Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | BETTENCOURT DE FARIA | ||
Descritores: | SEGREDO PROFISSIONAL RELAÇÃO DE TRABALHO DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA | ||
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Nº do Documento: | SJ200412090020762 | ||
Data do Acordão: | 12/09/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL GUIMARÃES | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 2160/03 | ||
Data: | 01/21/2003 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | 1 - O sigilo profissional do advogado não é extensível aos seus empregados, não podendo ser aplicada analogicamente a norma que estabelece esse sigilo, dado o seu carácter excepcional face à regra da disponibilidade dos depoimentos. II - Em relação a esses empregados a defesa do sigilo põe-se a nível objectivo, ou seja, incumbe ao próprio advogado exigir tal sigilo. III - Esta exigência integra-se nas relações laborais do escritório e não pode prevalecer sobre o dever geral de contribuir para a descoberta da verdade. IV - O direito ao sigilo do advogado está na plena disponibilidade da parte que dele pode beneficiar. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I "A" moveu a presente acção ordinária contra A e C, pedindo que as rés fossem condenadas a pagar-lhe determinada quantia, acrescida dos respectivos juros legais. As rés contestaram e o autor replicou, reafirmando a sua posição. O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença na qual a acção foi julgada improcedente. Apelou o autor, tendo subido, igualmente, outros recursos por ele interpostos. No entanto, não obteve êxito qualquer das pretensões do autor. Recorre o mesmo, novamente, o qual, nas suas alegações de recurso, apresenta, em síntese, as seguintes conclusões: 1 - Um empregado de um advogado está sujeito ao sigilo profissional exactamente nos mesmos termos que o próprio advogado, embora, por não estar inscrito na Ordem dos Advogados, não seja esta que tenha de autorizar ou não o seu depoimento. 2 - E, não podendo ficar nas suas mãos o direito de decidir se quer depor ou não, compete aos tribunais fazer cumprir o dever de sigilo a que tal funcionário está vinculado - cf. ACS RL in CJ 195 V 104 e XVIII IV 107 -. 3 - O Código de Deontologia dos Advogados da Europa, adoptado na sessão plenária de 28.09.88 do CCBE, em Estrasburgo, refere nos princípios gerais - ponto 2.3.4 - que "O advogado deve exigir dos seus associados, empregados, ou de qualquer outra pessoa que consigo colabore na prestação de serviços profissionais, a observação do mesmo segredo profissional. 4 - Existe uma norma consuetudinária sobre a matéria, já que sempre a OA tomou posição no sentido de que os empregados não podem depor sobre facto de que tenham conhecimento nos respectivos escritórios e no exercício do seu trabalho, desde que tais factos estejam cobertos pelo segredo profissional do respectivo advogado - Pareceres do Conselho Geral de 22.05.87, ROA 47 II 653 e de 14.10.53 13 III-IV 423 -. 5 - A observância do segredo profissional, como referido em 2, deve ser imposto pelos tribunais, dado não ser apenas um fundamento da recusa em depor, mas um obstáculo ao depoimento. 6 - Nem se poderá dizer que, sendo estabelecido em benefício de certas pessoas, apenas subsiste se esta a ele não renunciarem dado que constitui um valor demasiado alto para ficar ao sabor dos interesses das partes. 7 - Foi, assim, violado o art. 618° do C. P. Civil e, consequentemente, dando-se por provado o ponto 6° da base instrutória, com base no dito depoimento, violou-se também os art°s 653° do C. P. civil, 410º, 441º e segs. do C. Civil. Corridos os vistos legais, cumpre decidir. II Nos termos do art° 713° n° 6 do C. P. Civil, consigna-se a matéria de facto dada por assente pelas instâncias remetendo para o que consta de fls. 228 a 229. O facto de decisão do recurso ter a ver com uma resposta a um quesito - 6° -, não obsta à remissão, uma vez que a decisão do mesmo poderá implicar a eventual anulação do julgamento, mas não, directamente, a alteração da matéria de facto. III Apreciando 1. A posição assumida no acórdão recorrido e sufragada por jurisprudência deste STJ de que o sigilo a que estão adstritos os profissionais da advocacia só pode impender sobre esses profissionais é de difícil contestação no plano lógico-jurídico. Acresce que uma aplicação analógica da proibição não pode ser atendida, dado o seu carácter excepcional, face à regra da disponibilidade dos depoimentos - cf. art° 10°e 11° do C. Civil-. A questão daqueles que, em virtude da sua actividade, acabam por ter conhecimento de matéria sigilosa, coloca-se a nível da defesa objectiva do segredo profissional e não a nível da sua defesa subjectiva, corno seria o caso se se impusesse aos empregados dos advogados um dever de siglo de segunda linha. E essa defesa objectiva incumbe ao próprio advogado. E nesse sentido que vai a citada regra do C. Deontológico dos Advogados da Europa quando refere que "O advogado deve exigir dos seus.. .empregados... a observância do mesmo segredo profissional". Só que esta exigência inclui-se na relações laborais do escritório, podendo ser oposta a terceiros, mas não podendo prevalecer sobre o dever geral de contribuir para a descoberta da verdade. Em idêntico sentido têm de ser interpretados os pareceres referidos nas alegações de recurso, no sentido de que deve ser estendido aos empregados forenses o segredo profissional, nomeadamente aquele que refere existir uma norma consuetudinária que o impõe. Fala-se e com alguma razão na possibilidade deste entendimento poder levar a uma verdadeira fraude à lei, esvaziando de conteúdo a norma que estabelece o sigilo profissional dos advogados. Atente-se, porém, na situação a que se chegaria na versão oposta. A referida declaração do C. de Deontologia dos Advogados da Europa fala em associados, empregados e qualquer outra pessoa que consigo colabore na prestação de serviços profissionais. Nota-se aqui uma intenção, talvez meramente tendencial para o alargamento da figura. Também neste entendimento era possível a existência de fraude, agora de sentido contrário, estendendo-se o manto do sigilo não se sabe até onde e obliterando-se, eventualmente por completo, a possibilidade de descoberta da verdade. Entre os valores da Justiça e da Segurança há, por vezes que optar por este último. É o caso. Para além de que, como se começou por dizer, não existe norma a derrogar para os empregados em causa o dever de depor. Acresce que o recorrente, quando defende que o empregado forense está sujeito ao sigilo profissional do respectivo advogado, mas que dele não pode ser dispensado pela Ordem dos Advogados por não ser um profissional nela inscrito, está a reclamar para o empregado um regime mais restrito do que para o original titular desse dever, que, de qualquer modo, poderia dele ser liberto pela dita Ordem. 2. E quando, assim se não entendesse, sempre, no caso dos autos, seria possível o depoimento em questão. O sigilo profissional dos advogados funda-se no princípio de que as partes são livres de terem a posição processual que entenderem. Consequentemente, têm o direito a que apenas seja conhecida essa posição, ou seja a posição que decidiram assumir, a única que publicitam. O que não aconteceria se não existisse tal segredo. Assim, o respeito pelo sigilo em apreço não é uma questão de interesse público, cuja observância o tribunal tenha de fazer acatar erga omnes e mesmo contra a vontade das partes (só o é na medida em que o tribunal o deve garantir), mas um direito que está na plena disponibilidade da parte que dele pode beneficiar. Logo, se a parte alega um facto passado consigo e arrola para o testemunhar um empregado do seu advogado, está a prescindir validamente do eventual sigilo a que tivesse direito. Pelo que acabamos de consignar é claro que não se sufragamos a posição do recorrente, quando pretende que o sigilo é também no interesse da contra-parte. Nestes termos não merece qualquer censura a decisão em causa, ao entender que o depoimento do empregado do advogado das rés era possível e, por isso foi válido. Sendo este o único thema decidendum, manifesto é que o recurso não pode proceder. Pelo exposto, acordam em negar a revista, confirmando o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente.
Lisboa, 9 de Dezembro de 2004 Bettencourt de Faria Moitinho de Almeida Noronha do Nascimento |