Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
| Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL CONTRATO-PROMESSA NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES CONCLUSÃO DO CONTRATO REGIME APLICÁVEL ASSESSORA JURÍDICA | ||
| Data do Acordão: | 03/21/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO. | ||
| Doutrina: | - Antunes Varela, in “Sobre o Contrato Promessa”, Coimbra Editora, 1988, p. 108. - Calvão e Silva, in Sinal e Contrato Promessa”, Almedina, 13.ª edição, 2010, pp. 17, 19. - Faggela, Gabriele, in “Dei periodi precontratualli e della loro vera ed esatta construzione scientifica” Studi giuridici in onore de Carlo Fadda”, Napoli, 1906, Tomo III, p. 217 e segs.; “Fundamento giuridico della responsabilità in tema di trattive contrattuali”, Archive Guiridici, 1909, p. 128 e segs; e “Il periodi precontrattuali e la responsabiltà precontrattuale”, in Archive Giuridici, 1918, p. 18 e segs.. - Judith Hofmeister Martins Costa, “O direito privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no Projecto do Código Civil Brasileiro”. - Mota Pinto, Carlos, in “A Responsabilidade Pré-negocial pela não Conclusão dos Contratos”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Suplemento XIV, Coimbra, 1966, pp. 153, 156-157, 161-162, 168, 183-200, 234-236. - Rudolf Von Jhering, in “Culpa in Contrahendo ou a Indemnização em Contratos Nulos ou não Chegados à Perfeição”, Almedina, Coimbra, 2008. - Soares do Nascimento, Paulo Fernando M. S., “A Responsabilidade Pré-contratual pela Ruptura das Negociações e s Recusa Injustificada de Formalização do Contrato”, “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Teles”, IV Vol., Almedina, pp. 182, 196, 216-223, 234-235, 239, 245. - Vladimir Monsalve Caballero, in “El Comportamiento del Contratante como determinante para la calificación de la Ruptura Injustificada de las Negociaciones: Visión desde el Derecho Europeo”, In Universatis, Colômbia, n.º 119, Julio-Deciembre, 2009, p. 275. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 227.º. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 22-02-2009. | ||
| Sumário : | I - A doutrina do art. 227.º do CC (“culpa na formação dos contratos”) vale para todo o tipo de negócios jurídicos, sendo as suas injunções normativas e jus-legais aplicáveis não só aos contratos tout court como aos contratos-promessa, em que a vontade é dirigida para a realização de um contrato definitivo. II - Tratando-se de um negócio preliminar ou preparatório do negócio definitivo, à formação e negociações preliminares aplicam-se as mesmas regras e injunções normativas que regem para p contrato prometido ou definitivo, notadamente as regras de boa fé, confiança e tutela das expectativas que devem estar presente na formação e concreção de qualquer relação contratual. III - Se os réus, na qualidade de promitentes-cessionários de quotas e créditos de uma sociedade comercial detentora de um estabelecimento comercial (restaurante/bar) tinham conhecimento dos planos que diversos organismos estatais projectavam para a reformulação do espaço onde o mesmo se encontrava sediado, estavam eles obrigados, aos abrigo dos princípios da confiança e da boa fé, a transmitir todas essas informações à autora, para que ela pudesse, na posse de toda a informação, formar completa e com total conhecimento de todas as circunstâncias a sua decisão de contratar. IV - A existência de uma assessoria jurídica não releva para efeitos do que deve ser o comportamento das partes na contratação e nas negociações, nomeadamente porque existem elementos que escapam a quem tem por “mandato” executar ou conformar, de acordo com o direito e a lei, o que as partes querem. Não está no âmbito de uma assessoria jurídica informar-se das circunstâncias e detalhes que não lhe queiram ser transmitidos pelas partes, nomeadamente, não é cabível nas funções de um mandatário indagar para além do que for estritamente necessário a uma correcta formulação/formalização do contrato. | ||
| Decisão Texto Integral: |
I – Relatório Irresignada com a decisão proferida no Tribunal de Família e Menores da comarca de Cascais, que na procedência os pedidos impetrados pela demandante, AA, julgou a acção procedente e a reconvenção, que pelos demandados, BB e CC, havia sido esgrimida contra a demandante, improcedente, recorrem, de revista, per saltum, os demandados /reconvintes, havendo a considerar os sequentes: I.1. – Antecedentes Processuais. AA, residente em …, …, França, intentou acção declarativa de condenação, com forma ordinária, contra BB e CC, ambos com residência na Quinta ..., Lote …, ...º, Portimão, pedindo que se declare: “a) – Anulado o contrato promessa de cessão de quotas de que os RR. são titulares na sociedade comercial “DD, Lda.”, celebrado entre A. e RR., em 30 de Maio de 2003”; b) – Anulado o contrato promessa de cessão de créditos de que os RR. são titulares sobre a sociedade comercial “DD, Lda.” celebrado entre A e RR., em 30 de Maio de 2003; e condenando -se:: c) – Os RR. a restituir à A. a quantia por esta paga relativamente à licença n.º ... do estabelecimento comercial propriedade da sociedade de que os RR. são os únicos sócios no valor de € 2.138,06” Para os pedidos que impetram alegaram, em extenso e prolixo articulado – cfr. fls. 1 a 46 -, e em síntese muito apertada, que: - “por documento escrito datado de 30/05/2003, a A. e os RR. celebraram contrato promessa de cessão de quotas, bem como contrato promessa de cessão de créditos, relativamente às quotas na sociedade “Restaurante DD, Lda.”, titular do estabelecimento comercial “EE”, tratando-se de um restaurante-bar sito na ..., Portimão, quotas aquelas de que eram exclusivos titulares os RR.; - através daquele contrato promessa de cessão de quotas os RR. prometeram ceder à A., que declarou aceitar tal cedência, as suas quotas na dita sociedade, por um preço global de € 199.520,00, sendo o dito contrato promessa de cessão de créditos decorrência do primeiro, por referente a suprimentos prestados pelos sócios, ora RR., à sociedade; - os RR. bem sabiam, ao tempo das negociações estabelecidas entre as partes e ao tempo da celebração dos contratos promessa, da existência de um projecto de reestruturação, que se encontrava em curso, referente ao local onde se encontrava instalado o dito “EE”, e consequente condicionamento da prorrogação do alvará; - porém, não só não informaram a A. sobre tal circunstancialismo, como até lhe disseram que nada tinha a temer, pois que, muito embora o estabelecimento se localizasse em zona de concessão, a licença respectiva de ocupação era sempre renovada; - só após a celebração dos ditos contratos promessa a A. veio a saber, por terceiros, da existência de um projecto de reestruturação para o Areal da ..., projecto esse que era do conhecimento de todos os comerciantes e dos locais de Portimão, mas do que a A. não soubera antes, já que os RR. lhe esconderam tal facto, sendo a A. pessoa desconhecedora do local e da região, que esteve ausente do País durante vinte anos, cuja formação se resume à antiga 4.ª classe; - tal projecto de reestruturação pressupõe a demolição dos estabelecimentos existentes e a reconstrução dos novos estabelecimentos, posicionados de forma diversa daquela em que se encontram, sendo que tais obras ficarão a cargo dos respectivos comerciantes, podendo importar para a A um investimento de valores que ascendam a € 350.000,00, muito superior aos € 199.519,15 aceites em sede de contrato promessa; - por isso, a A. comunicou à R não estar interessada no negócio e que, se soubesse do referido projecto e suas consequências, nunca teria assinado os contratos promessa; - apercebendo-se de que tinha sido enganada pelos RR., em quem confiara desde o primeiro momento negocial, e que estes não pretendiam solucionar o problema, resolvendo consensualmente o negócio, a A. decidiu renunciar à gerência e proceder à entrega do estabelecimento comercial aludido, o que fez, bem como revogou o cheque emitido para pagamento do sinal convencionado; - cabia aos RR. esclarecer a A. da existência do referido projecto de reestruturação do Areal da ... e suas implicações, o que não fizeram, omitindo consciente e deliberadamente tal informação, donde que a A. tenha sido levada a celebrar um negócio que não pretendia, já que se encontrava em erro, desconhecendo um elemento essencial do negócio, bem sabendo os RR. que, se a A. tivesse conhecimento do mesmo, jamais celebraria os contratos promessa celebrados; - os RR. agiram, pois, com dolo, activo e essencial, procedendo em contrário aos ditames da boa fé, incorrendo em responsabilidade pré-contratual, pelo que o negócio é anulável, como agora peticionado na acção, devendo ser restituída à A. a quantia por esta paga, de € 2.138,06, a título de licença do estabelecimento comercial mencionado, propriedade da sociedade de que os RR. são os únicos sócios.” Na contestação que com que pretendiam alancear o impetrado, os demandantes/reconvintes – cfr. fls. 160 a 190 -, impugnaram a matéria constante da petição inicial e deduziram pedido reconvencional, com a matéria factual que, igualmente, em apertada síntese, se condensa, a seguir: “desde o início da negociação, a A. sabia que o estabelecimento da sociedade dos RR. se situava numa zona de concessão, sendo que a A. se encontrava acompanhada por advogada, que examinou os documentos pertinentes e preparou o contrato; - a pressa na celebração do negócio era da A., que queria abrir o estabelecimento para começar a facturar, tendo passado a explorá-lo a partir de 30/05/2003, sendo que, por o cheque emitido pela A. para pagamento do sinal acordado ter sido devolvido por falta de provisão, os RR. deduziram a respectiva queixa criminal; - os RR. falaram oportunamente à A. na existência de estudos no âmbito do aludido projecto, o qual ainda não estava definido, sendo do conhecimento geral na cidade de Portimão a existência de um Plano de Ordenamento da Orla Costeira, como o que existe para toda a orla costeira portuguesa, pelo que cabia à A. informar-se adequadamente, por forma a obter um conhecimento pormenorizado dessa circunstância (anteriormente à assinatura do contrato promessa, devia a A. certificar-se, junto da Câmara Municipal de Portimão e outras entidades, sobre todas as questões exteriores ao negócio mas que o pudessem afectar, tanto mais que acompanhada por advogada em toda a fase pré-contratual e na própria elaboração do contrato, sendo que os RR, por sua vez, não tinham conhecimentos acerca do projecto referido); sendo que para o pedido reconvencional, alegam que: - a A/Reconvinda, em 30/05/2003, entregou aos RR./Reconvintes o aludido cheque, no valor de € 99.520,00, para pagamento do sinal, tendo estes renunciado então à gerência da sociedade, sendo nomeada gerente a A., com entrega a esta do estabelecimento, tendo ocorrido devolução de tal cheque por falta de provisão em 03/06/2003; - após isso ainda os RR. adquiriram os vidros em falta no estabelecimento, que foram entregues à A./Reconvinda, tendo ainda a R/Reconvinte enviado ao estabelecimento um técnico de computadores para proceder aos arranjos necessários para que o mesmo ficasse em prefeito estado de funcionamento, o que aconteceu, e um filho da R acompanhou aquela A. ao supermercado e à garrafeira para fazerem compras iniciais para o EE, para além de a R/Reconvinte ter ainda dispensado à A. outros actos de ajuda inicial, demonstrativos da boa fé dos RR.; - o aludido cheque, porém, voltou a ser devolvido por falta de provisão, percebendo então os RR./Reconvintes que a A/Reconvinda não queria, ou não podia, pagar tal cheque, que titulava o sinal acordado; - em Julho de 2003 confirmou-se que o Plano da ... ainda não estava estabelecido, pelo que a A. não tem justificação para o seu incumprimento quanto ao pagamento do sinal titulado pelo aludido cheque; - a A/Reconvinda, que veio litigar de má fé, incumpriu, assim, o contrato promessa, não pretendendo celebrar o contrato prometido, com o que causou prejuízos aos RR., tendo estes direito a fazer seu o valor do sinal acordado e titulado pelo cheque sem provisão. Concluem pedindo: - pela improcedência da acção, por não provada; - pela procedência da reconvenção, por provada, peticionando, em conformidade, por esta via: a) - se declare que o contrato promessa foi incumprido pela promitente cessionária; b) - condenando-se a A/Reconvinda no pagamento do sinal, titulado por meio de pagamento que, apresentado a desconto, veio devolvido por falta de provisão; c) - bem como na perda do sinal; d) - e como litigante de má fé.” Na réplica que exibiu – cfr. fls. 220 a 277 -, a demandante impugna a factualidade e a valia jurídica dos argumentos expendidos em sede de contestação e de reconvenção e concluindo, ante a improcedência da matéria de excepção e de reconvenção deduzidas, como na sua p. i., bem como pela sua absolvição dos pedidos reconvencional e de condenação por litigância de má fé, contra si deduzidos, e revertendo, ou reivindicando, para si a condenação dos RR., como litigantes de má fé, com o consequente pagamento de indemnização à A/Reconvinda, correspondente ao reembolso das despesas a que os RR. tenham dado causa, incluindo os honorários das suas mandatárias. Por articulado de fls. 283 e segs., vieram os RR./Reconvintes apresentar articulado de tréplica, impugnando diversa factualidade alegada pela parte contrária e pugnando pela improcedência da matéria de excepção deduzida pela A./Reconvinda. Por despacho de fls. 307 foi admitido o pedido reconvencional, com a consequente fixação à causa de adequado valor processual. Dispensada (tacitamente) a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, vindo a afirmar-se a verificação dos pressupostos de validade e regularidades da instância. Procedeu-se à elaboração do elenco dos factos assentes e da base instrutória, de que foi deduzida reclamação por parte dos RR./Reconvintes (cfr. fls. 330 e segs.), julgada esta intempestiva e, assim, indeferida, como consta do despacho de fls. 391 e seg.. Por despacho de fls. 503 foi admitido recurso, de agravo, interposto pela A., mediante requerimento de fls. 418 - recurso esse incidente sobre despacho proferido quanto a requerimento probatório -, com subida diferida e efeito devolutivo, vindo posteriormente, por despacho de fls. 547 e seg., a manter-se o despacho em crise. Tendo prosseguido, por isso, os autos para a fase de julgamento, veio a proceder-se, com observância do legal formalismo, à audiência de discussão e julgamento, como das respectivas actas consta, sendo que no início da audiência vieram ambas as partes apresentar reclamações contra a selecção da matéria de facto (cfr. acta de fls. 599 e segs.), reclamações essas, de cada uma das partes, a que foi dado acolhimento, com a consequente reformulação pelo Tribunal do elenco de factos assentes e base instrutória (pela forma constante da acta de fls. 607 e segs. e do despacho de fls. 621 e segs.). Discutida a causa, foram respondidos, sem qualquer reclamação, os quesitos da base instrutória, pela forma constante de fls. 1158 a 1163., com subsequente rectificação a fls. 1186 a 1188. Proferida decisão veio o tribunal a reconhecer a razão da demandante e, consequentemente, a declarar procedentes os pedidos formulados, e, por contraposição, a julgar improcedente a reconvenção. Do decidido, traz a demandada/reconvinte o presente recurso, inicialmente recebido como apelação – cfr. despacho de fls. 1208 – e posteriormente alterado, por indução do despacho proferido no Tribunal da Relação de Lisboa – cfr. fls. 1355 a 1357 – que anotando o pedido formulado pela apelada nas respectivas contra-alegações – cfr. fls. 1310 – ordenou a remessa do processo à 1.ª instância para que fosse notificada a recorrente para se pronunciar sobre o pedido de que o recurso fosse apreciado como revista com subida per saltum. A ausência de pronúncia conduziu a que o recurso fosse admitido per saltum para este Supremo e, posteriormente admitido como tal. I.2. – Quadro Conclusivo. “a) Por contratos-promessa de 30 de Maio de 2003, os RR. prometeram ceder à A.: (i) as quotas que detinham no capital da "DD, Lda." e (ii) os créditos por suprimentos registados em nome deles naquela sociedade; b) Na mesma data, os RR. renunciaram à gerência da dita sociedade, tendo a A. sido designada para tal cargo; c) As negociações entre a A. e os RR. iniciaram-se no dia 14 de Abril de 2003 (resposta aos quesitos 6.º a 12.º) e a A. foi nelas assessorada por advogada (alíneas HH) e II) da Especificação e resposta ao quesito 17.º); d) No decurso das negociações e em face dos documentos que lhe foram entregues pelos RR., a A. "apercebeu-se" de que o estabelecimento que era objecto mediato do negócio se situava numa zona de concessão, o que a levou a formular perguntas à Ré e a manifestar receio de que a licença não fosse renovada (resposta ao quesito 18.º); e) As respostas obtidas da Ré a propósito da concessão e das possíveis vicissitudes não foram suficientes para tranquilizar a A., que decidiu obter todos os esclarecimentos sobre o assunto junto da entidade concedente, ao tempo o Instituto Portuário do Sul (resposta ao quesito 20.º); f) No Instituto Portuário do Sul encontra-se um exemplar do Projecto de Arranjo da ..., datado de 21 de Março de 2001 (alínea S) da Especificação); g) No dia 24 de Abril de 2003, a A. deslocou-se ao Instituto Portuário do Sul, onde obteve as informações tidas por convenientes, designadamente que a licença é concedida anualmente e que basta requerer a sua renovação dentro do prazo (resposta ao quesito 21.º); h) No acto da outorga dos contratos-promessa, a A. entregou aos RR., para pagamento do sinal - do preço global acordado de € 199.520,00 (alínea E) da Especificação) - o seu cheque n.º ..., sacado sobre a conta n.º ... do Banco ... (alínea J) da Especificação); i) Apresentado a pagamento por duas vezes, o cheque veio a ser devolvido, por falta de provisão, em 3 e 11 de Junho de 2003 (alíneas L) e M) da Especificação); j) Em 7 de Junho, um cliente do estabelecimento que estava a ser adquirido pela A. perguntou-lhe se sabia da existência do projecto de reestruturação do Areal da ... (resposta ao quesito 35.º), tendo a A. nos dias seguintes apurado que é do conhecimento de todas as pessoas da zona a existência de tal projecto; k) Em 10 de Junho de 2003, a Ré disse à A. que se o projecto de reestruturação do Areal da ... estivesse em execução não vendia o estabelecimento comercial, pois o mesmo iria valorizar o negócio (alínea GG) da Especificação); l) O Mmo. Juiz a quo julgou a acção procedente, por provada, perfilhando o entendimento de que os RR. haviam escondido da A. informação relevante e que se ela soubesse desses factos não teria celebrado o negócio, concluindo que a sua vontade estava afectada por erro em que os ora recorrentes a induziram e mantiveram; m) Na, aliás douta, sentença recorrida desconsiderou-se o facto de a A. ter sido assessorada por advogada nas negociações e obliterou-se em absoluto que a aqui apelada se dirigiu ao Instituto Portuário do Sul para obter informações acerca das vicissitudes relevantes atinentes à concessão que era objecto mediato do negócio celebrado entre as partes; n) O contrato prometido era de cessão das quotas de uma sociedade que detinha um bar de praia, por concessão pública, realidade que a A. conhecia perfeitamente quando outorgou o contrato-promessa, não se verificando qualquer erro que haja inquinado a sua vontade de contratar, ou a declaração negocial; o) A A., aqui apelada, não dispunha de meios de fortuna que lhe permitissem pagar aos RR., aqui apelantes, o preço que com eles ajustou, tendo engenhado uma torpe história para justificar o seu incumprimento; p) Nem mesmo para pagamento do sinal a A. logrou obter cobertura para o cheque que para o efeito emitiu; q) Não obstante, a A. manteve-se a explorar o bar, durante um mês, fazendo suas as receitas de caixa, só tendo invocado o pretexto do desconhecimento de que no futuro iria vigorar um plano de reestruturação da praia, quando deixou de conseguir justificar a falta de fundos para pagar o sinal que ajustara com os RR.; r) Ao contrário do que consta da, aliás douta, sentença recorrida, não foram os RR. que não agiram diligentemente na negociação dos contratos, mas a A. que os não cumpriu; s) Devendo os contratos ser pontualmente cumpridos (C.Civil, art. 406.º, n.º 1), a A. estava obrigada a entregar aos RR. o sinal de € 99.520,00, que titulou com cheque sem provisão; t) O incumprimento do contrato-promessa é exclusivamente imputável à A., pelo que têm os RR. a faculdade de exigir dela o pagamento do sinal e de fazê-lo seu, nos termos do preceituado no n.º 2, do art. 442.º do Código Civil; u) O Mmo. Juiz a quo procedeu, na, aliás douta, sentença recorrida, a errada interpretação e aplicação dos arts. 227.º, n.º 1, 251.º, 253.º, n.º 1, 254.º, n.º 1, 406.º, n.º 1 e 442.º, n.º 2, todos do Código Civil.” Em contra-alegações – cfr. fls. 1307 a 1335 – a demandante/recorrida, dessumiu o quadro subsequente que a seguir queda extractado. (…) 6) Inconformados com a douta Decisão proferida, vêm os RR., ora Apelantes, interpor o presente recurso, pugnando pela revogação da decisão proferida, com fundamento na errada interpretação e aplicação dos artigos 227.º, n.º 1, 251.º, 253.º, n.º 1, 254.º, n.º 1, e 442.º, n.º 2, todos do Código Civil. 7) Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões apresentadas - n.º 3 do artigo 684..º e n.º 4 do artigo 690.º do CPC - o presente recurso reconduz-se à análise da decisão de direito, mais concretamente na interpretação e aplicação conjugada, efectuada pelo Tribunal a quo, dos artigos 227.º, n,º1, 251.º, 253.º, n.º1, 254.º, n.º1, 287.º, 289.º, n.º 1, todos do Código Civil. 8) Desde logo, não pode a A. deixar de observar que os RR., quer na exposição, quer nas suas conclusões de recurso, ora alegam factos que não correspondem à matéria dada como provada, ora desvirtuam a mesma, ora tentam descontextualizar os factos dados por provados do seu encadeamento e sequência temporal e, consequentemente, de todo o circunstancialismo que caracterizou a negociação objecto dos presentes autos. 9) Contudo, não têm os RR./Apelantes como ultrapassar a delimitação por si efectuada, ao cingir o presente recurso à análise da matéria de direito, e à interpretação e aplicação do direito à matéria de facto dada como provada, nos seus exactos termos; 10) Desde logo, a alegação dos RR. - al. c) das suas conclusões - de que a A. foi assessorada por advogada desde o início das negociações e ao longo da análise do negócio não corresponde à verdade, nem tal resulta das alíneas da especificação para que remetem (HH) e II)), nem da resposta ao quesito 17.º), que apenas mencionam o envio de documentos com vista à formalização dos contratos. 11) Bem sabem os RR., porquanto tal ficou devidamente provado nos presentes autos, que a intervenção da advogada ocorreu, apenas e tão-só, para a formalização do contrato-promessa, estando já formada a vontade das partes em contratar e as respectivas condições do negócio, não tendo sido objecto de discussão nos presentes autos o teor do mandato conferido à advogada. 12) É, assim, falso que o Tribunal a quo tenha absolutamente obliterado a intervenção de advogado, a relevância dessa intervenção foi devidamente considerada e valorada de acordo com os factos dados como provados (por meio de prova documental e testemunhal) nos presentes autos, e nada mais! 13) A verdade é que a A., nas circunstâncias descritas nos Factos Assentes e matéria de facto provada descrita nos quesitos 1 a 15, 46 e 47 da base instrutória (para os quais se remete e se dão por integralmente reproduzidos), negociou e acordou com os RR. os contratos objecto dos presentes autos, factualidade que foi considerada pelo Tribunal a quo na sua Douta decisão. 14) O explanado pelos RR nas als. d) a g) das suas conclusões está descontextualizado, pois que tais receios, conversações, deslocações e pedidos de informações foram sempre "supervisionados" e "orientados" pelos RR., quer na pessoa da R. BB, quer por terceiro, amiga desta, FF, interlocutora inicial do negócio. 15) Circunstancialismo que decorre da fiel transcrição dos factos assentes alíneas A) a G), e dos factos dados como provados da base instrutória (quesitos 18 a 25 da base instrutória, para os quais se remete e se dão por integralmente reproduzidos) e não da sua alusão parcial. 16) Aliás, foram dados como provados os factos descritos no quesito 21, mais concretamente que foi transmitido à A. que a licença é renovada anualmente e que basta requerer a sua renovação dentro do prazo. 17) Os RR., por si ou por terceiro a pedido destes, não acompanharam a A. com o intuito de consultar o exemplar do aludido projecto (a que se refere a alínea S) da especificação), mas sim para evitar que a mesma obtivesse informação do mesmo, na sequência de eventuais questões colocadas por esta no referido serviço. 18) Para ultrapassar as questões e receios manifestados pela A., os RR. anteciparam o pedido de renovação e respectivo pagamento da licença, alegando que, assim, a A. não tinha mais com que se preocupar! (quesitos 23 e 25 da BI). 19) O Tribunal a quo valorou esse facto, bem como de os RR. terem pleno conhecimento do projecto e consequências financeiras daí decorrentes, como se comprovou por várias notificações aos mesmos, em momento anterior à negociação com a A., por parte das instituições envolvidas - factos assentes alíneas O), P), Q), R), 5), Z) EE), FF), factos dados como provados constantes dos quesitos 43.º, 44.º e 45.º e os factos dados como não provados constantes dos quesitos 48.º, 49.º e 50.º, para os quais se remete e se dão por integralmente reproduzidos. 20) Pese embora os RR. nos presentes autos tenham adoptado uma posição dissonante, ora alegando que o projecto a que se referia a A. ainda não existia, tratava-se de meros rumores, que não tinham conhecimento de nada, ora alegando que se sabia do projecto e se o mesmo estivesse em execução não "vendiam" o negócio. 21) Por sua vez, a referência dos RR. à desconsideração do Tribunal a quo do alegado incumprimento da A., expresso nas alíneas i), o) e p) das suas Conclusões, mais uma vez não tem sustentação na matéria de facto dada como provada nos presentes autos, porquanto; 22) Pese embora numa primeira fase o cheque entregue pela A. tenha sido devolvido por falta de provisão, a situação foi tratada pela instituição bancária, sem qualquer incidente para a A., tendo ficado provado que tal aconteceu por atraso na desmobilização de poupanças da A. - Alíneas H), L) e M) dos Factos Assentes e factos dados como provados constantes da Base Instrutória sob os n.ºs 29.º a 32.º, para os quais se remete e se dão por integralmente reproduzidas. 23) Os RR. não podem continuar a opinar de acordo com as suas meras suposições, têm que entender, face à matéria de facto dada como provada, que a A. tinha fundos e que o cheque seria efectivamente pago, não fosse a mesma ter procedido à respectiva revogação com fundamento em falta ou vício na formação da vontade, na sequência da constatação dos factos que a levaram a renunciar à gerência e consequente entrega das chaves do estabelecimento e à interposição da presente acção, tudo factos dados como provados e constantes das alíneas Z), AA), 88), CC) e DD) dos Factos Assentes e factos dados como provados constantes da base Instrutória sob os n.ºs .º a 32.º, para os quais se remete e se dão por integralmente reproduzidas, 24) Relativamente ao facto constante da alínea q) das Conclusões dos RR., para além de se remeter para o exposto nos artigos 39.º a 42.º das presentes contra-alegações, apenas se dirá que pela primeira vez os RR. fazem referência a "receitas de caixa" (não entregues) durante o mês de gerência da A., sendo matéria de facto nova, eles, sim, obliterando ter ficado provado que a A. procedeu à entrega de tudo que tinha na sua posse até renunciar à gerência - factos dados como provados e constantes das alíneas BB), CC) e DD) dos Factos Assentes. 25) A alínea K) das suas Conclusões, facto dado como provado e que também não escapou à análise do Douto Tribunal a quo, é a demonstração do jogo psicológico utilizado pelos RR. e a prova cabal de que estes efectivamente pretendiam "despachar" o negócio, pois que ficou provada documentalmente nos presentes autos (por junção da certidão comercial da sociedade) a concretização da cessão das quotas dos RR. a terceiro, imagine-se, no momento da concretização das obras de reestruturação e implementação do projecto. 26) Face à matéria de facto dada como provada e não provada nos presentes autos, para a qual se remete e se dá por integralmente reproduzida, decisão de matéria de facto, aliás, não impugnada pelos ora RR., Apelantes, outra não podia ter sido a decisão de direito do Tribunal a quo, a qual reflecte a correcta e objectiva aplicação do Direito aos factos, inexistindo erro de julgamento, senão vejamos; 27) Na sua decisão sobre a matéria de facto o Tribunal a quo considerou como não provados os quesitos 48.º, 49.º e 50.º, ou seja, foi considerado como não provado, por um lado, que os RR. na altura da comunicação do preço do negócio tenham trocado impressões com a A. relativas à possibilidade de, por causa do projecto para a ..., o restaurante poder avançar no areal; por outro, que antes da celebração do contrato-promessa, a R. informou a A. da existência de um eventual projecto de obras para a ... e, ainda, que os RR. apenas tinham conhecimento de eventualidade de um projecto de reestruturação do a real da ..., nada sabendo em concreto relativamente ao mesmo. 28) Dos inúmeros factos cujo ónus da prova recaía sobre a A. e que esta logrou provar, realçam-se os factos assentes sobre as letras N), O), P), Q), S), AA), BB), CC), DD), EE) e FF), bem como os factos dados como provados constantes dos quesitos 22.º, 23.º, 25.º, 29.º a 32.º, 43.º, 44.º e 45.º. 29) Ou seja, a factualidade demonstrada evidencia, igualmente de forma clara, que se a A. tivesse conhecimento da existência do projecto de reestruturação do areal da ... e suas implicações, não teria celebrado com os RR. os contratos objecto dos presentes autos. 30) Bem como que os RR., pese embora tendo conhecimento da existência do referido projecto e suas implicações, não só não informaram a A., como utilizaram de manobras para que a referida informação não chegasse ao seu conhecimento e esta permanecesse em erro. 31) Face à posição das partes nos presentes autos, à prova produzida e matéria de facto dada como provada, respectiva convicção e fundamentação do Tribunal a quo, a fundamentação e decisão final não poderia ser diferente da proferida por aquele Tribunal, sendo manifesto que a referida factualidade é subsumível ao disposto nos artigos 227.º, n.º 1, 251.º, 253.º, n.º 1, 254.º, n.º1, 287.º, 289.º, n.º1, todos do Código Civil. 32) Esteve bem o Tribunal a quo na sua Douta análise da matéria de Direito aplicável aos presentes autos, Douta explanação à qual aderimos.” I.3. – Questões a merecer apreciação. - Contrato Promessa. Responsabilidade pré-negocial (culpa in contrahendo); Anulabilidade. II. FUNDAMENTAÇÃO. II.A. – DE FACTO. II – Os Factos A decisão de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância, mantém-se inalterada para a decisão a proferir neste Supremo, sendo a que, a seguir, queda extractada: “Dos Factos Assentes A) “- A A. contactou com a senhora D. FF, combinando com esta a deslocação da A. a Portimão. B) - Foi, então, dito à A. pela R. BB, que gostava muito do estabelecimento comercial, EE, o qual havia sido feito por ela e seus filhos, com quem trabalhava. C) - A A. questionou a R. sobre a facturação do estabelecimento comercial, tipo de clientela, renda e sobre o valor da referida venda. D) - A A. apresentou a contraproposta no valor de € 174.579,26, tendo a R. dito que tinha de falar com os filhos, sendo que um deles era sócio. E) - A A. aceitou o preço de € 199.519,15. F) - Em 30 de Maio de 2003, sexta-feira, A. e RR. celebraram o contrato promessa de cessão de quotas e o contrato promessa de cessão de créditos, este referente a suprimentos prestados pelos sócios, ora RR., à sociedade. F.1) – Os réus exigiram a entrega de metade do preço como sinal e não aceitaram condicionar a realização do contrato definitivo à concessão de empréstimo bancário à autora. G) - Consta do referido contrato promessa de cessão de quotas, para além do mais, o seguinte: “Considerando que: (...) É intenção da Primeira e Segundo Contraentes ceder à Terceira Contraente as quotas identificadas no considerando b), e intenção da Terceira Contraente adquirir as mencionadas quotas (...). c) Para o efeito a Terceira Contraente solicitou a concessão de financiamento bancário ao Banco ..., agência da Parede. (...) Cláusula segunda. (Preço, condição e forma de pagamento) O preço global da cessão das quotas identificadas na Cláusula Primeira do presente Contrato-Promessa é € 199.520,00 (cento e noventa e nove mil, quinhentos e vinte euros), correspondendo a quantia de € 129.688,00 (cento e vinte e nove mil, seiscentos e oitenta e oito e euros) à quota equivalente a 65% do capital social, de que é titular a Primeira Contraente, e a quantia de € 69.832,00 (sessenta e nove um oitocentos e trinta e dois euros) à quota equivalente a 35% do capital social, de que é titular o Segundo Contraente, que será pago pela Terceira Contraente à Primeira e Segundo Contraentes, nas condições, moldes e prazos aqui previstos: a) € 99.520,00 (noventa e nove mil, quinhentos e vinte euros), com a assinatura do presente contrato, como sinal e princípio de pagamento, servindo o mesmo de quitação; b) O remanescente ao preço, ou seja, a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), será paga pela Terceira Contraente à Primeira e Segundo Contraentes, na data da celebração da escritura definitiva de cessão de quotas objecto do presente contrato. (...) Cláusula Quinta. (Data da Escritura, Notificações e Despesas) 1. A escritura pública de cessão de quotas prevista no presente Contrato será realizada até ao dia 1 do mês de Agosto de 2003, podendo, no entanto, ser o prazo prorrogado por mais trinta dias, devendo, nesse caso, a Terceira Contraente pagar à Primeira e Segundo Contraentes a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros). (...)” H) - A A. entregou aos RR. o cheque n.º ..., sobre a conta n.º ... do Banco ..., no valor de € 99.520,00, para pagamento do sinal. I) - Nessa altura os RR. renunciaram à gerência da sociedade, sendo nomeada gerente a A. e entregue o estabelecimento a esta última. J) - Na mesma data a A. pagou aos RR. o valor de € 2.138,06, por meio de cheque n.º ..., sobre a conta n.º ..., do Banco ..., correspondente ao pedido antecipado de renovação da licença, cuja liquidação foi efectuada pelos RR. em 6 de Maio de 2003. L) - Apresentado a pagamento em 2 de Junho de 2003, o cheque n.º ..., entregue para pagamento do sinal, veio devolvido, em 3 de Junho de 2003, por falta de provisão. M) - Em 11 de Junho de 2003, o mesmo cheque, entretanto depositado, veio novamente devolvido por falta de provisão. N) - A A. comunicou à R. não estar interessada no negócio e que se soubesse do referido projecto e suas consequências nunca teria assinado os contratos promessa. O) - O IPS enviou à sociedade da qual os RR. são os únicos sócios, uma carta datada de 29 de Janeiro de 2001, da qual consta, para além do mais, que: “Mais foi deliberado transmitir que a prorrogação do alvará de 2002 ficará condicionada ao que vier a ser estabelecido no projecto de arranjo de praia em curso, para a ...”. P) - Em 12 de Dezembro de 1999, a Câmara Municipal de Portimão enviou um ofício à R., do qual consta, para além do mais, que: “ASSUNTO: CONSULTA AS ENTIDADES IPS, IPPAR E DRAOTA. PROJECTO DE ALTERAÇÕES DE UM ESTABELECIMENTO MISTO (RESTAURAÇÃO E BEBIDAS) AREAL DA ..., PRÓXIMO DA FORTALEZA SANTA CATARINA – PORTIMÃO. (PROC N°3115/99). Relativamente ao assunto acima mencionado, informo V. Exa., que o mesmo em despacho de 01.08.14, do Sr. Vice – Presidente, foi indeferido nos termos da informação n.º 170/DPGU/OR/01, prestada pelo Sector de Arquitectura e Urbanismo -Divisão de Gestão Urbanística deste Departamento Técnico de Planeamento e Urbanismo, da qual se anexa fotocópia. Junto se envia fotocópia dos pareceres referidos na informação supramencionada.” Q) - Do referido despacho de indeferimento consta, para além do mais, o seguinte: “Não obstante ter um parecer favorável do IPS, possui dois pareceres desfavoráveis do IPAAR e da DRAOTA. Esta última entidade pretende implementar um Projecto-Tipo de arquitectura a ser adoptado pelas várias estruturas localizadas na ..., pelo que o projecto de arquitectura em apreço não reúne as condições necessárias à sua realização.” R) - Do parecer da DRAOTA consta, para além do mais, o seguinte: “Ora o Projecto de Arranjo de Praia acima referido encontra-se a ser desenvolvido por uma equipa projectista, estando essa autarquia a coordenar o mesmo. Igualmente no âmbito da UOP será desenvolvido um Projecto-Tipo de arquitectura a ser adoptado pelas várias estruturas localizadas nesta praia, da responsabilidade destes Serviços, o que já foi transmitido a essa Autarquia.” S) - No I.P.S. encontra-se um exemplar do Projecto de Arranjo da ... – Projecto Base, levado a cabo pela sociedade “GG -Arquitectura e Planeamento, Lda”, datado de 21 de Março de 2001, resultando do mesmo que o estabelecimento em causa nos presentes autos está enquadrado na Unidade Balnear 11 (UB 11), no Acesso 3 e identificado na fotografia 41. T) - Nos dias posteriores ao dia 10 de Junho, a A. apercebeu-se que os clientes assíduos da “casa” deixaram de aparecer, nomeadamente, o Sr. HH e seus amigos. U) - Estes últimos, inclusivamente, tinham reservadas garrafas de whisky do estabelecimento, que iam consumindo, liquidando os respectivos valores no final do mês. V) - Em 15 de Junho, o Sr. HH e outro cliente, seu amigo, compareceram no estabelecimento comercial e liquidaram a conta. X) - O que igualmente veio a acontecer na semana seguinte, a outros dois clientes conhecidos por “X...” e “F…”, igualmente amigos de HH. Z) - Por carta registada com AR, datada de 26 de Junho de 2003, cuja cópia consta de fls. 132/133, a A. comunicou aos RR. que, pelas razões aí invocadas, renunciava às funções de gerente da sociedade Restaurante “DD, Lda.”, e convocou-os para, no dia 30 de Junho, pelas 14 horas, comparecerem no estabelecimento comercial, a fim de proceder à respectiva entrega. AA) – Em 27 de Junho de 2003, a A. revogou o cheque n.º ..., emitido sobre a ..., para pagamento do sinal, com fundamento em falta ou vício na formação da vontade. BB) – Os RR. não compareceram no estabelecimento na data indicada pela A.. CC) – A A. procedeu ao envio das chaves do estabelecimento comercial para a residência dos RR., através de correspondência registada com aviso de recepção. DD) – Em 9 de Julho de 2003, a A. enviou aos RR., por meio de carta registada com aviso de recepção, alguns documentos da sociedade que estavam em sua posse, mais concretamente: Alvará ..., requerimentos da Câmara Municipal de Portimão (relativos ao horário de funcionamento do estabelecimento comercial não preenchidos, mas os quais tinham aposto o carimbo da sociedade), 2 cartões de contribuinte da sociedade, 1 cartão da segurança social, referente à sociedade, 1 cartão do Estabelecimento Comercial “Recheio”, 1 carimbo da sociedade. EE) – Em nome da sociedade “DD, Lda”, a R. entregou no IPTM o requerimento cuja cópia consta de fls. 199. FF) – Ao que o IPTM respondeu por ofício datado de 3 de Julho de 2003, do qual consta, para além do mais, que: “Assim, em tempo oportuno V. Exª. foi notificada através do ofício n.º 01093 de 05/04/01, que a prorrogação do alvará para 2002 ficará condicionada ao que vier a ser estabelecido no Plano de praia para a .... Mais informo que se desconhece as datas estabelecidas para o início das obras a levar a efeito naquela praia.” GG) – Em 10 de Junho de 2003, a ré disse à autora que se o projecto (de reestruturação do areal da ...) estivesse em execução não vendia o estabelecimento comercial, pois o mesmo iria valorizar o negócio. HH) – Em 22 de Abril de 2003, foram enviados, via fax, pela contabilista da sociedade dos réus para o escritório da advogada/mandatária da autora, em conjunto, os documentos referentes ao estatuto social actualizado, certidão comercial actualizada, inventário do estabelecimento comercial, documento do Instituto Portuário do Sul atestando a prorrogação do Alvará de Licença n.º ..., referente ao ano 2002, e respectiva factura, tendo a A. sido informada que a emissão de certidão comprovativa da inexistência de dívidas junto da Segurança Social demoraria algum tempo. II) – Em 28 de Abril de 2003 foram entregues à autora ou à sua advogada/mandatária, para análise, o Balancete do Razão e Balancete Analítico da sociedade, referente a Dezembro de 2002, emitido em 28 de Abril de 2003, bem como cópia certificada do Alvará de Licença n.º ..., cujo pagamento foi efectuado pela A. a pedido da R, não obstante o respectivo recibo ter sido emitido em nome da sociedade “Restaurante DD, Lda”. JJ) – Em 6 de Maio, a R. procedeu ao pagamento da licença e ao levantamento do documento comprovativo da renovação, tendo este sido enviado pela contabilista da sociedade dos réus para o escritório da advogada/mandatária da autora. Das Respostas à Base Instrutória - A A. é emigrante em França, para onde foi residir com 15 anos de idade, permanecendo em Paris desde então até à presente data – resposta ao quesito 1.º. - Durante 36 anos de trabalho, a A. poupou parte dos seus proventos sempre com o objectivo de regressar a Portugal e, aí, investir as suas economias num negócio que lhe provesse o sustento para a sua velhice – resposta ao quesito 2.º. - Nesse sentido, a partir de finais do ano 2002, a A. deslocou-se algumas vezes a Portugal, procurando um negócio para investir – resposta ao quesito 3.º. - Após analisar várias hipóteses de negócio em Lisboa a A. ponderou investir num negócio no Algarve, onde poderia usufruir, igualmente, de alguns meses de descanso – resposta ao quesito 4.º. - Falou, então, com um seu amigo, II, que, por sua vez, lhe indicou uma amiga, FF, segundo o qual tinha muitos conhecimentos no Algarve – resposta ao quesito 5.º. - Em 14.04.2003, a A. e seu companheiro, JJ, deslocaram-se de Lisboa a Portimão, tendo a Sra. D. FF recebido e encaminhado ambos ao Hotel ..., onde estes ficaram instalados durante 2 noites, usufruindo de um desconto no preço, porquanto a Sra. D. FF era conhecida do Hotel – resposta ao quesito 6.º. - De seguida, almoçaram com a referida FF, que lhes falou de um negócio muito bom, mais especificamente de um Restaurante-Bar sito na ..., que tinha já há vários anos uma clientela fixa nos meses de Verão, sendo que nessa época o estabelecimento iniciava a actividade cerca das 10:00 e só encerrava por volta das 04:00/05:00 e durante esse período estava sempre com clientes, motivo pelo qual se revelava necessária a colaboração de funcionários, tendo ainda dito à A. que o estabelecimento era muito conhecido em Portimão e frequentado, quer por locais, quer por pessoas que se deslocam no Verão por motivo de férias, acrescido do facto da A. poder trabalhar seis meses e “folgar” outros seis – resposta ao quesito 7.º. - No final da tarde, FF levou a A. e seu companheiro ao referido estabelecimento comercial, propriedade da sociedade “Restaurante DD, Lda.”, da qual os RR. são os únicos sócios, e que se encontrava encerrado, tendo o filho mais novo da R, KK, levado as chaves do estabelecimento para que a A. observasse o seu interior - resposta ao quesito 8.º. - No mesmo dia, a FF apresentou a A. e o JJ à R, tendo todos jantado num Restaurante, altura em que falaram do negócio – resposta ao quesito 9.º. - A R. BB disse, à A., que pretendia “vender o EE” porque um filho, ora R. CC, agora residia em Lisboa, local onde estava a dar aulas e o outro filho, KK, a partir de Setembro, também iria para a Universidade em Lisboa, pelo que a R. ficava sozinha no estabelecimento – resposta ao quesito 10.º. - Ao que a R. BB reiterou o que havia sido dito pela FF e, consequentemente, pretender € 224.459,05 – resposta ao quesito 11.º. - No dia seguinte, 15.04.2003, pela manhã, a A. e o JJ foram contactados pela FF, que os levou de carro a passear e a ver casas para a A. adquirir, caso ficasse em Portimão – resposta ao quesito 12.º. - À noite, a FF voltou a ir buscar a A. e o JJ ao hotel, tendo-os levado a um restaurante onde jantaram todos juntos com os RR., altura em que estes últimos explicaram todas as vantagens no negócio e prometeram prestar à A. o apoio necessário durante o período de adaptação ao estabelecimento comercial e respectiva clientela, e, após trocarem várias impressões, a R. BB disse que o valor mínimo para o negócio era de € 199.519,15 – resposta ao quesito 13.º. - Em 16.04.2003, a FF foi buscar a A. e o JJ, mais uma vez para passearem, almoçando todos juntos com a R., que manifestou a intenção de realizar a escritura de cessão de quotas com a maior brevidade possível, tendo a A. comunicado à R. que precisava de tratar de alguns assuntos com o Banco e que seriam necessários todos os documentos do negócio para se efectuar o contrato, ao que a R. respondeu que ela própria e a contabilista enviariam todos os documentos necessários – resposta ao quesito 14.º. - Na altura, foi ainda dito pela FF que talvez fosse conveniente que a abertura do estabelecimento na época balnear, que estava próxima, se efectuasse já pela A., para que os clientes se habituassem à nova proprietária desde o início da referida época, opinião com a qual A. e R. concordaram – resposta ao quesito 15.º. - O documento 1 junto com a p. i. foi enviado por fax à mandatária da A. em 22 de Abril de 2003 (pacto social, certidão comercial, inventário 2003 e o termo de prorrogação de alvará do ano de 2002) - resposta ao quesito 17.º. - Os Docs. 2 e 3 juntos com a p. i. (o balancete de razão e o alvará de licença n.º ...) foram entregues pela R. BB à A. em 28 de Abril de 2003 – resposta ao quesito 17.º-A. - Durante a recolha dos documentos entregues pelos RR., a A., apercebendo-se que o estabelecimento se localiza numa zona de concessão, solicitou esclarecimentos à R., manifestando algum receio da licença não vir a ser renovada – resposta ao quesito 18.º. - A R. e a FF disseram-lhe que nada tinha a temer, que tal licença era sempre renovada, que há anos que o estabelecimento comercial ali estava sem que tivesse havido qualquer problema com a concessão e a referida licença – resposta ao quesito 19.º. - A A. informou a R. que iria ao Instituto Portuário do Sul, para obter todos os esclarecimentos que necessitava relativamente à licença e à concessão de que o EE era titular – resposta ao quesito 20.º. - Em 24 de Abril, a A. deslocou-se ao I.P.S., acompanhada pela referida FF, onde foi informada, por uma funcionária de nome LL, que a licença é concedida anualmente e que basta requerer a sua renovação dentro do prazo – resposta ao quesito 21.º. - Em 28 de Abril, a R. deslocou-se, na companhia da A., ao IPS, e levantou a cópia da licença – resposta ao quesito 22.º. - Face à preocupação da A. relativamente à precariedade da concessão, a R. resolveu antecipar o pagamento da referida licença, efectuando o pagamento em Maio, quando o mesmo só se efectuaria em Novembro, alegando que, assim, a A. não tinha mais com que se preocupar – resposta ao quesito 23.º. - A confirmação da renovação da licença e a constatação de que a mesma vinha sendo renovada de alguns anos a esta parte, serenaram a A. – resposta ao quesito 25.º. - Constatando que o montante do crédito solicitado pela A. ao Banco ... não lhe fora concedido, a R. pressionou a A. para realizar a escritura pública de cessão de quotas, alegando ter outra pessoa interessada no negócio e que não iria esperar mais – resposta ao quesito 26.º. - A A. aceitou formalizar o negócio, mas através de contrato promessa, porquanto não tinha disponível a totalidade do preço – resposta ao quesito 28.º. - No dia 3 de Junho de 2003, a A. teve conhecimento que as contas poupança não haviam sido resgatadas, pelo que o cheque emitido para pagamento do sinal não tinha provisão – resposta ao quesito 29.º. - De imediato contactou os RR., esclarecendo-os da situação e dizendo que iria resolver o assunto com o Banco o mais rapidamente possível – resposta ao quesito 30.º. - O que fez em 4 de Junho, apresentando ao banco ... as requisições de resgate da conta poupança n.º ..., designada “Rendimento Platina” e de venda de 72000 unidades do produto designado por “Super Poupança Crescente 2004” – resposta ao quesito 31.º. - Operação bancária que se revelou lenta, tendo em 11 de Junho sido desmobilizados € 64.367,36, referentes ao produto designado “Super Poupança Crescente 2004”, aguardando a A. que fossem creditados na sua conta os valores referentes ao produto designado por “Rendimento Platina” – resposta ao quesito 32.º. - Durante esse período, a A. recebeu diversos telefonemas diários da R., tendo prestado todas as informações que ia recebendo por parte da Instituição Bancária – resposta ao quesito 33.º. - Em 5 de Junho, a A. falou do negócio em curso com os RR. a um casal amigo que reencontrara e tinha um estabelecimento comercial em Portimão, MM, tendo-a estes questionado se sabia do Projecto para o Areal da ..., ao que a A. respondeu negativamente - resposta ao quesito 34.º. - Em 7 de Junho, no estabelecimento comercial, um dos clientes antigos da “casa”, o Sr. HH, perguntou à A. e ao seu companheiro se sabiam do projecto de reestruturação do Areal da ..., e se a R. lhe havia dito o que estava projectado, ao que a A. responde negativamente, questionando-o sobre o que se tratava – resposta ao quesito 35.º. - Surpreendido, o referido cliente esclareceu a A. que existia um projecto de reestruturação da ..., que era do conhecimento de todas as pessoas da zona e manifestou a sua indignação pelo facto de tal informação não lhe ter sido transmitida pelos sócios da sociedade EE, Lda. – resposta ao quesito 36.º. - Nos dias seguintes e na sequência de tal informação, a A. confrontou os comerciantes do Areal da ..., que foram todos unânimes, reconhecendo existir o referido projecto, que era do conhecimento de todos os comerciantes e dos locais de Portimão – resposta ao quesito 37.º. - Mais esclareceram a A. que o referido projecto pressupunha a demolição dos estabelecimentos existentes e a reconstrução de novos estabelecimentos, posicionados de forma diversa daquela em que se encontram, sendo que tais obras ficariam a cargo dos respectivos comerciantes – resposta ao quesito 38.º. - E, ainda, que as demolições e reconstruções estavam já a ser executadas na Praia do Vau, onde alguns comerciantes haviam investido cerca de € 150.000,00, com tais alterações e obras – resposta ao quesito 39.º. - Com as informações obtidas, a A. e seu companheiro chamaram a R, BB, ao estabelecimento comercial – resposta ao quesito 40.º. - A A. obteve, ainda, informações da DRAOTA no sentido de que a conclusão do Projecto-Tipo está prevista ainda para o ano de 2003, altura em que será enviado um exemplar aos proprietários, com prazos para o respectivo cumprimento – resposta ao quesito 43.º. - Os RR., tendo conhecimento do Projecto-Tipo em curso e da sua execução a curto prazo, e não tendo obtido parecer favorável da Câmara Municipal de Portimão para as referidas obras de alteração do estabelecimento, recearam a imposição de obras mais caras do que as que lá pretendiam implementar – resposta ao quesito 44.º. - Receio, esse, reforçado à medida que foi sendo divulgado entre os comerciantes da ... os valores investidos pelos comerciantes na Praia do Vau, cujo projecto de reestruturação estava já em execução – resposta ao quesito 45.º. - O R. CC possui formação académica e a R. BB possui a experiência de 20 anos de vendedora no ramo imobiliário – resposta ao quesito 47.º. II.B. – O Direito. II.B.1. – Contrato Promessa. Responsabilidade pré-negocial (culpa in contrahendo); Anulabilidade. A problemática da responsabilidade pré-negocial, [[1]] como os autores preferem designar a responsabilidade na formação e condução das negociações preliminares à perfectibilização dos contratos irrompeu na doutrina europeia em 1861, na construção de Jhering ao constatar que é passível de indemnização aquele que tendo confiado na legalidade e validade de um contrato, verifica que este resulta nulo e lhe produz prejuízos. Terá sido, no entanto o jurista italiano Faggela [[2]] que, tomando como base os estudos de Jhering, [[3]] terá levado mais longe o tratamento dos preliminares ou abordagens prévias dos contratos, classificando como responsabilidade pré-contratual os tratativos ou negociações iniciais. [[4]] O Professor Mota Pinto, autor que tomamos como referência na abordagem à questão axial que encetamos, estima que o “iter negocial” deve ser dividido em dois períodos ou fases: “a) uma fase negociatória que vai desde o inicio das negociações até à formulação da proposta do contrato; e b) uma fase decisória integrada por duas declarações de vontade.” [[5]] Abordando, em seguida a questão da segurança jurídica e a necessidade de preservar e salvaguardar aquilo que designa como fundamento teleológico da relação pré-negocial, “o interesse público na segurança jurídica”, este Preclaro Mestre estima que este interesse exige “a confiança das partes na aparência duma dada eficácia negocial, presente e futura. Procura evitar-se que elas sejam enganadas pelo significado objectivo dos termos do negócio e das circunstâncias concomitantes.” São duas as formas que poderão obstar a que ocorra um logro ou engano na formação e perfuração de uma relação negocial, ou pré-negocial, a saber: “a) informando-a com exactidão sobre os factos essenciais para a determinação da sua vontade negocial; b) omitindo proposições ou informações inexactas sobre factos essenciais”, a que corresponderiam, na esteira de Hildebrandt, um dever de informação (Anzeigepflicht) e um dever de verdade (Wahrheipflicht). São, em resumo, para este autor, duas as obrigações que devem estar presentes e presidir a uma ajustada e correcta formação e consumação ou decisão de uma relação contratual: a) obrigação de informar; [[6]] b) obrigação de verdade. [[7]] Almeida Costa “reconduz o fundamento do instituto à tutela da confiança que o lesado mantém na boa fé da contraparte (surgindo aqui a boa fé em sentido subjectivo). (…) [e] aponta como requisitos da responsabilidade i) a existência de negociações tendo em vista a celebração de um contrato (esteja ou não sujeito a forma), ii) a existência de uma base objectiva de confiança na contraparte, gerada, nomeadamente, (mas não só) pela circunstância de o negócio se ter realizado “de facto”, e iii) a recusa em continuar as negociações sem um motivo justificado (ruptura ilegítima).” [[8]] Já Menezes Cordeiro, “entende que o art. 227.º, cobre todas as áreas de aplicação da c.i.c. (culpa in contrahendo): abrange deveres de informação e de lealdade. Dentro destes últimos, distingue deveres de sigilo, de cuidado (a conduta das partes deve pautar-se tendo em vista o escopo do contrato; não devem ser adoptadas condutas que ponham em causa o interesse das partes) e da actuação consequente (traduzidos na imposição de não romper arbitrariamente as negociações, excepto se a outra parte fora avisada na natureza precária das mesmas). A boa fé objectiva do art. 227.º teria como vectores fundamentais a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente: pelo primeiro, impede-se que a conduta de uma das partes frustre a confiança que a outra depositou na rectidão da respectiva conduta; pela segunda, evita-se que a conduta “retire às negociações o seu sentido substancial profundo de busca de um consenso na formação de um contrato válido, apto a prosseguir o escopo que em termos de normalidade, as partes lhe atribuam (…) a c.i.c. permite controlar o conteúdo do contrato, face a inutilidades, desequilíbrios e injustiças.” [[9]/[10]] Municiados com os impressivos e esclarecedores elementos doutrinais adiantados, importa recolocar a questão que vem posta em tela de juízo. Vem adquirido que autora e réus celebraram dois contratos promessa, um de cessão de quotas e outro de cessão de créditos, tendo como objecto a aquisição das participações sociais de que os demandados eram detentores numa sociedade exploradora de um restaurante-bar denominado “DD, Lda.”, sito na ..., em Portimão. O motivo fundante da ruptura do contrato promessa ancora-se numa quebra do dever de informação que a demandante assaca aos demandados, elementos esses que teriam sido esterilizadores da vontade de celebrar o contrato e de encetar negociações preliminares, sequer, para a cessão das quotas dos demandados sobre o mencionado restaurante-bar. A omissão do dever de informação e de cabal esclarecimento da situação que rodeava a continuidade do restaurante-bar no local onde estava instalado fez com que a demandante tivesse formado uma vontade de negociar completamente errónea e desfasada da realidade quanto ao objecto do negócio pretendido concretizar. Ao não prestarem todos os esclarecimentos e informações de que já eram possuidores relativas a alterações da estrutura do local onde estava instalado o estabelecimento comercial e que modificava, radicalmente, o espaço e a própria subsistência do estabelecimento os demandados criaram uma falsa representação da realidade sobre que o negócio se realizaria, induzindo uma distorcida e fictícia situação ou estado do conspecto integrador e envolvente do estabelecimento. Ocorreu uma mistificação da realidade que frustrou a confiança e a expectativa com que a demandante formou a sua vontade negocial geradora ou propiciadora e que a ser conhecida, na sua total a lata amplitude, impediria a autora de realizar ou sequer iniciar as negociações. Por comodidade (funcional) tomamos de empréstimo – com algumas adaptações e aprimoramentos – a exegese factual assumida na decisão recorrida. - “(…) A. e RR. estabeleceram entre si negociações, as quais vieram a desembocar na celebração dos contratos promessa dos autos. - (…) para o estabelecimento em causa se encontravam em vigor ao tempo daqueles contratos as licenças administrativas necessárias, tratando-se de estabelecimento situado em zona de concessão, sendo detentor de licença de ocupação, a qual foi até renovada para o ano seguinte. - (…) apurou-se que o IPS enviou à sociedade da qual os RR. são os únicos sócios, uma carta datada de Janeiro de 2001, da qual consta que foi deliberado transmitir que a prorrogação do alvará de 2002 ficará condicionada ao que vier a ser estabelecido no projecto de arranjo de praia em curso, para a .... - (…) em Dezembro de 1999, a Câmara Municipal de Portimão tinha enviado um ofício à R., atinente ao PROJECTO DE ALTERAÇÕES DE UM ESTABELECIMENTO MISTO (RESTAURAÇÃO E BEBIDAS) AREAL DA ..., PRÓXIMO DA FORTALEZA SANTA CATARINA - PORTIMÃO, explicitando que tal projecto, por despacho de 01.08.14, foi indeferido, pois que, não obstante ter um parecer favorável do IPS, possui dois pareceres desfavoráveis do IPAAR e da DRAOTA, pretendendo esta última entidade “implementar um Projecto-Tipo de arquitectura a ser adoptado pelas várias estruturas localizadas na ..., pelo que o projecto de arquitectura em apreço não reúne as condições necessárias à sua realização.” - (…) o IPTM respondeu a pedido de informação da sociedade de que os RR. são sócios, por ofício de 3 de Julho de 2003, que, em tempo oportuno, a requerente havia sido notificada, através do ofício n.º 01093, de 05/04/01, “que a prorrogação do alvará para 2002 ficará condicionada ao que vier a ser estabelecido no Plano de praia para a ...”, mais informando “que se desconhece as datas estabelecidas para o início das obras a levar a efeito naquela praia”. - (…) durante a recolha dos documentos entregues pelos RR., em pleno processo (pré-)negocial), a A. apercebeu-se que o estabelecimento se localiza numa zona de concessão, tendo solicitado esclarecimentos à R, e manifestando algum receio de a licença não viesse a ser renovada. - (…) a R. (e terceiro, a aludida FF) disse que nada tinha a temer, que tal licença era sempre renovada, que há anos que o estabelecimento comercial ali estava sem que tivesse havido qualquer problema com a concessão e a referida licença. - A A. informou mesmo a R. que iria ao Instituto Portuário do Sul, para obter todos os esclarecimentos que necessitava relativamente à licença e à concessão de que o EE era titular, sendo que, em 28 de Abril, a R se deslocou, na companhia da A., ao IPS e levantou a cópia da licença. - Face à preocupação da A. relativamente à precariedade da concessão, a R resolveu antecipar o pagamento da referida licença, efectuando o pagamento em Maio, referindo que, assim, a A. não tinha mais com que se preocupar, sendo que a confirmação da renovação da licença e a constatação de que a mesma vinha sendo renovada de alguns anos a esta parte serenaram a A.. - (…) após a celebração dos contratos promessa veio a A. a saber, designadamente por comerciantes locais, da existência de condicionamentos à actividade que pretendia exercer no estabelecimento na dita zona concessionada. - (…) obteve informações da DRAOTA no sentido de a conclusão do Projecto-Tipo estar prevista ainda para o ano de 2003, altura em que seria enviado um exemplar aos proprietários, com prazos para o respectivo cumprimento. - (….) os RR., tendo conhecimento do Projecto-Tipo em curso e da sua execução a curto prazo, e não tendo obtido parecer favorável da Câmara Municipal de Portimão para as referidas obras de alteração do estabelecimento, recearam a imposição de obras mais caras do que as que lá pretendiam implementar. - Receio esse que ficou reforçado à medida que foi sendo divulgado entre os comerciantes da ... os valores investidos pelos comerciantes na Praia do Vau, cujo projecto de reestruturação estava já em execução.” Para além da exegese extractada, convém para um completo enquadramento do ambiente em que se estabeleceram as vontades de contratar, aludir às conversações preliminares, á criação de um ambiente propiciador, induzido por uma pessoa – FF – que alvitrou, sugeriu e apresentou o negócio à demandante e companheiro, os embaimentos relativos à clientela e ao dilatado horário de funcionamento do estabelecimento, o que fazia previsionar pingues réditos financeiros e vultuosas margens de lucro. Os factos, denotativos de um ambiente favorável e desanuviado de dificuldades ou entraves que permitissem a realização de um bom negócio, são evidenciadores de uma quebra de confiança que o direito não pode deixar de proteger, sob pena de ficarem frustrados os princípios da boa fé e da confiança que regem, soberanamente, para o sinalagma contratual e para um clima de rectidão, probidade e verdade que devem estar presentes no estabelecimento de relações negociais livres e desertas de entorses e inquinamentos deformadores da formação de uma vontade despojada de vícios. A doutrina inoculada no artigo 227.º do Código Civil vale para todo o tipo de negócios jurídicos, sendo as suas injunções normativas e juslegais aplicáveis não só aos contratos tout court como aos contratos promessa, em que a vontade é dirigida para a realização de um contrato definitivo que assume os contornos do contrato promessa. Pela promessa, os potenciais contraentes comprometem-se a, dentro dos limites e para os fins para que projectam a sua vontade de concretização de um negócio jurídico, a concretizar um negócio com o conteúdo similar ou totalmente igual ao contrato promessa. “[Mediante] o contrato-promessa, os contraentes preparam e garantem o contrato definitivo, o contrato final, que não podem ou não querem firmar de momento (…). Em suma: o contrato-promessa é um verdadeiro contrato, distinto do negócio subsequente, em qualquer caso um contrato preliminar ou preparatório do negócio definitivo, um contrato de segurança ou de garantia do negócio prometido.” [[11]] “O objecto típico, característico, da promessa bilateral de venda, é constituído pelo negócio que as partes se obrigam reciprocamente a realizar, traduzindo-se concretamente, para cada uma delas, na declaração de vontade (facere) que um e outro dos contraentes prometem emitir. O objecto do contrato promessa, tal como a lei portuguesa o concebe, é assim constituído pelas declarações de vontade que as partes prometem trocar, no futuro, entre si.” [[12]] Tratando-se de um contrato preliminar ou reparatório do negócio definitivo, á formação e negociações preliminares aplicam-se as mesmas regras e injunções normativas que regem para o contrato prometido ou definitivo, notadamente, as regras de boa fé, confiança e tutela das expectativas que devem estar presentes na formação e concreção de qualquer relação contratual. Resulta, assim, invadeável e inafastável a aplicação das injunções normativas e de princípio plasmadas no artigo 227.º do Código Civil. O art. 227.º do Código Civil, consagrando a responsabilidade pré-contratual, visa proteger a boa fé dos próprios contraentes, na medida em que na concretização de um negócio jurídico conleva e uma relação de confiança que colhe justificação na “realização fáctica do negócio, i.e., pela realização das prestações a cargo das partes, sendo sobretudo relevante que aquele que vem, mais tarde, colocar em causa a irregularidade da situação haja já realizado a prestação que lhe cabia. Exige-se um investimento de confiança por parte daquele que acreditou na situação criada pela contraparte. Tal investimento de confiança resulta, normalmente, de actuações onerosas que a parte confiante leva a cabo, no pressuposto e na crença (justificável) de que a situação gerada não será abalada pela circunstância de se não conformar com o ius strictum.” [[13]/[14]] “No período pré-contratual a boa fé objectiva [[15]] tem vectores fundamentais da tutela da confiança. Assim, em primeiro lugar, impede que a conduta de uma das partes frustre a confiança que a outra depositou na rectidão da respectiva conduta e, por outra, evita que a conduta ocasione uma retirada das negociações, posto que a formação contratual busca um consenso no nascimento dum contrato válido, apto para o direito, e de acordo com as mútuas expectativas das partes, de tal forma que a confiança permite controlar o nascimento e o conteúdo do contrato frente aos desequilíbrios e injustiças. O direito deve proteger as expectativas das partes quando são legítimas, quer dizer, não simples exercícios mentais de uma das partes, mas sim razoáveis e fiáveis, de modo que um contratante médio do sector do tráfico a que pertença o contrato concreto, em virtude da sua natureza e das circunstâncias, contaria que elas são vinculantes, ainda que não se haja concluído o negócio. A protecção da aparência é um requisito de reconhecida procedência europeia, e radica no amparo que a jurisprudência reconhece à existência objectiva de uma situação (que apesar de que não corresponde à realidade ou querido com o actuado ou manifestado), que tem consequências de igualdade jurídica entre a aparência e a realidade. Esta unidade que se dá dentro do universo da confiança manifesta-se com uma imposição de uma obrigação de indemnizar o lesado, dever que coloca aquele que confiou numa posição jurídica correspondente às expectativas que alimentou, ainda que nos casos em que não existe conclusão contratual. O contratante que não tenha previsto de forma negligente ou dolosa aquelas consequências inerentes ao tipo de negócio adiantado, comporta-se contra o direito e lesa interesses do outro extremo negocial, obrando de forma antijurídica. Deve-se proteger a confiança, dado que o fundamento da dita protecção se encontra nas circunstâncias actuais do tráfico moderno, as quais demandam uma tutela da circulação da riqueza, segura e rápida, situação que objectiva as regras de conduta fundadas na necessidade de um mando judicial na função económico-social da acção de autonomia privada e, por conseguinte, na demanda de proteger o contratante mais débil, aquele que confiou num comportamento coerente e correcto. Para a valoração e a procedência da teoria da aparência eficaz devem examinar-se todos os factos que tiveram importância na relação contratual, todas as circunstancias que de forma reconhecível tenham intervindo na actividade recíproca das partes, orientada para a formação e conclusão do contrato.” [[16]] A demandante tinha estado emigrada em França e tencionava aplicar as suas economias, num negócio, que lhe aportasse algum rendimento e de que pudesse desfrutar. Os demandados eram pessoas afeitas ao negócio e que conheciam perfeitamente as condições em que exploravam o estabelecimento comercial e os projectos e planos que os organismos públicos projectavam para o local onde o estabelecimento de restaurante-bar estava sediado. Era, do ponto da vista da boa fé contratual, exigível aos demandantes, em vista das condições conhecidas e que os diversos organismos já lhe haviam transmitido, dar conhecimento à demandante dos possíveis, futuros, constrangimentos que iriam condicionar a manutenção e continuidade do estabelecimento. Com o conhecimento que possuíam dos planos que os diversos organismos estatais projectavam para a reformulação do espaço onde o restaurante-bar se encontrava sediado, estavam os demandados compelidos pela lisura e lhaneza de procedimentos, probidade de carácter, arrimo à verdade e penhor de confiança a transmitir todas essas informações á demandante, para que ela na posse de toda a informação pudesse formar completa e cm total conhecimento de todas as circunstâncias, factores influentes e performativos que, como projectado, viriam a acontecer no espaço onde o restaurante estava sediado. Torna-se incontroverso que a demandante investiu na concretização do negócio, tendo pago a licença, e acabou por tomar conhecimento por terceiras pessoas dos condicionalismos planeados e projectado para o local e das eventuais alterações que se iriam operar no local transformadores do conspecto fisionómico que o lugar detinha ao tempo em que o contrato-promessa se realizou. Não iliba, ou sequer atenua, a falta ou culpa dos demandados o facto de a demandante ter sido assistida nas negociações que antecederam a formalização do contrato, por alguém com conhecimentos jurídicos. Como acima, se procurou adiantar, nas relações contratuais vale a boa fé dos respectivos contraentes e não a possível influência que terceiros venham a ter na formação dos preliminares do negócio. É sobre os contraentes que impende o dever de assumpção de uma conduta isenta e liberta de elementos desviantes e viciadores da vontade da contraparte. A existência de uma assessoria jurídica não releva para efeitos do que deve ser o comportamento das partes na contratação e nas negociações, nomeadamente, porque existem elementos que escapam a quem tem por “mandato” executar ou conformar, de acordo com o direito e a lei, o que as partes querem. Não está no âmbito de uma assessoria jurídica informar-se das circunstâncias e detalhes que não lhe queiram ser transmitidos pelas partes, nomeadamente, não é cabível nas funções de um mandatário indagar para além do que for estritamente necessário a uma correcta formulação/formalização do contrato. As concretas circunstâncias e a materialidade que subjaz ao negócio, desde que não sejam contrários á lei, não estão, normalmente, na alçada do assessor jurídico e escapam ao escrutínio e ao crivo da sua curiosidade e apetência de indagação. A conduta dos demandados tornou-se, em face das circunstâncias, injustificado e merecedor de censura do direito, por violação do principio da boa fé, e desvio reprovável da omissão do dever prestar à demandada todas as informações de que eram possuidores relativamente aos planos e projectos que iriam afectar no futuro o espaço onde estava instalado e sediado o estabelecimento de restaurante-bar cujas quotas haviam prometido ceder. É, pois, justificável o pedido de anulabilidade dos contrato promessas, como foi decidido pela decisão recorrida. III. – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Negar a revista. - Condenar os demandados nas custas.
Lisboa, 12 de Março de 2013
Gabriel Catarino (Relator) António Joaquim Piçarra Sebastião Póvoas _________________________ [14] “Tratando-se de proteger expectativas, ligadas aos termos e circunstâncias negociais, portanto a elementos apresentados pela contraparte ou com a colaboração desta, compreende-se que a forma jurídica de protecção dessas expectativas seja um direito dirigido ao outro sujeito de negociações, com o dever especial correlativo, impendendo sobre este último.” - Cfr. - Mota Pinto. In op.loc. cit. pág. 153. |