Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ÁLVARO RODRIGUES | ||
| Descritores: | MÚTUO GARANTIA DE CRÉDITO RESERVA DE PROPRIEDADE | ||
| Nº do Documento: | SJ | ||
| Data do Acordão: | 03/31/2011 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Indicações Eventuais: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES DIREITO BANCÁRIO - CONTRATOS DE CRÉDITO AO CONSUMO | ||
| Área Temática: | - ANTUNES VARELA, "DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL", 2ª EDIÇÃO, VOL. I, P. 423. - FERNANDO AUGUSTO CUNHA DE SÁ, "ABUSO DO DIREITO", ALMEDINA 1955-2005, P.455-457. - FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, "CONTRATOS DE CRÉDITO AO CONSUMO", ALMEDINA, P. 304-309. - JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, "DO ABUSO DE DIREITO", ALMEDINA, P.55. - MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA E COSTA, CITANDO MANUEL DE ANDRADE, IN "DIREITO DAS OBRIGAÇÕES", 6ª EDIÇÃO, PAG.65. - STELA MARCOS DE ALMEIDA NEVES BARBAS, IN C.J., ACÓRDÃOS DO STJ, ANO II, TOMO II, P. 14-19. - VAZ SERRA, IN B.M.J., Nº85, P. 253. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, Nº1, 272.º, 275.º, Nº2, 239.º, 286.º, 334.º, 405.º, 408.º, Nº1, 409.º, Nº1, 437.º, Nº1, 762.º, 589.º E 590.º, NºS 1 E 2, 591.º, NºS 1 E 2. DL Nº 359/91, DE 21-9: - ARTIGOS 2.º, Nº1, A), 6.º, NºS1 E 3, AL. F), 7.º, NºS1, 2 E 4. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 27-09-2007, PROCESSO Nº 07B2212; -DE 02-10-2007, PROCESSO Nº07A2680; -DE 19-07-2008; -DE 18-12-2008, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ; -DE 31-03-2009, IN WWW.DGSI.PT/JSTJ; -DE 07-01-2010, IN WWW.DGSI.PT. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA: -DE 23/11/1999, IN WWW.DGSI.PT/JTRC . | ||
| Sumário : | I- Só quando o vendedor do bem em prestações (alienante) é simultaneamente o financiador da sua aquisição por outrem faz sentido que no respectivo contrato de crédito ou mútuo se inclua e mencione a cláusula da reserva de propriedade, se acordada pelos contraentes. De contrário, se não é o proprietário do bem que vende, nada poderá transmitir ( “nemo plus iuris ad alium transferre postest quam ipse habet”), e também, por nada ter e nada poder transmitir, nada poderá reservar sob condição. II-É sempre o efeito de uma aquisição derivada de quem é dono e aliena que permite a este subordinar a transferência do direito de propriedade (que normalmente se dá por simples efeito do contrato – Artº 408º, nº1) do bem à verificação da condição suspensiva do pagamento integral do preço, pela inserção da cláusula da reserva de propriedade, que representa para si uma garantia de cumprimento. III-A situação do mutuante/financiador quanto a possíveis garantias do seu crédito, é idêntica, aliás (ressalvadas as diferenças que decorrem de uma mais rápida degradação, tanto do valor dos bens como da sua conservação material), à das entidades bancárias que concedem crédito à habitação; não incluem a seu favor cláusulas de reserva de propriedade nos respectivos contratos de mútuo porque não são as alienantes do imóvel financiado, mas constituem outras garantias do seu crédito, reais ou pessoais (hipoteca, fiança, etc.), que também se podem usar no crédito para aquisição de veículo automóvel – cfr, entre outros, e com mais esclarecida desenvoltura, Fernando de Gravato Morais, in “Contratos de Crédito Ao Consumo”, Almedina, pag. 304-309. IV- Por outro lado, não decorre da aludida conexão de interesses, também só por si, que o mutuante/financiador fique sub-rogado nos direitos do vendedor ou do devedor, pois que a vontade de sub-rogar tem que ser expressa ( artºs 589º e 590º, nºs 1 e 2, do CC), e no caso de ser o devedor a sub-rogar o terceiro que lhe emprestou o dinheiro para cumprir o contrato, terá que a declaração além de ser expressa constar do documento do empréstimo ( Artº 591º, nºs 1 e 2, do CC). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: RELATÓRIO AA – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A, com sede na Rua .................., nº..., em Lisboa, intentou acção declarativa, ordinária, contra BB, residente na Quinta .............., ..... .....º, S. João de Ver, pedindo se declare a resolução do contrato de crédito que juntou e, em consequência, se condene a Ré a restituir-lhe o auto-ligeiro, da marca Opel-Corsa, matrícula 00-00-00, com o cancelamento do registo deste averbado em nome da Ré. Alegou, em síntese, que no âmbito da sua actividade celebrou com a Ré, em 09/12/2003, um contrato de crédito que teve por objecto o financiamento de € 9.000,00, destinado à aquisição, pela Ré, daquela viatura automóvel matrícula 00-00-00, tendo constituído a seu favor reserva de propriedade sobre tal veículo; como a Ré não pagou parte da 9ª prestação, nem as 10ª a 14ª prestações, enviou-lhe, em 26/02/2005, carta registada com a/r, concedendo-lhe um prazo suplementar de 8 dias para proceder à sua liquidação sob pena de, não o fazendo, a mora se converter em incumprimento definitivo, não tendo a Ré, apesar disso, pago nem lhe feito a entrega do veículo; intentou uma providência cautelar de apreensão dessa viatura, que foi decretada em 09/09/2005. Contestando, a Ré alegou a excepção de incompetência relativa em razão do território, defendendo que a competência cabe ao Tribunal da Comarca do Porto, impugnou a factualidade da petição inicial e concluiu pela procedência daquela excepção, e, sempre, pela improcedência da acção. Proferido o despacho saneador, em que se julgou improcedente a referida excepção de incompetência relativa, e elaborados os elencos da matéria de facto assente e da base instrutória, a acção prosseguiu a sua normal tramitação, vindo a realizar-se a audiência de julgamento, com resposta à base instrutória a fls.321-322, e a proferir-se sentença, que, julgando a acção parcialmente procedente, declarou “ resolvido o contrato de crédito celebrado em 9 de Dezembro de 2003, entre aquela ( autora) e a ré”, tendo absolvido a mesma ré “da restante parte do peticionado, ou seja, do pedido de condenação na restituição do veículo de marca “Opel”, modelo “Corsa”, com a matrícula 00-00-00 e do pedido de cancelamento do registo averbado, sobre a mesma viatura, a favor da mesma ré”. No seguimento dos recursos de apelação que tanto a Autora como a Ré interpuseram, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 06-05-2010, julgando improcedente a apelação da Ré, e procedente a apelação da Autora, condenou aquela a restituir o veículo de marca Opel, modelo Corsa, com a matrícula 00-00-00 à Autora “AA” e ordenou o cancelamento do registo averbado em nome da Ré. Irresignada, a Ré interpôs recurso de Revista, formulando as seguintes: CONCLUSÕES A - No contrato de mútuo celebrado e em análise nestes autos, não foi fornecida à ré consumidora cópia do contrato, nem aquando da sua assinatura. nem posteriormente. B - No caso de não ser entregue um exemplar/cópia devidamente preenchido do contrato ao consumidor no momento da assinatura, o contrato de crédito é nulo, pois é obrigatório e essencial para a validade do negócio. C - Violou a recorrida o dever de comunicação e informação, D -- Gerou a recorrida a nulidade do contrato. E- Impediu uma informação atempada e completa de todas as condições do contrato. F - Nulidade é invocável a todo o tempo e é insanável. G - A recorrida provocou a nulidade do contrato com o seu comportamento e coarctou direitos fundamentais ao consumidor pelo que não pode ver premiado esse seu comportamento lesivo desses direitos, validando - se - lhe o negócio. H - É patente a desigualdade de meios entre o fornecedor do bem e o consumidor, e ao actuar como actuou, a recorrida. prevalecendo-se de superioridade negocial em relação a quem recorreu ao credito, infringiu em termos censuráveis, os deveres de cooperação, de lealdade e informação, em suma, os princípios da boa fé. I - Confirmar negócio nulo, ou impedir a invocação de nulidade do mesmo pelo consumidor o que objectivamente tem o mesmo resultado, vem legitimar futuros procedimentos irregulares e ilegais deixando o consumidor desprotegido e à mercê do arbítrio do fornecedor/vendedor. J - Poderá o outorgante incumpridor confiar que uma nulidade invocável a todo o tempo, a final não o é. L - Violou o douto acórdão em crise o disposto nos artigos 6 do D.L.. 359/91 de 21.9, 286º, 288º a contrario sensu e 294º todos do C. Civil M - A recorrida é a mutuante no contrato de crédito. N - Não era à data do negócio proprietária do veículo, nem resulta do contrato de credito em causa que tenha sido subrogada nos direitos desse proprietário ( o vendedor da compra e venda) ante o pagamento do preço que fez a este ultimo. O - O artigo 409º do C. Civil não consente que se incluam na sua previsão os contratos de mutuo mesmo quando conexionados com um contrato de compra e venda do bem financiado. P -É invalida, por legalmente inadmissível, a clausula de reserva de propriedade estabelecida a favor do financiador da aquisição de veiculo automóvel quando não comunga da qualidade de vendedor ( Ac do STJ de l0.07.2008). Q - Violou o douto acórdão em crise o disposto no artigo 409 do C.Civil. Foram apresentadas contra-alegações, pugnando a parte contrária pela manutenção do decidido. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal. FUNDAMENTOS Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade: 1 - A autora é uma sociedade comercial sob a forma anónima, cujo objecto é a actividade de locação financeira e a actividade de financiamento de aquisições a credito, nomeadamente de veículos automóveis ( alínea A). 2 - No âmbito da sua actividade celebrou com a ré, no dia 9/12/2003, o contrato n° ......, cuja cópia consta de fls. 124 e 125 dos autos (resposta ao art. 1da B I). 3 - A ré apôs a sua assinatura no documento cuja cópia consta de fls. 124-125 dos autos (alínea B). 4 O referido contrato teve como objecto um financiamento de € 9.000,00 (resposta ao artº. 2 B I ). 5 - Do valor de € 9.000,00, € 8.696,00 respeitam ao preço de venda do veículo automóvel marca "Opel" , modelo "Corsa", com a matricula 00-00-00, declarado pelo Stand fornecedor e pela ré à autora e que foi transferido para a conta titulada pelo primeiro; € 254,00 respeitam a encargos administrativos e fiscais e € 50.00 respeitam a despesas de legalização (resposta ao quesito 3 da BI). 6 - O preço ajustado entre a ré e o Stand fornecedor para a viatura foi de € 7.780,01 (resposta ao art. 10 BI). 7 - Como condição de celebração do referido contrato e como garantia do seu bom cumprimento, foi exigido pela autora à ré a constituição de reserva de propriedade a seu favor sobre o mencionado veículo (resposta ao art. 4 BI). . 8 - Na Conservatória do Registo Automóvel encontra-se registado, relativamente ao veículo de matrícula 00-00-00, que a propriedade está registada a favor da ré, existindo encargo de reserva, de que é sujeito activo a ora autora e passivo a ré, nos termos que constam do documento que se encontra a fls. 45 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido (alínea C). 9- Por força do referido contrato a ré assumiu, entre outras obrigações, a de pagar à autora uma prestação mensal no montante de €200,96, por um período de 72 meses (resposta ao art. 5 BI). 10 - Imediatamente antes da assinatura da ré, com título "declarações do cliente" consta escrito no documento cuja cópia se encontra a fls.124-125 dos autos, nomeadamente que: "O cliente declara conhecer todas as condições e cláusulas do presente contrato de crédito sobre as quais foi devidamente informado, tanto por lhe ter sido dado a ler, como por lhe ter sido fornecida cópia do mesmo, composto pelas presentes condições particulares e pelas condições Gerais constantes do verso ou do anexo ao presente documento ( alínea F). 11 – A ré efectuou o pagamento das quantias € 1.026,16 em 3/6/2004 e € 1.375,90 em 27/9/2004 para amortização dos valores vencidos, não tendo, contudo, pago, na sua totalidade, a prestação nº9, vencida em 8/9/2004, nem pago as seguintes : nº10 vencida em 8/10/2004; nº11 vencida em 8/11/2004: nº12 vencida em 8/12/2004; nº13 vencida em 8/1/2005 e nº14 vencida em 8/2/2005(resposta aos quesitos 6 e 13 BI). 12 - A autora remeteu à ré que a recepcionou - com data de 26/2/2005, a carta cuja cópia consta de fls. 46 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, dela constando, nomeadamente, escrito o seguinte: “ (…) Assunto: Contrato de Crédito nº ...... Cliente nº 3, 503, 700 Exm(s) Senhor(es), Em relação ao contrato em epígrafe, encontra(m)-se vencido (s) os valor(es) a seguir descriminado(s): (…) A contar da data de recepção desta carta, vimos ainda conceder um prazo suplementar de oito (8) dias úteis para que proceda(m) à liquidação da (s) importância(s) em atraso, acrescida(s) dos juros de mora contratuais, no total de € 1.292,86. Se, decorrido tal prazo, o pagamento ora solicitado não se encontrar efectuado, o contrato considera-se automaticamente resolvido, com as legais e convencionais consequências (…) ( alínea D). 13 - A ré não procedeu à entrega da viatura da : marca "Opel", modelo "Corsa", com a matrícula 00-00-00 à autora, a qual intentou providencia cautelar com vista à apreensão da referida viatura, que correu termos sob o nº 4275/05. 2TVLSB, pela 1ª Secção da 5ª Vara Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa e que, presentemente, constituiu o apenso A aos presentes autos ( alínea E). 14 - A ré nunca reclamou dos valores contabilizados na carta referida no nº13 supra ( resposta ao art. 15 BI). 15 – Em 9/9/2005, foi ordenada a apreensão do veículo automóvel, marca Opel Corsa, matrícula 00-00-00 e respectivos documentos. 16 – A Apreensão foi efectuada em 15/2/2006. Emergem das conclusões alegatórias da Recorrente – únicas que, inexistindo matéria de conhecimento oficioso, definem o objecto e o âmbito do recurso ( artºs 684º, 684º-A, 690º e 726º, do Código de Proc. Civil, na redacção aplicável, anterior à concedida pelo DL nº 303/2007, de 24/08) – as seguintes questões: a) – Dizer se o contrato de mútuo celebrado é nulo por não estar provado que à Recorrente, como consumidora, tenha sido entregue um exemplar/cópia do contrato, ou se – como decidiu o Acórdão recorrido – a Ré-Recorrente está a agir com abuso do direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, que obsta a que se declare essa nulidade; b) – Dizer, por fim, se tendo, no caso, sido constituída reserva de propriedade a favor da Autora como financiadora/mutuante, para aquisição de um veículo automóvel, pode esta, em caso de incumprimento da mutuária/financiada, pedir a restituição do veículo, bem como ser-lhe reconhecido o direito ao cancelamento do registo averbado na Conservatória do Registo Automóvel. a) – Da invocada nulidade do mútuo por falta da entrega de um exemplar/cópia do contrato, e do declarado abuso do direito: Enquanto na 1ª Instância se havia julgado provado (pela resposta ao nº12º da base instrutória) que a Autora (financiadora) entregara à Ré (mutuária-compradora do veículo) cópia do contrato de mútuo, no seguimento da apreciação da impugnação da matéria de facto na apelação a Relação veio a alterar essa resposta ao quesito, julgando tal matéria não provada. Em face disso, ficou-se sem saber, se foi ou não entregue à Ré cópia de tal contrato. Estando nós inquestionavelmente perante um contrato de crédito ao consumo, tal como o define o Artº 2º, nº1, a), do DL nº 359/91, de 21/9 (aqui aplicável), como sendo “ ...o contrato por meio do qual um credor concede ou promete conceder a um consumidor um crédito sob a forma de diferimento de pagamento, mútuo, utilização de cartões de crédito ou qualquer outro acordo de financiamento semelhante”, e tendo a Ré invocado a nulidade do contrato de crédito por não lhe ter sido entregue a cópia dele, a Autora tem, na presente acção, o ónus de provar que deu cumprimento ao disposto no nº1 do Artº 6º daquele mesmo diploma legal, que torna obrigatória a entrega de um exemplar ao consumidor no momento da respectiva assinatura, e comina de nulo, pelo seu Artº 7º, nº1, o contrato de crédito em que essa disciplina não haja sido observada, sendo que essa inobservância se presume imputável ao credor, e a nulidade só pode ser invocada pelo consumidor, de harmonia com o nº 4 deste mesmo Artº 7º. Estando preenchida, no caso, a facticidade integradora dessa nulidade, por ausência de demonstração da parte da Autora de que fizera a entrega da referida cópia, entendeu, porém, a Relação – no seguimento do que veio a contra-alegar a mesma Autora – que estando provado que a Ré pagou as primeiras oito prestações do preço, que usufruiu e utilizou a viatura até 15/2/2006 (durante mais de dois anos), tirando assim partido do financiamento que lhe foi efectuado sem jamais haver notícia de ter reclamado a entrega de qualquer cópia ou a prestação de qualquer outro esclarecimento, mesmo em relação aos valores em dívida contidos na carta que lhe foi endereçada em 26/02/2005, demonstra agora, com a invocação da nulidade do contrato, um comportamento contrário à conduta que vinha tendo – instigadora da confiança na Autora de que o contrato seria válido e eficazmente cumprido – que atenta manifestamente contra as regras da boa fé, num claro “venire contra factum proprium”, a tornar abusivo, e inoperante, o exercício do direito de agora invocar a nulidade do contrato com esse fundamento ( falta da entrega da cópia do contrato). Não é outro – afirma-se desde já – o nosso entendimento sobre esta questão, pelas razões que iremos expor. Efectivamente, os factos demonstram que o ajuizado contrato escrito se mostra assinado pela Ré ( a fls....) e que antes dessa assinatura, sob a epígrafe de “declarações do cliente”, consta escrito que “ O cliente declara conhecer todas as condições e cláusulas do presente contrato de crédito sobre as quais foi devidamente informado, tanto por lhe ter sido dado a ler, como por lhe ter sido fornecida cópia do mesmo, composto pelas presentes condições particulares e pelas condições Gerais constantes do verso ou do anexo ao presente documento”- cfr alínea F dos factos assentes. Apesar desta inscrição, não resulta dela a razoável certeza, como é óbvio, de que a cópia do contrato tenha sido entregue à Ré consumidora. Os dizeres escritos do impresso de contratos de adesão – como este – contém, por via de regra, a enunciação resumida do que deve ser a normatividade a observar pelos contraentes, que poderá ter sido ou não concretamente observada. E também não será porque entre a data da assinatura do contrato e a do seu incumprimento já transcorreu significativo período de tempo que, só por isso, a alegada nulidade do contrato não deve ser declarada, pois a nulidade é invocável a todo o tempo (Artº 286º do Código Civil). Se o legislador pretendesse a sanação do vício pelo decurso do tempo tê-lo-ia provavelmente sancionado com a anulabilidade, como o fez nos casos previstos no nº2 do Artº 7º do citado DL nº 359/91, e bem se observa no recente Acórdão deste Tribunal, de 07-01-2010, in www.dgsi.pt. Já é relevante, sim, que durante todo esse tempo, que no caso dos autos foi de mais de dois anos, a Ré jamais tenha solicitado à Autora cópia do contrato ou qualquer outra informação sobre o seu clausulado, nem mesmo quando esta por carta de 26-02-2005 lhe reclamou os valores em dívida. Com esta conduta, ao mesmo tempo que foi pagando as prestações sem efectuar qualquer reclamação e foi utilizando o veículo financiado, não deixou a Ré, aos olhos de quem se reja pelos normais princípios de ética jurídica, de instigar um sentimento de confiança na Autora de que o contrato celebrado era regular e eficaz e que da sua parte o iria cumprir. Vir só agora, na contestação da acção, depois de se atrasar no pagamento das prestações do contrato, invocar a falta da entrega da respectiva cópia ou exemplar e a correspondente nulidade, como se durante todo este tempo (mais de dois anos) andasse enganada sobre os seus direitos de consumidora, sem dúvida que representa uma atitude de abrupta e flagrante contradição com o comportamento que vinha tendo, instigador de objectiva confiança – um “Venire contra factum proprium”. É suposto que no sistema jurídico vigente os valores subjacentes a qualquer norma do direito positivo e os efeitos aí previstos consequentes a determinada conduta humana que a infrinja sejam os que se impõe a todos respeitar, por na sua origem já se pressupor a realização dos valores ético-jurídicos acolhidos pela comunidade, entre outros, o da justiça, da certeza e da segurança. Por isso é que só em circunstâncias concretas de manifesta relevância objectiva, contrária, na prática, a estes valores e aos da honestidade e lealdade, se permite neutralizar a eficácia de tais normas, como são as que protegem o consumidor e o autorizam a invocar a nulidade dos contratos de crédito ao consumo. É para situações como essas que deverá funcionar o chamado instituto ou figura do “abuso do direito”, que entre nós tem a sua enunciação no Artº 334º do Código Civil – “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Sempre que a conduta do titular do direito se mostre, no caso concreto, gravemente chocante e reprovável para o sentimento ético-jurídico prevalecente na colectividade, deverá considerar-se abusivo o exercício desse direito, não obstante quer a existência quer o seu exercício terem abstracta previsão legal – cfr. Prof. Mário Júlio de Almeida e Costa, citando Manuel de Andrade, in “Direito das Obrigações”, 6ª Edição, pag.65. Pode dizer-se, de um modo geral – como observa Vaz Serra, in Bol. Ministério da Justiça nº85, pag. 253 – que “…há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante; e a consequência é a de o titular do direito ser tratado como se não tivesse tal direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito extracontratual”. Para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade – Prof. Antunes Varela, “Das Obrigações Em geral”, 2ª Edição, Vol. I, pag. 423 – que ainda são os da probidade, lealdade e sinceridade. A boa fé, que – como escreve Jorge Manuel Coutinho de Abreu, in “Do Abuso de Direito”, Almedina, pag.55 – num primeiro sentido corresponderá a um estado ou situação de espírito, que se traduz no convencimento da licitude de certo comportamento ou na ignorância da sua ilicitude (um estado de consciência), num segundo sentido já se apresenta como princípio (normativo e/ ou geral de direito) de actuação. Neste último sentido, que fundamentalmente releva para o instituto em análise, consistirá no comportamento humano que se caracteriza pela observância e cultura da probidade, da vida honesta, verdadeira e leal no relacionamento entre as pessoas. Ela é o contrário do embuste, da perfídia, da mentira e da traição. A boa fé é um princípio cuja observância se pressupõe e aflora em todo o ordenamento contratual, e não só – artºs 272º, 275º, nº2, 239º, 334º, 437º, nº1, e 762º, do Código Civil – tendo em vista a realização plena e harmoniosa dos interesses privatísticos coenvolvidos. À actuação dos intervenientes deverá estar sempre subjacente um espírito de lealdade e cooperação, tanto na formação como ao longo da “vida” do contrato. A boa fé é – no expressivo dizer de Stela Marcos de Almeida Neves Barbas, in Col. Jur., Acórdãos do STJ, Ano II, Tomo II, pag. 14-19 – “ um ar que circula em toda a vida do contrato”. Por isso vem sendo aceite de forma generalizada que uma das mais evidentes manifestações do abuso do direito está no “venire contra factum proprium”; ou seja, no assumir, ainda que a coberto de uma estrutura legal (que lhe confere, porventura, um direito de agir), conduta contrária à que anteriormente se teve para com outrem, instigadora de uma relação de confiança segundo os princípios da boa fé, que a esse outrem nada faria crer se viesse a romper com a invocação e o exercício do direito. Se essa conduta contraditória for de tal forma chocante e defraudadora do sentimento de confiança anteriormente gerado pela conduta de quem exerce o direito, haverá abuso do direito. Abusa-se do direito (abusa-se da estrutura formal desse direito), quando numa certa e determinada situação concreta se coloca essa estrutura ao serviço de um valor diverso ou oposto do fundamento axiológico que lhe está imanente ou que lhe é interno. É que “ não basta que a estrutura do comportamento material do sujeito (o titular do direito subjectivo, por exemplo,) seja, formalmente, a estrutura do que é juridicamente possível ou admissível em termos de certo direito subjectivo; há que fazer coincidir a materialidade de tal comportamento ou situação com o fundamento axiológico-jurídico do direito subjectivo em causa, exactamente por que forma ou estrutura e valor constituem e integram uma única intenção normativa” – Fernando Augusto Cunha de Sá, in “Abuso do Direito”, Almedina 1955-2005, pag.455-457. O “abuso do direito” é, assim, visto como uma “válvula de segurança” ou “válvula de escape” do sistema jurídico que repele resultados inaceitáveis (pense-se, no caso, na consequente restituição à Ré pela Autora de todas as importâncias que recebera a título de preço, e na contra-restituição da viatura, com mais de dois anos de uso e certamente muito desvalorizada economicamente) por violarem as mais elementares regras da convivência social – da boa fé, dos bons costumes e do fim social e económico do direito em causa – cfr, entre outros, ainda, Ac. Relação de Coimbra, de 23/11/1999, e Ac. S.T.J. de 31/03/2009, ambos in, respectivamente, www.dgsi.pt/jtrc e www.dgsi.pt/jstj. A proibição do venire, “tem – escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-12-2008, também in www.dgsi.pt/jstj – antes de mais, como pressuposto, uma situação objectiva de confiança, uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é idónea a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de certa maneira, e exige a boa fé da contraparte que confiou” (sublinhado nosso). Ora, a situação objectiva, denunciadora da confiança que poderá ter suscitado na Autora, teve como seu sujeito activo exclusivo a conduta da Ré, inicialmente descrita, e não consta que da parte da Autora se possa contrapor conduta lesiva dos princípios da boa fé, de modo que só lhe era expectável que a demandada, mantendo a coerência com o seu anterior procedimento, continuasse a cumprir o contrato e não invocasse a sua nulidade. Assim, não nos merece censura, quanto a este aspecto, o Acórdão recorrido, que considerou que a Ré agiu com abuso do direito e, na sequência, não declarou a nulidade do contrato de crédito. Improcede, consequentemente, a primeira das enunciadas questões. b) – Da reserva de propriedade constituída a favor da Autora, e da possibilidade de esta, como financiadora/mutuante da aquisição da viatura em causa, poder pedir ou não a sua restituição bem como o reconhecimento do direito ao cancelamento do registo averbado na Conservatória do Registo Automóvel em nome da Ré (consumidora/financiada): Neste aspecto, as Instâncias não estiveram, claramente, de acordo. Enquanto a 1ª Instância considerou que a cláusula de reserva de propriedade sobre o identificado veículo a favor da Autora como simples financiadora era nula por contrariar a disciplina do Artº 409º, nº1, do Código Civil, que só permite a constituição da reserva da propriedade nos contratos de alienação do respectivo direito (e o contrato de mútuo, como o celebrado pela Autora, não constitui uma alienação), julgando, na sequência, improcedente o pedido de condenação na restituição do veículo bem como o pedido de cancelamento do respectivo registo averbado a favor da Ré (financiada/consumidora), já a Relação julgou procedentes estes pedidos, tendo considerado válida a cláusula de reserva da propriedade a favor da mutuante “AA”, por existir uma ligação funcional entre o contrato de mútuo, cujo objecto é o preço a pagar pelo mutuário ao vendedor do veículo e o contrato de compra e venda do veículo. Defende-se, neste Acórdão recorrido, para tanto, uma interpretação actualista do Artº 409º do Código Civil, de molde a que esta comporte a constituição da reserva da propriedade sempre que haja conexão entre o contrato de mútuo a prestações e o contrato de compra e venda do veículo automóvel, porquanto a finalidade última do contrato de mútuo é a de assegurar o pagamento da coisa ao seu alienante, como entendem que acontece neste caso; a expressão “alienante” constante do artº 409º do CC tem de entender-se – afirma – como extensiva ao contrato de mútuo conexo com o contrato de compra e venda e cujo cumprimento esteve na origem da reserva de propriedade, até porque se o devedor cumprir com dinheiro ou outra coisa fungível emprestado por terceiro pode subrogá-lo nos direitos do credor (art. 591º do CCF), sem consentimento do credor e dependendo somente de declaração expressa, no documento do empréstimo, de que a coisa se destina ao cumprimento da obrigação e de que o mutuante fica sub-rogado nos direitos do credor. Em suma: continua em equação, no caso sub judice, saber se num contrato de financiamento para aquisição de bens (mútuo), tendo sido constituída reserva de propriedade a favor do financiador/mutuante, em caso de incumprimento, este pode pedir a restituição do veículo, bem como ser-lhe reconhecido o direito ao cancelamento do registo averbado na Conservatória do Registo Automóvel a favor do mutuário/comprador desse veículo. A jurisprudência, principalmente a nível de 2ª Instância, tem estado dividida sobre a solução a dar a esta questão, como o reconhecem as Instâncias. No Supremo Tribunal de Justiça, porém, tem vindo a prevalecer, sobretudo nesta 2ª Secção Cível – com particular destaque para o Acórdão de 19-07-2008 (em que foi Relator o Exmº Conselheiro Santos Bernardino) – o entendimento de que uma tal cláusula de reserva de propriedade a favor do simples financiador/mutuante é nula, por ser legalmente impossível e dado que contraria a disciplina substantiva do Artº 409º, nº1, do Código Civil, que somente a admite nos contratos de alienação a favor do alienante ( “ 1. Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro evento”). Porque continuamos a concordar, inteiramente, com os fundamentos do citado acórdão desta Secção Cível, a par do que também sustentaram alguns outros anteriores acórdãos deste Supremo Tribunal – v.g. , entre outros, os de 27-09-2007 (Revista nº 07B2212) e de 02-10-2007 (proc. nº07A2680) – iremos seguir aqui, embora com menor explanação e sempre com o máximo respeito pela argumentação adversa, nomeadamente a do douto Acórdão recorrido, a doutrina aí perfilhada. Não se ignora que o DL nº 359/91, de 21 de Setembro, que regula a concessão de crédito ao consumo (aplicável ao caso), inclui, sob o seu Artº 6º, nº3, al. f), no elenco dos requisitos a que deve obedecer o contrato de crédito para financiamento da aquisição de bens ou serviços mediante o pagamento em prestações, a menção do “acordo sobre a reserva de propriedade” – disposição esta que, de tão sóbria e generalizante, é, a nosso ver, e fundamentalmente, a responsável não só por que na Conservatória do Registo Automóvel se tenha passado a averbar uma tal cláusula de reserva de propriedade a favor do simples financiador/mutuante independentemente de ele ser ou não também o vendedor (alienante), como pela divergência jurisprudencial a que já se aludiu. Todavia, é sabido que na interpretação das leis o julgador se não pode cingir à letra da lei e tem que ter em conta, além do mais, a unidade do sistema jurídico (com a sua harmonia institutiva e conceitual), em que estão incluídos os demais institutos legais, como o previsto no citado Artº 409º, nº1, quanto à reserva da propriedade – artº 9º, nº1, do CC – o que, tal como bem se salienta no referido Acórdão de 19-07-2008, nos leva a concluir que só quando o vendedor do bem em prestações (alienante) é simultaneamente o financiador da sua aquisição por outrem faz sentido que no respectivo contrato de crédito ou mútuo se inclua e mencione a cláusula da reserva de propriedade, se acordada pelos contraentes. De contrário, se não é o proprietário do bem que vende, nada poderá transmitir ( “nemo plus iuris in alium transferre postest quam ipse habet”), e também, por nada ter e nada poder transmitir, nada poderá reservar sob condição. É sempre o efeito de uma aquisição derivada de quem é dono e aliena que permite a este subordinar a transferência do direito de propriedade (que normalmente se dá por simples efeito do contrato – Artº 408º, nº1) do bem à verificação da condição suspensiva do pagamento integral do preço, pela inserção da cláusula da reserva de propriedade, que representa para si uma garantia de cumprimento. Reconhece-se que o recurso ao crédito ao consumo, cada vez mais em uso, tem a virtualidade de aproximar interessadamente o vendedor, o financiador e o consumidor, pela afinidade das suas pretensões, que logram maior possibilidade de se concretizarem através da contribuição de cada um deles, maxime a do financiador, pela prontidão com que pode colocar o valor ou preço do bem logo ao alcance do vendedor (como está provado que aconteceu no caso dos autos) e assim também permite que o consumidor adquira imediatamente o bem, que doutro modo, à míngua de recursos financeiros, o não poderia fazer. Contudo, esta realidade, de alguma conexão de interesses, não permite, só por si, e pelos motivos já expostos, se subverta, porventura a coberto do princípio da liberdade contratual ( Artº 405º do CC), o alcance e a clara definição do instituto da reserva de propriedade, para o estender, como garantia de cumprimento do contrato de mútuo, à protecção do credor como simples financiador. É que a liberdade de contratar há-de também conter-se “dentro dos limites da lei”, como expressamente o estabelece o referido Artº 405º, limites esses que, pelas razões já expostas, são as do citado Artº 409º, que o DL nº 359/91, de 21/9 (destinado, essencialmente, a proteger o consumidor – cfr suas nota preambulares) nem expressa, nem tacitamente, põe em causa. A situação do mutuante/financiador para este efeito, quanto a possíveis garantias do seu crédito, é idêntica, aliás (ressalvadas as diferenças que decorrem de uma mais rápida degradação, tanto do valor dos bens como da sua conservação material), à das entidades bancárias que concedem crédito à habitação; não incluem a seu favor cláusulas de reserva de propriedade nos respectivos contratos de mútuo porque não são as alienantes do imóvel financiado, mas constituem outras garantias do seu crédito, reais ou pessoais (hipoteca, fiança, etc.), que também se podem usar no crédito para aquisição de veículo automóvel – cfr, entre outros, e com mais esclarecida desenvoltura, Fernando de Gravato Morais, in “Contratos de Crédito Ao Consumo”, Almedina, pag. 304-309. Por outro lado, não decorre da aludida conexão de interesses, também só por si, que o mutuante/financiador fique sub-rogado nos direitos do vendedor ou do devedor, pois que a vontade de sub-rogar tem que ser expressa ( artºs 589º e 590º, nºs 1 e 2, do CC), e no caso de ser o devedor a sub-rogar o terceiro que lhe emprestou o dinheiro para cumprir o contrato, terá que a declaração além de ser expressa constar do documento do empréstimo ( Artº 591º, nºs 1 e 2, do CC). Fazendo recair, mais incisivamente, a nossa atenção sobre o documento escrito que titula, no caso dos autos, o contrato de financiamento a crédito (pag. 124-125), vemos que nenhuma declaração sub-rogatória dele consta, nem os factos provados, acima transcritos, permitem, sequer, supor que foi essa a vontade das partes, tanto mais que para efectuar o registo da aquisição do veículo em nome da Recorrente (consumidora) – que se mantém e a faz presumir proprietária dele (cfr certidão de fls, emitida pela Conservatória do Reg. Automóvel de Lisboa) – esta necessitou da colaboração do vendedor, que lhe transmitiu a propriedade e lhe cedeu os elementos identificadores da viatura (livrete), sem quaisquer outros condicionalismos, porventura ligados à entidade financiadora. Não há, pois, no caso concreto, motivos acrescidos ou específicos para fazer cancelar o averbamento a favor da Recorrente e ordenar a restituição da viatura em causa, sendo aqui, ao invés, de manter toda a restante fundamentação jurídica do citado Acórdão deste Tribunal, de 19-07-2008, nomeadamente quanto à invocada interpretação actualista do Artº 409º do Código Civil, que por razões de brevidade evitamos reproduzir, com o que se impõe conceder Revista e revogar, nesta parte, o Acórdão recorrido, repondo, em toda a linha, a sentença da 1ª Instância. DECISÃO Face a tudo quanto exposto fica, acorda-se em conceder a Revista, revogando-se o Acórdão recorrido e mantendo-se, em consequência, a sentença da 1ª Instância. Custas pela Recorrida. Processado e revisto pelo Relator. Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 31 de Março de 2011 Álvaro Rodrigues (Relator) Bettencourt de Faria Pereira da Silva |