Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ORLANDO DOS SANTOS NASCIMENTO | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO NULIDADE DE SENTENÇA OMISSÃO DE PRONÚNCIA EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO FALTA DE PROCURAÇÃO RECURSO DE APELAÇÃO LEI PROCESSUAL ILEGALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. A nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista na al. d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C. P. Civil, deve ser densificada em conexão com o disposto na 1.ª parte, do n.º 2, do art.º 608.º, do mesmo Código, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” II. O princípio segundo o qual, proferida a sentença fica esgotado o poder do juiz, encontra-se consagrado no art.º 613.º, do C. P. Civil, dele decorrendo que o esgotamento do poder de decisão do juiz respeita apenas à matéria da causa, não ficando o juiz impedido de decidir no processo as questões cuja decisão lhe é imposta por outros preceitos processuais, como acontece com a questão da falta, insuficiência ou irregularidade de procuração regulada pelo n.º 1, do art.º 48.º, do C. P. Civil. III. A questão da falta de procuração não se integra no objeto do recurso de apelação, delimitado pelos n.ºs 2 e 3, do art.º 635.º e pela al. a), do n.º 1, do art.º 644.º, ambos do C. P. Civil. IV. Se a Recorrente suscitou a questão de falta de procuração nas alegações de recurso da sentença, pedindo a revogação desta e a improcedência da ação, expendendo que essa falta era definitiva e o juiz profere despacho determinando a notificação do Advogado do Autor “…para, em 10 dias, juntar aos autos procuração forense passada a seu favor pelo autor, com ratificação do processado, se for o caso, sob pena do disposto no art. 48º, nº 2 do CPC”, a ilegalidade processual relativa à questão da falta de procuração não se situa na decisão do juiz, mas no ato da Recorrente que suscitou a questão na apelação, quando a devia ter suscitado em simples requerimento dirigido à sanação do vicio. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. RELATÓRIO. AA propôs ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra BB pedindo a dissolução do casamento celebrado entre ambos a .../.../1998 com fundamento, em síntese, em que desde 2019, apesar de coabitarem na mesma casa por razões de natureza económica, fazem vidas separadas, não se falando, dormindo em quartos separados, fazendo refeições separadas e não mantendo contactos íntimos, o que se configura como rutura total e definitiva do vínculo conjugal. Citada, após infrutífera tentativa de conciliação, contestou a R impugnando a factualidade articulada pelo A. Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a ação procedente e declarando dissolvido o casamento, decretando o divórcio entre A e R. Inconformada com essa decisão, a R dele interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a absolvição do pedido, formulando para o efeito, as seguintes conclusões: 1. No processo de divórcio sem consentimento do outro em presença, sujeito à obrigatoriedade de patrocínio judiciário (artº 40º nº 1 al. a) Código do Processo Civil), de assegurar por procuração a mandatário judicial (artº 43º CPC), ocorreu a tramitação dos autos até à sentença recorrida, sem procuração. Sendo que, na situação do processo já estar com a sentença em recurso, a falta seja de dar por definitiva, com a consequência de tudo o praticado nos autos – incluindo a audiência de julgamento e a sentença - ser de dar por sem efeito, com a natural condenação em custas, prevista pelo artº 48º nº 2 CPC. Mas, para o caso de, assim, não se entender 2. Há a ver que as testemunhas CC (com depoimentos gravados iniciados em 15:52:00 e terminados em 16:05:02 do Habilus Media studi) e DD (com depoimentos gravados iniciados em 16:06:00 e terminados em 16:15:33 Habilus Media studi), que foram de substituição e, por isso, de 2ª escolha do A., se mostram de mero ouvir dizer - a que a doutrina se refere como não testemunha – e que se assumem como meros companheiros de cafés e de ruas do A. e sem qualquer relação com a R. - apenas referida como conhecida mulher do A. – e sem o conhecimento do que, em casa, vinha sendo a realidade das relações entre o A. e a R. (cfr., em relação à primeira, rot. 02,57 a rot. 03,25; rot. 03,51 a rot. 04,00 e rot. 04,18 a rot. 04,26 dos seus depoimentos e, em relação à segunda, rot. 03,39 a rot. 03,45 e rot. 04,09 a 04,17 dos seus depoimentos). 3. Na situação referida em 2, a prova de qualquer dos factos dos temas de prova nº 1 (Apesar de continuarem a residir na mesma casa, por razões meramente económicas(proveniente do ARTº 5º PT), desde o final do ano de 2019, autor e ré dormem em quartos separados (proveniente do ARTº 6º PT); nº 2 (… não mantêm entre si quaisquer contactos íntimos (proveniente do ARTº 6º PT); nº 3 (… cada um cozinha para si, tomando refeições em separado (proveniente do ARTº 6º PTº); nº 4 (Na sequência dos desentendimentos entre ambos e desgaste na relação entre o casal), que ocorrem desde há cerca de dois anos (proveniente do ARTº 7º PT.), o autor refugiu-se em ..., onde passa a maior parte do tempo (proveniente do ARTº 8º PT.); nº 5 (Desde então autor e ré mal se falam (proveniente do ARTº 9º PT.) e nº 6 (Da parte de ambos os cônjuges há o propósito de não mais restabelecer a vida em comum (proveniente do ARTº 10º PT), ficou por fazer. E, por isso, nem havia, da parte da ré, que opor contra-prova, embora entendesse de contrariar os factos do tema de prova nº 6, a que, por também se tratar de facto pessoal dela, se opôs, pelas testemunhas que ofereceu. 4. Na situação referida em 2 e 3, a consideração dos depoimentos de qualquer das testemunhas CC e DD para a afirmação de qualquer dos factos da sentença nº 2 (Em data indeterminada, situada no final de 2019, autor e ré, não obstante residirem na mesma casa, passaram a dormir em quartos separados) e nº 3 (Desde então, deixaram de estabelecer relacionamento afectivo e contactos íntimos entre si), cuja prova cabia ao A. mas ficou por fazer, se deve a erro da sentença de corrigir, pelo afastamento de qualquer deles do elenco dos factos provados. 5. A surpresa da testemunha EE, assumido tio da ré que acompanhou o casal ao longo da sua vida em comum e até o achava de boa convivência, deveu-se ao seu chamamento, pela ré, para ser sua testemunha contra o divórcio intentado pelo A. – baseado em rutura das relações conjugais, de que entretanto nunca tinha tido conhecimento – quando, pelo conhecimento que tinha do casal, este lhe parecia de boa convivência (rot. 06,00 a rot. 07,16). E a testemunha FF, além de sem conhecimento de rutura nas relações conjugais entre o A e a irmã, foi clara na afirmação de que, por confidência da ré, sua irmã, ficou a saber que, com o marido, ela esteve, além de numa mesma casa, junta e envolvida em relações conjugais íntimas até as vésperas do julgamento. E que até veio a saber da irmã que havia fotografia - uma alegada fotografia do A., que ela lhe tina dito ser do mês passado, ou seja, do mês de Agosto de 2022 e cuja cópia afirmou ter consigo e estar em condições de exibir e exibiu (cfr. rot. 03,22 a rot. 06,05) - mostrando o visado só de cuecas e postado no quarto e na cama do casal, que reconhecia. Fotografia essa, que a irmã lhe garantiu ser do mês anterior – ao dos seus depoimentos - e ser da data específica de 18.08.2022. 6. Na situação dos autos, envolvendo o casamento do A. com a ré de 19.07.1998 e a sua vivência na casa de morada da família e em economia conjunta e intimidades conjugais, ilustradas por referência da permanência do arguido, só de cuecas e com a ré no interior do quarto conjugal, a conclusão da sentença pela rutura das relações conjugais e/ou por separação de facto entre os cônjuges reportadas à data da acção, que é de 13.032021, se deve a erros da sentença, tanto na desconsideração de que a vida conjugal estava centrada na casa de morada da família (na Rua ..., em ...), que não na rua ou em qualquer dos cafés e bares indicados por qualquer das testemunhas CC ou DD; como na desconsideração dos ditos depoimentos de qualquer das testemunhas FF, irmã da ré e testemunha e EE, que, para o caso da feitura da prova dos já ditos factos dos temos da prova, seriam mais do que suficientes para a contra-prova a que houvesse lugar:- nem se diga que a testemunha EE, cujos depoimentos se reconduzem à afirmação de que soube do divórcio porque “(...) sobrinha deu-me por testemunha, né”; ela tinha falado sobre divórcio, que o marido pediu para ela; soube disso também “Na carta” (...) do tribunal” e que à pergunta sobre se esperava por esse divórcio, respondeu “Não. Eu não esperava isso porque desde há tantos anos, há tanto tempo, tinham boa convivência, nunca esperava uma coisa igual”, acrescentando que tal divórcio não era desejado pela sobrinha, que lhe tinha dito que isso não era do seu desejo (rot. 06,00 a rot. 07,16) limitou-se a declarar que “nunca esperou este divórcio”, “a ré não quer divorciar-se”. Ou que, no âmbito das suas declarações iniciais, o mesmo afirmou ter deixado de “frequentar a casa de morada de família, que os convívios que mantém com a ré acontecem na casa da testemunha e que os contactos que mantém o réu ocorrem quando se encontram na rua” (sic), por isso mesmo que, quantos aos aspetos em causa, as suas afirmações foram antes de que “(...) idade que já tem não dá para estar sempre a (...), dantes foi. Já frequentei a casa com certeza (...) antes da pandemia, depois da pandemia, a gente pronto cada um está na casa dele; não fui lá “já uns tempitos, prontos, tempos que não fui lá, mas prontos eles estão na mesma casa (rot. 01,48 a rot. 02,27); “Não, não frequentei à casa porquê cada um tinha a sua casa e como tão, está sempre sem problema, uma pessoa frequenta mais a casa quando está doente e quando as coisas não correm bem. Pronto, assim que (rot. 02,40 a rot. 3,08). Com a sobrinha “A gente se encontra com ela quando ela vai trabalhar e passa assim quase por baixo da minha casa na varanda, chama a gente, cumprimenta”; o seu “Contacto com o senhor AA, quando a gente se encontra na rua assim é que a gente tem contacto e principalmente agora quando a minha irmã faleceu, faleceu a minha irmã, telefonou-me a dar sentimentos ... agora por enquanto ... estou a dizer praticamente desde a pandemia, pronto, que a gente, não se pode ir frequentar a casa das pessoas ... mas encontramos assim na rua, cumprimentamos ... este ano já terá encontrado o senhor AA (...) várias vezes, eu não sei quanto tempo, há várias vezes, a gente se encontra sempre” (rot. 03,15 a rot. 05,22). 7. Na situação em causa, é de ter que, aos autos, falta de todo a rutura da vida conjugal referida e chamada a fundamentar o divórcio decretado, a que não haveria lugar mas foi acolhida por erro da sentença na apreciação dos factos, de reparar pelo afastamento de qualquer dos factos provados, com a consequente absolvição da ré do pedido. * O A não contra-alegou * O Tribunal de primeira instância proferiu despacho determinando a notificação do Exm.º Advogado do A “…para, em 10 dias, juntar aos autos procuração forense passada a seu favor pelo autor, com ratificação do processado, se for o caso, sob pena do disposto no art. 48º, nº 2 do CPC”, o que este fez. * Inconformada com este despacho a R dele interpôs recurso, recebido como apelação, formulando as seguintes conclusões: 1. O já interposto recurso da sentença - que ainda nem foi admitido - envolve a conclusão de que “No processo de divórcio sem consentimento do outro em presença, sujeito à obrigatoriedade de patrocínio judiciário (artº 40º nº 1 al. a) Código do Processo Civil), de assegurar por procuração a mandatário judicial (artº 43º CPC), ocorreu a tramitação dos autos até à sentença recorrida, sem procuração. Sendo que, na situação do processo já estar com a sentença em recurso, a falta seja de dar por definitiva, com a consequência de todo o praticado nos autos – incluindo a audiência de julgamento e a sentença - ser de dar por sem efeito, com a natural condenação em custas, prevista pelo artº 48º nº 2 CPC.”. 2. Depois da interposição do dito recurso da sentença, o despacho recorrido da ref........75, de 31/10/2023, que se mostra no sentido de que “Em sede de alegações de recurso, veio a ré acusar a ausência nos autos de procuração forense conferida pelo autor. Analisados os autos, não se vislumbra efectivamente a existência de procuração forense passada pelo autor a favor do Ilustre Advogado que subscreveu os diversos articulados/requerimentos com referência à pessoa do autor. Pelo exposto, determino a notificação do Exmo. Sr. Dr. GG para, em 10 dias, juntar aos autos procuração forense passada a seu favor pelo autor, com ratificação do processado, se for o caso, sob pena do disposto no art. 48º, nº 2 do CPC. (…)” (sic.) aparece ainda a dar indicação do bem fundado desse recurso, mas, com a novidade de, quanto ao mesmo, dar o antes dito por não dito e decidir-se pela falta do patrocínio do A e pela notificação do advogado Dr. GG para juntar procuração em falta e ratificar o processado, sob pena do disposto no artº 48º nº 2 CPC, envolvendo o desrespeito pelo já julgado, quanto à regularidade da instância. 3. Havendo, nos termos dos artºs 613º nº 2 e 614º a 616º CPC, a faculdade do juiz de, apesar da sentença, “retificar erros matérias, suprir nulidades e reformar a sentença (…)”(sic), sucede que, de nenhum desses expedientes se pode retirar o poder do juiz de, posteriormente à sentença, mandar notificar advogado ou parte para juntar “procuração em falta e ratificar o processado, sob pena do disposto no artº 48º nº 2 CPC”, quanto do artº 613º nº 1 CPC, o que decorre a injunção de que “Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz, quanto à matéria da causa.”, com o efeito de que depois da sentença e do esgotamento do jurisdicional do juiz, a este já não será permitido decidir pela ratificação ou não de ato praticado sem poder da parte ou tomar decisão que importe dar o dito por não dito ou seguir para decisão em sentido diverso do já julgado. 4. Na situação dos autos, a falta do patrocínio judiciário obrigatório constitui exceção dilatória de conhecimento oficioso, que, conquanto erradamente, já foi afastada pelo saneador (artº 595º nº 1 al. a), com referência aos artºs 577º al. h) e 578º CPC) e pela sentença. Pelo que não faz sentido que, depois da sentença e do recurso envolvendo a arguição do erro, o juiz volte para trás e, com nova reapreciação da questão, decida de modo diverso do anteriormente decidido, sob pena de contrariedade ao já julgado e ao disposto no arº 613º CPC. Pelo que, no caso e por contrariedade ao disposto no artº 613º CPC, o despacho recorrido, no sentido de mandar notificar o Dr. GG para juntar procuração e ratificar o processado, deve ser alterado, pelo relegamento da apreciação da questão para o já pendente recurso da sua arguição, como do Direito e da Justiça e se espera, Senhores Desembargadores, seja julgado. * O A não contra-alegou * Recebidas as apelações, o Tribunal da Relação proferiu acórdão, com voto de vencido, julgando-as improcedentes, mantendo, nos seus precisos termos, quer a sentença, quer o despacho que determinou a sanação do vício da falta de procuração forense. * Inconformada com o acórdão, a R/apelante dele interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: 1. Em relação à questão da surpreendida falta de procuração do A. submetida à apelação, será de observar a respetiva declaração de VENCIDO, apresentada no sentido de que “Daria integral provimento ao recurso do despacho proferido em 31.10.2023, por concordar com a sua fundamentação e ainda mais porque considero que a ingerência do juiz recorrido na matéria relativamente à qual só o tribunal de recurso pode conhecer, constitui violação do princípio da igualdade das partes, por exaustão de uma questão suscitada no recurso, independentemente dessa questão não ter o efeito jurídico defendido no recurso. Daria provimento ao recurso da sentença, por considerar que a prova produzida não permite estabelecer os factos alegados integrantes da separação do casal. A separação do casal é, no contexto do divórcio em causa, uma questão litigiosa, que tem de ser respondida a partir dos factos alegados. Quando estes se resumem a dormir em quartos separados e à inexistência de contactos íntimos, e não abrangem factos mais latos do âmbito das relações sociais em que um casal se apresenta, que igualmente revelariam a separação, seja o casal não partilhar datas festivas ou não ser visto em quaisquer situações públicas, o autor arrosta a natural dificuldade da prova, cujo ónus é seu, não podendo ser suprida a falta de conhecimento das duas testemunhas por si arroladas, que não eram visita de casa nem das relações do casal, pela inconsistência ou falta de credibilidade da prova oferecida pela ré.” (sic). 2. Como apresentado, o requerimento de recurso da ref. nº ......12, de 13/11/2023, incidiu sobre situação posterior à sentença e derivada do acesso da ré aos autos confiados, que seria do tempo e da competência já passados para o alto Tribunal da Relação de Lisboa e já estava fora da competência da comarca. Mas, apesar de objecto do recurso, a questão da inoportunidade da decisão da comarca acabou omitido pela apelação, que, quanto ao caso, limitou-se a seguir o decidido, com se não houvesse a tal incompetência/inoportunidade da recorrida decisão da comarca, envolvendo erro e nulidade, por omissão, que importa obviar pela revogação e substituição do acórdão, na parte questionada, por outro, que a bem do direito, devolva a apreciação do caso ao tribunal do recurso, como pede e espera. 3. Em relação aos fatos “1. Autor e ré casaram entre si no dia ... de ... de 1998”; “2. Em data indeterminada, situada no final de2019, autor e ré, não obstante residirem na mesma casa, passaram a dormir em quartos separados”; “3. Desde então, deixaram de estabelecer relacionamento afectivo e contactos íntimos entre si” e “4. O autor não pretende manter a vida em comum com ré.”, será de ver que o facto 2, de que “Em data indeterminada, situada no final de 2019, autor e ré, não obstante residirem na mesma casa, passaram a dormir em quartos separados”; como o facto 3, de que “Desde então, deixaram de estabelecer relacionamento afectivo e contactos íntimos entre si” e o facto 4, de que O autor não pretende manter a vida em comum com a ré.”, cujo ónus da prova cabia ao A.q ue nunca à ré, mostram-se convocados, a suportarem a procedência da apelação, em violação do disposto nos artsº 414º CPC e 342º nº 1 CC e contra a inversão do ónus da prova prevista do artº 344º CC e, assim, em violação da lei, quando é sabido que, em Portugal, sempre foi da uniformidade da jurisprudência dos tribunais o entendimento de que, em ação de divórcio sem o consentimento do outro, os factos fundamentadores do pedido são constitutivos e se sujeitam ao ónus da prova imposto ao autor, envolvendo a liberação da ré, que só perante a feita pode ser obrigada a contra-prova, que nunca sujeita a inversão do ónus da prova ou à ideia de falta, insuficiência ou debilidade da prova invocada pelo acórdão recorrido, como se colhe do Ac. Rel. Lxª, de 04/12/2006 (Proc. 8914/2006-2, relatado por Ana Paula Boularot), do Ac. Rel. Cbrª, de 11/06/1957, in. Jur. Rel. 1957-635 e do Ac. STJ de 06/06/1961, in BMJ 108-320, entre outros. 4. Na situação e nos termos do presente recurso, a exigência da apelação de impor à ré a inversão do ónus da prova do artº 344º CC, como se ela estivesse obrigada a fazer, contra o autor, a prova da “normalidade” ou “não ruptura” nas suas relações conjugais, constitui erro na interpretação e aplicação do direito, por violação de qualquer artºs 342º e 344º nº 2, com ref. ao 414º CPC nºs 1 ou 2 CC. Com o efeito de que, sob pena de danos irreparáveis à ré, haverá que reponderar todo o decidido, em obediência a qualquer dos artigos citados, como, a bem da JUSTIÇA, pede e espera seja feito. * O A/apelado/recorrido não apresentou contra-alegações. * 2. FUNDAMENTAÇÃO. A) OS FACTOS. As instâncias julgaram: A.1. Provados os seguintes factos: 1. Autor e ré casaram entre si no dia ... de ... de 1998. 2. Em data indeterminada, situada no final de 2019, autor e ré, não obstante residirem na mesma casa, passaram a dormir em quartos separados. 3. Desde então, deixaram de estabelecer relacionamento afetivo e contactos íntimos entre si. 4. O autor não pretende manter a vida em comum com a ré. * B) O DIREITO APLICÁVEL. O conhecimento deste Supremo Tribunal, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto da revista, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2, 639.º 1 e 2, do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2, do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso), observando, em especial, o estabelecido nos art.ºs 682.º a 684.º, do C. P. Civil. Atentas as conclusões da revista, acima descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pela Recorrente consistem em saber se a) o acórdão é nulo por omissão de pronúncia quanto à “… questão da inoportunidade da decisão da comarca…” (conclusão 2), b) o Tribunal de 1ª instância não podia conhecer da matéria relativa à falta de procuração, a qual era da competência do Tribunal da Relação de Lisboa (conclusão 2), c) quanto aos factos 2, 3 e 4 da matéria de facto provada da sentença o acórdão viola o “…disposto nos artsº 414º CPC e 342º nº 1 CC e contra a inversão do ónus da prova prevista do artº 344º CC” (Conclusões 3) e 4)). Conhecendo. 1) Quanto à primeira questão, a saber, se o acórdão é nulo por omissão de pronúncia quanto à “… questão da inoportunidade da decisão da comarca…”. Dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do C. P. Civil, que “É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Como é entendimento da doutrina e jurisprudência uniforme dos tribunais portugueses, encontrando-se tipificada na 1ª parte da al. d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C. P. Civil, deve ser densificada em conexão com o disposto na 1.ª parte, do n.º 2, do art.º 608.º, do mesmo Código, segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” 1. Pretende a Recorrente que o Acórdão recorrido incorreu na nulidade de omissão de pronúncia quanto à “… questão da inoportunidade da decisão da comarca…”, mas não lhe assiste razão. Com efeito, analisados os termos do acórdão, constatamos que o mesmo apreciou longamente esta questão, como decorre do excerto em que declara que “…A primeira questão a apreciar – e que deu origem a um recurso autónomo por parte da recorrente – respeita à questão da procuração… Como resulta das alegações da ré, esta entende que tal vício não podia ser reparado após a sentença, uma vez que ficou esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa, sendo apenas lícito ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença. …. A falta de procuração forense não respeita à sentença nem à matéria da causa. O preceito relevante – e que, aliás, é o único que respeita à questão em apreço – é o artº 48º do CPC, segundo o qual a falta de procuração pode, em qualquer altura, ser arguida pela parte contrária e suscitada oficiosamente pelo tribunal…”, concluindo que “…a questão, enquanto fundamento do recurso da sentença, era inócua, não tendo o efeito que a recorrente lhe pretende assacar, e, quanto ao despacho que determinou a sanação do vício, o mesmo cumpriu rigorosamente o determinado na lei processual, pelo que o recurso que foi instaurado desse despacho não tem, de igual modo, o mínimo fundamento.” e julgando improcedente a apelação que a esse respeito foi interposta pela R/Apelante. Tendo o Tribunal da Relação apreciado a questão, sobre ela proferindo decisão fundamentada, não incorreu na invocada nulidade, pelo que improcede esta primeira questão da Revista. 2) Quanto à segunda questão, a saber, se o Tribunal de 1ª instância não podia conhecer da matéria relativa à falta de procuração, a qual era da competência do Tribunal da Relação de Lisboa. Esta segunda questão encontra-se em conexão com a anterior e a ela respondeu o Tribunal da Relação quando, como resulta do fragmento transcrito na abordagem da primeira questão da Revista, declarou que “A falta de procuração forense não respeita à sentença nem à matéria da causa. …a falta de procuração pode, em qualquer altura, ser arguida pela parte contrária e suscitada oficiosamente pelo tribunal”. Na formulação desta questão terá a Recorrente, porventura, em atenção o velho principio enformador das decisões judiciais, segundo o qual, proferida a sentença fica esgotado o poder do juiz, interpretando-o no sentido de que, depois de proferir a sentença, sendo dela interposto recurso, o juiz fica impedido de decidir toda e qualquer questão que não seja a remessa do processo ao tribunal ad quem. Esta interpretação é desprovida de fundamento legal. Com efeito, o princípio em causa encontra-se consagrado no art.º 613.º, do C. P. Civil, em cujo n.º 1 se estabelece que “1 - Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”. Pela própria literalidade deste preceito processual, o esgotamento do poder de decisão do juiz, respeita apenas à matéria da causa, asserção que é reforçada pela sua própria inserção sistemática no CAPÍTULO II (do TÍTULO IV Da sentença), sob a epígrafe “Vícios e reforma da sentença”. Pela conjugação desta norma do n.º 1, do art.º 613.º, do C. P. Civil, desde logo com o n.º 2, do mesmo art.º 613.º e com outras normas processuais, sabemos que o princípio comporta exceções, uma das quais, prevista no n.º 2 do art.º 616.º, e no n.º 6, do art.º 617.º, do C. P. Civil, permite a prolação de sentença de sinal contrário, mas essas exceções não estão compreendidas no objeto nesta Revista Na matéria que ora nos ocupa, a correta interpretação do principio do esgotamento do poder jurisdicional do juiz após a prolação da sentença, estabelecido pelo n.º 1, do art.º 613.º, do C. P. Civil, é aquela segundo a qual o juiz fica impedido de alterar a sentença, mas não fica impedido de decidir no processo as restantes questões cuja decisão lhe é imposta por outros preceitos processuais. A questão da falta da procuração suscitada nos autos é uma destas questões cuja decisão é imposta ao juiz depois de proferir a sentença pelo n.º 1, do art.º 48.º , do C. P. Civil, o qual dispõe que “1 - A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal”. É certo que a Recorrente suscitou a questão de falta de procuração nas alegações de recurso da sentença, pedindo a revogação desta e a improcedência da ação por expender que essa falta era definitiva, mas não lhe assistia razão, nem na forma nem na substância da questão. Não lhe assistia razão na forma porque a reação que legalmente lhe era permitida relativamente à falta de procuração era a arguição desse vicio processual e não o recurso. E não lhe assistia razão em substância porque a falta de procuração se não integra no objeto do recurso de apelação, delimitado pelos n.ºs 2 e 3, do art.º 635.º e pela al. a), do n.º 1, do art.º 644.º, ambos do C. P. Civil. Não podemos, pois, deixar de concluir que a ilegalidade processual relativa à questão da falta de procuração se não situa na decisão do juiz que, em cumprimento do disposto no n.º 1, do art.º 48.º, do C. P. Civil, determina a correção/sanação, mas sim no ato da Recorrente que suscitou a questão da falta de procuração na apelação, como fundamento para a revogação da sentença e para a improcedência da ação, quando devia ter suscitado a questão em simples requerimento dirigido à sua sanação. Esta segunda questão da Revista não pode, pois, deixar de improceder. 3) Quanto à terceira questão, a saber, se quanto aos factos 2, 3 e 4 da matéria de facto provada da sentença o acórdão viola o “…disposto nos art.ºs 414.º do C. P. Civil e 342.º, n.º1, do C. Civil e contra a inversão do ónus da prova prevista do art.º 344.º, do C. Civil”. Nos termos da al. b), do n.º 1, do art.º 674.º, do C. P. Civil, “1 - A revista pode ter por fundamento: …b) A violação ou errada aplicação da lei de processo;”. Imputando ao acórdão recorrido a violação da regra do ónus da prova consagrada no n.º 1, do art.º 342.º, do C. P. Civil, do princípio da inversão do ónus da prova consagrado no n.º 1, do art.º 344.º, do C. Civil e do princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no art.º 414.º, do C. P. Civil, o certo é que a Recorrente se limita a expender a sua discordância com os factos provados que indica, não demonstrando, por referência ao acórdão recorrido, os concretos pressupostos em que sustenta a sua conclusiva imputação de violação das regras do ónus da prova e de aplicação indevida do principio de inversão do ónus da prova, sendo certo que os factos foram declarados provados com fundamento nos depoimentos das testemunhas, valorados segundo o principio da livre apreciação do juiz, o que este Supremo Tribunal não pode conhecer e alterar. Dispondo o n.º 3, do art.º 674.º do C. P. Civil “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.” e não estando em causa a ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, não se vislumbrando violação de regras de direito probatório material está vedada a apreciação da discordância da Recorrente quanto à matéria de facto por ela indicada, como vem sendo decidido uniformemente, ao Supremo Tribunal Por estes dois fundamentos, de improcedência e inadmissibilidade da Revista, não pode esta terceira questão deixar de improceder e com ela a própria Revista. 3. DECISÃO. Pelo exposto, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a Revista, confirmando o acórdão recorrido Custas pela Recorrente, que interpôs a Revista e nela decaiu, (n.º 1, do art.º 527.º, do C. P. Civil. Orlando Santos Nascimento (relator) Isabel Salgado Ana Paula Lobo _________
1. Cfr. Prof. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 143, Abrantes Geraldes e mais recentemente, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2.ª edição, pág. 91e na jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, os acórdãos de 11/11/87, BMJ n.º 371, pág. 374, de 7/7/94, BMJ n.º 439, pág. 526, de 25/2/97, BMJ n.º 464, pág. 464 e mais recentemente, de 29/11/2005 (Relator: Sousa Peixoto), 7/4/2005 (Relator: Oliveira Barros), 10/12/2020 e 18/0272021 (Relatora: Maria do Rosário Morgado). |