Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1221/11.6JAPRT.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
AMEAÇA
CRIME DE MERA ACTIVIDADE
CRIME DE RESULTADO
CRIME DE PERIGO
CRIME DE PERIGO CONCRETO
CRIME DE DANO
ESPECIAL CENSURABILIDADE
ESPECIAL PERVERSIDADE
EXEMPLOS-PADRÃO
UNIÃO DE FACTO
FRIEZA DE ÂNIMO
ARMA BRANCA
ESCOLHA DA PENA
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA DUPLA VALORAÇÃO
ILICITUDE
CULPA
DOLO DIRECTO
CRUELDADE
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 09/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTOS /
ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / SUSPENSÃO DA PENA DE
PRISÃO / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A
VIDA / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL.
Doutrina:
- Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do
Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs.
340 a 348.
- Américo Taipa de Carvalho, in Liber Discipulorum para Jorge
Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325.
- Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal,
Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, no § 42, pág. 45,
citando Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e
Medida da Pena, 1990, págs. 50.
- Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As Consequências
Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 137, pág.
124, § 314, pág. 234, § 497, pág. 331, § 498, pág. 332, § 500,
págs. 332-333, § 501, pág. 333.
- Figueiredo Dias, O sistema sancionatório do Direito Penal
Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor
Eduardo Correio, I, pág. 815.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República
Portuguesa Anotada, volume I, pág. 446, 447.
- João Curado Neves, in "A problemática dos crimes passionais",
pág. 715.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal,
Universidade Católica Portuguesa, 2.ª Edição Actualizada, Outubro
de 2010, anotações ao artigo 153.º (anotações 2 e 3, a págs.
472/473) e artigo 10.º (anotação n.º 18, pág. 77).
- Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal Anotado, 1996,
Volume II, pág. 185.
- Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e
Medida da Pena, 1990, págs. 101, 102, 103, 104.
- Vera Lúcia Raposo, O Direito à vida na jurisprudência de
Estrasburgo, in Jurisprudência Constitucional, n.º 14, pág. 59 e ss.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, 70.º, 71.º, N.º 2, 77.º, N.º 1
153.º, N.º 1, 155.º, N.º 1, ALS. A), 132.º, N.º 2, ALS. B), J).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS
18.º, N.º 2, 24.º.
Legislação Comunitária:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): -
ARTIGO 2.º, N.º 1, 1ª PARTE.
Jurisprudência Nacional:
- ACORDÃO DO PLENÁRIO DA SECÇÃO CRIMINAL, DE
19-10-1995, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 46580, ACÓRDÃO N.º
7/95, PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE - A, N.º 298,
DE 28-12-1995, E BMJ N.º 450, PÁG. 72.

- DE 17-03-1994, BMJ N.º 435, PÁG. 518.
- DE 04-07-1996, CJSTJ, 1996, TOMO 2, PÁG. 225.
- DE 24-01-2002, PROC. N.º 3128/01-5.ª SECÇÃO, IN CJSTJ 2002,
TOMO I, PÁG. 188.
- DE 04-11-2004, PROC. N.º 3502/04-5ª, CJSTJ 2004, TOMO 3,
PÁG. 223.
- DE 06-01-2005, PROC. N.º 4204/04-5.ª, IN CJSTJ, TOMO I, PÁG.
165.
- DE 20-01-2005, PROC. N.º 4322/04-5ª, IN CJSTJ, TOMO I, PÁG.
178.
- DE 25-10-2006, PROC. N.º 3042/06-3ª.
- DE 11-07-2007, PROC. N.º 1583/07-3º.
- DE 28-11-2007, PROC. N.º 3294/07.
- DE 10-01-2008, PROC. N.º 3227/07-5ª, IN CJSTJ 2008, TOMO I,
PÁG. 187 (196).
- DE 10-01-2008, PROC. N.º 4277/07-5ª.
- DE 26-03-2008, PROC. N.º 292/08-3º.
- DE 19-11-2008, PROC. N.º 3636/08-3.º.
- DE 05-02-2009, PROC. N.º 2385/08-5.ª
- DE 12-02-2009, PROC. N.º 110/09-5ª.
- DE 08-10-2009, PROC. N.º 228/08.5JAFAR.S1-5ª.
- DE 06-01-2010, PROC. N.º 99/08.1SVLSB.L1.S1-3ª.
- DE 25-02-2010, PROC. N.º 108/08.4PEPDL.L1.S1-5ª.
- DE 10-11-2010, PROC. N.º 145/10.9JAPRT.
- DE 23-02-2011, PROC. N.º 250/10.1PDAMD.S1.
- DE 24-03-2011, PROC. N.º 322/08.2TARGR.L1.S1.
- DE 16-06-2011, PROC. N.º 600/09.3JAPRT.P1.S1
- DE 29-06-2011, PROC. Nº 21/10.5GACUB.E1.S1.
- DE 30-11-2011, PROC. N.º 238/10.2JACBR.S1.

- A CLÁUSULA GERAL DO N.º 1 DO ARTIGO 132.º DO CÓDIGO
PENAL:

- DE 16-02-2005, PROC. N.º 3131704-3ª.
- DE 23-02-2005, PROC. N.º 4302/04-3º.
- DE 04-05-2005, PROC. N.º 652/05-3ª.
- DE 07-07-2005, PROC. N.º 2314/05-5ª.
- DE 24-11-2005, PROC. N.º 2991/05-5ª.
- DE 30-11-2006, PROC. N.º 3110/06-5ª.
- DE 09-01-2008, PROC. N.º 4465/07-3ª.
- DE 16-01-2008, PROC. N.º 4637/07-3ª.
- DE 05-03-2008, PROC. N.º 210/08-3ª, IN CJSTJ2008, TOMO I,
PÁG.
243.
- DE 05-03-2008, PROC. N.º 114/08-3ª.
- DE 27-03-2008, PROC. N.º 815/08-5ª.
- DE 17-04-2008, PROC. N.º 677/08-3ª.
- DE 17-04-2008, PROC. N.º 823/08-3ª.
- DE 12-11-2008, PROC. N.º 2826/08-3ª.
- DE 26-11-2008, PROC. N.º 3706/08-3ª.
- DE 21-01-2009, PROC. N.º 4030/08-3ª.
- DE 11-02-2009, PROC. N.º 4132/08-3ª.
- DE 18-02-2009, PROC. N.º 165/09-3ª.
- DE 18-02-2009, PROC. N.º 100/09-3ª.
- DE 12-03-2009, PROC. N.º 237/09-5ª.
- DE 19-03-2009, PROC. N.º 3773/08-5º
- DE 19-03-2009, PROC. N.º 164/09-5ª.
- DE 29-04-2009, PROC. N.º 6/08.1PXLSB.S1-3ª.
- DE 13-07-2009, PROC. N.º 59/07.0GCVPA.S1-5ª.
- DE 17-12-2009, PROC. N.º 187/08.4GISNT.L1.S1-5ª.
- DE 03-03-2010, PROC. N.º 242/08.0GHSTC.S1-3ª.
- DE 18-03-2010, PROC. N.º 1374/07.8PCBR.C2.S1-5ª.
- DE 27-05-2010, PROC. N.º 11/04.7GCABT.C1.S1- 3ª.
- DE 09-06-2010, PROC. N.º 862/09.6TBFAR.E1.S1-5ª.
- DE 09-09-2010, PROC. N.º 30/08.4PEHRT.S1-5ª.
- DE 15-09-2010, PROC. N.º 173/05.6GBSTC.E1.S1-3ª.
- DE 23-09-2010, PROC. N.º 427/08.0TBSTB.E1.S1-5ª.
- DE 02-02-2011, PROC. N.º 1375/07.6PMTS.P1.S2-3ª.
- DE 17-02-2011, PROC. N.º 227/07.4JAPRT.P2.S1-3ª.
- DE 17-02-2011, PROC. N.º 1499/08.2PBVIS.C1.S1-3ª.
- DE 23-02-2011, PROC. N.º 241/08.2GAMTR.P1.S1-3ª.
- DE 27-04-2011, PROC. N.º 7266/08.6TBBRG.G1.S1-3ª.
- DE 09-06-2011, PROC. N.º 4095/07.8TPPRT.P1.S1-5ª.
- DE 29-06-2011, PROC. N.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3ª.
- DE 30-11-2011, PROC. N.º 238/10.2JACBR.S1-3ª.
- DE 30-11-2011, PROC. N.º 112/10.2JALRA.C1.S1-3ª.
- DE 07-12-2011, PROC. N.º 830/09.8PBCTB.C1.S1-5ª.
- DE 18-01-2012, PROC. N.º 306/10.0JAPRT.P1.S1-3ª.

- ALÍNEA B) DO N.º 2 DO ARTIGO 132.º DO CÓDIGO PENAL:

- DE 19-04-2006, PROC. N.º 671/06-3ª.
- DE 29-03-2007, PROC. N.º 647/07-5ª, IN CJSTJ, TOMO I, PÁG. 238.
- DE 13-02-2008, PROC. N.º 4729707-3ª.
- DE 26-03-2008, PROC. N.º 292/08-3ª.
- DE 02-04-2008, PROC. N.º 4730/07-3ª.
- DE 21-05-2008, PROC. N.º 1224/08-5ª.
- DE 19-06-2008, PROC. N.º 2043/08-5ª.
- DE 21-01-2009, PROC. N.º 2387/08-3ª.
- DE 19-03-2009, PROC. N.º 315/09-3ª.
- DE 29-04-2009, PROC. N.º 434/07.0PAMAI.S1-3ª.
- DE 27-05-2009, PROC. N.º 58/07.1PRLSB-3ª.
- DE 17-09-2009, PROC. N.º 434/09.5YFLSB-3ª.
- DE 21-10-2009, PROC. N.º 589/08.6PBVLG.S1-3ª.
- DE 25-02-2010, PROC. N.º 108/08.4PDL.L1.S1-5ª.
- DE 07-04-2010, PROC. N.º 202/08.1GBPSR.E1.S1-3ª.
- DE 05-05-2010, PROC. N.º 90/08.8GCCNT.C1.S1-3ª.
- DE 19-05-2010, PROC. N.º 459/05.0GAFLG.G1.S1-3ª.
- DE 27-05-2010, PROC. N.º 517/08.9JACBR.C1.S1-5ª.
- DE 16-12-2010, PROC. N.º 231/09.8JAFAR.E1.S1-3ª.
- DE 24-03-2011, PROC. N.º 322/08.2TARGR.L1.S1-3ª.
- DE 09-06-2011, PROC. N.º 132/08.7JAGRD.C1.S1-5ª.
- DE 16-06-2011, PROC. N.º 600/09.3JAPRT.P1.S1-5ª.
- DE 07-09-2011, PROC. N.º 1112/10.8PBAMD.S1-3ª.
- DE 06-10-2011, PROC. N.º 88/09.9PJSNT.L1.S1-5ª.
- DE 20-10-2011, PROC. N.º 1909/10.9JAPRT.S1-3ª.
- DE 23-11-2011, PROC. N.º 1081/09.7JAPRT.P2.S1-3ª.
- DE 23-11-2011, PROC. N.º 1064/10.4JDLSB.L1.S1-3ª.
- DE 23-11-2011, PROC. N.º 508/10.0JAFUN.S1-5ª.
- DE 26-04-2012, PROC. N.º 293/10.5JALRA.C1.S1-5ª..
Sumário : I  -   Segundo Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 340 a 348, no crime de ameaça, o que está em causa é um ataque ou afectação ilícita da liberdade individual, em que o bem jurídico protegido é a liberdade de decisão e de acção, concluindo que o crime de ameaça é um crime de mera acção e de perigo, de perigo concreto, exigindo apenas que a ameaça seja susceptível de afectar ou de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado, deixando de ser um crime de resultado e de dano, passando a crime de acção e de perigo.

II -  O arguido, consumada a morte da ex-companheira, utilizando o telemóvel da vítima que acabara de matar, emite uma comunicação, transmite uma mensagem ao destinatário M, que momentos antes procurara falar com aquela [«Ela já está morta e tu também vais»], com um significado que não é outro, senão o da prática futura de um mal, no caso a privação da sua vida, dúvidas não havendo de que tal conduta preenche o tipo de crime em causa [crime de ameaça agravada, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do CP].

III - À luz do critério estatuído no art. 70.º do CP, sendo aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda (multa como alternativa à pena de prisão), sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

IV - No caso, ressalta como evidente que a aplicação de uma pena de multa, no contexto da conduta ilícita global, não atingiria, não satisfaria, as finalidades da punição, as necessidades de prevenção geral e especial, já que não se está perante um ilícito único, isolado, de menor dimensão, de uma qualquer «bagatela penal», sem consequências, sem desvalor de resultado, antes devendo ser contextualizado no âmbito concreto de uma ilicitude maior, uma indução de um grau de lesividade de bens jurídicos mais acentuado, porque mais abrangente, em que deixa de estar em causa apenas a feridência da liberdade de decisão e de acção, mas a própria vida, fonte de todos os direitos, impondo-se que a escolha recaia, sem margens para quaisquer dúvidas, sobre a pena detentiva.

V - Preceitua o art. 40.º, n.º 1, do CP, que «A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do  agente na sociedade». Na determinação da medida concreta da pena o Tribunal, em conformidade com o disposto no art. 71.º, n.º 2, do CP, deve atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.

VI - O recorrente foi condenado por homicídio qualificado, por se terem por assentes os factos-índice previstos nas als. b) e j) do n.º 2 do art. 132.º do CP, com relevo para a qualificação da atitude do recorrente como especialmente censurável ou perversa. É, pois, necessário verificar em que medida a presença de uma 2.ª qualificativa, numa moldura penal agravada, pode constituir, ao nível da determinação da medida concreta da pena, um caso de dupla agravação.

VII - Do caso presente importa reter o seguinte:

       - o grau de ilicitude é elevadíssimo (atenta a gravidade das consequências da conduta do arguido, no que respeita à vítima mortal);

       - o grau de culpa é muito acentuado, com elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, pela manifestação da vontade firme dirigida ao facto, à concretização do resultado final, desferindo o arguido no corpo da vítima sucessivos 11 golpes com faca, de forma espaçada, e tal forma que, entre a 1.ª facada e a última, decorreram cerca de 10 minutos;

- a actuação do arguido foi extremamente censurável, e mesmo cruel, não se coibindo de atingir mortalmente a vítima, de 20 anos de idade, com uma facada na jugular, sendo este crime cometido contra pessoa com quem se relacionara intimamente, desde os 15 anos dela, e 18 dele, com quem vivera em união de facto, durante cerca de 6 anos, sendo levada a cabo no interior de uma casa onde aquela então vivia com os 2 filhos menores de ambos, tendo consentido na entrada do arguido ter dito que pretendia ver os filhos, encontrando-se a vítima à sua completa mercê, num quadro em que o «filho mais velho», que se encontrava com o irmão, de 3 meses, num quarto contíguo, certamente se terá apercebido da discussão e do desenrolar da cena;

- ao tirar a vida de L o comportamento do arguido, como efeito colateral, privou os 2 filhos de ambos, de 3 anos e 7 meses e 3 meses e 10 dias de idade, da figura materna;

- a conduta do arguido insere-se numa linha de agressividade e de completo desrespeito pela companheira, mãe dos seus filhos, num cenário de violência doméstica  que determinou, inclusive, 2 queixas por parte da vítima;

- sendo certo que o arguido confessou, não assumiu a conduta em toda a linha, nem ficou demonstrado qualquer arrependimento.

VIII - São, pois, intensas as necessidades de prevenção geral, pois o crime é gerador de grande alarme social e repúdio geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada. Noutra perspectiva, o homicídio qualificado integra o conceito de «criminalidade especialmente violenta», na definição do art. 1.º, al. l), do CPP, tendo sido cometido mediante o recurso a uma faca, sem qualquer hipótese de defesa para a vítima, pelo que se impõe uma pena com efeito dissuasor.

IX - No que toca à prevenção especial avulta a personalidade do arguido na forma imperturbada como actuou, com absoluta indiferença e insensibilidade pelo valor da vida e da dignidade da pessoa humana, e pela persistência na execução, não se esgotando na mera prevenção da reincidência, sendo indiscutível que carece de socialização. Há também que ter em conta os antecedentes criminais do recorrente pela prática de crimes rodoviários (3 conduções intituladas, 1 condenação por condução em estado de embriaguez e outra por desobediência) e ainda a sua idade à data da prática dos factos, de 23 anos, contando actualmente 24 anos.

X -  Nestas condições, dentro das molduras penais abstractas respeitantes ao crime de homicídio qualificado, que vai de 12 anos a 25 anos de prisão, e ao crime de ameaça agravada, que vai de 1 mês a 2 anos de prisão, são de manter, respectivamente, as penas de 18 anos prisão e de 10 meses de prisão [aplicadas pelo tribunal de 1.ª instância].

XI - Estabelece o art. 77.º, n.º 1, do CP, quanto às regras de punição do concurso de crimes, que «Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». E nos termos do n.º 2, a moldura aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. No caso em apreço, a moldura da punição do concurso vai de 18 anos de prisão a 18 anos e 10 meses de prisão.

XII - No presente caso é evidente a conexão e estreita ligação entre os 2 crimes cometidos pelo recorrente, um cometido a seguir ao outro, no mesmo espaço, sendo atingidos bens pessoais, com densificações bem diferentes. Ponderando, também, o contexto em que tudo se passou na sequência de um quadro de violência doméstica, afigura-se adequada a pena conjunta encontrada pelo tribunal recorrido [18 anos e 4 meses de prisão], não se mostrando necessário a intervenção correctiva do STJ.

Decisão Texto Integral:         No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 1221/11.6JAPRT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, integrante do Círculo Judicial de Lamego, foi submetido a julgamento o arguido AA, natural de S… M… de M…, R…, nascido em 24-01-1988, solteiro, jornaleiro, residente em S… M… de M…, V… V…, R…, e actualmente, detido à ordem deste processo no Estabelecimento Prisional de Lamego.

       Foi-lhe imputada na acusação do Ministério Público, a prática, em autoria material, e em concurso efectivo, de:
- um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1  e n.º 2, alíneas b), e), i) e j) do Código Penal;

- um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a),  do Código Penal.

                                                        **********

        Foi deduzido, a fls. 402 a 404, pedido de indemnização civil por BB, pai da vítima, por si, e na qualidade de legal representante dos menores, filhos da vítima, CC e DD, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de 140.000,00 €, sendo a quantia de 100.000,00 €, pela supressão do direito à vida, a de 20.000,00 €, pelos danos morais sofridos pelo menor CC, 10.000,00 €, pelos danos morais sofridos pelo menor DD e 10.000,00 €, pelos danos morais sofridos pelo pai da vítima.
                                                **********    
       Realizado o julgamento, como consta da acta de leitura de acórdão, de fls. 589, foi comunicada uma alteração não substancial de factos relativos à extensão das agressões infligidas à vítima e à frase proferida ao telefone, quando o arguido falou a EE, e acrescentando-se que terá actuado como descrito na acusação pelo facto de a vítima já ter iniciado outra relação amorosa, tendo o defensor oficioso de serviço, dito nada ter a requerer e prescindir do prazo para preparação de defesa.
                                                        **********
       Por acórdão do Tribunal Colectivo da Comarca de Lamego, datado de 30 de Março de 2012, constante de fls. 539 a 587, e depositado no mesmo dia (fls. 590), foi deliberado:
      1) - Julgar a acusação parcialmente procedente e, consequentemente:
      Na parte criminal:      
      a) - Condenar o arguido AA, como autor material de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas b) e j), do Código Penal, na pena de 18 anos de prisão;
      b) - Condenar o mesmo arguido, como autor material da prática de um crime de ameaças, p. p. pelo artigo 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão;
      c) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de 18 anos e 4 meses de prisão;  
      Na parte cível (ora inimpugnada):
      2) - Julgar os pedidos cíveis parcialmente procedentes e, consequentemente:
      a) - Condenar o arguido a pagar aos demandantes CC e DD a quantia de 75.000,00 €, a título de dano morte, acrescida de juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento;
      b) - Condenar o arguido a pagar ao demandante CC a quantia de 20.000,00 €, a título de danos não patrimoniais do próprio, acrescida de juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento;
     c) - Condenar o arguido a pagar ao demandante DD a quantia e 10.000,00 €, a título de danos não patrimoniais do próprio, acrescida de juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento;
     e) - Julgar, no demais, o pedido de indemnização civil improcedente e, como tal, absolver o arguido do demais pedido.

                                                      **********

      Inconformado com o assim deliberado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 591 a 594, que remata com as seguintes conclusões:

1ª - A confissão do arguido foi determinante e sem ela o Tribunal não teria nunca chegado, como chegou, à verdade material.

2ª - A postura confessória e colaborante do arguido e o seu arrependimento não foram tidos na devida conta na escolha da medida da pena.

3ª - O crime de homicídio qualificado atento o facto de estarmos na presença de um crime passional, a postura colaborante e confessória do arguido, bem como o seu arrependimento, deverá ser punido com pena de prisão de 15 anos.

4ª - Não se encontra preenchido o tipo do crime de ameaças, todavia se assim não se entender então deveria ter sido dada prevalência à pena de multa não superior a 100 dias:

5ª - A decisão recorrida infringiu os artigos 70° e 71° do Código Penal.

      No provimento do recurso, pede o recorrente a revogação da decisão recorrida, defendendo dever ser condenado na pena de 15 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado, e absolvido do crime de ameaça, ou, subsistindo a condenação por este crime, condenado pelo mesmo, em pena de multa.

                                                           **********

      O Ministério Público junto do Tribunal “a quo” respondeu, conforme fls. 598 a 602, concluindo:

I - A escolha da pena e o critério da medida da pena aplicados no caso em apreço, foram-no de modo equilibrado, norteados pela culpa do agente.

II - Por outro lado, e no que respeita ao crime de homicídio, revelaram-se, ainda, prementes as necessidades de prevenção geral, já que o mesmo foi o culminar de sucessivos episódios de violência doméstica praticados pelo arguido na pessoa da vítima, à semelhança do que se vem registando com alguma frequência no nosso país.

III - O arguido admitiu a quase totalidade dos factos, mas fê-lo de forma distante e fria, sem revelar emoção ou sequer arrependimento.

IV - A pena aplicada pela prática do crime de ameaça, afigura-se-nos justa e adequada, tendo em conta o contexto em que os factos ocorreram e a sua elevada gravidade.

V - Foram respeitados pelo Tribunal “a quo” a finalidade, o critério de escolha e de determinação da medida da pena contidos nos art.°s 70.° e 71.° do Código Penal, mostrando-se as penas adequadas às circunstâncias que abonam a favor e contra o arguido e em sintonia com a respectiva culpa.

VI - Assim, tendo sido respeitados os preceitos legais aplicáveis do Direito Criminal, dever-se-á manter na íntegra a douta decisão.

      Deve o acórdão recorrido manter-se na íntegra, negando-se provimento ao recurso.

 

                                                           ********** 

      O recurso foi admitido por despacho de fls. 619-5.

                                           **********     

      O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, constante de fls. 631 a 636, onde considera preenchido o tipo de crime de ameaça e mostrar-se correcta a opção pela pena de prisão em detrimento da de multa quanto a tal crime, e ser de manter a medida da pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado.

                                                       **********

      Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, veio o recorrente, a fls. 642, reiterar o teor das conclusões vertidas na motivação do recurso, acrescentando que uma confissão encerra quase sempre em si um acto de total arrependimento.

                                                       **********

      Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

                                                       **********

      Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

                                               **********

      Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

 

                                               **********

                                                                                                                    Questões a decidir.
      
     O recorrente afirma a sua discordância, conforme resulta do exposto na motivação e levado às conclusões, que traduzem, de forma sintética, as razões de divergência com o decidido, em três pontos centrais, a saber, preenchimento do crime de ameaça, espécie de pena a aplicar a tal crime, caso se entenda subsistir a incriminação, e medida da pena do crime de homicídio qualificado.

      Assim, são questões a decidir:

      I Questão – Crime de ameaça agravado – Conclusão 4.ª

      II Questão – Escolha da espécie de pena – Conclusões 4.ª, segunda parte, e 5.ª

      III Questão – Medida da pena do crime de homicídio qualificado – Conclusões 1.ª, 2.ª, 3.ª e 5.ª

 

                                               **********
  

      Apreciando. - Fundamentação de facto.

     Factos Provados


      Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, harmonioso, e devidamente fundamentado.

1) - O arguido viveu em comunhão de mesa, leito e habitação com FF, nascida em 17.1.1991, em V… V…, S… M… de M…, durante cerca de 6 anos, até 01/07/2011, com duas interrupções durante esse período;
2) - Tais interrupções foram motivadas pelos maus tratos que o arguido infligia na FF os quais, aliás, deram origem a queixas por violência doméstica que esta apresentou contra o mesmo;
3) - Desse relacionamento existem dois filhos CC e DD, nascidos, respectivamente, em 23 de Novembro de 2007 e em 31 de Março de 2011; 
4) - Na data mencionada em 1), ou seja em 1.7.2011, a FF saiu, juntamente com os filhos, da residência onde até então, todos tinham residido, tendo ido viver para uma casa, sita em Avões, Lugar da Eira;
5) - Desde o dia em que a FF saiu de casa, o arguido procurou saber para onde é que esta tinha ido viver, tendo perguntado sobre o seu paradeiro a várias pessoas, nomeadamente ao pai daquela e a um indivíduo conhecido por “T…-Z…”, marido de uma amiga da FF, de nome S…, sendo que aqueles lhe disseram sempre que não sabiam;
6) - Além disso, o arguido ligou diversas vezes para o telemóvel da FF e enviou - lhe SMS em que a apelidava, nomeadamente, de “puta” e dizendo-lhe que “andava com uns e com outros”;
7) - Após ter ouvido rumores em São Martinho de Mouros de que a FF estaria a residir em Avões, o arguido, no dia 07-07-2011, resolveu percorrer aquela localidade de noite no seu veículo automóvel, da marca Fiat Uno, na expectativa de a encontrar;
8) - Quando passou no Lugar da Eira, naquela localidade, o arguido viu a carrinha Mercedes, propriedade de EE, com quem a FF mantinha, àquela data, uma relação, do que o arguido, pelo menos, suspeitava, também conduzida pelo seu empregado, o já mencionado “T...-Z...”;
9) - Após ter visto esse veículo, o arguido escondeu-se, e, passadas cerca de duas horas, por volta das 23:30h, viu o “T...-Z...” a sair de uma casa, juntamente com a S… e os dois filhos de ambos, pelo que logo desconfiou que a FF estaria a residir naquela habitação, o que confirmou, apôs ter visto, numa das janelas, uma cortina igual à que tiverem na residência, em Vila Verde, a qual a FF tinha levado quando saiu de casa;
10) - No dia 10.07.2011, o arguido, conduzindo o seu ciclomotor de matrícula XX-IH-XX, dirigiu-se até Avões, onde chegou por volta das 08:00h, dirigindo-se a um café, perto da casa, onde estava a FF a viver, no Lugar da Eira;
11) - Após tomar um café, o arguido dirigiu-se à referida habitação e bateu à porta;
12) - Como ninguém atendeu, o arguido acabou por abandonar o local no seu ciclomotor ficando, porém, nas imediações da aldeia;
13) - Depois de ter visto o EE a sair da Aldeia na sua carrinha Mercedes, por volta das 10:30h, o arguido, aproveitando, então, a circunstância da FF se encontrar sozinha com os filhos em casa, dirigiu-se de imediato à residência da mesma e bateu à porta;
14) - A FF abriu a porta, porém, não o queria deixar entrar, que, perante tal, insistiu com o argumento de que queria ver os filhos, tendo, aquela, consentido que entrasse;
15) - Já no interior da residência, mais concretamente no quarto onde dormiam os filhos, o arguido iniciou uma discussão com a FF na presença do filho de ambos, CC, ao qual ordenou que fosse para junto do irmão mais novo que se encontrava no quarto da mãe, o que este fez, fechando-lhe a porta desse quarto e retomando a discussão com a FF;
16) - Durante a discussão, o arguido questionava a FF sobre se tinha outro homem ao que a mesma respondia negativamente;
17) - Na mesma altura, começou a tocar um telemóvel no quarto onde se encontravam os filhos, para onde o arguido e a FF se dirigiram, tendo esta pegado no telemóvel, o qual lhe foi retirado da mão pelo arguido, que, ao se aperceber de várias mensagens enviadas, atirou o telemóvel para o chão;
18) - De seguida dirigiram-se novamente para o outro quarto, tendo o arguido voltado a fechar a porta do quarto de dormir da FF, onde os filhos se encontravam, sendo que os dois quartos comunicam entre si;
19) - Já nesse quarto, o arguido pegou numa faca de cozinha, com cabo redondo de madeira de 10 cm e com lâmina de 9 cm, a qual se encontrava em cima de um móvel situado no cimo das escadas que dão acesso do rés-do-chão ao primeiro andar, e ao mencionado quarto, e com o braço esquerdo, agarrou a FF pela parte de trás do pescoço e encostou-lhe a referida faca ao pescoço, tendo-lhe feito um pequeno golpe do qual, de imediato, aquela começou a sangrar, tentando estancar o sangue com a mão;
20) - Em face de tal, a FF começou a chorar, dizendo ao arguido que não tinha ninguém e que estava a pensar voltar para o mesmo;
21) - Entretanto, o telemóvel da FF voltou a tocar, tendo o arguido atendido a chamada, apercebendo-se, que, quem ligava, era o EE, pelo que desligou a chamada e atirou, novamente, o telemóvel ao chão;
22) - De seguida, o arguido, sempre munido da faca de cozinha, conduziu a FF até à casa de banho, situada no rés-do-chão, onde a sentou na sanita e fechou a porta;
23) - Nesse local, continuaram a discutir, durante cerca de 10 minutos, tendo o arguido, durante esse período, efectuado outros golpes com a faca no corpo da FF atingindo-a, em três zonas da mão direita (mais concretamente na face dorsal do primeiro espaço interdigital medial, provocando-lhe uma lesão com cerca de 5 cm, no bordo medial do primeiro dedo e na face palmar do terceiro dedo, provocando-lhe, nestas ultimas, lesões com cerca de 1,5cm), no terço médio da face medial do antebraço, em duas zonas do terço medial da região clavicular esquerda, e em quatro zonas do pescoço, com localização paramediana à direita;
24) - No decurso dessa discussão, e da actuação do arguido, a FF voltou a dizer ao arguido que tencionava voltar para o mesmo e que ainda gostava dele;
25) - O arguido reagiu, porém, dizendo-lhe que não acreditava em nada do que dizia e, acto contínuo, desferiu-lhe um novo golpe na zona da garganta, cortando-lhe a jugular, na sequência do que a mesma caiu desamparada no chão, onde ficou imóvel e a sangrar abundantemente;
26) - Como consequência directa e necessária dos referidos golpes infligidos pelo arguido, a FF sofreu as lesões descritas no relatório da autópsia de fls. 242 e ss., o qual aqui se dá como integralmente reproduzido, designadamente, sofreu hemorragia maciça na sequência da secção de ambas as veias jugulares internas, associada a consequente aspiração hemática para a via aérea por secção completa da traqueia, lesões que foram causa directa da sua morte;
27) - Após cometer os factos descritos, o arguido, utilizando o telemóvel da vítima FF, ligou ao referido, EE, proferindo a seguinte expressão ao telefone “Ela já está morta e tu também vais”;
28) - O arguido inconformado com o facto da vítima FF, já ter outra relação, decidiu matá-la, actuando de forma imperturbada na execução da decisão que tomou de tirar a vida à vítima, sua ex-companheira, sabendo que a sua conduta era adequada a provocar-lhe a morte, o que quis e conseguiu;
29) - O arguido conhecia as características da referida faca e a sua idoneidade para causar ferimentos profundos e mortais;
30) - Não obstante quis usá-la como usou, da forma supra descrita, com o referido propósito de tirar a vida à vítima FF;
31) - Mais agiu o arguido com o propósito de, através  da expressão que dirigiu ao ofendido EE, lhe causar medo e inquietação, o que, igualmente, fez de forma livre, voluntária e consciente;
32) - Agiu sempre de modo deliberado, livre e consciente, bem conhecendo a previsão e a punição legal das suas condutas;
33) - Com os factos o pai da vítima, BB, e o filho CC, sentiram dor, sofrimento e angústia;
34) - O pai da vítima sente-se revoltado;
35) - A vítima era uma mãe dedicada, tratava dos filhos e das lides domésticas;
36) - Era uma pessoa saudável, dinâmica e tinha uma relação próxima com o pai e os filhos;
37) - Do CRC do arguido constam os seguintes antecedentes:
- O arguido no âmbito P. Sumário nº 130/08.0TBRSD, da Comarca de Resende foi condenado na pena de seis meses de prisão suspensa na sua execução, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p.p artigo 292º do CP, por factos de 22.6.2008, tendo a sentença transitado em 21.7.2008;
- O arguido no âmbito P. Sumário nº 36/08.3JARSD, da Comarca de Resende foi condenado na pena de 50 dias de multa, à taxa de 7,50€, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p.p.p artigo 3º, nº1 do DL 2/98, por factos de 8.3.2008, tendo a sentença transitado em 21.4.2008;
- O arguido no âmbito P. Sumário nº 203/10.0GRSD, da Comarca de Resende foi condenado na pena de 220 dias de multa, à taxa de 5€, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p.p.p artigo 3º, nº1 do DL 2/98, por factos de 30.9.2010, tendo a sentença transitado em 22.11.2010;
- O arguido no âmbito PCS 98/10.3GARSD, da Comarca de Resende foi condenado na pena de oito meses de prisão, suspensa por igual período, pela prática de um crime de desobediência qualificada, p.p.p artigo 348, nº2 do CP, por factos de 21.4.2010, tendo a sentença transitado em 2.5.2011;
- O arguido no âmbito PCS nº 88/10.6GARSD, da Comarca de Resende foi condenado na pena de vinte meses de prisão suspensa por igual período, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p.p.p artigo 3º, nº1 do DL 2/98, por factos de 16.4.2010, tendo a sentença transitado em 6.7.2011;
38) - O arguido tem o 4º ano de escolaridade
39) - O ambiente familiar em que o arguido se desenvolveu foi marcado pelos frequentes consumos de álcool do se progenitor que frequentemente maltratava o cônjuge;
40) - O arguido tinha hábitos diários de consumo de bebidas alcoólicas que já tinha deixado aquando da prática dos factos;
41) - Trabalhava na agricultura;
42) - Mantém bom relacionamento, no meio prisional, quer com os outros reclusos, quer com os profissionais que aí trabalham.
                                                       **********

Apreciando. - Fundamentação de direito.

I Questão – Crime de ameaça agravado.

          Na conclusão 4.ª coloca o recorrente a questão do preenchimento do crime de ameaça agravado por que foi condenado, defendendo a sua absolvição por tal crime.

           

          Vejamos se colhe tal pretensão.   

         

          Inserto no Capítulo IV, dedicado a “Dos crimes contra a liberdade pessoal” do Título I “Dos crimes contra as pessoas”, do Livro II - Parte especial, do Código Penal, estabelece o n.º 1 do artigo 153.º, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro, em vigor à data da prática dos factos:
          “ Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de autodeterminação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
          Sob a epígrafe “Agravação”, estabelece o artigo 155.º, com a redacção introduzida pelo citado diploma de 2007:
          “1- Quando os factos previstos nos artigos 153.º e 154.º forem realizados:
          a) Por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos;
           (…)
o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do artigo 153.º, e com pena de prisão de um a cinco anos, no caso do n.º 1 do artigo 154.º”.

                         

           De acordo com o Código Penal Anotado, de Simas Santos e Leal Henriques, 1996, volume II, pág. 185, citado na decisão recorrida, são elementos objectivos deste tipo de crime:

a) Ameaça de outra pessoa com a prática de um crime;

b) de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação.

Além destes dois elementos, para que a conduta seja punida, torna-se, ainda, necessário que o agente tenha actuado com dolo, em qualquer das suas modalidades (artigo. 14º) - elemento subjectivo do tipo.

          

          Segundo Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 340 a 348, o que está em causa é um ataque ou afectação ilícita da liberdade individual, em que bem jurídico protegido é a liberdade de decisão e de acção, concluindo que o crime de ameaça é um crime de mera acção e de perigo, de perigo concreto, exigindo-se apenas que a ameaça seja susceptível de afectar ou de lesar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação, isto é, que tenha ficado afectada a liberdade de determinação do ameaçado, deixando de ser um crime de resultado e de dano, passando a crime de acção e de perigo

         O crime de ameaça – em que o bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade de decisão e acção de outra pessoa – é um crime de perigo abstracto-concreto, ou crime de aptidão (quanto ao bem jurídico) em que o tipo só inclui as condutas que sejam aptas, numa perspectiva ex ante, de prognose póstuma, a criar perigo para o bem jurídico protegido pela norma, devendo ser feita a prova pelo tribunal da potencialidade da acção causar a lesão, utilizando o legislador as expressões “de forma adequada a”, como no artigo 153.º, ou “adequados a”, para assinalar o crime de perigo abstracto – concreto, e quanto ao objecto da acção, é um crime de mera actividade ou formal, em que a consumação do crime verifica-se apenas pela mera execução de um comportamento humano, não se colocando o problema da imputação objectiva do resultado à acção – neste sentido Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2.ª Edição Actualizada, Outubro de 2010, em anotações ao artigo 153.º (anotações 2 e 3, a págs. 472/3) e ao artigo 10.º (anotação n.º 18, pág. 77).

       Com a reforma de Março de 1995 foi abandonada a configuração da espécie como crime de dano e de resultado, como o era no artigo 155.º do Código Penal de 1982, vertida na expressão “provocando-lhe receio, medo ou inquietação”.  

       

        A decisão recorrida fundamentou a subsunção ora em causa, a fls. 576/7, nos seguintes termos:

         «Na situação concreta tendo em conta os factos provados entende o Tribunal que se encontram preenchidos quer os elementos objectivos, quer os subjectivos do tipo.
        De facto, resultou provado que após ter morto a FF, o arguido, utilizando o telemóvel da mesma, ligou ao referido, EE, proferindo a seguinte expressão ao telefone “Ela já está morta e tu também vais”;

        Sem dúvidas que a expressão em causa, tendo em conta o contexto em que é proferida e depois do EE ter tentado várias vezes, sem sucesso entrar em contacto com a vítima é adequada a provocar medo ou inquietação.
        Deve, portanto, o arguido ser condenado por este crime, o qual é agravado, uma vez que o ofendido é ameaçado com crime punível com pena de prisão superior a 3 anos».

        Com interesse para a questão vejamos a matéria de facto apurada e de ter como definitivamente assente, constante dos pontos de facto dados por provados n.º s 27, 31 e 32.

27 - «Após cometer os factos descritos, o arguido, utilizando o telemóvel da vítima FF, ligou ao referido, EE, proferindo a seguinte expressão ao telefone “Ela já está morta e tu também vais”»;

31 - «Mais agiu o arguido com o propósito de, através da expressão que dirigiu ao ofendido EE, lhe causar medo ou inquietação, o que, igualmente, fez de forma livre, voluntária e consciente»;

       32 - «Agiu sempre de modo deliberado, livre e consciente, bem conhecendo a previsão e a punição legal das suas condutas».

       Como bem assinala o Exmo. PGA no parecer emitido “Convenhamos pois, neste quadro, que só por singular e, com o devido respeito, inexplicável leitura interpretativa do citado acervo factual se pode admitir a pretensão do recorrente no sentido de que ele não preenche a respectiva tipicidade, objectiva e subjectiva, quando é certo que se trata aqui de um crime de mera acção e de perigo, cuja consumação não depende sequer da concreta verificação do resultado, bastando a adequação da acção a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação do visado. E, como bem contrapõe, na sua resposta, o magistrado do Ministério Público na 1.ª Instância, existirão dúvidas quanto à seriedade e, por conseguinte, quanto à sua idoneidade para provocar medo e inquietação no seu destinatário, quando o agente, logo após cometer um homicídio, telefona ao aqui ofendido anunciando-lhe que terá igual destino?

            O arguido, consumada a morte da ex-companheira, utilizando o telemóvel da vítima que acabara de matar, emite uma comunicação, transmite uma mensagem ao destinatário EE, que momentos antes procurara falar com aquela, com um significado que não é outro, senão o da prática futura de um mal, no caso a privação da sua vida, dúvidas não havendo de que tal conduta preenche o tipo de crime em causa.  

     Improcede, pois, esta pretensão do arguido.

   

     II Questão – Escolha da espécie de pena prevista para o crime de ameaça agravado – Opção – pena de prisão/pena de multa?

 

    Prevenindo a manutenção da condenação pelo crime de ameaça, o recorrente na conclusão 4.ª, segunda parte, e na 5.ª, defende que deveria ter sido dada prevalência à igualmente prevista, em alternativa, pena de multa, dizendo violado o artigo 70.º do Código Penal.

       

    O acórdão de Lamego justificou a opção pela pena de prisão a fls. 581, nestes termos: «No que tange ao crime de ameaça, tendo em conta o contexto em que os factos ocorreram, o Tribunal ao abrigo do artigo 70º do CP, opta por aplicar ao arguido pena de prisão, não nos parecendo que, na situação concreta, tendo em conta a gravidade dos factos, a pena de multa seja suficiente para acautelar, nomeadamente, as necessidades de prevenção especial, na medida em que o arguido depois de cometer um crime gravíssimo ainda telefona a outrem a ameaçá-lo».

***

    Em causa está a opção a tomar face à penalidade aplicável ao crime de ameaça agravado.

    Como decorre do artigo 153.º, n.º 1, em conjugação com o disposto nos artigos 155.º, n.º 1, alínea a), e 131.º (ameaça de morte), do Código Penal, a penalidade a ter em consideração é a de pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 240 dias.

               

    O critério da escolha da pena prevista em alternativa encontra-se estabelecido no artigo 70.º do Código Penal, o qual sob a epígrafe “Critério de escolha da pena”, dispõe que «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».

    As finalidades da punição são, de acordo com o artigo 40.º do Código Penal, a partir da revisão de 1995, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

    Conforme explicita Figueiredo Dias em Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 497, pág. 331, o critério geral de escolha (entre penas alternativas) e de substituição da pena é o seguinte: «o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação», e acrescenta - § 498, pág. 332 - bem se compreender que assim seja: “sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena”.

    Quanto à função – inteiramente distinta – que as exigências de prevenção geral e de prevenção especial exercem neste contexto, esclarece este Autor que «Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão», acrescentando que «o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa (ou de uma pena de substituição) quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquela(s) pena(s); coisa que só raramente acontece se não se perder de vista o já tantas vezes referido carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração» (ob. cit., § 500, págs. 332-333).
    Quanto ao papel da prevenção geral acentua que “deve surgir aqui unicamente sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico (…), prisão como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa (ou a pena de substituição) só não será (ão) aplicada (s), se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias» (ibidem, § 501, pág. 333).

    No caso presente, o preceito incriminador, com base no qual foi aplicada a pena de prisão de 10 meses ora questionada, prevê uma dualidade de punição, não em registo cumulativo, como acontecia com as antigas penas compósitas (ou penas mistas, prevendo cumulativamente penas de prisão e de multa complementar) herdadas do regime punitivo anterior, mas sobreviventes ainda em 1995 (e daí a necessidade da norma transitória do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03), mas antes em disjuntiva, ou em alternatividade, sendo tal novidade introduzida com a 3.ª alteração do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15-03, com o abandono das penas mistas ou compósitas, em cumulação de penas de prisão e de multa, e com a adopção de outras medidas tendentes a reforçar o respectivo campo de aplicação, como a impossibilidade de suspensão da sua execução - artigo 50.º do Código Penal - mesmo nos casos em que subsistiam penas compósitas.

    Como se vê da Lei de autorização legislativa n.º 35/94, de 15-09, de onde emergiu a reforma de 1995 e a 3.ª alteração ao Código Penal, de entre as soluções preconizadas estava a valorização da pena de multa; a primazia da pena não privativa de liberdade sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição; em todos os tipos legais de crime, eliminar a prescrição cumulativa das penas de prisão e de multa e, sempre que esta houvesse de se articular com a prisão, sê-lo-ia como alternativa e a consagração como princípio geral da previsão da multa como alternativa da prisão até 3 anos, tudo conforme artigo 2.º, c) e artigo 3.º, n.º s 36, 86 e 87 e para além das disposições transitórias dos artigos 6.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 48/95.

      Ora tal alternatividade supõe, necessariamente, uma necessidade – passe o pleonasmo – de escolha entre os dois termos em equação, mais concretamente, no caso ora em apreciação, a opção entre uma pena de prisão de um mês a dois anos, ou de uma pena de multa de 10 até 240 dias.

   À luz do critério estatuído no artigo 70.º do Código Penal, sendo aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda (multa como alternativa à pena de prisão, “a forma por excelência de previsão da pena pecuniária”, na expressão de Figueiredo Dias, loc. cit. §137, pág. 124), sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

       Perante duas penas principais previstas em alternativa, a primeira operação consistirá na escolha, isto é, em determinar qual das duas espécies de penas eleger no caso concreto, após o que, num segundo momento, consumada a eleição da espécie, competirá proceder à determinação da medida concreta da espécie de pena já escolhida.

       No caso presente – é a questão que se coloca – será ajustada, adequada e suficiente a aplicação de uma pena de multa, como pretende o recorrente?

       Face ao contexto do caso sujeito, encarado na sua globalidade, não se estando face a uma conduta isolada, a um único crime, sendo o ora em questão cometido em acto seguido ao mais grave, a resposta será negativa.

       A pena não privativa de liberdade só será preferível se realizar de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição, casos havendo em que a execução da pena de prisão é exigida por razões de prevenção, por se mostrar necessário que só a execução da prisão permite dar resposta às exigências de prevenção.

       Há que ter em conta o critério da adequação e suficiência, atento por um lado, o bem jurídico protegido na espécie, uma das finalidades a que alude o artigo 40.º, mas e sobremaneira, atender às razões de prevenção geral, que se impõem no caso presente, não sendo excessivo a opção recair na pena privativa de liberdade, tendo em conta as necessidades de assegurar a paz comunitária, atendendo ao pleno do comportamento assumido pelo arguido no trecho de vida aqui analisado e valorado, que se não quedou apenas pela prática da infracção ora em equação e em discussão, antes a ultrapassando com uma configuração quantitativa e qualitativamente mais abrangente, bem mais ampla e gravosa em termos de lesividade, privando de vida a ex-companheira.

       A própria escolha da espécie da pena a aplicar deve ter na base elementos, que sendo exógenos em relação à concreta e singular conduta apreciada para o tema em causa (mesmo que representando um minus no contexto global), se prendem com o conjunto das circunstâncias que enformam o facto total submetido a julgamento.

       A punição a fazer da concreta conduta ora em equação não será certamente nos mesmos moldes em que o seria se se figurasse caso de nada mais estar em julgamento, ou seja, não pode ser descontextualizada da vivência, do trecho de vida do arguido espelhado naquela manhã, recaindo a observação – global – sobre ambos os comportamentos, entre si conexionados pela sequência temporal imediata, visando a ameaça o homem que momentos antes telefonara para a mulher que acabava de matar. 

       A opção pela pena de multa não daria satisfação aos fins das penas num conjunto de actuações em que para além da ameaça está em causa homicídio qualificado.

       Sobre o tema em equação – aplicação do artigo 70.º do Código Penal, com escolha entre pena de multa ou de prisão - compulsados os volumes da CJSTJ, de 1993 a 2009, podem ver-se os seguintes acórdãos:

    Acórdão de 24-01-2002, processo n.º 3128/01-5.ª Secção, in CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 188, com dois votos de vencido, em que se afirma que por não ter a recorrente antecedentes criminais quando foram proferidos os acórdãos objecto de recursos, a arguida não tinha, no rigor técnico do conceito, antecedentes criminais; no caso, considerou-se possível, dar preferência à aplicação das penas alternativas de multa, por realizarem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

    Acórdão de 06-01-2005, processo n.º 4204/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 165, onde, em caso de ilícitos fiscais, é defendida a opção por pena de prisão, dadas as fortes razões de prevenção geral e benefício ilegítimo obtido pelo arguido com o correspondente prejuízo para o Estado.    

    Acórdão de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178, donde se extrai: “No processo de escolha entre pena de prisão e pena não privativa da liberdade, apenas será de optar por aquela por razões de prevenção especial, nomeadamente, de socialização ligada à prevenção da “reincidência” ou então por razões de prevenção geral de tutela do ordenamento jurídico (no caso concreto considerou-se que o arguido à data dos factos apreciados no processo era primário). 

    No acórdão de 10-01-2008, processo n.º 3227/07-5.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 187 (196), a opção, em caso de crime de subtracção de menor, recaiu em pena de prisão.

      Do mesmo relator o acórdão de 10-01-2008, processo n.º 4277/07-5.ª, onde se afirma “quando são acentuadas as exigências de prevenção geral positiva pela gravidade da conduta em causa não se deve optar pela pena de multa na punição do crime de detenção ilegal de arma (usada em assalto).

    No acórdão de 25-10-2006, processo n.º 3042/06-3.ª Secção, em que a opção tem lugar relativamente a aplicação de pena por crimes de coacção, de falsificação de documento e de detenção ilegal de arma, todos puníveis com pena de prisão ou de multa – e todos em concurso real, com um crime de roubo agravado - a escolha recaiu na pena de prisão, por no caso concreto e atenta a frequência da prática criminosa descrita, ser “aquela que se apresenta com maior potencial dissuasor, respondendo ao pragmatismo que lhe é próprio, à protecção dos bens jurídicos violados (art. 40.º n.º 1, do C P), além de desempenhar uma função retributiva, na forma de interiorização do mal causado, sendo a aconselhável em nome de uma incontornável e premente prevenção geral”.

    E mais à frente, diz-se que “A prevenção especial cabida no caso não se basta com uma mera advertência sob o modelo da pena de multa, mas antes exige e impõe pena de prisão, como forma de emenda cívica”.

      Segundo o acórdão de 12-02-2009, proferido no processo n.º 110/09, da 5.ª Secção “Sempre que, na pena única conjunta, tenha de ser incluída uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa”.

    No acórdão de 08-10-2009, proferido processo n.º 228/08.5JAFAR.S1-5.ª, em caso em que estava em equação a opção por pena de multa, em situação de conjunção de um crime de falsificação de documento e de um crime de roubo, aduz-se que: «Uma vez que a prática do crime de falsificação de documento está intimamente ligada à prática de um crime de roubo, é de repudiar, e em princípio, a aplicação de uma pena efectiva por este crime, e ao mesmo tempo, uma pena alternativa de multa, para aquele, com o qual está em primeiro está uma relação de concurso, formando, assim uma espécie de pena, compósita ou mista, sendo que esta espécie de penas foi arredada do âmbito dos sanções criminais».    

    A prevalência pela pena de multa é afirmada no acórdão de 06-01-2010, proferido processo n.º 99/08.1SVLSB.L1.S1 - 3.ª.

    No acórdão de 19-11-2008, processo n.º 3636/08-3.ª, é afastada a opção de multa em caso de concurso de furto qualificado e falsificação de documento.

    No acórdão de 05-02-2009, processo n.º 2385/08-5.ª, refere-se que a regra do artigo 70.º, que se reporta às penas alternativas, vale para as penas substitutivas da pena de prisão, ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, do Código Penal. (Sobre o tema, concretizando, cfr. acórdão de 04-11-2004, processo n.º 3502/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 223).

    Nos acórdãos de 28-11-2007, proferido no processo n.º 3294/07, de 10-11-2010, proferido no processo n.º 145/10.9JAPRT e de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1, por nós relatados, em que no primeiro, em causa estava a punição de crime de condução ilegal, no segundo a opção se colocava na punição de crime de detenção de arma proibida, e no terceiro, na de crime de furto simples, a preferência recaiu sobre a pena de prisão.

      

         Voltando ao caso concreto.

Ressalta como evidente que a aplicação de uma pena de multa, no contexto da ora apreciada conduta ilícita global, não atingiria, não satisfaria, as finalidades de punição, as necessidades de prevenção geral e especial, já que não se está perante um ilícito único, isolado, de menor dimensão, de uma qualquer “bagatela penal”, sem consequências, sem desvalor de resultado, antes devendo ser contextualizado no âmbito concreto de uma ilicitude maior, na indução de um grau de lesividade de bens jurídicos mais acentuado, porque mais abrangente, em que deixa de estar em causa apenas a feridência da liberdade de decisão e de acção, mas a própria vida, fonte de todos os direitos, impondo-se que a escolha recaia, sem margens para quaisquer dúvidas, sobre a pena detentiva.

         Como foi referido no parecer supra mencionado «(…) no contexto da acção do arguido, também a nós se nos afigura, com o decidido, que a pena de multa não seria, “in casu”, suficiente nem adequada a acautelar desde logo as necessidades de prevenção especial, tanto mais que está em causa a conduta de uma pessoa, o arguido, que matou a sua vítima por ciúme, estando convencido de que ela o trairia com o ora ameaçado».

Face ao exposto, havendo que ter em atenção que a opção a tomar não pode deixar de ter em conta os factos no seu conjunto, o ilícito global em apreciação, sendo relevante o contexto em que tudo se passou e que a pena de prisão aplicada por este crime no caso concreto perde a sua autonomia e peso específico, integrando-se em cúmulo jurídico em função de concurso efectivo de infracções ora submetidas a julgamento, considera-se como correcta a opção pela pena detentiva, pronunciando-nos infra sobre a respectiva medida concreta.

         Improcede, pois, esta pretensão do recorrente.

        III Questão – Medida da pena do crime de homicídio

 

        O recorrente, nas conclusões 1.ª, 2.ª, 3.ª e 5.ª, discorda da medida da pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado, defendendo que a mesma deveria ser fixada em quinze anos de prisão.

        A moldura abstracta penal cabível ao crime de homicídio qualificado é de prisão de doze a vinte e cinco anos.

        Dentro desta moldura funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- A intensidade do dolo ou da negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

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       No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.

       Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, págs. 210/211.

       A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 02-05-1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.

       Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.

       Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g.,  os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de  17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.

       Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.

       Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).

   

       A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.

         A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.

       Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

       Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).

       Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:

1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.

2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.

3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

       No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».

       Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.

       Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

       Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.

       Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

       Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

       O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.

       Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.

       Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.

       Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.

           

       Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

       Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»).

       As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

       Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».

       Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

       Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale  de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que  considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.

       Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:

“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.

         E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

       Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10-04-1996, processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “ O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.

       Ainda do mesmo relator, e a propósito de caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social”  - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».

       Uma outra formulação, em síntese, na esteira de Figueiredo Dias, “As consequências jurídicas do crime 1993”, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

       Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.   

       A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de  09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª.

       Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.

       O limite mínimo da pena a aplicar é assim determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e ss..

       Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o acórdão de 22-09-2004, processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.

       Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07 - 3.ª: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.

       O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.

       O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

       Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

       Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».

        

      Revertendo ao caso concreto.

      Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão de primeira instância, que recolheu os elementos necessários e suficientes para o efeito e teve em vista os parâmetros legais a observar, havendo apenas que considerar algumas especificidades do caso ora submetido a reapreciação.

Sobre a questão da determinação da medida concreta da pena, discorreu o acórdão recorrido, de fls. 577 a 581, nos termos que seguem (tendo-se ora em conta os que respeitam apenas ao crime de homicídio):

      «Pressupostos de punição, escolha e determinação da medida concreta da pena: (…)  

      Na situação dos autos, atenta a natureza do crime em causa, no que tange ao homicídio, as necessidades de prevenção geral são prementes, sendo certo que nos últimos meses têm sido vários os julgamentos de homicídio efectuados por este colectivo, ao que acresce a circunstância deste ter sido praticado num quadro de violência domestica, em que cada vez mais tais situações terminam em homicídio, sendo portanto elevadíssimas as necessidades de prevenção geral.

      De facto, cada vez com mais frequência a ruptura de relacionamentos amorosos por parte de um elemento do casal (geralmente o elemento feminino), leva o outro a cometer crimes de homicídio. Assim, o alarme social gerado por este tipo do crime é elevadíssimo.

      Logo, prementes são as necessidades de prevenção geral.

      O dolo é muito intenso, sendo directo.
      A culpa situa-se, assim, em patamar muito elevado.
      O arguido matou uma mulher jovem, que tinha apenas 20 anos e o futuro pela frente, o que revela um total desrespeito pela vida humana e considerável falta de capacidade para se reger de acordo com os valores, com a inerente perigosidade.
      Não pode agora o Tribunal valorar o modo de actuação do arguido, na medida em que o mesmo serviu para qualificar o homicídio.
      O arguido tem antecedentes criminais, embora por crimes de natureza distinta.
      Assim, a favor do arguido apenas militam as suas condições pessoais, as condições em que o próprio foi educado e a circunstância de ter admitido a quase totalidade dos factos, apesar de ter relatado os mesmos de uma forma distante e fria, sem revelar grande emoção.
      O crime foi cometido quando o arguido ainda era um jovem, não esquecendo, contudo, o Tribunal que teve um percurso de crescimento e educação caracterizado igualmente por violência do pai exercida sobre a mãe.
      Pelo exposto, considera o Tribunal adequado condenar o arguido na pena de dezoito anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado”.

 

        **********

    

Vejamos se no caso em reapreciação é de manter, ou antes reduzir, a pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado, como pretende o recorrente que, concretizando a pretensão, adianta a proposta de fixação de uma pena de 15 anos de prisão.

      Há que assinalar desde já que o presente caso assume alguma especificidade, atendendo a que a qualificação do homicídio assenta na verificação de dois exemplos-padrão – como vimos, o recorrente foi condenado por homicídio qualificado, por se terem por presentes os factos - índice previstos nas alíneas b) e j) do n.º 2 do artigo 132.º, do Código Penal, com relevo para a qualificação da atitude do recorrente como especialmente censurável ou perversa.   

   Concorrem, pois, para a qualificação, no caso sujeito, dois exemplos-padrão.

  

   Vejamos em que medida interfere, ou não, a presença certificada de uma segunda qualificativa, numa moldura abstracta penal, agravada por verificação de mais do que um exemplo-padrão, no caso dupla, como no caso, a nível da determinação da medida concreta da pena.

   Princípio da proibição de dupla valoração na medida da pena (parcelar).

   

      De acordo com o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, «na determinação concreta da pena, não devem ser tomadas em consideração as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime».

   Abordando a questão, a montante, ou seja, perante um quadro que configure concurso de circunstâncias qualificativas, modificativas, fixadas pelo legislador, por si só determinantes, bastando uma apenas, de uma moldura penal agravada.

   A propósito da figura do concurso neste específico conspecto, refere Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, no § 42, pág. 45, citando Teresa Serra, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena, 1990, 50, que no caso de concurso de elementos constitutivos de mais de um exemplo-padrão, ambos com relevo para a qualificação da atitude do agente como especialmente censurável ou perversa, um tal concurso só poderá ter efeito, se dever tê-lo, na determinação da medida da pena.   

   Por seu turno, afirma a citada Autora, na aludida obra, Livraria Almedina, 1990, no ponto 3.7.4, a págs. 101/2, a propósito do concurso em equação, que “não pode aceitar-se a existência de problemas de concurso nem entre a verificação de diversos exemplos-padrão, nem entre tipo fundamental (artigo 131.º) e regra de determinação da moldura penal do grupo valorativo de homicídios especialmente graves, nem entre esta e a regra de determinação da moldura penal contida no artigo 133.º (homicídio privilegiado). E isto é assim, em virtude destes preceitos não conterem verdadeiros tipos de crimes, mas apenas regras modificativas da moldura penal do homicídio”.

      E avança: “Daí que não possa encarar-se como concurso ideal o caso do homicídio qualificado em que se verifica o preenchimento de dois ou mais exemplos–padrão. Aqui, quando muito, poderá verificar-se a ocorrência do efeito de indício numa medida ainda mais intensa, mas nunca considerar-se como uma questão de concurso. Mais correcta será, contudo, a eleição de uma das circunstâncias como decisiva para a determinação da moldura penal aplicável, enquanto a outra será tomada em consideração, como agravante, na fixação da medida concreta da pena». (Realces nossos).

  Num outro plano, a juzante, a fazer actuá-lo, mesmo que se esteja perante uma única qualificativa, há que ter em conta o princípio da proibição da dupla valoração da culpa nestes casos, sob pena de violação do princípio in bis in idem, impedindo que esta actue como factor de ponderação da medida de pena, uma vez que já foi considerada na própria qualificação do crime.

      Como deu devida nota o acórdão recorrido na fundamentação da medida da pena, a fls. 579: “Não pode agora o Tribunal valorar o modo de actuação do arguido, na medida em que o mesmo serviu para qualificar o homicídio”.

      De acordo com Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 314, pág. 234, a propósito do princípio da proibição de dupla valoração vertido no n.º 2 do então artigo 72.º (actual artigo 71.º) do Código Penal, enuncia como sua justificação que “não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto; e portanto não apenas os elementos do tipo de ilícito em sentido estrito, mas todos os elementos que tenham sido relevantes para a determinação legal da pena”; por outras palavras, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime não devem ser tomadas em consideração na medida da pena; ou seja, os factos que consubstanciam um crime de homicídio qualificado não podem ser novamente valorados na quantificação da culpa para efeitos da medida da pena.

   Teresa Serra, na citada obra Homicídio Qualificado, agora no ponto 3.7.5, versando sobre “A proibição da dupla valoração”, a págs. 103/4, especifica a propósito da proibição do duplo aproveitamento ou da dupla valoração de elementos do tipo de crime na determinação da medida concreta da pena, prevista no n.º 2 do artigo 72.º (actual 71.º), dizendo: «Nestes termos, é proibido aproveitar mais uma vez circunstâncias que levaram à formação da moldura penal, e que são pressupostos da sua aplicação, na fixação da medida da pena no caso individual». E explica: «A fundamentação desta proibição é evidente: os elementos do tipo de crime foram já ponderados no âmbito da determinação da moldura penal e, desse modo, constituem já pressupostos da medida concreta da pena, que há-de ser escolhida dentro dos limites daquela moldura, sem que os referidos elementos a possam voltar a influenciar”. Assim, nem sequer se torna necessário o recurso ao princípio ne bis in idem, como tradicionalmente se entendia, cuja aplicação neste contexto é duvidosa, dada a natureza “logicamente inimpugnável”, de uma proibição como esta”, dizendo que “a proibição do duplo aproveitamento constitui (…) “uma verdade jurídico-penal banal e um princípio cuja violação é considerado um erro crasso”».

      Como refere o acórdão deste Supremo Tribunal de 25-02-2010, proferido no processo n.º 108/08.4PEPDL.L1.S1-5.ª, as circunstâncias que serviram para a qualificação do crime (de homicídio) – no caso alíneas b) e j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal - não podem ser novamente consideradas na graduação da pena.  Mas acrescenta: “são circunstâncias agravantes para o efeito da graduação da pena, dentro da moldura já de si especialmente agravada do crime, a surpresa com que o arguido agiu, a sua superioridade física, o meio de agressão utilizado, bem como a reiteração das pancadas, a presença no local da filha menor de 14 anos de idade e ainda os sentimentos revelados nas frases que proferiu durante e já após a sua actuação”.

      Fazendo aplicação destes princípios, podem ver-se os acórdãos, por nós relatados, de 24-03-2011, no processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, de 29-06-2011, no processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1 (em ambos presentes dois exemplos-padrão); e de 30-11-2011, no processo n.º 238/10.2JACBR.S1 (no caso com verificação de apenas um exemplo-padrão), e ainda o acórdão de 16-06-2011, proferido no processo n.º 600/09.3JAPRT.P1.S1, da 5.ª Secção, em que em caso de uxoricídio, aplicando pena de 16 anos, e não a pena de 20 anos, aplicada na primeira instância, e a de 18 anos, fixada na Relação, se entende que o preenchimento da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º já não será ponderado para efeitos da determinação da medida da pena pelo crime, como é imposto pela proibição da dupla valoração.  

                                                       

      Revertendo, de novo, ao caso concreto.

   Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal - definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa.

      O bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras de homicídio é a vida humana inviolável, reflectindo a incriminação a tutela constitucional da vida, que proíbe a pena de morte e consagra a inviolabilidade da vida humana - Parte I, Título II, Direitos, liberdades e garantias, Capítulo I, Direitos, liberdades e garantias pessoais - artigo 24.º da Constituição da República – estando-se  face à mais forte tutela penal, sendo  a vida e a sua inviolabilidade que conferem sentido ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à liberdade que estruturam e densificam o Estado de direito.

      Como se extrai da Constituição da República Portuguesa Anotada, de Gomes Canotilho e Vital Moreira, 2007, volume I, págs. 446/7, “O direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”.

      O direito à vida é a conditio sine qua non para gozo de todos os outros direitos.

   Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, 1.ª parte, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o direito de qualquer pessoa à vida é protegido pela lei, tratando-se essencialmente de um direito a não ser privado da vida, um direito a não ser morto – neste sentido, Vera Lúcia Raposo, O direito à vida na jurisprudência de Estrasburgo, in Jurisprudência Constitucional, n.º 14, pág. 59 e ss.

     

      Analisando a conduta do recorrente.

       

      No caso presente é elevadíssimo o grau de ilicitude do facto, atenta a gravidade das consequências da conduta do arguido, no que respeita à vítima mortal.

      O grau de culpa é muito acentuado, com elevada intensidade do dolo, na modalidade de directo, pela manifestação da vontade firme dirigida ao facto, à concretização do resultado final, desferindo o arguido no corpo da vítima sucessivos onze golpes com faca, de forma espaçada, de tal forma que, entre a primeira facada e a última, decorreram cerca de dez minutos.

      É, pois, muito elevado o grau de culpa no quadro da especial censurabilidade própria do tipo qualificado.

      A actuação do arguido foi extremamente censurável, e mesmo cruel, não se coibindo de atingir mortalmente a vítima, de 20 anos de idade, com uma facada na jugular, sendo este crime cometido contra pessoa com quem se relacionara intimamente, desde os 15 anos dela, e 18 dele, com quem convivera em união de facto, durante cerca de seis anos, sendo levado a cabo no interior de uma casa onde aquela então vivia com os dois filhos menores de ambos, tendo consentido na entrada por o arguido ter dito que pretendia ver os filhos, encontrando-se a vítima à sua completa mercê, num quadro em que o “filho mais velho” certamente se terá apercebido da discussão e do desenrolar da cena, até porque estava com o irmão, bebé de três meses, num quarto contíguo.

      Ao tirar a vida a FF , para além da perda da vida desta, e exactamente em resultado dessa definitiva privação de vida, o comportamento desviante do arguido conduziu à produção de efeitos colaterais, com intenso grau de lesividade de direitos de personalidade de outrém, no caso, dos dois filhos de ambos, nascidos em 23-11-2007 e 31-03-2011, que ficaram privados de sua Mãe, deixando-os na orfandade, quando contavam apenas, três anos e sete meses, e três meses e dez dias de idade.

      Foram muito graves e de efeitos certamente nefastos/perniciosos, obviamente, não quantificáveis para já, as consequências do crime para os filhos da vítima e dele mesmo arguido, o agressor.

      Com a sua conduta, o arguido privou-os, definitiva e irremediavelmente, de um direito de uma qualquer criança, em qualquer latitude, em qualquer tempo, e revestindo condição qualquer, o direito primeiro a ter a sua “Mamã”, aquela que o gerou em conjunção com outrem, mas a quem coube o desempenho primordial das etapas subsequentes, da “construção do puzzle”, que deu origem à criatura nascida.

      O arguido, após uma “convivência marital” com a vítima, desde os 15 anos dela e 18 seus, que durou cerca de seis anos, até 1 de Julho de 2011, se bem que com duas separações originadas por maus tratos pelo arguido a ela infligidos (pontos 1 e 4 dos factos provados), que originaram queixas daquela (ponto n.º 2), em menos de dez dias, entre 1 e 10 de Julho de 2011, a tantos quantos teve direito a vítima à sua liberdade, no exercício da separação do arguido, destroçou de forma inapelável, três vidas, fazendo extinguir o direito daquela à sua vida, e o direito daqueles infantes, seus filhos, e dela vítima, a terem uma mãe – a sua Mãe.

     O passado de cerca de seis anos de relacionamento afectivo entre arguido e vítima, que foi mãe pela primeira vez com 16 anos, com a projecção de vida futura de duas crianças, deveria constituir o elemento refreador, o travão, para quaisquer impulsos agressivos, mas não foi isso que aconteceu.

      A conduta do arguido insere-se numa linha de agressividade e de completo desrespeito pela companheira, pela Mãe dos seus filhos, um deles, muito recentemente nascido, num cenário de violência doméstica, que determinou, inclusive, duas queixas por parte da vítima.

      Terá agido o recorrente, como diz na conclusão 3.ª, no quadro do denominado crime passional, movido por um sentimento de ciúme e de posse sobre a vítima, a quem não reconhecia qualquer direito ou espécie de autonomia.

         Como foi referido no acórdão deste Supremo Tribunal de 03-10-2007, processo n.º 2791/07-3.ª, versando caso de uxoricídio, em que o arguido foi condenado por homicídio simples, “a valorização do ciúme ou da desconfiança sobre a fidelidade do cônjuge como elemento mitigador da responsabilidade criminal é absolutamente de rejeitar no ordenamento jurídico de um Estado de direito democrático, assente na dignidade da pessoa humana e no direito de todos ao livre desenvolvimento da sua personalidade”.

      E como se extrai do acórdão de 23-11-2011, deste Supremo Tribunal, proferido no processo n.º 1064/10.4JDLSB.L1.S1 - 3.ª Secção, “não atenua a responsabilidade do arguido a circunstância de ter actuado por ciúme, inconformado com o termo do relacionamento marital. Este facto, contrariamente ao alegado pelo recorrente, é revelador da sua intolerância e desprezo para com a vítima e para com o direito desta à sua autodeterminação, enquanto pessoa livre e autónoma”, sendo aplicada a pena de 20 anos de prisão pelo crime homicídio, e incluindo punição por maus tratos, foi considerado não merecer censura a aplicada pena única de 22 anos de prisão.

       E como se retira do acórdão de 31-01-2012, processo n.º 894/09.4PBBRR.S1-3.ª, o motivo passional não poderá nunca ser valorado positivamente em termos atenuativos, gerais ou especiais, como por vezes se pretende.

       Refere João Curado Neves, in “A problemática dos crimes passionais”, pág. 715: “Na maior parte dos casos o homem mata a mulher que pretende pôr termo ao matrimónio ou à ligação amorosa. Este acto tem normalmente origem em características da personalidade do agente e desenvolvimento da relação. Caracteristicamente o marido ou amante ocupa ou pretende uma posição de superioridade no casal e não consegue suportar a inversão da relação de poderes que culmina no termo da relação por iniciativa da mulher. Neste caso não há razão para desculpar o agente total ou parcialmente. A pretensão do marido não merece qualquer tipo de protecção, pois ele procura realizar objectivos ilegítimos, como sejam a restrição da liberdade da sua parceira, maxime, negando-lhe a possibilidade de escolher livremente em que relações amorosas se quer envolver e que tipo de vida pretende levar. Ao invés de uma suposição ainda recorrente, o homicida passional não mata por amor, quando muito por amor próprio”, apud acórdão de 26-04-2012, processo n.º 293/10.5JALRA.C1.S1-5.ª.

      Citando o mesmo Autor e obra, págs. 693 e 715, veja-se o acórdão de 23-11-2011, proferido no processo n.º 508/10. 0JAFUN.S1-5.ª, onde após referir-se que «Por “homicídio passional” entende-se o crime cometido, em regra, “repentinamente, na sequência de um impulso emocional súbito”, que resulta “geralmente de um conflito familiar ou amoroso”, em que “caracteristicamente o marido ou amante ocupa ou pretende uma posição de superioridade no casal e não consegue suportar a inversão da relação de poderes que culmina no termo da relação por iniciativa da mulher” e pondera, a final: “ O passado de relacionamento afectivo entre arguido e vítima deveria, em condições de normalidade, constituir um refreamento para quaisquer impulsos agressivos. É na ultrapassagem desse travão que se revela uma atitude especialmente censurável. Tanto mais que o modo como o crime foi perpetrado acentua o quadro especialmente desvalioso. O cometimento de crime passional, debaixo de emoção mais ou menos violenta ou sob o domínio dos afectos, não neutraliza a especial censurabilidade ou perversidade do acontecido, globalmente considerado”.

      Certo que o arguido confessou, mas não ficou demonstrado qualquer arrependimento, contrariamente ao que alega, sendo certo que, pese embora a confissão tivesse sido importante, a verdade é que também o arguido não assumiu a conduta em toda a linha, bastando atentar ao que consignou o acórdão de Lamego.
     Após afirmar que o arguido admitiu praticamente a totalidade dos factos dados como provados, refere que “O arguido também negou que tivesse tido intenção de matar a vítima, não obstante ter confessado os factos objectivos, ou seja que desferiu vários golpes da vítima, como descrito na acusação, negando, ainda que tenha actuado da forma descrita pelo facto da vitima ter iniciado uma relação com outro homem, mas que teve o comportamento descrito por causa dos filhos, com medo de nunca mais os ver, não querendo, contudo, matar a FF. (…) O arguido confessou, assim, quase toda a factualidade.

      No entanto, mesmo que os não tivesse confessado, a restante prova produzida, sempre permitiria ao Tribunal concluir que o arguido foi o autor material dos factos e que os mesmos terão decorrido, basicamente, como descrito na acusação”.
      E como consta da fundamentação da medida da pena “Foi tida em conta a circunstância de ter admitido a quase totalidade dos factos, apesar de ter relatado os mesmos de uma forma distante e fria, sem revelar grande emoção.”

       

      São intensas as necessidades de prevenção geral.

      Na realização dos fins das penas as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de primordial importância.

      A função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem mais essencial tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição.

      Como expende Figueiredo Dias, em O sistema sancionatório do Direito Penal Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.

      Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.   

        Versando a forte necessidade de prevenção geral nestes casos, no acórdão do STJ, de 17-03-1994, BMJ n.º 435, pág. 518, dizia-se: pode afirmar-se sem exagero que o homicídio voluntário se banalizou, constituindo, com o tráfico de droga, o tipo de ilícito que este Supremo Tribunal mais vem julgando ultimamente.

        E como referido no acórdão deste Supremo Tribunal de 11-07-2007, processo 1583/07-3.ª, a criminalidade violenta, em que se integra o crime de homicídio, assume alguma preocupação comunitária em crescendo, pelo que, para confiança da colectividade na lei, em nome de uma desejável tranquilidade e segurança de respeito pela vida humana, as necessidades de prevenir a prática de tal crime são muito presentes. 

        Como acentua o acórdão de 26-03-2008, processo n.º 292/08-3.ª, versando situação em que o arguido tirou a vida à sua companheira de muitos anos, as exigências de prevenção geral são particularmente fortes, inserindo-se os factos no fenómeno denominado “violência doméstica”, aliás na sua vertente mais condenável, a do homicídio, sendo inquestionável a necessidade de fixação de penas eficazes, que não excedam, obviamente, os limites da culpa.   

           

      Trata-se de crime gerador de grande alarme social e repúdio das pessoas em geral, face à enorme intranquilidade que gera no tecido social, que vem assumindo uma prática frequente, sendo elevadas as exigências de reafirmação da norma violada.

      Noutra perspectiva, o homicídio qualificado integra o conceito de “criminalidade especialmente violenta”, na “definição” do artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal (alínea intocada na alteração operada no preceito pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto), tendo no caso presente sido cometido mediante o recurso a uma faca, sem qualquer hipótese de defesa para a vítima, pelo que se impõe uma pena com efeito dissuasor, em nome de fortes e sentidas necessidades de prevenção geral. 

             

         No que toca a prevenção especial avulta a personalidade do arguido na forma como actuou, de forma imperturbada, com absoluta indiferença e insensibilidade pelo valor da vida e dignidade da pessoa humana, e pela persistência na execução, não se esgotando na mera prevenção da reincidência, sendo indiscutível que carece de socialização.

        Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

        E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.

         No que toca a antecedentes criminais do recorrente, há a registar a condenação pela prática de crimes rodoviários (três conduções intituladas, uma condenação por condução em estado de embriaguez e outra por desobediência).

         Teremos a considerar ainda as atenuantes já assinaladas, com relevo para a idade do arguido, que à data da prática dos factos tinha 23 anos, contando actualmente 24 anos, bem como a educação, vivência e as demais condições pessoais do arguido expressas nos factos provados n.º s 38 a 42.

       

                                                           ************

        Por último, ter-se-ão em consideração os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a especificidade do caso sujeito.

       E na sequência, haverá que equacionar a necessidade ou desnecessidade de intervenção correctiva deste Supremo Tribunal. 

       A este propósito, dir-se-á que a necessidade de adequação da pena às concretas circunstâncias do caso não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência. 

       Nesse sentido passar-se-á a alinhar alguns acórdãos mais recentes deste Supremo Tribunal de Justiça, em que estavam em causa homicídios qualificados - típicos ou atípicos - e mais especificamente, casos de qualificação determinados pela presença do exemplo padrão da alínea b), ou antes da expressa consagração legislativa dessa relação especial, noutros exemplos semelhantes.

Na maioria das vezes, os recursos foram interpostos pelo arguido condenado, anotando-se infra as penas aplicadas e quando é caso disso, factores com relevância no caso concreto, como a idade dos arguidos jovens.

Exemplificando, podem ver-se os seguintes acórdãos:

16-02-2005, processo n.º 3131704-3.ª – 17 anos 

23-02-2005, processo n.º 4302/04-3.ª – 17 anos

04-05-2005, processo n.º 652/05-3.ª (dois crimes: 16 e 17 anos; pena conjunta: 25 anos)

07-07-2005, processo n.º 2314/05-5.ª – 16 anos

24-11-2005, processo n.º 2991/05-5.ª – 14 anos

30-11-2006, processo n.º 3110/06-5.ª (dois crimes: 15 e 17 anos; pena conjunta: 20 anos)

09-01-2008, processo n.º4465/07-3.ª – 18 anos (reduzida de 1 ano)

16-01-2008, processo n.º 4637/07-3.ª – 17 anos (Arguido jovem - reduzida de um 1 ano)

05-03-2008, processo n.º 210/08 - 3.ª, in CJSTJ2008, tomo 1, pág. 243 – (Homicídio qualificado atípico) – 15 anos

05-03-2008, processo n.º 114/08 – 3.ª (Arguido com 18 anos) – 17 anos

27-03-2008, processo n.º 815/08 – 5.ª – 17 anos  

17-04-2008, processo n.º 677/08-3.ª – 20 anos de prisão, sendo ordenado internamento em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena

17-04-2008, processo n.º 823/08-3.ª – (Arguido com 19 anos) – 18 anos para homicídio consumado e para homicídio tentado - 12 anos; pena única: 21 anos

12-11-08, processo n.º 2826/08-3.ª – 20 anos (reduzida de 2 anos)

26-11-2008, processo n.º 3706/08-3.ª – 16 anos

21-01-2009, processo n.º 4030/08-3.ª – 18 anos

11-02-2009, processo n.º 4132/08-3.ª – 20 anos

18-02-2009, processo n.º 165/09-3.ª – 19 anos

18-02-2009, processo n.º 100/09-3.ª – (Arguido com 17 anos) – 18 anos 

12-03-2009, processo n.º 237/09-5.ª – (Arguido A - 18 anos; Arguido B - 17 anos) 

19-03-2009, processo n.º 3773/08-5.ª – (Arguido com 18 anos) – 15 anos

19-03-2009, processo n.º 164/09- 5.ª – (Regime jovem) – 11 anos e 6 meses

29-04-2009, processo n.º 6/08.1PXLSB.S1-3.ª – (Arguido com 20 anos) – 16 anos

13-07-2009, processo n.º 59/07.0GCVPA.S1- 5.ª – 13 anos

17-12-2009, processo n.º 187/08.4GISNT.L1.S1-5.ª – (Regime jovem) – 12 anos

03-03-2010, processo n.º 242/08.0GHSTC.S1-3.ª – 17 anos

18-03-2010, processo n.º 1374/07.8PCBR.C2.S1-5.ª – Caso em que o arguido de 23 anos esfaqueou a ex-namorada, considerando a integração dos factos no crime de homicídio qualificado atípico, p. p. pelo artigo 132.º, n.º 1, do Código Penal, foi o arguido condenado na pena de 16 anos.

27-05-2010, processo n.º 11/04.7GCABT.C1.S1-3.ª – 17 anos

09-06-2010, processo n.º 862/09.6TBFAR.E1.S1 - 5.ª – 17 anos

09-09-2010, processo n.º 30/08.4PEHRT.S1-5.ª – 19 anos

15-09-2010, processo n.º 173/05.6GBSTC.E1.S1-3.ª – 16 anos  

23-09-2010, processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1-5.ª – 16 anos

02-02-2011, processo n.º 1375/07.6PBMTS.P1.S2-3.ª – 18 anos

17-02-2011, processo n.º 227/07.4JAPRT.P2.S1-3.ª – 15 anos

17-02-2011, processo n.º 1499/08.2PBVIS.C1.S1-3.ª – 19 anos

23-02-2011, processo n.º 241/08.2GAMTR.P1.S1-3.ª – 20 anos 

27-04-2011, processo n.º 7266/08.6TBBRG.G1.S1-3.ª – 18 anos.

09-06-2011, processo n.º 4095/07.8TPPRT.P1.S1-5.ª – 17 anos

29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1- 3.ª  – 17 anos

30-11-2011, processo n.º 238/10.2JACBR.S1- 3.ª – 18 anos 

30-11-2011, processo n.º 112/10.2JALRA.C1.S1- 3.ª – Em caso de “assassinato de filho de seis meses” - 24 anos de prisão (e por mais dois crimes de  violência  doméstica – pena única de 25 anos de prisão)

7-12-2011, processo n.º 830/09.8PBCTB.C1.S1-5.ª – 16 anos (motivo torpe)

18-01-2012, processo n.º 306/10.0JAPRT.P1.S1-3.ª – 17 anos (motivo fútil)

      Seguem-se, a título informativo, exemplos de casos cabíveis na alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, na versão actual, em que a vítima é definida em função do tipo da especial relação com o agressor, ou em situações análogas à da referida alínea, até porque alguns dos casos apontados são anteriores àquela inovação:

19-04-2006, processo n.º 671/06 -3.ª – (Uxoricídio) – 21 anos

29-03-2007, processo n.º 647/07-5.ª, in CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 238, com um voto de vencido - Caso de homicídio qualificado atípico de companheira (comunhão de vida durante 25 anos, com um filho), com recurso do Ministério Público, e confirmando o decidido na 1.ª instância, alterado pela Relação do Porto – 15 anos  e 6 meses de prisão 

13-02-2008, processo n.º 4729/07-3.ª – (Ex-companheira) – 21 anos

26-03-2008, processo n.º 292/08-3.ª – (Ex-companheira) – 20 anos

02-04-2008, processo n.º 4730/07-3.ª – (Uxoricídio) – 18 anos

21-05-2008, processo 1224/08-5.ª – (Uxoricídio) – 17 anos (em concurso com homicídio de sogra – 12 anos)

19-06-2008, processo n.º 2043/08-5.ª – (União de facto) – redução de 21 para 19 anos, com voto de vencido no sentido da manutenção.

21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª – (Uxoricídio - atípico) – 16 anos 

19-03-2009, processo n.º 315/09-3.ª – (Uxoricídio) – 18 anos 

29-04-2009, processo n.º 434/07.0PAMAI.S1-3.ª – (Ex-companheira - regime jovem adulto) – 16 anos

27-05-2009, processo n.º 58/07 1PRLSB.S1-3.ª – Conjugicídio (marido) – 21 anos

17-09-2009, processo n.º 434/09.5YFLSB-3.ª – (Uxoricídio) – 14 anos 

21-10-2009, processo n.º 589/08.6PBVLG.S1-3.ª – (Ex-companheira) – 18 anos 

25-02-2010, processo n.º 108/08.4PDL.L1.S1-5.ª – (Uxoricídio) – 20 anos

07-04-2010, processo n.º 202/08.1GBPSR.E1.S1-3.ª – (União de facto) – 17 anos

05-05-2010, processo n.º 90/08.8GCCNT.C1.S1 - 3.ª – (União de facto) – 16 anos

19-05-2010, processo n.º 459/05.0GAFLG.G1.S1-3.ª – (União de facto) – 20 anos

27-05-2010, processo n.º 517/08.9JACBR.C1.S1-5.ª – (Ex-mulher) – 18 anos

16-12-2010, processo n.º 231/09.8JAFAR.E1.S1-3.ª – (Uxoricídio) – 15 anos (pena não objecto de recurso).

24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1-3.ª – (Uxoricídio) – 21 anos

09-06-2011, processo n.º 132/08.7JAGRD.C1.S1-5.ª – (Uxoricídio) – 16 anos (e não 19)

16-06-2011, processo n.º 600/09.3JAPRT.P1.S1-5.ª – (Uxoricídio) – 16 anos (e não as penas de 20 e de 18 anos aplicadas na primeira instância e na Relação) 

07-09-2011, processo n.º 1112/10.8PBAMD.S1-3.ª – (Uxoricídio) – 17 anos

6-10-2011, processo n.º 88/09.9PJSNT.L1.S1-5.ª – (União de facto) – 16 anos 

20-10-2011, processo n.º 1909/10.9JAPRT.S1-3.ª – (Uxoricídio) – 23 anos

23-11-2011, processo n.º 1081/09.7JAPRT.P2.S1-3.ª – 19 anos

23-11-2011, processo n.º 1064/10.4JDLSB.L1.S1-3.ª – (União de facto) – 20 anos (e incluindo punição por maus tratos: pena única de 22 anos)

23-11-2011, processo n.º 508/10.0JAFUN.S1-5.ª – (Ex-companheira) – 17 anos

26-04-2012, processo n.º 293/10.5JALRA.C1.S1-5.ª – (Uxoricídio, agravado em função da arma) – 18 anos (pena única-19 anos)

      Concluindo.

       

      Nestas condições e tendo em conta todo o exposto, tendo sido respeitados os parâmetros legais, cremos que se não justificará no caso intervenção correctiva deste Supremo Tribunal, no que toca à pena aplicada pelo acórdão recorrido pelo homicídio qualificado, cometido pelo recorrente, que será de manter em 18 anos de prisão, que atenta a moldura penal abstracta a ter em conta, de 12 a 25 anos de prisão, não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência comum, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da culpa do recorrente.

Medida da pena do crime de ameaça


       Na justificação da medida desta pena parcelar discorreu o Colectivo de Lamego a fls. 580, do seguinte jeito:
    «No que tange à medida da pena mais uma vez temos que ter em conta o contexto em que os factos ocorreram, sendo a culpa e a ilicitude elevadíssimas, não se coibindo o arguido de ameaçar outrem depois do gravíssimo crime que tinha acabado de cometer.
As necessidades de prevenção especial são elevadas.
O dolo é directo.
A culpa elevada.
Perante isto o Tribunal considera adequado condenar o arguido na pena de 10 meses de prisão, a qual não deve ser substituída por multa, atento tudo aquilo que já referimos».
        Mantida a opção pela pena de prisão, ponderando os contornos da matéria de facto dada por provada, estando em causa uma penalidade de um mês a dois anos de prisão, tendo sido acolhidos na decisão recorrida os critérios a observar, não se justifica intervenção correctiva deste Supremo Tribunal.
      Nada mais havendo a acrescentar, manter-se-á a pena aplicada pelo crime de ameaça agravada.                     

  

Da medida da pena conjunta

      

      Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, em vigor desde 01-10-1995 (e inalterado pelas subsequentes modificações legislativas, operadas pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro, n.º 61/2008, de 31 de Outubro, n.º 32/2010, de 02 de Setembro, n.º 40/2010, de 03 de Setembro, e n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro), que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

     E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

      O que significa que no caso presente, a moldura penal do concurso é de 18 anos a 18 anos e 10 meses de prisão.

      O acórdão recorrido, a fls. 580/1, na justificação da pena conjunta, afirmou:

      «Em cúmulo jurídico, tendo em conta os critérios a que aludem o artigo 77º do CP, nomeadamente a personalidade do arguido a que já aludimos, a gravidade dos factos, o contexto em que os mesmos ocorreram, o Tribunal considera adequado condenar o arguido na pena única de dezoito anos e quatro meses de prisão».

       No presente caso é evidente a conexão e estreita ligação entre os dois crimes cometidos pelo recorrente, um cometido a seguir ao outro, no mesmo espaço, sendo atingidos bens pessoais, com densificações bem diferentes.
       A facticidade provada não permite formular um juízo específico sobre a personalidade do arguido que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do agente, antes correspondendo no contexto ora apreciado a um episódio isolado de vida, restando a expressão de uma ocasionalidade procurada pelo arguido.
       Num outro plano, embora, há que ter em conta de novo, nesta fase, o princípio da proibição de dupla valoração, supra mencionado a propósito da determinação da pena concreta pelo crime de homicídio qualificado, agora impedindo que funcione na determinação da pena conjunta circunstância já presente na determinação da pena parcelar (cfr. neste sentido Figueiredo Dias, Comentário já citado, § 422, pág. 282 e acórdãos do STJ, de 27-05-2009, processo n.º 1511/05.7PBFAR.S1-3.ª, de 23-09-2009, processo n.º 210/05.4GEPNF.S2-5.ª, de 14-10-2009, processo n.º 328/07.9GFVFX.L1.S1-3.ª, de 17-12-2009, processo n.º 2956/07.3TDLSB.S2-5.ª, de 11-02-2010, processo n.º 1610/08.3PBSTB.S1-5.ª e de 13-04-2011, processo n.º 918/09.5JAPRT.S1-3.ª).        

       Em suma: A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido.

     Considerando a proximidade temporal, tendo sido cometido o segundo crime em acto seguido à consumação do primeiro, estando em causa bens jurídicos violados com diferente natureza, ponderando o contexto em que tudo se passou na sequência de um quadro de violência doméstica, afigura-se equilibrada a pena conjunta encontrada, não se mostrando, pois, necessária intervenção correctiva deste Supremo Tribunal de Justiça, e não se justificando necessidade de fazer incidir um maior factor de compressão, será de manter a mesma.

      

Decisão

Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar o recurso interposto pelo arguido AA totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro), o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal, uma vez que de acordo com os artigos 26.º e 27.º daquele Decreto-Lei, o novo regime de custas processuais é de aplicar aos processos iniciados a partir de 20 de Abril de 2009, e o presente teve início em 10 de Julho de 2011, com taxa de justiça de 4 unidades de conta.

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 12 de Setembro de 2012

Raul Borges (relator)
Henriques Gaspar