Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 6ª. SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA OLINDA GARCIA | ||
| Descritores: | REFORMA DE ACÓRDÃO LAPSO MANIFESTO QUALIFICAÇÃO JURÍDICA REGIME APLICÁVEL EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL | ||
| Data do Acordão: | 05/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
| Decisão: | RECLAMAÇÃO INDEFERIDA | ||
| Sumário : | A Reforma da decisão, prevista no artigo 616º, n.º 2, alínea a) do CPC é um mecanismo que visa a correção de lapso manifesto do julgador (não sendo a decisão suscetível de recurso), quando tal se revela em erro (manifesto) na determinação de norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, claramente apreensível por meio de simples análise objetiva. Não se trata, portanto, de um meio para o reclamante expressar o seu desacordo com o modo como o acórdão reclamado aplicou o direito, pois o poder jurisdicional encontra-se já esgotado (artigo 613.º do CPC). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça 1. C..., S.A.” veio pedir a reforma do acórdão proferido por este coletivo, em 13.02.2025, invocando o disposto no artigo 616.º, n.º 2, alínea a) do CPC. Alega o reclamante que o acórdão reclamado teria incorrido em lapso de qualificação jurídica do facto provado n.º 31 (da matéria de facto), dado que, face à pendência da ação n.º .....21, não se poderia afirmar existir uma decisão transitada em julgado sobre a validade das deliberações tomadas em 05.07.2021. 2. Os reclamados responderam, sustentando que o pedido de reforma devia ser rejeitado, por não assistir razão ao reclamante. Cabe apreciar em Conferência. 3. Esgotado o poder jurisdicional (nos termos do artigo 613.º do CPC) com a prolação de um acórdão do STJ, decisão por natureza irrecorrível, é ainda possível haver Reforma dessa decisão, quando se verifique alguma das hipóteses previstas no artigo 616º do CPC (aplicável ex vi dos artigos 666.º e 679.º). No que releva para o presente caso, dispõe o artigo 616.º, n.º 2 do CPC: «Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.» 4. Vejamos como a jurisprudência do STJ tem aplicado esta norma, considerando (exemplificativamente) o que se sumariou nos seguintes arestos (todos publicados no site www.dgsi.pt): - Acórdão do STJ de 14.01.2025 (relator Luís Correia de Mendonça), no processo n.º 460/20.3T8AVR-K.P2.S1 «Não pode a reclamante, por via do pedido de reforma do acórdão, obter o que este remédio não lhe pode dar: a reapreciação do julgado.» -Acórdão do STJ, de 14.11.2024 (relatora Maria de Deus Correia), no processo n.º 166/20.3YHLSB.L2.S1 «O pedido de reforma da sentença ou do acórdão previsto no art.º 616.º n.º 2 do CPC não pode ser usado como se fosse um grau de recurso, pela parte inconformada pela decisão, expressando através do mesmo, a sua discordância em relação a esta.» - Acórdão do STJ, de 17.09.2024 (relatora Rosário Gonçalves), no processo n.º 1295/18.9T8PVZ.P1.S1 «A reforma do art. 616º, nº 2, do CPC não pode ser usada como se fosse um grau de recurso ao dispor da parte inconformada para expressar a sua discordância relativamente à solução jurídica que não lhe foi favorável.» - Acórdão do STJ de 16.01.2024 (relatora Maria Olinda Garcia), no processo n.º 644/17.1T8STR-D.E1.S1 «A reforma do acórdão do STJ, nos termos do artigo 616º, n.º 2 do CPC (ex vi dos artigos 666º e 679º do CPC) é uma faculdade excecional só admissível em hipóteses de lapso manifesto, ou seja, de falha ostensiva na valoração de um meio de prova plena ou do direito aplicável, como, por exemplo, quando se aplica legislação revogada. Não é, portanto, mais um grau de recurso ao dispor da parte descontente para expressar a sua discordância com a solução jurídica que não lhe foi (total ou parcialmente) favorável.» 5. Concluiu-se, à luz desta jurisprudência, que a reclamação não é o meio próprio para o reclamante manifestar a sua discordância quanto ao modo como o acórdão reclamado valorou a factualidade provada e aplicou o direito. Concretamente quanto às hipóteses previstas no artigo 616º, n.º 2, a reclamação constitui um mecanismo de correção de falhas inequívocas, objetivamente reveladas, e com influência no sentido decisório. Não está, sequer, em causa a correção de todo e qualquer lapso que uma decisão possa apresentar e que não influencia em termos significativos o seu sentido. 6. O que estava em causa no acórdão recorrido era a apreciação da regularidade das deliberações tomadas pela assembleia geral da ré-recorrente em 28.03.2022, e não, obviamente, da deliberação de 05.07.2021. Tratou-se de saber se as deliberações tomadas em 28.03.2022 teriam feito errada aplicação das normas que regulam a renovação de deliberações sociais – artigo 62.º CSC, bem como do artigo 347.º, n.º 6 do CSC e do artigo 7.º dos seus Estatutos, bem como das regras sobre o impedimento da caducidade - artigo 331.º, n.º 1 do CC. O acórdão reclamado tomou em consideração, além da restante factualidade assente, o que consta dos factos provados números 28, 29 e 30, respeitantes ao processo n.º .....21, que decretou suspensas e anuláveis as decisões tomadas em 05.07.2021. Obviamente que (tal como acontece com qualquer decisão), enquanto não existir uma nova decisão que contrarie, em definitivo, o que consta daquela factualidade, esta decisão produz efeitos na ordem jurídica. Acresce que a ação a que respeita o facto provado n.º 31 não condicionou o desenvolvimento dos presentes autos, pois não existiu qualquer suspensão da presente instância até ao desfecho dessa ação. Ao entender que este facto condicionaria o juízo sobre a aplicação das regras da caducidade nos presentes autos, porque não existiria ainda um juízo definitivo sobre a normatividade da deliberação de 05.07.2021, o que o reclamante expressa é a sua discordância quanto ao sentido como a factualidade provada foi valorada e o direito foi aplicado. Não se trata, portanto, de qualquer errada qualificação dos factos. 7. Em resumo, não existe fundamento para a reforma do acórdão reclamado, por não se verificar qualquer erro manifesto, tendo tal acórdão procedido à aplicação das normas legais pertinentes no quadro da específica factualidade provada. * Decisão: Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada pelo recorrente. Custas pelo reclamante-recorrente, que se fixam em 1 UCs (artigo 7.º, n.º 4 e Tabela II, penúltima linha, do Regulamento das Custas Processuais). Lisboa, 13.05.2025 Maria Olinda Garcia (relatora) Cristina Coelho Teresa Albuquerque |