admitido e dado como provado.

No mesmo sentido julgou, aliás, o Ac. do STJ de 28/5/2009, (Relator Rodrigues dos Santos), disponível in www.dgsi.pt, no qual se afirmou o seguinte:

- A força ou eficácia probatória plena atribuída às declarações documentadas pelo n.° 1 do art. 376.° do CC limita-se à materialidade, à existência, dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas.

Ainda que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reportar-se-á tão-somente às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondem à realidade dos respectivos factos materiais e, sobretudo, não sendo excluída a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova.

E, em sentido idêntico ou similar, veja-se ainda o Ac. do STJ de 9/12/2008, (Relator Urbano Dias), também disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é referido que:

- O documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa.

Nessa medida, apesar de demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.

Assim, pelas razões supra referidas, não concordamos com a alegação da A. de que tenha havido uma interpretação errada do ónus da prova, em seu único e exclusivo prejuízo, no que respeita ao documento assinado pelo representante legal da R. (cfr. ponto 13 dos factos provados).

Na verdade, tal interpretação, feita no aresto recorrido, surgiu, sim, por força da prova reapreciada criticamente no seu conjunto, incluindo o documento de confirmação assinado e a circunstância em que terá sido assinado, a necessidade de, para eventualmente poder considerar-se provada a entrega dos específicos bens objecto do contrato celebrado, aceder a uma prova que fosse além de um documento assinado que o afirmasse, prova essa que não veio a ocorrer - de todo - pois, “in casu”, resultou provado exactamente o contrário, ou seja, a não entrega à R. dos bens identificados no contrato celebrado (cfr. pontos 19 e 20 dos factos provados), sendo que tal prova, como vimos, foi livremente apreciada pela Relação, segundo a sua prudente convicção (cfr. art.607º nº 5 do C.P.C.), tendo na sua base, nomeadamente, as declarações de parte do representante legal da R., conjugadas com os diversos documentos (particulares) juntos ao processo e aos quais foi feita expressa menção no acórdão recorrido.

Por fim, sustenta ainda a A. ser válida e dever cumprir-se a cláusula penal fixada nas condições gerais do contrato em debate nos autos, argumentando que esta não apresenta uma "desproporção sensível".

No entanto, tal como foi sustentado pela Relação, a graduação da desproporção é irrelevante neste contexto, já que, tratando-se de um contrato de adesão, o art.19º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 446/85 censura, na medida em que tal divirja acentuadamente do quadro negocial típico de certo sector de actividade (cfr. António Pinto Monteiro, Contratos de Adesão/Cláusulas Contratuais Gerais, EDC N.º 3, 2001, pág.145), a inclusão de uma cláusula que consagre "cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir", desconsiderando, portanto, o grau da desproporção.

Ao contrário do sugerido pela A./recorrente nas suas alegações, a assimetria negocial patente na contratação por adesão justifica a exigência acrescida que a letra deste preceito autoriza a interpretar, "proibindo-se a cláusula penal simplesmente desproporcionada aos danos a ressarcir, não sendo necessário que essa desproporção (excesso) seja manifesta" - cfr. Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pág.236.

Assim também, por exemplo, no Ac. do TRL de 27/11/2007, (Relator Rui Vouga) foi afirmado que: "não se faz mister, para que uma cláusula penal deva ser tida por proibida, ao abrigo da cit. al. c) do artigo 19º do DL. nº 446/85, que exista uma desproporção sensível e fragrante entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar, bastando para tanto que a pena predisposta seja superior aos danos que, provavelmente, em face das circunstâncias típicas e segundo o normal decurso das coisas, o predisponente venha a sofrer, mesmo que essa superioridade não seja gritante e escandalosa."

Ora, no caso em apreço, quaisquer bens locados a restituir sempre estariam em condições de reaproveitamento económico pela locadora e, sabendo-se que "o juízo de valor sobre a desproporção deverá ser reportado ao momento em que a cláusula é concebida (aos danos típica e previsivelmente a ressarcir, dentro do quadro negocial padronizado), sendo incorrecto relacioná-lo com as vicissitudes que o contrato em que se integra sofreu, nomeadamente com os termos em que foi resolvido" (cfr. Araújo de Barros, ob. cit., pág.237) , a cláusula em questão acabaria por afigurar-se desproporcional.

De qualquer modo, e independentemente do debate sobre a qualificação jurídica do contrato em questão, irrelevante para este efeito, o facto é que a A. pretende obter da R. o pagamento das prestações vencidas e vincendas correspectivas de uma prestação que afinal não se provou ter sido realizada – ou seja, a entrega à R. dos concretos bens identificados no contrato junto aos autos - com fundamento numa cláusula penal fixada num contrato de formação e execução dúbias, desde logo no que toca à comunicação desta e de outras cláusulas, e que afinal acabou por não cumprir da sua parte.

Assim sendo, face às razões e fundamentos acima elencados, não será demais aqui repetir que – tendo em conta o teor dos pontos 19 e 20 dos factos provados – os equipamentos efectivamente entregues à R. não correspondiam ao que tinha sido contratado, e sem que para tal tenha havido comprovadamente acordo em sentido diverso, o que configura, a nosso ver, o não cumprimento da obrigação principal da A. ao abrigo deste contrato celebrado (já que não fez a entrega à R. dos bens que, em concreto, foram contratados) e, por via disso, entendemos que inexistiu erro de julgamento por parte do tribunal a quo.

Nestes termos, dado que o presente recurso não versa outras questões, é nosso entendimento que o acórdão recorrido não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente.

Em consequência, nega-se a revista interposta pela A., aqui recorrente.

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Finalmente, atento o estipulado no nº 7 do art.663º do C.P.C. passamos a elaborar o seguinte sumário:

- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto do recurso de revista por escapar aos poderes de sindicância do STJ (cfr. nº 4 do citado art.662º), a não ser nas hipóteses previstas no nº 3 do art.674.º do C.P.C., ou seja, quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, situações essas que, é nosso entendimento, não se verificarem no caso em apreço (pois todas as provas juntas aos presentes autos são de livre apreciação pelo tribunal – cfr. art.607º nº 5 do C.P.C.).

- A força ou eficácia probatória plena atribuída às declarações documentadas pelo n° 1 do art.376° do Cód. Civil limita-se à materialidade, à existência, dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas e, por isso, não é excluída a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova.

***

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente o presente recurso de revista interposto pela A. e, em consequência, confirma-se integralmente o acórdão recorrido.

Custas pela A., aqui recorrente.

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Lx., 2/10/2025

Rui Machado e Moura (Relator)

Ferreira Lopes (1º Adjunto)

Maria de Deus Correia (2ª Adjunta)