Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA CLARA SOTTOMAYOR | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CONTRATUAL PRESSUPOSTOS PRESUNÇÃO DE CULPA CULPA DO LESADO CONCORRÊNCIA DE CULPAS OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR ABUSO DO DIREITO SUPRESSIO REQUISITOS PRINCÍPIO DA CONFIANÇA RENÚNCIA ILICITUDE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO CONTRA-ALEGAÇÕES RECURSO DE APELAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 12/06/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
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Sumário : | I - Não tendo os recorrentes impugnado a matéria de facto, junto do tribunal da Relação, nas contra-alegações que apresentaram ao recurso de apelação interposto pela autora (art. 636.º, n.º 2, do CPC), para prevenir a hipótese de as normas aplicáveis poderem vir a ser as da responsabilidade contratual e de ser procedente a ação, não tem o tribunal da Relação, salvo os casos de prova vinculada e das als. do n.º 2 do art. 662.º, aqui não verificados, qualquer dever de oficiosamente proceder à modificação dos factos ou de ordenar ao tribunal de 1.ª instância a produção de prova adicional. II - O mero decurso do tempo, sem que tenha sido exigida responsabilização do credor, não é, sem mais, suscetível de criar no devedor uma confiança, protegida pelo direito, de que não lhe vai ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele recai. Esta confiança teria sempre que assentar em circunstâncias objetivas e de ser acompanhada por um investimento nessa confiança, elementos que no caso concreto não decorrem da matéria de facto. III - Nos termos de jurisprudência uniforme e sedimentada, o credor não tem de alegar factos que demonstrem a culpa do devedor, na medida em que “Compete ao devedor ilidir a presunção de culpa que sobre si impende no incumprimento contratual, ficando tal presunção ilidida se conseguir provar que actuou com a diligência devida (numa perspectiva de actuação diligente que a boa fé sempre supõe " - (cf. STJ, acórdão de 13-09-2012, proc. n.º 4339/07.6TVLSB.L1.S2). IV - Ainda que houvesse alguma negligência da sociedade autora na gestão dos seus interesses ou atraso a detetar as discrepâncias entre as contas das empresas e o que tinha sido acordado, esta atitude não é passível de ilidir a presunção de culpa do devedor, pois que, para além de não existir na responsabilidade contratual um dever de autoproteção, não é admissível que uma culpa leve do lesado na gestão dos seus interesses afaste uma culpa grave dos devedores que está ilustrada no conjunto da matéria de facto provada e não provada. V - Também não é possível, no caso vertente, atenuar a indemnização de forma a refletir uma eventual culpa ou descuido do credor, pois, apesar de o art. 570.º se aplicar à responsabilidade civil contratual (cfr. acórdão do STJ de 10-12-2009, proc. n.º 494/06.0TBAVR.L1.S1), a lei só admite, quando a responsabilidade se baseia numa simples presunção de culpa, a exclusão do dever de indemnizar (art. 570.º, n.º 2, do CC), que apenas opera em situações particularmente graves, aqui não presentes, não sendo legalmente possível a graduação do montante da indemnização em função do grau de culpa do lesante e do lesado como sucede na responsabilidade civil extracontratual. VI - Cabe ao último grau de jurisdição a apreciação da dispensa/redução da taxa de justiça devida não só nesse órgão (no caso de revista, o STJ) mas também nos graus precedentes, abarcando toda a tramitação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. DR. JOAQUIM CHAVES LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS S.A. intentou a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra GRUPLAB GESTÃO DE INSVESTIMENTOS E ACTIVIDADES LABORATORIAIS S.A. DR. AA e DRA. BB, todos melhor identificados nos autos, pedindo se declare o incumprimento contratual das obrigações assumidas perante a Autora e se condenem os Réus solidariamente no pagamento à Autora da quantia de € 2 605 012,02, acrescida de juros de mora vencidos sobre o capital, desde a citação até efetivo e integral pagamento. Para tanto invoca, sumariamente, a Autora: - ser uma sociedade prestadora de serviços de meios complementares de diagnóstico, sendo que, no âmbito dessa atividade, em 19-06-2008 a sociedade grupo Joaquim Chaves SGPS celebrou com os Réus um contrato promessa de compra e venda de ações e direito, nos termos do qual estes últimos prometeram vender à primeira pelo preço de € 11 975 000,00 as ações representativas da totalidade do capital social das sociedades L..., S.A. e V... S.A.; - o referido contrato-promessa foi celebrado tendo por base determinados pressupostos, tendo o preço das vendas prometidas tido por referência as contas apresentadas no ano de 2007 que os Réus declararam ser verdadeiras e corretas, bem como que em 2008 não se verificariam alterações significativas; - nesse mesmo contrato os Réus obrigaram-se a indemnizar a Autora por todos os prejuízos e despesas decorrentes de quaisquer reclamações de terceiros contra a sociedade L... e V...; - em substituição da Grupo Joaquim Chaves SGPS, a Autora celebrou com os Réus, em 7 de Agosto de 2008, os contratos definitivos e prometidos de compra e venda de ações e direitos sobre a totalidade do capital social das sociedades L..., S.A. e V... S.A., contrato esse que nos termos da cláusula 4.ª ficou sujeito a todas as cláusulas e condições insertas no contrato-promessa e que se renovaram nessa data; - nessa mesma data a Autora celebrou com os Réus um contrato de cessão de quotas da C... Lda., nos termos do qual os Réus cederam à Autora, livres de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, três quotas representativas da totalidade do capital social daquela sociedade e de que os réus eram titulares. - O preço de tal contrato teve como condição a verificação de pressupostos previstos na cláusula 5.ª daquele contrato, e por referência as contas do ano de 2007 que os Réus declararam ser verdadeiras e corretas, sem alterações significativas de registo em 2008. - os 2.º e 3.º Réus eram, para além de sócios, Diretores técnicos dos laboratórios das sociedades Gruplab e V... e assim continuaram depois da celebração dos contratos definitivos de compra e venda daquelas sociedades, sendo que a Ré BB cessou essas funções em 1 de março de 2009 e AA cessou-as a 20 de junho de 2013; - não obstante as obrigações assumidas, a Autora, após a celebração do contrato definitivo, veio a apurar a existência de situações distintas das que constituíram os pressupostos do negócio, com reflexos significativos na desvalorização das empresas compradas, entre as quais (i) a facturação da Gruplab à L... de € 1 077 345,31 pela realização de análises clínicas entre janeiro e ulho de 2008, sem qualquer justificação e que visaram anular créditos naquele montante que a L... detinha sobre a Gruplab; (ii) a Gruplab emitiu à V... faturas no valor de € 280 000, pela alegada realização de análises, sem qualquer justificação e sem ter dado conhecimento à Autora e que visaram anular um crédito da V... sobre aquela empresa no mesmo montante; - para além disto os Réus retiraram da L...o software de contabilidade bem como o computador de um colaborador onde se encontrava instalado tal software, propriedade de L..., bem como não foi encontrado diverso equipamento informático adquirido pela sociedade e que constava da lista do imobilizado com o valor de € 41 417,32, assim como o equipamento informático da V... e da C... Lda. - De igual forma o 2.º Réu assinou um cheque sobre uma conta da V... no Banco Millenium BCP, à ordem da Gruplab, no valor de € 146 081,89 o qual apenas foi descontado em 5 de agosto de 2008, visando retirar da sociedade o referido montante; - no imobilizado da V... encontra-se registado um trespasse, sendo certo que não existe nenhum ativo da empresa naquele montante; - de igual forma o saldo de caixa não correspondia à realidade, bem como não foi encontrado o equipamento correspondente a um Liaison e que integrava o ativo da empresa L..., S.A.; - por último os réus venderam diverso imobilizado das três sociedades, em 31-03-2008, tendo omitido as mesmas à Autora, assim como a Autora se deparou com a existência de dívidas quer a instituições de crédito quer a fornecedores. Termina, assim, a Autora concluindo que os contratos devem ser pontualmente cumpridos e que o devedor que falta ao cumprimento torna-se responsável por esse prejuízo, o qual é reclamado na presente ação, no montante globalmente contabilizado de € 2 605 012,02. 2. Devidamente citados, vieram os Réus contestar a fls. 365 e ss., excecionando a incompetência territorial, prescrição e a extinção do direito da Autora pela fusão/dissolução das sociedades e alegando, em suma, que: (i) abuso do direito - a presente ação insere-se num plano maquiavélico elaborado pelo Autor com o desígnio de afastar os Réus do exercício da atividade de análises clínicas em especial no concelho ..., atuando assim a Autora com abuso de direito, ultrapassando os limites do normal e legítimo; - o negócio em causa só se realizou após a realização de uma auditoria às empresas a adquirir a qual durou cerca de 3 meses, com entrega da documentação; - e nos anos que se seguiram à outorga do contrato, os Réus conviveram de modo harmonioso com a Autora; - com o despedimento do Réu AA e o encerramento do laboratório L..., os 2.º e 3.º Réus decidiram voltar a desempenhar a profissão de analistas clínicos abrindo o laboratório C..., situação que desencadeou o comportamento da Autora materializado em várias ações intentadas contra os Réus; - com as consecutivas ações, o Autor pretende manter os Réus sobre um estado de permanente coação e desgaste emocional e económico-financeiro, bem como denegrir a imagem dos mesmos e abalar a sua reputação; - durante toda a fase das negociações os Réus colocaram à disposição do Autor e dos seus representantes e técnicos as suas instalações e documentação, sendo que a relação de confiança era tanta que os Réus não fizeram intervir neste processo os seus advogados, tendo todo o processo sido liderado pelo Autor e seus representantes; - Nas semanas seguintes à assinatura do contrato-promessa, os Réus, com a colaboração e supervisão do Autor, regularizaram situações contabilísticas e fiscais pendentes, bem como solicitaram à empresa de contabilidade a emissão de balancetes que refletissem a situação contabilística da empresa; - os balanços analíticos reportados a 31-12-2007 apresentados ao Autor demonstravam a situação contabilística das sociedades; - os balancetes de 31-07-2008, apresentados pelo Autor, não correspondem aos que foram entregues pelos Réus, pois que estes estavam devidamente assinados e acompanharam o contrato definitivo; - as faturas emitidas pela Gruplab à L..., S.A. no valor de € 1 077 345,31 eram do conhecimento do autor aquando da negociação e outorga do contrato definitivo de compra de ações e direitos, e foram por esta aceites no balanço final do ano de 2008; - é falsa a existência de um crédito da L... sobre a Gruplab, razão pela qual não podia o Autor contar com algo que não existia; - as faturas emitidas pela Gruplab à V... no valor de € 280 000,00 eram igualmente do conhecimento da Autora aquando da negociação do contrato e foram aceites e refletidas no balanço final do ano de 2008. - é falsa a existência de um crédito da V... sobre a Gruplab, razão pela qual não podia a Autora contar com algo que não existia; - o software primavera estava licenciado em nome da L..., S.A. e aquando das negociações foi transmitido à Autora pelo 2.º Réu que pretendia que a respetiva licença fosse alterada para a GrupLab, caso não houvesse oposição, sendo que a Autora não manifestou qualquer interesse no referido software posto que não o utilizava no seu grupo empresarial; - o Autor teve conhecimento da alteração da titularidade da licença do software em virtude de emails da empresa P..., sendo que a partir de julho de 2008 os contratos de assistência técnica passaram a ser faturados à Gruplab; - no que respeita ao equipamento informático a Autora não realizou qualquer auditoria ao património da L..., razão pela qual não é crível que decorridos mais de seis anos venha a Autora referir desaparecimento desse material utilizado diariamente por diversos funcionários; - de qualquer das formas, a Autora, no ano de 2009, procedeu à substituição do equipamento informático que compunha o património da L..., substituindo-o por HP, com vista à uniformização dos sistemas informáticos das empresas pertencentes ao grupo; - da mesma forma a Autora não realizou qualquer auditoria ao património da V... ou da C...; - no que respeita ao cheque no valor de € 146 081,89 o mesmo foi depositado em 08-05-2008, sendo que o mesmo se reporta a transações efetuadas e concluídas em data anterior às negociações para aquisição das sociedades; - no que respeita ao trespasse foi explicado ao Autor, aquando da análise da documentação a que essa rubrica de referia, e tanto assim é que tal valor foi mantido na Prestação de Contas de 2008; - o saldo de caixa só se comprova pela respetiva folha de caixa, pois que estando a empresa em atividade, os movimentos de caixa são dinâmicos, alterando-se diariamente; - o equipamento Liaison fazia parte do equipamento da L... que continuou a pagá-lo até setembro de 2010; - em 2009 os serviços de manutenção do g... retiraram este equipamento, conjuntamente com outros que entretanto ficaram desativados, tendo os mesmos sido transportados para a sede da Autora, tendo sido posteriormente vendidos por esta à empresa W... Lda; - as vendas de imobilizado em nada afectaram o negócio celebrado ou desvalorizaram as sociedades e o seu património, sendo o seu valor real diverso daquele que consta dos documentos de venda, sendo que, não obstante, o Autor foi informado e esclarecido sobre o imobilizado existente nas três sociedades. 3. Deduziram ainda os Réus reconvenção, pedindo a condenação da Autora no pagamento ao 1.º Réu da quantia de € 800 000,00. Alegaram, para tanto, em síntese, que: - No contrato promessa celebrado entre os três Réus e a J... SGPS, ficou acordado que os 2.º e 3.º Réus manteriam o contrato de trabalho, comprometendo-se a J... SGPS a celebrar um contrato de prestação de serviços com a Gruplab com o valor anual de € 200 000, contrato esse que fazia parte integrante do negócio de compra e venda; - não obstante, desde agosto de 2009 que a Autora deixou de liquidar tal quantia, sendo que uma vez que tal cláusula se mantém válida e eficaz, a Autora é devedora à 1.ª Ré de € 800 000,00 Requer assim a condenação da Autora em conformidade. 4. Veio a Autora replicar respondendo ao (i) pretenso abuso de direito, (ii) à litigância de má - fé, (iii) à matéria de exceção, bem como (iv) contestar a reconvenção alegando que o contrato não se renovou, razão pela qual, a partir de agosto de 2009, a Ré Gruplab nunca reclamou da J... SGPS ou da Autora o pagamento do preço dos serviços abrangidos naquele contrato, pois bem sabe que não prestou quaisquer serviços e que o contrato cessou em 31 de julho de 2009. Mais impugnou os documentos juntos com a contestação sob os nºs 11,12,13, 15, 16, 17 e 18. A fls. 625, foi proferido despacho no qual se declarou o tribunal territorialmente incompetente, ordenando a remessa para o Tribunal Judicial .... 5. Foi dispensada a realização de audiência prévia – cf. fls. 713 – e foi proferido despacho que (i) admitiu liminarmente o pedido reconvencional deduzido pela 1.ª Ré, (ii) fixou valor à ação, (iii) saneou o processo, relegando para final o conhecimento das exceções invocadas, fixou o objeto do litígio, elencou os temas da prova, e decidiu da admissibilidade dos requerimentos probatórios. Foi realizada prova pericial. Procedeu-se à realização do julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a presente ação improcedente, por extinção por prescrição do direito da Autora, absolvendo os Réus do pedido. Mais decidiu julgar improcedente a reconvenção deduzida pelos Réus contra a Autora, absolvendo-a do pedido. Inconformada com a decisão a Autora interpôs recurso da sentença. Também a Ré GRUPLAB interpôs recurso, mas o mesmo não foi admitido por extemporâneo. 6. Por acórdão proferido em 9 de janeiro de 2020, este Tribunal da Relação julgou o recurso improcedente e, consequentemente, confirmou a sentença recorrida. 7. Porém, inconformada com a decisão, a Autora interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça que foi admitido por decisão da Formação de 03-11-2020, constituída ao abrigo do artigo 672.º, n.º 3, do CPC. 8. Em 23-02-2021 foi proferido acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça no qual foi entendido que os factos provados devem ser enquadrados nas normas relativas à responsabilidade contratual (artigos 798.º e ss do Código Civil). Assim, o Supremo Tribunal de Justiça, julgou improcedente a exceção de prescrição e determinou a baixa dos autos ao tribunal recorrido para ser aplicado o direito aos factos provados, com o seguinte dispositivo: «Nestes termos, decide-se na 1.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e determinando-se o reenvio do processo ao Tribunal da Relação, a fim de proceder à aplicação do direito aos factos». 9. Em cumprimento do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação, à luz das normas da responsabilidade contratual, decidiu o seguinte: «Em conformidade com o exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa e em conformidade com o determinado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que antecede, revogada a decisão da 1.ª instância, condenar os Réus solidariamente a pagar à Autora a título de responsabilidade contratual a quantia de € 1.524.155,36, acrescida da quantia que se vier a liquidar, nos termos do disposto no art.º 609.º n.º 2 do CPC. Custas pelos Apelados». 10. Inconformados com este acórdão, vêm os réus interpor recurso de revista, formulando as seguintes conclusões: «A) O recurso tem por objeto o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.03.2022, que julgou novamente a causa, no seguimento do decidido pelo Supremo em acórdão de 23.02.2021. B) No aludido acórdão de 23 de fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal de Justiça revogou a decisão do Tribunal da Relação (que absolvia os Réus dos pedidos, por verificação da prescrição do alegado direito a indemnização, à luz da responsabilidade pré-contratual) e remeteu o processo novamente àquele Tribunal (da Relação), para que este decidisse a causa tomando por enquadramento jurídico os parâmetros da responsabilidade contratual (que não os da responsabilidade pré-contratual). C) De tal aresto decorreu, assim, para o Tribunal da Relação, o dever de proceder à análise dos factos relevantes à luz do regime da responsabilidade contratual, de modo a, sob este ângulo de aferição jurídica, apreciar da procedência ou improcedência dos pedidos formulados pela Autora. D) O Tribunal da Relação proferiu decisão em termos que não se afiguram compatíveis com a lei processual, bem como com a lei substantiva. E) Na verdade, o Tribunal da Relação não cumpriu o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça pelo que, também por desrespeito da decisão do Supremo, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é recorrível. F) Desconformidade que se reflete, por outro lado, em violação de lei material. G) A decisão é recorrível nos termos gerais, tendo a causa valor superior à alçada do Tribunal da Relação, cumprindo também o requisito da sucumbência e não tendo havido dupla conforme (cfr. dos artigos 629.º, n.º 1, 631.º, 637.º, 638.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, 674.º, n.º 1, al. a), 675.º, n.º 1 e 676.º, n.º 1, todos). H) O presente recurso tem por fundamento a violação de lei substantiva, na vertente de erro de interpretação e de aplicação da lei – artigo 674.º, n.º 1, al. a) do CPC –, bem como a violação de lei processual, por violação do artigo 662.º, n.º 2, do CPC, na medida em que o Tribunal da Relação não ordenou a produção de prova adicional em função do decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça. I) Com efeito, o Tribunal da Relação de Lisboa, apesar de não ter voltado a tomar por referência o regime da responsabilidade pré-contratual, não deu adequada execução ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, na medida em que, de forma errada, procedeu à aplicação da responsabilidade contratual à factualidade relevante. J) Importa ainda esclarecer o concreto âmbito da decisão do Supremo Tribunal de Justiça. K) Após o tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação terem considerado que seria de aplicar aos factos alegados ao regime jurídico da responsabilidade pré-contratual – e que, por esse motivo, a responsabilidade das ora Recorrentes teria prescrito – o Supremo Tribunal de Justiça decidiu nos termos seguintes: “(…) reconhece-se à autora o direito de obter indemnização ou redução do preço do bem, em valor equivalente ao valor dos bens patrimoniais indevidamente subtraídos do património social, verificados os demais pressupostos da responsabilidade contratual a analisar pelas instâncias.”. (pág. 43 do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, realce nosso). L) Ora, o Supremo Tribunal de Justiça não determinou a condenação dos Réus, ora Recorrentes. M) Cabia ao Tribunal da Relação de Lisboa, perante o enquadramento jurídico definido pelo Supremo Tribunal de Justiça, i) Em primeiro lugar, efetuar uma apreciação dos factos provados, em ordem a concluir se esse acervo e o seu conteúdo se revela adequado, completo e coerente (ou, ao invés, desadequado, incompleto ou contraditório) para poder decidir ao abrigo do novo enquadramento jurídico - as regras da responsabilidade contratual – determinando, se necessário (e essa necessidade verifica-se, no caso em apreço, como infra melhor se explicitará), a modificação da matéria de facto; ii) Em segundo lugar, (uma vez obtido um conjunto de factos provados capaz de permitir julgar ao abrigo das regras da responsabilidade contratual), selecionar quais as normas jurídicas aplicáveis (dentro da responsabilidade contratual), e subsumir a matéria de facto às normas jurídicas, de modo a apurar se os factos provados e eventualmente aqueles aditados efetivamente preenchem as hipóteses normativas, ou seja, se constituem factos ilícitos e culposos, praticados pelos Recorrentes, capazes de gerar uma obrigação de indemnizar ou não e (em caso afirmativo) em que medida. Também este dever não foi observado pelo Tribunal Recorrido. N) Não o tendo feito, como se impunha que oficiosamente o fizesse, não agiu, o Tribunal da Relação, processualmente, como lhe competia, o que comprometeu definitivamente o acerto da decisão. O) Numa breve súmula, no dia 19/6/2008 a Recorrida celebrou com os Recorrentes um contrato-promessa de compra e venda da totalidade das participações sociais das sociedades L... e V.... P) Em 7/8/2008 os Recorrentes celebraram com a Recorrida, individualmente, contratos de venda da totalidade das participações sociais da L... e da V.... Q) O preço manteve-se tal como acordado no contrato-promessa e a Recorrida dispôs de informação adicional que determinou o preço, nomeadamente os balancetes de 31/7/2008. R) No mesmo dia 7/8/2008 a Recorrida celebrou com os Recorrentes um contrato de compra e venda de quotas da sociedade C.... S) Depois da aquisição das participações sociais da L..., V... e C..., a Recorrida constatou existir diminuição do ativo e aumento do passivo dessas sociedades, ao contrário do que havia sido acordado. T) O Supremo Tribunal de Justiça determinou que essa diminuição do ativo e aumento do passivo são indemnizáveis pelos Recorrentes, no âmbito da responsabilidade contratual, conquanto digam respeito a atos (de diminuição do ativo ou de aumento de passivo) praticados após a celebração dos contratos (promessa ou definitivos). U) Mais determinou o Supremo Tribunal de Justiça que o Tribunal da Relação de Lisboa deveria, à luz deste enquadramento, aplicar os factos ao direito, verificando, nomeadamente, se estão preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade contratual. V) Assim, importa verificar se os danos que o Tribunal a quo considerou como indemnizáveis, por constituírem uma violação do contrato-promessa, ocorrida depois da sua celebração, são indemnizáveis. W) No que respeita aos danos indemnizáveis, o Tribunal da Relação de Lisboa identificou seis tipos de danos a indemnizar pelos Recorrentes: a. € 1.077.345,31 respeitante a faturas emitidas pela Ré Gruplab à L..., em 31 de julho de 2008 (v. facto provado 20.); b. € 280.000 respeitante a faturas emitidas pela Ré Gruplab à V..., em 31 de julho de 2008 (v. facto provado 21.); c. € 146.081,89 referente a serviços de análises clínicas prestados pela Ré Gruplab à V..., prestados em 2007, mas faturados em 2009 (v. facto provado 25.); d. € 12.696,47 referente ao saldo de caixa da V... (v. facto provado 30.); e. € 8.031,69 referente a dívidas existentes mas não refletidas na contabilidade da C... (v. facto provado 44.); f. Quantia ilíquida, referente a imobilizado vendido e não comunicado à Recorrida (v. factos provados 36. a 39.). X) Responsabilidade pré-contratual. Alguns dos factos em que o Tribunal da Relação de Lisboa sustenta a decisão de condenar os Recorrentes a indemnizar a Recorrida constituem violações pré-contratuais, pelo que não podem servir de alicerce à decisão proferida, o que determina a insusceptibilidade de permanência da decisão recorrida na ordem jurídica enquanto assente nesta base Y) Veja-se o facto provado 25.: “O Réu AA assinou um cheque com a data de 30-11-2007, sacado sobre uma conta bancária da sociedade V... S.A. no Banco Millenium BCP, à ordem de Gruplab S.A. no valor de € 146 081,89 (…), o qual apenas [foi] apresentado a pagamento em 08-05-2008.”. Z) Ora, quer a assinatura do cheque, quer o levantamento do mesmo (e, nessa medida, a diminuição do património da V...), ocorreram antes da data de celebração do contrato-promessa de compra e venda, assinado em 19 de junho de 2008 (facto provado 4). Assim, não há ilicitude, não havendo lugar à redução do preço no referido montante. AA) O mesmo se diga a respeito da quantia de € 8.031,69 referente a dívidas existentes mas não refletidas na contabilidade da C..., e que resulta do facto provado 44.: “44. Nas suas contas a sociedade C... Lda. tinha registado, a 31-07-2008, uma dívida de €1875,61 a fornecedores e uma divida [sic] de €6 156,08 a fornecedores de imobilizado.”. BB) Conforme resulta dos factos provados, não foi celebrado qualquer contrato-promessa a respeito da transmissão das quotas da C..., mas apenas o contrato definitivo de cessão de quotas, em 7/8/2008 (facto provado 10.). CC) Assim, a dívida já existia na data de celebração do contrato de cessão de quotas pelo que estaríamos, em tese, perante responsabilidade pré-contratual, já prescrita nos termos do artigo 227.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que deveria o montante indemnizatório ser reduzido em € 154.113,58, nos termos descritos, impondo-se a substituição do acórdão recorrido por outro que proceda a uma correta aplicação do direito aos factos, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, al. a), do CPC e sob pena de violação do determinado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. DD) Abuso de direito. Em todo o caso, e sem prescindir, o pedido de indemnização da Recorrida é abusivo, inserindo-se na categoria da suppressio, no âmbito do abuso do direito. EE) Assim, por aplicação do artigo 334.º do Código Civil, a pretensão da Recorrida de exercício de direitos contratuais de que julga ser titular é ilegítima, não devendo ser atendida. FF) São enumerados como requisitos para a verificação desta figura os seguintes, não sendo necessário, contudo, a verificação de todos eles: um não exercício prolongado do direito; uma situação de confiança daí derivada para a contraparte, coadjuvada por elementos circundantes que a sustentem; uma justificação para essa confiança; um investimento de confiança; a imputação ao não exercente da confiança criada. Não releva também a verificação da culpa ou de qualquer outro estado subjetivo por parte da Recorrida, conforme tem sido entendido pela jurisprudência. GG) Ora, no presente caso a Recorrida criou a confiança de que não iria exercer qualquer direito a indemnização que eventualmente tivesse sobre os Recorrentes: HH) não só os contratos definitivos foram assinados em agosto de 2008 (desde essa data que a Recorrida dispõe de toda informação), II) como as contas das sociedades foram aproveitas, tendo a Recorrida colhido os benefícios fiscais dos pagamentos que as sociedades adquiridas efetuaram às Recorrentes, e foi aprovado o processo de fusão ou liquidação das sociedades (factos provados 45. a 50. e 52. a 54.). JJ) No entanto, foi apenas em outubro de 2014 que a Recorrida deu entrada a presente ação, isto é, quase 7 anos após ter adquirido as participações das referidas sociedades e assim conhecer toda a situação patrimonial. KK) Note-se ainda que, no presente caso, estaríamos perante uma exceção de caducidade, não invocada pelos Recorrentes na medida em que enquadraram os factos alegados pela Recorrida na responsabilidade pré-contratual, tal como o tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação. LL) Em todo o caso, havendo responsabilidade contratual, aplica-se o regime da compra e venda de bens defeituosos, previsto nos artigos 913.º e ss. do Código de Processo Civil – cfr., a título de exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/11/2014, Proc. 282/04.9TBAVR.C2.S1, Relator: TAVARES DE PAIVA. MM) Ora, nesse caso, e ainda que se considere que estamos perante um bem imóvel, a denúncia do defeito deveria ser feita no prazo de um ano após o conhecimento do defeito e até cinco anos após a entrega das ações da L... e da V... e das quotas da C... (artigo 916.º, n.os 2 e 3 do Código Civil) e a correspondente ação ser proposta no prazo de seis meses após a denúncia (artigo 917.º). NN) A denúncia foi feita muito depois de uma no após a Recorrida estarem condições de conhecer o defeito – quando as ações e quotas foram transmitidas –, tendo a ação correspondente dado entrada em 02-10-2014, isto é, mais de seis anos após a venda das participações sociais, que ocorreu em 07-08-2008. OO) A exceção de caducidade não é de conhecimento oficioso, pelo que não poderia ser conhecida pelo Tribunal a quo. Em todo o caso, é relevante para confirmar que estamos perante uma situação de suppressio. PP) Assim, no presente caso, o direito da Recorrida já teria caducado. Independentemente desse facto, as circunstâncias do exercício do direito pela Recorrida, confirmam que esse exercício foi abusivo, pelo que terá de se concluir, em virtude das circunstâncias em causa, que o exercício do direito pela Recorrida, através da presente ação, é abusivo, não tendo, consequentemente, direito aos montantes que reclama, revogando-se assim o acórdão recorrido por outro que absolva as Recorrentes, nos termos dos artigos 576.º, n.º 3 e e 674.º, n.º 1, al. a), ambos do CPC. QQ) Da renúncia aos efeitos da ilicitude. Se se entender que o exercício do direito a uma indemnização, pela Recorrida, não é abusivo, o que apenas se equaciona por dever de patrocínio, importa ainda apurar se a Recorrida renunciou aos efeitos da alegada ilicitude dos contratos de compra e venda. RR) Da factualidade já dada por provada, existem indícios nesse sentido, na medida em que aprovou as contas da sociedade e nada fez. SS) Resulta ainda dos factos provados o seguinte: “19. As contas das três sociedades fornecidas à Autora pelos Réus na fase pré-contratual e que determinaram o preço de aquisição oferecido pela Autora foram os balancetes de 31-07-2008.” (facto provado 19., realce nosso). “51. Os Réus [ora Recorrentes] durante a fase de negociações, quer no período entre a celebração do contrato promessa e o contrato definitivo em 07-08-2008, foram prestando informações verbais e documentais à Autora.” (facto provado 51.). TT) A Recorrida, perante a nova informação e com base nela, determinou o preço de aquisição das sociedades, aceitando o que havia sido estipulado aquando do contrato-promessa. Assim, haverá que apurar se existiu uma renúncia aos efeitos da ilicitude (cfr. MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12.ª ed. revista e actualizada, 2020, pág. 577). UU) O que releva é apurar se, na data da celebração dos contratos definitivos, a Recorrida tinha conhecimento dos factos que, segundo o Tribunal da Relação, geram a obrigação de indemnizar, avaliando-se, nomeadamente, mas não só, se os fluxos financeiros refletidos nesses factos estavam evidenciados nos balancetes de 31-07-2008 que determinaram o preço de aquisição (facto provado 19.) ou se a informação prestada até à celebração dos contratos definitivos continha esses fluxos financeiros. VV) A matéria de facto, provada e não provada, não nos permite alcançar essa conclusão relativamente aos vários montantes que geraram a obrigação dos Recorrentes de indemnizar a Recorrida. WW) Assim, deveria o Tribunal a quo ter determinado a ampliação da matéria de facto, recorrendo aos elementos de prova que já constassem do processo, para aferir se a Recorrida tinha ou não conhecimento desses danos; ou ter mandado baixar o processo ao tribunal de 1.ª instância para apurar esses factos. XX) Não o fazendo, o Tribunal da Relação desrespeitou a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 682.º, n.º 3, desrespeitou o poder-dever previsto no artigo 662.º, bem como o artigo 674.º, n.º 1, al. a), todos do CPC, devendo a decisão ser revogada e remetida novamente ao Tribunal da Relação de Lisboa para que proceda em conformidade com o supra exposto. YY) Da ausência de culpa. Um dos pressupostos da responsabilidade civil é a culpa, sendo a mesma presumida no âmbito da responsabilidade civil contratual. ZZ) O Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão recorrido, e a respeito da culpa, referiu o seguinte: “(…) a culpa do devedor se presume nos termos do disposto no art.º 799.º do Código Civil e tal presunção não foi ilidida.”. AAA) O Recorrido teria, na sua alegação, de ter alegado que o depauperamento do património teria sido feito com culpa, na vertente do dolo ou negligência, sem, contudo, ter de o provar no âmbito da responsabilidade contratual, em virtude da presunção. BBB) O Tribunal a quo deveria ter indicado quais os factos relativos à culpa, indicar se os mesmos foram ou não provados, aplicando posteriormente as regras de distribuição do ónus da prova. CCC) Por outro lado, caberia ao Tribunal indicar quais os factos provados ou não provados que lhe permitiam concluir pelo não afastamento da presunção de culpa. Em particular, a matéria de facto referida no capítulo anterior, relativamente ao conhecimento ou não da diminuição do ativo e aumento do passivo elencada nos factos provados 20., 21., 25., 30., 36. a 39. e 44., permitirá aferir se os Recorrentes atuaram ou não com culpa, ocultando essas despesas. DDD) Em todo o caso, a respeito do preço efetivamente pago e acordado nos contratos definitivos – apesar de não ter sofrido alteração em relação aos contrato-promessa –, este foi o que resultou dos balancetes de 31-07-2008, conforme resulta do facto provado 19.: “19. As contas das três sociedades fornecidas à Autora pelos Réus na fase pré-contratual e que determinaram o preço de aquisição oferecido pela Autora foram os balancetes de 31-07-2008.” EEE) Por outro lado, os Réus prestaram diversa informação à Autora, sem colocarem quaisquer entraves a pedidos de documentação formulados pela Autora: “51. Os Réus durante a fase das negociações, quer no período entre a celebração do contrato promessa e o contrato definitivo em 07-08-2008, foram prestando informações verbais e documentas à Autora.” FFF) Em particular no que diz respeito aos montantes referidos em 20. e 21., resultam de faturas que foram aprovadas por unanimidade pelos diversos órgãos de administração quer da V..., quer da L..., S.A. vários meses após a celebração dos contratos definitivos (cfr. factos provados 52. e 53.). GGG) Isto é, a Recorrida, na qualidade de acionista das referidas sociedades, aprovou aquelas despesas, sem quaisquer reservas. HHH) Ainda a respeito dessas faturas, note-se que não ficou provado que a emissão das mesmas visasse anular indevidamente os créditos, naquele montante, que a L... e a V... detinham sobre a Gruplab. III) Ora, estes factos demonstram a atuação sem culpa dos Réus pelo menos no que respeita aos montantes indicados nos factos provados 20. e 21., demonstrando que prestaram toda a informação disponível, cabendo à Autora o dever de a analisar e oferecer o preço que entendesse adequado. JJJ) Por outro lado, não se demonstrou que as despesas ou diminuição de património ocorridos tivessem intenção de prejudicar a Autora. KKK) Não deve também ser ignorado para estes efeitos – e sem prejuízo do que se referiu a respeito do abuso de direito – que a Autora, na qualidade de acionista, aprovou as contas das sociedades em causa, procedeu a alterações societárias das mesmas (nomeadamente através da fusão da L... e da V... e da liquidação da C...) e que apenas em outubro de 2014, isto é, mais de seis anos após a conclusão da compra e venda das ações das sociedades, propôs a presente ação. LLL) Nesse período não existiu – tal não consta dos factos não provados porque não foi se quer alegado–qualquer interpelação por parte da Recorrida às Recorrentes, informando-a do incumprimento seja dos contratos promessa, seja dos contratos de venda de participações sociais. MMM) Ora, todo este circunstancialismo permite concluir que os Recorrente atuaram sem culpa, pelo menos no que respeita aos factos provados 20. e 21., devendo ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que absolva as Recorrentes do pagamento dos montantes referidos em 20. e 21., nos termos do artigo 674.º, n.º 1, al. a), do CPC. NNN) Se assim não se entender, e, em todos o caso, relativamente aos demais montantes indemnizatórios, deveria o Tribunal a quo ter determinado a ampliação da matéria de facto, recorrendo os elementos de prova que já constassem do processo, para aferir se a Recorrida tinha ou não conhecimento desses danos; ou ter mandado baixar o processo ao Tribunal de 1.ª instância para apurar esses factos. OOO) Ao não o fazer, o Tribunal da Relação desrespeitou a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 682.º, n.º 3, desrespeitou o poder-dever previsto no artigo 662.º, bem como o artigo 674.º, n.º 1, al. a), todos do CPC, devendo a decisão ser revogada e remetida novamente ao Tribunal da Relação de Lisboa para que proceda em conformidade com o supra exposto. PPP) Da ausência de dano. O Supremo Tribunal de Justiça determinou que o Tribunal da Relação apurasse se estavam preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil. QQQ) A este respeito, caberia, entre o mais, verificar se existia dano. RRR) No presente caso, o evento que obriga à reparação é a alegada diminuição do ativo e aumento do passivo das sociedades. SSS) Como vimos, foi prestada informação adicional entre a celebração do contrato-promessa e o contrato definitivo, tendo-se mantido o preço acordado. TTT) Nessa medida, importa apurar se a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – a diminuição de ativo e o aumento de passivo – seria ou não a mesma. UUU) Para o efeito, caberia ao Tribunal a quo ampliar a matéria de facto nos termos supra referidos, isto é, apurar se, na data da celebração dos contratos definitivos, a Recorrida tinha conhecimento dos factos que, segundo o Tribunal da Relação, geram a obrigação de indemnizar. VVV) Caso tivesse conhecimento, não existiria dano, na medida em que a situação que existiria sem o (alegado) facto ilícito seria (e foi) a mesma: a celebração dos contratos definitivos pelo preço estipulado no contrato-promessa. WWW) Ao não ter ampliado a matéria de facto, o Tribunal da Relação desrespeitou a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 682.º, n.º 3, desrespeitou o poder-dever previsto no artigo 662.º, bem como o artigo 674.º, n.º 1, al. a), todos do CPC, devendo a decisão ser revogada e remetida novamente ao Tribunal da Relação de Lisboa para que proceda em conformidade com o supra exposto. XXX) Da decisão quanto a custas. O Tribunal da Relação determinou “Custas pelos Apelados”, em desrespeito do artigo 533.º, n.º 1 e 527.º, que determinam que as custas serão suportadas pela parte vencida, na proporção em que o for. YYY) Atendendo ao valor da ação em 1.ª instância e da condenação das Recorrentes, a responsabilidade por custas é de 68,25% dos Recorrentes e de 31,75% da Recorrida. ZZZ) Atendendo ao artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, o valor da ação para efeitos de cálculo das custas no recurso é de € 2.605.012,02, sendo que os Recorrentes decaíram em 58,5% e a Recorrida decaiu nos restantes 41,5%, devendo as custas nos recursos serem determinadas em função dessa proporção. AAAA) Em face do exposto, e ao abrigo do artigo 674.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, requer-se que a decisão quanto a custas seja substituída por outra que condene as partes em custas nos termos referidos. BBBB) Em todo o caso, e independentemente da proporção da condenação em custas que vier a ser determinada pelo Tribunal ad quem, requer-se que seja determinada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6.º, n.º 7. CCCC) Com esta norma, o legislador pretendeu acautelar os princípios fundamentais da proibição do excesso, da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos tribunais (artigos 2º, 18º e 20º da CRP), evitando impor aos sujeitos processuais o pagamento de um valor desproporcionado face ao custo concreto do serviço público prestado através dos tribunais. DDDD) A presente ação não teve uma complexidade acima da média. EEEE) A conduta das partes mostrou-se processualmente correta, sem quaisquer incidentes dilatórios ou processualmente anómalos. FFFF) Se é certo que o processo conheceu vicissitudes que originaram a existência de dois acórdãos do Tribunal da Relação e de dois Acórdãos do Supremo Tribunal (um proferido e outro a proferir), há também que reconhecer que as partes não deram origem a essas vicissitudes, tendo-se limitado a exercer os seus direitos processuais perante as decisões judiciais proferidas. GGGG) Por outro lado, o facto de terem existido duas decisões favoráveis aos Recorrentes e uma favorável à Recorrida confirma que as partes não litigaram de forma temerária. HHHH) Os articulados não foram prolixos e a atividade processual não foi excessivamente complexa. IIII) Assim, em cumprimento do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, bem como dos artigos 2.º, 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, requer-se que as partes sejam integralmente dispensadas do pagamento do remanescente das taxas de justiça relativamente a todas as instâncias judiciais percorridas pelo presente processo. JJJJ) Se assim não se entender, requer-se a dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em percentagem que o Tribunal ad quem considerar adequada e que, entendem as Recorrentes, não deverá ser inferior a 80%. Nestes termos e nos mais de Direito deve o presente recurso de revista ser julgado procedente e, em consequência: a) Deve revogar-se o Acórdão recorrido, pelos fundamentos expostos, em matéria de violação da lei substantiva, absolvendo-se os Recorrentes do pedido; b) Subsidiariamente, deve anular-se o Acórdão recorrido, e ordenar que o processo baixe ao Tribunal da Relação para que este amplie a matéria de facto ou mande baixar o processo ao tribunal da 1.ª instância para que proceda a essa ampliação; c) Deve revogar-se o Acórdão recorrido no que respeita à condenação custas, pelos fundamentos expostos, nomeadamente por errada interpretação do Direito, determinando-se a condenação das partes em custas nos termos supra referidos, e dispensando-se o pagamento do remanescente do pagamento da taxa de justiça na totalidade ou, se assim não se entender, em montante que se considera não dever ser inferior a 80%.» 10. A recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: «1.ª O acórdão recorrido não merece censura e deve ser confirmado, porquanto deu integral cumprimento ao D. acórdão desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Fevereiro de 2021 (que julgou o anterior recurso de revista interposto pela ora Recorrida), o qual transitou em julgado e constitui caso julgado formal no processo, nos termos do art. 620º do CPC. 2ª Nesse anterior acórdão proferido por esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça nos presentes autos decidiu-se conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e determinando o reenvio do processo ao Tribunal da Relação, a fim de proceder à aplicação do direito aos factos. E foi precisamente o que o Tribunal da Relação fez no D. acórdão recorrido, que deve, assim, ser confirmado. 3ª As recorrentes vêm agora neste recurso de revista aludir a situações jurídicas novas, nunca antes colocadas nem apreciadas nas instâncias, e que, naturalmente, não têm qualquer suporte na matéria de facto alegada e provada nos autos. Por esse motivo, todo o presente recurso de revista assenta no infundado e inadmissível pedido de produção de prova adicional relativamente a supostos novos factos que são estranhos ao processo, irrelevantes para a decisão da lide, pelo que carece em absoluto de fundamento legal. 4ª O Tribunal a quo condenou parcialmente os R.R. nos pedidos formulados, precisamente porque o correcto e exaustivo julgamento da matéria de facto, com produção de prova pericial, permitiu dar como provada a matéria de facto necessária e suficiente para a condenação dos R.R., nos precisos termos em que o foram no D. acórdão recorrido, carecendo, assim de fundamento e de justificação o pedido de ampliação (oficiosa) da matéria de facto, transversal à alegação dos recorrentes na presente revista. 5ª Na realidade, os argumentos agora alegados neste recurso de revista interposto pelos R.R. a questionarem o julgamento da matéria de facto deveriam ter sido suscitados, e não foram: - a título subsidiário, nas contra-alegações que os R.R. apresentaram, em 27 e 29 de Junho de 2019, no recurso de apelação interposto pela A., sobre os pontos da matéria de facto não impugnados (a A. só recorreu de direito), prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas no recurso, como veio a suceder, nos termos do n.º 2 do art. 636º do CPC; - no recurso de apelação que a própria R., Gruplab, interpôs, em 28 de Maio de 2019, da parte da sentença do Tribunal de primeira instância que julgou improcedente o pedido reconvencional que apresentaram nos autos (contudo os R.R. manifestaram nesse recurso que concordavam integralmente com a sentença – julgamento da matéria de facto e de direito – com excepção da absolvição da A. quanto ao pedido reconvencional); - ou, em limite, na reclamação que apresentaram, em 16 de Março de 2021, do citado D. acórdão desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Fevereiro de 2021. 6ª Pelo que, a arguição no presente recurso da pretensa necessidade de ampliação da matéria de facto é manifestamente extemporânea (além de infundada), não teria de ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal a quo (ao contrário do alegado pelos recorrentes), devendo, em consequência, ser rejeitada. 7ª Pelo D. acórdão desse Venerando Supremo Tribunal, de 4 de Maio de 2021, foi indeferida aquela reclamação dos R.R., ora recorrentes, tendo, assim, transitado em julgado a decisão que concedeu a revista e determinou o reenvio do processo ao Tribunal da Relação, a fim de proceder à aplicação do direito aos factos. Assim, ao contrário do agora alegado pelos recorrentes, o Tribunal da Relação cumpriu integralmente o decidido por esse Venerando Supremo Tribunal no D. acórdão de 23 de Fevereiro de 2021, transitado em julgado e que constitui caso julgado formal no processo. 8ª Resulta evidente da factualidade provada nos autos a suficiência da mesma para efeitos de condenar os R.R., ora recorrentes, nos precisos termos proferidos no D. acórdão recorrido. Improcedem, assim, os argumentos dos recorrentes da pretensa necessidade de produção de prova adicional ou de modificação da matéria de facto, que não têm a mínima justificação. 9ª Na realidade, ao contrário do que os ora recorrentes alegam, os danos indemnizáveis que foram reconhecidos no D. acórdão recorrido emergem de factos praticados ou omitidos pelos R.R. após a celebração dos contratos (promessa e definitivos) pelas partes, que consubstanciaram o incumprimento das obrigações contratuais assumidas pelos R.R. perante a A. 10ª Como resulta da factualidade provada, os R.R. comprometeram-se nos contratos (promessa e definitivos) celebrados pelas partes que as contas das sociedades do ano de 2007 e todas as informações prestadas, reportadas à data de 31/12/2007, eram verdadeiras e correctas e ainda que no ano de 2008 não se verificaram alterações significativas. 11ª É, por conseguinte, totalmente improcedente a alusão dos R.R. a supostas violações pré-contratuais, quando se trata, inclusivamente, de matéria definitivamente julgada no D. acórdão desse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Fevereiro de 2021, que julgou o anterior recurso de revista interposto pela A., ora recorrida. 12ª Vêm os recorrentes alegar, agora, ex-nuovo e sem qualquer justificação ou fundamento, abuso de direito por parte da A., que se impugna e não resulta comprovado nos autos. Para tanto, os recorrentes argumentam a suposta falta de interpelação da A. prévia à propositura desta acção judicial e a pretensa situação de confiança de que não iria exercer judicialmente os seus direitos. 13ª É totalmente falso este novo argumento das recorrentes. Estão juntas aos autos com a p.i. (Doc. ...1) e com a réplica (Docs. ... e ...) as interpelações que a A. realizou junto dos R.R. antes da propositura desta acção judicial para assumirem a responsabilidade contratual atinente ao incumprimento das obrigações que assumiram perante a A. É, assim, falso que a A. pudesse ter criado uma situação de confiança de que não iria exercer judicialmente os seus direitos. 14ª Não tem qualquer aplicação à situação dos autos o regime da compra e venda de bens defeituosos agora alegado pelos R.R. As três sociedades adquiridas pela A. não tinham defeitos e continuaram a exercer a sua actividade. O que se verificou foi o incumprimento de obrigações contratuais assumidas pelos R.R. no negócio celebrado entre as partes. 15ª Fica, por conseguinte, demonstrada a falta de fundamento do novo argumento dos recorrentes sobre o pretenso abuso de direito, que não se verifica e não resulta da factualidade assente nos autos. 16ª É totalmente infundado e injustificado o novo argumento dos R.R. sobre a pretensa renúncia aos efeitos da ilicitude. É totalmente falso e não resulta minimamente provado nos autos que a A. alguma vez tenha renunciado aos efeitos da ilicitude do comportamento dos R.R., pelo que tem de ser julgado improcedente este novo argumento dos R.R. 17ª Os recorrentes vêm alegar, ex-nuovo e sem qualquer justificação ou fundamento, a ausência de culpa, ainda que reconheçam a presunção de culpa do devedor no âmbito da responsabilidade contratual. Ao contrário do que os R.R. referem, não alegaram no processo, e não se encontram provados, factos que permitam ilidir a presunção de culpa dos R.R. 18ª Resulta evidente da matéria de facto provada que a conduta dolosa dos R.R. antes da venda das três sociedades, que omitiram da A., foi ilícita e culposa e geradora de prejuízos intencionalmente causados à A. Não há a este respeito nenhuma necessidade de ampliação da matéria de facto, pois é manifesta a ilicitude e a culpa da conduta dos R.R. que se locupletaram com os montantes e os bens que subtraíram das três sociedades antes da aquisição pela A. 19ª É totalmente destituído de sentido o argumento das R.R. sobre a ausência de dano e a pretensa necessidade de ampliação da matéria de facto. 20ª Como resulta da matéria de facto provada, os contratos celebrados pelas partes previam expressamente cláusulas, nos termos das quais os R.R. assumiram solidariamente a obrigação de indemnizar a A. por todos os prejuízos e despesas de qualquer natureza respeitantes a facto ocorrido até à data de celebração desses contratos. Ora, tanto basta para demonstrar a medida do dano definida por acordo das partes e a desnecessidade de prova adicional em relação à que se encontra produzida nos autos. 21ª O Tribunal a quo condenou parcialmente os R.R. nos pedidos formulados, precisamente porque o correcto julgamento da matéria de facto permitiu dar como provada a matéria de facto necessária e suficiente para a condenação parcial dos R.R. e a absolvição do remanescente peticionado. 22ª Improcedem todos os argumentos novos alegados pelos recorrentes neste seu recurso de revista e que não se encontram, naturalmente, suportados na matéria de facto provada, extraída dos factos invocados nos articulados das partes, a qual é suficiente e não carece de ampliação para efeitos de condenação dos R.R., ora recorrentes, nos precisos termos em que o foram no D. acórdão recorrido. Nestes termos, e nos mais de direito, com o D. suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao presente recurso de revista, confirmando-se o D. acórdão recorrido, assim se fazendo a costumada Justiça!» 11. Notificado o MP para se pronunciar a respeito da questão da dispensa da taxa de justiça, veio dizer o seguinte: «Formularam os RR. recorrentes pedido no sentido de as partes serem integralmente dispensadas do pagamento do remanescente das taxas de justiça “relativamente a todas as instâncias judiciais percorridas pelo presente processo.” Subsidiariamente, requereram a dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em percentagem que o Tribunal ad quem considerar adequada e que não deverá ser inferior a 80%. Importa, em primeiro lugar, referir que a decisão de dispensa do remanescente da taxa de justiça só poderá incidir sobre a atividade processual desenvolvida nesta instância, e não, como requerido, abarcar todas as instâncias judiciais. Com efeito, como se colhe do disposto nos artºs527º, nº 1 e 529º, nº1, ambos do CPC, artº s 1º, nº 2 e 6º, nºs 1 e 2, do Regulamento das Custas Processuais e das tabelas I-A e I-B anexas, os incidentes, as ações e os recursos são considerados processos ou procedimentos Autónomos para efeito de sujeição ao pagamento de custas stricto sensu e de taxa de justiça, funcionando entre eles o princípio da autonomia. Consequentemente, a decisão de dispensa do remanescente da taxa de justiça é do juiz da primeira instância, no que concerne às ações lato sensu, e do coletivo de juízes dos tribunais superiores no que concerne aos recursos ou aos incidentes cujo objeto seja o acórdão em causa, cfr. Acs. do STJ de 14.01.2021, Proc. n.º 6024/17.1T8VNG.P1.S1 (relatora Rosa Tching) e de 14.07.2020 , Proc. n.º 2556/17.0YLPRT.L1.S2, (relatora Catarina Serra) citado naquele aresto, disponível em www.dgsi.pt. Assim, apenas é possível apreciar a questão da dispensa no que respeita aos recursos de revista, sendo que considerando a lisura do comportamento das partes, a dimensão do processo, o facto de as questões conhecidas no acórdão proferido em 23.02.2021 e as que vão ser objeto de apreciação não revestir em complexidade acima da média e visto o disposto nos art.ºs 6.º , n.º 7, do RCP e 530.º, n.º 7, do CPC, somos de parecer de que: I- Deve ser indeferida a requerida dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente relativamente à 1.ª e 2.ª instâncias; II- Deve dispensar-se o pagamento da taxa de justiça remanescente respeitante à presente instância recursória em 75% daquele valor». 12. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, o objeto do recurso se delimita pelas conclusões, as questões a decidir, pela sua ordem lógica, são as seguintes: I – Modificação da matéria de facto ou necessidade de baixa do processo para ampliação da matéria de facto e cumprimento pela Relação dos seus deveres ao abrigo do artigo 662.º, n.º 2, do CPC; II – Qualificação dos factos provados n.º 25 e n.º 44 como responsabilidade civil pré-contratual, já extinta por prescrição, e redução correspondente do montante indemnizatório; III – Abuso do direito na modalidade de suppressio; IV – Renúncia à ilicitude; V – Pressupostos da responsabilidade contratual: - se da matéria de facto resulta que a presunção de culpa foi ilidida; - se da matéria de facto resulta que não há danos indemnizáveis: VI – Repartição das custas; VII – Dispensa do remanescente da taxa de justiça. Cumpre apreciar e decidir. II - Fundamentação A – Os factos As instâncias deram como provados os seguintes factos: «1. A Autora é uma sociedade cuja actividade consiste na prestação de serviços de meios complementares de diagnóstico, nomeadamente análises clínicas, sendo o seu capital maioritariamente detido pela Sociedade G... SGPS, S.A. 2. A Autora é detentora de um laboratório de análises clínicas dotado para a realização das mais importantes valências deste sector de actividade. 3. Perante a concorrência no sector da actividade das análises clínicas, a Autora definiu uma estratégia de expansão e crescimento que lhe permitisse aumentar a quota de mercado e volume de facturação. 4. Em 19 de Junho de 2008 a sociedade G... SGPS, S.A. celebrou com os Réus um contrato-promessa de compra e venda de acções e direitos, nos termos do qual estes prometeram vender àquela sociedade, ou a quem esta indicasse em sua substituição, que prometeu adquirir-lhes, livres de quaisquer ónus, encargos ou outras responsabilidades, pelo preço global de € 11 975 000,00 (onze milhões novecentos e setenta e cinco mil euros), as acções representativas da totalidade do capital social das seguintes sociedades comerciais, de que aqueles promitentes vendedores eram titulares: - L..., L... S.A., com sede na Travessa ..., Edifício ..., em ..., Pessoa Colectiva n.° ..., com o mesmo número de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ...; - V..., L... S.A., com sede na Rua ..., lojas ..., ... e ..., ..., pessoa colectiva n.° ..., com o mesmo número de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ...; 5. Nos termos da cláusula 6.ª do referido contrato-promessa o G... SGPS, S.A. ofereceu e aceitou o preço da venda das acções prometidas, na condição de verificação dos seguintes pressupostos, relativamente à sociedade L... e V...: "a) conformidade legal do processo de licenciamento do laboratório no Ministério da Saúde; b) conformidade legal do processo de licenciamento dos postos de colheita existentes, identificados no Anexo I e manutenção das respectivas condições de exploração aí referidas; c) manutenção, no mínimo, dos mesmos acordos e convenções existentes em 2007, não havendo situações de pré-contencioso, contencioso ou outras, passíveis de prejudicar esses acordos ou convenções; d) que se encontra regularizada a situação contributiva com a Segurança Social; e) inexistência de dívidas ao Estado Português correspondentes a qualquer contribuição ou imposto; f) inexistência de responsabilidades da sociedade fora dos balanços de contas reportados a 31-12-2007 (anexo II), tais como garantias pessoais ou reais, designadamente, cartas de conforto, hipotecas, penhoras e outras; g) inexistência de alterações significativas na política salarial; h) inexistência de investimentos significativos em curso nos anos de 2007 e 2008; i) inexistência de alterações ao património via desinvestimento em 2007 e 2008; j) inexistência de acções judiciais à data da venda de acções, contra a sociedade; k) inexistência de responsabilidades assumidas em processos judiciais que tenham afectado ou venham a afectar o património da sociedade; 1) inexistência de dívidas a fornecedores e a outros credores, em 31-07-2008, superior a € 200 000; m) inexistência de dívidas a instituições de crédito em 31-07-2008; n) inexistência de dívidas ao Estado ou outros entes públicos em 31-07-2008; o) existências em stock, em 31-07-2008, de valor igual ou superior a 50 000,00 (cinquenta mil euros), devendo o mesmo stock à data do contrato definitivo evidenciar um valor semelhante; p) saldo de clientes, em 31-07-2008, não inferior ao saldo de clientes em 31-12-2007 (admite-se uma variação de 20%)." 6. Nos termos da cláusula 7.ª desse mesmo contrato-promessa, foi pelas partes declarado que o preço das vendas prometidas foi acordado entre as partes por referência às contas apresentadas no ano de 2007 e que os Réus expressamente declararam, no §1 dessa cláusula, serem verdadeiras e correctas todas as informações prestadas, reportadas à data de 31-12-2007 e ainda que, no ano de 2008, não se verificaram alterações significativas. 7. Ainda nos termos da cláusula 14.° do contrato outorgado pelas partes os Réus obrigaram-se a indemnizar a sociedade G... SGPS, S.A. por todos os prejuízos e despesas decorrentes de quaisquer reclamações de terceiros contra as sociedades L... e V..., designadamente de autoridades fiscais, incluindo reclamações emergentes de correcções fiscais a notas de liquidação de impostos que originem dívidas à Fazenda Nacional, Segurança Social, trabalhadores, colaboradores, antigos trabalhadores e colaboradores e a fornecedores, bem como juros não expressamente evidenciados no balanço, desde que respeitantes ao período decorrido até 31-12-2007 ou a facto ocorrido até à data da celebração dos contratos de compra e venda das acções prometidas, responsabilizando-se os Réus pessoal, solidaria e ilimitadamente pelas obrigações e encargos de qualquer natureza para as sociedades resultantes de alterações reveladas supervenientemente. 8. Em 7 de Agosto de 2008 a Autora, em substituição da G... SGPS, S.A. celebrou individualmente com os Réus, os contratos definitivos e prometidos de compra e venda de acções e direitos sobre a totalidade do capital social das sociedades L..., S.A. e V... S.A. 9. Nos termos da cláusula 4.ª de cada um desses contratos, as partes declararam que as vendas de acções e direitos realizadas ficariam sujeitas a todas as cláusulas e condições insertas no contrato-promessa assinado em 19 de Junho de 2008, "que assim se renovam e mantêm plenos efeitos". 10. No mesmo dia 7 de Agosto de 2008, a Autora celebrou com os Réus um contrato que denominaram de cessão de quotas e direitos nos termos do qual os Réus cederam à Autora, livres de quaisquer ónus, encargos ou outras responsabilidades, pelo preço de € 25 000,00, as três quotas representativas da totalidade do capital social da sociedade C... — ..., Analises Clínicas e Anatomia P... Lda, das quais os réus eram titulares da seguinte forma: - uma quota no valor nominal de € 20 000,00 da titularidade da Ré Gruplab S.A.; - uma quota no valor nominal de € 2500,00 da titularidade do Réu AA; - uma quota com o valor nominal de € 2500,00 da titularidade da Ré BB. 11. Nos termos da cláusula 5.ª do referido contrato de cessão de quotas e direitos a Autora declarou aceitar o preço da venda das cessões de quotas na condição de verificação dos seguintes pressupostos relativamente à sociedade C... — ..., A... Lda.: "a) conformidade legal do processo de licenciamento do laboratório no Ministério da Saúde; b) conformidade legal do processo de licenciamento dos postos de colheita existentes, identificados no Anexo I e manutenção das respectivas condições de exploração aí referidas; c) manutenção, no mínimo, dos mesmos acordos e convenções existentes em 2007, não havendo situações de pré-contencioso, contencioso ou outras, passíveis de prejudicar esses acordos ou convenções; d) que se encontra regularizada a situação contributiva com a Segurança Social; e) inexistência de dívidas ao Estado Português correspondentes a qualquer contribuição ou imposto; J inexistência de responsabilidades da sociedade fora dos balanços de contas reportados a 31-12-2007 (anexo II), tais como garantias pessoais ou reais, designadamente, cartas de conforto, hipotecas, penhoras e outras; g) inexistência de alterações significativas na política salarial; h) inexistência de investimentos significativos em curso nos anos de 2007 e 2008; i) inexistência de alterações ao património via desinvestimento em 2007 e 2008; j) inexistência de acções judiciais à data da venda de acções, contra a sociedade; k) inexistência de responsabilidades assumidas em processos judiciais que tenham afectado ou venham a afectar o património da sociedade; 1) inexistência de dívidas a fornecedores e a outros credores, m) inexistência de dívidas a instituições de crédito. 12. Ainda nos termos da cláusula 14.° do contrato de cessão de quotas e direitos o preço das cessões foi acordado entre as partes referência às contas apresentadas no ano de 2007, que os Réus declararam expressamente ser verdadeiras e correctas todas as informações prestadas, reportadas à data de 31-12-2007 e ainda que, no ano de 2008, não se verificaram alterações significativas. 13. Na cláusula 9.ª desse mesmo contrato de cessão de quotas os Réus obrigaram-se a indemnizar a sociedade G... SGPS, S.A., por todos os prejuízos e despesas decorrentes de quaisquer reclamações de terceiros contra as sociedades C... — ..., A... Lda, designadamente das autoridades fiscais, incluindo reclamações emergentes de correcções fiscais e notas de liquidação de impostos que originem dívidas à fazenda nacional, Segurança Social, trabalhadores, colaboradores, antigos trabalhadores e colaboradores e a fornecedores, bem como juros não expressamente evidenciados no balanço, desde que respeitantes ao período decorrido até 7 de Agosto de 2008, responsabilizando-se os Réus pessoal, solidaria e ilimitadamente pelas obrigações e encargos de qualquer natureza para as sociedades resultantes de alterações reveladas supervenientemente. 14. Os Réus AA e BB, para além de sócios e legais representantes das sociedades L..., S.A., V... S.A. e C... Lda., que venderam à Autora, eram, respectivamente, os directores técnicos dos L... explorados pelas duas primeiras sociedades e assim continuaram mesmo depois da celebração com a Autora, em 7 de Agosto de 2008, dos contratos definitivos de compra e venda de acções e direitos daquelas sociedades. 15. A Ré BB cessou as funções de directora técnica do l... da sociedade V... em 01-03-2009. 16. E o Réu AA cessou as funções de director Técnico da L... e 20 Junho de 2013. 17. Após a celebração do contrato de compra e venda, a Autora veio a tomar conhecimento de que as situações das três sociedades eram distintas das que existiam em 2007 e que estiveram subjacentes ao negócio. 18. Nos referidos contratos, os Réus expressamente declararam ser verdadeiras e correctas todas as informações e documentação prestadas à Autora, reportadas à data de 31-12-2007 e que no ano de 2008 não se verificariam alterações significativas. 19. As contas das três sociedades fornecidas à Autora pelos Réus na fase pré-contratual e que determinaram o preço de aquisição oferecido pela Autora foram os balancetes de 31-07-2008. 20. A Ré Gruplab emitiu à sociedade L..., S.A., com data de 31-07-2008, as facturas n.°s ...56, ...57, ...58, ...59, ...60, ...61, ...62 e ...63 que somam a quantia de € 1 077 345,31 (um milhão e setenta e sete mil trezentos e quarenta e cinco euros e trinta e um cêntimos), das quais consta a referência a realização de análises clínicas entre Janeiro e Julho de 2008. 21. A Ré Gruplab emitiu à sociedade V... S.A., com data de 31 de Julho de 2008, as facturas n.°s ...64, ...65, ...66, ...67, ...68, ...69 e ...70, que somam a quantia de € 280 000,00, pela alegada realização de análises clínicas entre Janeiro e Julho de 2008. 22. Os Réus retiraram na sociedade L... o software de contabilidade Primavera; 23. O software de contabilidade Primavera havia sido adquirido pela L... à .... 24. Diverso equipamento informático adquirido pela L... e que constava do seu imobilizado como recentemente adquirido, não foi encontrado nas suas instalações. 25. O Réu AA assinou um cheque com a data de 30-11-2007, sacado sobre uma conta bancária da sociedade V... S.A. no Banco Millenium BCP, à ordem de Gruplab S.A. no valor de € 146 081,89 (cento e quarenta e seis mil e oitenta e um euros e oitenta e nove cêntimos), o qual apenas foi apresentado a pagamento em 08-05-2008. 26. Instado a justificar a situação, o Réu AA veio apresentar uma factura e um recibo da Ré Gruplab S.A. datados de 01-12-2009, por alegados serviços de análises clínicas prestados em 2007, sendo que a data de vencimento aposta nessa mesma factura era de 31-12-2009. 27. A Autora não aceitou tais facturas tendo-as devolvido à Gruplab, não obstante o cheque ter sido descontado. 28. No imobilizado da V... encontrava-se registado, à data da celebração quer do contrato-promessa quer do contrato definitivo, um trespasse no valor de € 448 918,11. 29. Instados sobre a situação, os Réus informaram que inexistia qualquer activo da empresa naquele montante, sendo o mesmo uma operação de contabilidade. 30. No balancete emitido pela ... antes da compra e venda da sociedade pela Autora, o saldo de caixa da V... era de € 12 696,47. 31. Na contagem física tal saldo era inexistente. 32. Em 2007, a L... adquiriu um equipamento Liaison, pelo valor global de € 50 820,00. 33. Esse equipamento e o seu valor foi equacionado pela Autora aquando da negociação do preço de aquisição da sociedade. 34. Na cláusula 6.a alínea i) do contrato-promessa de compra e venda de acções e direitos relativo às sociedades L..., S.A. e V... as partes estabeleceram como pressuposto dos negócios a "Inexistência de alterações ao património via desinvestimento em 2007 e 2008". 35. De igual forma na cláusula 5.a, alínea i) do contrato de cessão de quotas e direitos relativo à sociedade C... Lda. as partes estabeleceram como pressuposto do negócio a "Inexistência de alterações ao património via desinvestimento em 2007 e 2008". 36. Em 31-03-2008, os Réus venderam diverso imobilizado das três sociedades adquiridas pela Autora em Agosto, conforme resulta das declarações de recebimento de pagamento emitidas pela L..., V... e C... emitidos pela .... 37.No caso da L... o imobilizado vendido foi o constante de fls. 342 (constante do I Volume na medida em que essa numeração por lapso é repetida no II volume ), pelo preço de € 350,00, sendo que desse imobilizado fazia parte, entre outros, um ... de matrícula ..-..-VB, um ... de matrícula ..-..-VF, um motociclo ... com a matrícula ..-..-XU e um ... 2006 com matrícula ..-..-ZC, os quais foram vendidos, cada um deles, por € 50,00. 38. No que se refere à V... o imobilizado vendido foi o constante de fls. 340 (constante do II volume na medida em que essa numeração se encontra repetida), pelo preço de € 350,00, sendo que desse imobilizado fazia parte, entre outros, um ... de matrícula ..-..-JR, um ..., cabriolet e um ... de matrícula ..-..-Zc, os quais foram vendidos, cada um deles, e respectivamente, por € 50,00, €100,00 e € 50,00. 39. Quanto à C... o imobilizado vendido foi o constante de fls. 345 (constante do II volume na medida em que essa numeração se encontra repetida), pelo preço de € 210,00, sendo que desse imobilizado fazia parte, entre outros, o ... matrícula ..-..-EL, um ... de matrícula ..-..-PZ e um ... de matrícula ..-..-ZT, os quais foram vendidos, cada um deles, por € 50,00. 40. Este imobilizado foi considerado pela Autora na avaliação das sociedades e preço oferecido pelo negócio, sendo que estas vendas não foram comunicadas à Autora. 41. Na cláusula 6.a al. m) do contrato-promessa de compra e venda de acções e direitos relativos às sociedades L..., V... e na cláusula 5.a, alínea m) do contrato de cessão de quotas e direitos relativos à C... Lda. acordaram as partes no seguinte pressuposto: inexistência de dívidas a instituições de crédito em 31-07-2008. 42. Relativamente à L... a mesma sociedade tinha registado nas suas contas uma dívida ao ... resultante de um contrato de Leasing. 43. Na al. 1) da cláusula 5.a do contrato de cessão de quotas e direitos relativos à sociedade C... Lda. acordaram as partes como pressuposto do negócio "a inexistência de dívidas a fornecedores e outros credores" 44. Nas suas contas a sociedade C... Lda. tinha registado, a 31-07-2008, uma dívida de € 1875,61 a fornecedores e uma dívida de € 6 156,08 a fornecedores de imobilizado. 45. As sociedades L..., S.A. e V... S.A. foram objecto de um processo de fusão de sociedades, nos termos do qual foram incorporadas na sociedade Autora, fusão essa registada pela apresentação ...7, do dia 23-12-2013. 46. Em 20 de Novembro de 2011 teve lugar a Assembleia geral da C... Lda., a qual teve como ponto único da ordem de trabalhos, a deliberação e aprovação do relatório de Gestão e Contas, tendo sido aprovado por unanimidade o Relatório de Gestão e contas constante do documento elaborado pela gerência. 47. Em 22 de Novembro de 2011, realizou-se a Assembleia Geral da sociedade C... Lda., tendo como ponto único da ordem de trabalhos o encerramento da Liquidação da Sociedade., tendo sido aprovados as contas finais e deliberado o encerramento da liquidação, na sequência do que foi a referida sociedade dissolvida e liquidada, sem activo nem passivo em 22-11-2011. 48. Em 15-11-2013 foi aprovado por unanimidade, na Assembleia Geral Extraordinária da sociedade comercial L..., S.A. a (i) operação de fusão por incorporação da sociedade na sociedade Dr. Joaquim Chaves — Laboratório de análises clínicas S.A. (ii) o balanço ad hoc da sociedade; (iii) a dispensa de submissão do projecto de fusão à apreciação do ...; (iv) a submissão do projecto de fusão à Assembleia Geral. 49. Em 23 de Dezembro de 2013, a Assembleia Geral extraordinária da V... S.A. S.A aprovou por unanimidade, conforme ponto único da ordem de trabalhos, o projecto de fusão por incorporação da sociedade na sociedade Dr. Joaquim Chaves Laboratório de Análises Clínicas S.A. 50. Na sequência das operações referidas em 48. e 49., as matrículas das sociedades L... e V... foram canceladas. 51. Os Réus durante a fase das negociações, quer no período entre a celebração do contrato promessa e o contrato definitivo em 07-08-2008, foram prestando informações verbais e documentais à Autora. 52. Ao Autor foram fornecidos vários balanços analíticos reportados a 31-07-2008, não coincidentes entre si e o último dos quais no próprio dia da celebração do contrato. 53. As facturas emitidas pela Gruplab à L..., e objecto de referenciação em 20., estão reflectidas no último dos balancetes de 31-07-2008, bem como na prestação de contas do exercício do ano de 2008 e aprovadas por unanimidade, pelos diversos órgãos da administração da sociedade adquirida. 54. As facturas emitidas pela Gruplab à V..., e objecto de referenciação em 21, estão reflectivas no último dos balancetes de 31-07-2008, bem como na prestação de contas do exercício de 2008 e aprovada por unanimidade pelos diversos órgãos de administração da sociedade adquirida. 55. O software P... é um programa de contabilidade e gestão comercial que havia sido adquirido pela L..., e que estava licenciado em nome desta; 56. A Autora no ano de 2009 procedeu à substituição da totalidade do equipamento informático da sociedade L..., S.A. e V... S.A. 57. Com a celebração do contrato-promessa, o Grupo Joaquim Chaves SGPS comprometeu-se a celebrar um contrato de prestação de serviços com a primeira outorgante Gruplab, com o valor anual de € 200 000. 58. Na sequência do referido em 57., o G... SGPS, S.A. celebrou com Gruplab S.A., em 31-07-2008, o contrato de prestação de serviços, constante de fls. 620, e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 59. No âmbito do referido contrato, o Grupo Joaquim Chaves SGPS comprometeu-se a pagar à Gruplab, como contrapartida pelos serviços prestados, a quantia anual de € 200.000,00. E foram considerados não provados os seguintes factos: a)- que a emissão das facturas referidas em ...0 e ...1 visassem anular indevidamente os créditos, naquele montante, que a L... e a V... detinham sobre a GrupLab. b)- que o software de contabilidade Primavera tivesse o valor de € 4.319,70; c)- que o equipamento informático da V... S.A. e da C... Lda. não tenha sido encontrado nas instalações das empresas. d)- que o cheque referido em 25. tenha sido apresentado a pagamento em 05-08-2008. e)- que o preço de compra da V... tenha sido oferecido contando com a existência de um trespasse com o valor de € 448 918,11; f)- que o equipamento Liaison não tenha sido encontrado no património da L..., S.A. g)- que o imobilizado da L... vendido, e referido no facto 37, tivesse o valor de € 77 374,30; h)- que o imobilizado da V... vendido, e referido no facto 38, tivesse o valor de € 122 324,45; i)- que o imobilizado da C... vendido, e referido no facto 39, tivesse o valor de € 67 323,61. j)- que relativamente à V..., à data de 31-07-2008, existisse uma dívida ao ... de € 243 817,12; k)- que relativamente à C..., à data de 31-07-2008, existisse uma dívida à ... de Depósitos de € 983,57. 1)- que a presente acção se insira num plano elaborado pelo Autor com o desígnio de afastar os Réus do exercício da actividade de análises clínicas, especialmente no concelho ...; m)- que o Autor apenas pretenda aniquilar profissionalmente os Réus, a sua actividade de análises clínicas e, pessoalmente, denegrir a imagem, a reputação e a credibilidade que gozam no meio social. n)- que o negócio entre Autora e réus apenas se tenha concretizado após uma Due Diligence/Auditoria que durou cerca de 3 meses. o)- que durante os cinco anos subsequentes à celebração do contrato os Réus tenham convivido de modo harmonioso, quer pessoal, quer profissionalmente, com a Autora. p)- que tenha sido a circunstância de os 2.° e 3.° Réus terem decidido voltar a desempenhar a profissão de analistas clínicos, abrindo um laboratório no ..., que desencadeou o comportamento da Autora de intentar várias acções contra os Réus; q)- que na sequência do despedimento do 2.° Réu AA, a Autora tenha intentado acção que correu termos no Juízo de Trabalho — Juiz ..., processo 16183/13...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., ..., na qual formula o pedido indemnizatório no valor de € 1000 000,00; r) - que no ano de 2013 a autora tenha intentado nova acção declarativa de contraordenação contra os Réus com fundamento no incumprimento do contrato de compra e venda das acções e direitos e cessão de quotas das sociedades L..., S.A., V... S.A. e C... Lda., a qual correu termos no Tribunal Judicial ..., ... juízo de competência cível, sob o n.° 3483/13....; s) - que com as consecutivas acções judiciais o Autor pretenda manter os Réus sob um estado de permanente coacção e desgaste emocional, económico e financeiro, para além de denegrir a abalar sua reputação; t) -que o propósito do Autor seja de causar elevados prejuízos aos Réus, impedindo-os de criar, desenvolver ou expandir a sua actividade profissional; u) - que a celebração do contrato promessa de compra e venda das acções que titulavam o capital social da L... e da V... tenha sido o culminar da exaustiva análise à documentação contabilística, fiscal, comercial e jurídica das sociedades efectuada por técnicos especializados durante vários meses; v) - que após uma Due Diligence/auditoria efectuada com rigor e exigência o Autor tenha feito uma oferta de compra das acções e direitos que totalizavam o capital social das referidas empresas e que essa proposta tenha sido aceite pelos Réus. w) - que os réus durante toda a fase de negociação tenham colocado à disposição do Autor e dos seus representantes e técnicos as suas instalações e toda a documentação e informação respeitante às sociedades em aquisição. x) - que os Réus tenham dado a conhecer à autora todos os contornos de laboração das sociedades, de toda a gestão do grupo e a sua situação económico-financeira, jurídica, contabilística e fiscal. y) - que a confiança dos Réus na Autora e seus representantes e técnicos fosse tão genuína que a elaboração do contrato promessa tenha ficado exclusivamente a cargo da Autora, não tendo os Réus, sequer, consultado os seus advogados. z) - que a Autora e os seus representantes e técnicos tenham liderado toda a fase de negociação; aa) - que a Autora tivessem estado sempre inteirada da situação real das sociedades, quer directamente, quer através dos seus representantes e técnicos; ab) - que todos os movimentos efectuados, entre a assinatura dos contratos-promessa e a entrega dos balancetes de 31-07-2008, tenham sido com conhecimento, acompanhamento, colaboração e supervisão da Autora; ac) - que durante toda a fase de negociação e conclusão do negócio o relacionamento entre o Autor e os Réus era de grande transparência. ad) - que o Autor através dos seus representantes e técnicos tenha solicitado aos Réus que fizessem algumas regularizações contabilísticas de modo a que nos balancetes deixassem de constar rubricas não relacionadas com a actividade das empresas; ae) - que os balanços analíticos reportados a 31-12-2007 demonstrassem a situação contabilística das sociedades; af) - que as facturas n.°s ...56, ...57, ...58, ...59, ...60, ...61, ...62 e ...63 que a Gruplab emitiu à L..., no valor de € 1 077 345,31 fossem do conhecimento da Autora aquando da negociação e da outorga do contrato definitivo de compra das acções e direitos. ag)- que a Autora tivesse conhecimento da inexistência de qualquer crédito da L... sobre a Gruplab S.A.; ah)- que as facturas n.°s ...64 a 80370 que a Gruplab emitiu à V... S.A. no valor de € 280 000 eram do conhecimento da Autora aquando da negociação e outorga do contrato definitivo. ai)- que a Autora tivesse conhecimento da inexistência de qualquer crédito da V... sobre a Gruplab S.A. aj) - que aquando das negociações para a vendas das acções e direitos das sociedades o 2.° Réu tenha informado a Autora e seus representantes que tal software era utilizado pelas várias empresas do grupo e que pretendia que a licença fosse alterada de L..., S.A. para GrupLab S.A. ak)- que nessa altura a Autora não tenha manifestado qualquer interesse no software, tanto mais que não o utilizava no seu grupo empresarial; al) - que após Agosto de 2008 os contratos de assistência técnica relativos ao software Primavera tenham passado a ser facturados à Gruplab S.A. am) - que a Autora tenha tido conhecimento da alteração da titularidade da licença de software em virtude de lhe ter sido entregue cópia dos emails provenientes da empresa Primavera e dirigidos à L...; an) - que aquando da análise da documentação da sociedade com vista à realização do negócio o Autor tenha constatado a inscrição do trespasse e seu valor e lhe tenha sio explicado a quê que o mesmo se referia; ao) - que quando em 2009 terminaram os reagentes de stock para a execução das análises clínicas no referido equipamento, os serviços de manutenção do g... tenham retirado o equipamento Liaison e o tenham vendido à empresa W... Lda e recebido o respectivo preço; ap) - que a Autora tenha sido informada a esclarecida sobre o imobilizado existente nas sociedades; aq) - que a Autora aquando da celebração do contrato promessa tenha acordado assumir e cumprir os contratos de leasing em curso, por se referirem a viaturas indispensáveis à actividade da empresa; ar) - que a Autora tenha expressamente manifestado a sua vontade de manter as viaturas, as) - que até Julho de 2009 a Autora tenha pago à Ré a quantia de € 200 000,00, liquidando-a em duodécimos; at) - tendo deixado de fazê-lo em Agosto de 2009». B – O Direito 1. Importa analisar se o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão agora recorrido, cumpriu ou não o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o qual determinou que, ao caso dos autos, havia de ser aplicado o regime jurídico da responsabilidade contratual, em vez do regime jurídico da responsabilidade civil pré-contratual, que viera a dar lugar à procedência da exceção da prescrição invocada pelos réus. 2. O acórdão recorrido, para o que aqui releva, decidiu condenar os réus, ao abrigo das normas da responsabilidade civil contratual, presumindo a culpa destes no incumprimento, ao abrigo do artigo 799.º do Código Civil, com os seguintes fundamentos de facto e de direito: «Importa analisar os comportamentos dos Réus que estão provados e que relevam para a análise da respectiva e eventual responsabilidade contratual: Vejamos os actos dos vendedores, praticados após a celebração dos contratos: Relativamente à inexistência de alterações ao património das sociedades: Segundo o facto n.º 34, na cláusula 6.ª alínea i) do contrato-promessa de compra e venda de ações e direitos relativo às sociedades L..., S.A. e V..., as partes estabeleceram como pressuposto dos negócios a "Inexistência de alterações ao património via desinvestimento em 2007 e 2008". De igual forma, afirma-se no facto provado n.º 35, que, na cláusula 5.ª, alínea i) do contrato de cessão de quotas e direitos relativo à sociedade C... Lda., as partes estabeleceram como pressuposto do negócio a "Inexistência de alterações ao património via desinvestimento em 2007 e 2008". Porém, após a celebração do contrato de compra e venda, a autora veio a tomar conhecimento de que as situações das três sociedades eram distintas das que existiam em 2007 e que estiveram subjacentes ao negócio (facto provado n.º 17). Nos referidos contratos, os réus expressamente declararam ser verdadeiras e corretas todas as informações e documentação prestadas à Autora, reportadas à data de 31-12-2007 e que no ano de 2008 não se verificariam alterações significativas (facto provado n.º 18). A Ré Gruplab emitiu à sociedade L..., em 31 de julho de 2008, faturas que somam a quantia de € 1 077 345, 31 (facto n.º 20) e à sociedade V..., também com data de 31 de julho de 2008, faturas no valor de € 280.000,00 euros (facto n.º 21). Os Réus retiraram da sociedade L... o software de contabilidade primavera (facto 22), bem como equipamento informático (facto n.º 24). O software primavera estava licenciado em nome da L... (facto provado n.º 55). A autora no ano de 2009 procedeu à substituição da totalidade do equipamento informático da sociedade L... e V... (facto n.º 56). O réu AA assinou um cheque, em 30-11-2007, sacado sobre uma conta bancária da sociedade V..., à ordem de Gruplab SA, no valor de 146 081, 89 euros, por alegados serviços de análise prestados em 2007, apresentado a pagamento em 8 de maio de 2008, sendo que a data de vencimento aposta na fatura era de 2009 (factos 25 e 26). No imobilizado da V... encontrava-se registado um trespasse no valor de 448 918, 11 euros (facto n.º 28). O saldo de caixa da V... que constava no balancete antes da compra e venda, na contagem física era inexistente (factos provados n.ºs 30 e 31). Nos termos dos factos provados n.º 36 a 39, os réus venderam imobilizados das sociedades transferidas, que tinham sido considerados na avaliação das sociedades e na fixação do preço oferecido pelo negócio, sendo que estas vendas não foram comunicadas à autora (facto n.º 40). No que se refere à “inexistência de dívidas”: Conforme consta do facto n.º 41, na cláusula 6.ª al. m) do contrato-promessa de compra e venda de ações e direitos relativos às sociedades L..., V... e na cláusula 5.ª, alínea m) do contrato de cessão de quotas e direitos relativos à C... Lda. acordaram as partes no seguinte pressuposto: “inexistência de dívidas a instituições de crédito em 31-07-2008”. Na al. 1) da cláusula 5.ª do contrato de cessão de quotas e direitos relativos à sociedade C... Lda. acordaram as partes como pressuposto do negócio "a inexistência de dívidas a fornecedores e outros credores" (facto n.º 43). Relativamente à L... a mesma sociedade tinha registado nas suas contas uma dívida ao ... resultante de um contrato de Leasing (facto n.º 42). Nas suas contas a sociedade C... Lda. tinha registado, a 31-07-2008, uma dívida de € 1875,61 a fornecedores e uma dívida de € 6 156,08 a fornecedores de imobilizado (facto n.º 44). Desta factualidade não há dúvida e como já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça que “os réus praticaram factos após a celebração dos contratos – emissão de faturas da R. Gruplab aos Laboratórios de análises clínicas L... e V... e alienação de bens que constavam do imobilizado dessas sociedades – assim incumprindo obrigações contratuais que assumiram para com a autora no contrato promessa e nos contratos prometidos”. “O aparecimento posterior ao contrato-promessa de dívidas reclamadas por terceiros, de faturas que não constavam dos balanços da sociedade, a retirada ou alienação de equipamentos e outros bens do património da sociedade, representam a violação de obrigações contratualmente estabelecidas no contrato-promessa e no contrato de compra e venda de acções. Assim, tendo produzido danos indemnizáveis a título de responsabilidade contratual, pelos quais os réus, verificados os restantes pressupostos da responsabilidade contratual, terão de responder solidariamente. Assim, os réus incumpriram obrigações contratuais autónomas consagradas no contrato promessa, violando a garantia nele estipulada de que determinados direitos ou bens que integravam o património das sociedades transferidas permaneceriam no património das mesmas”. O Supremo Tribunal de Justiça já reconheceu à Autora o direito de obter indemnização ou redução do preço do bem, em valor equivalente ao valor dos bens patrimoniais indevidamente subtraídos do património social, verificados os demais pressupostos da responsabilidade contratual a analisar pelas instâncias. Com efeito, nos termos do art.º 799.º do Código Civil, “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor”, sendo que a culpa do devedor se presume nos termos do disposto no art.º 799.º do Código Civil e tal presunção não foi ilidida. Importa assim, averiguar o valor do prejuízo sofrido pela Autora que determinará a medida da indemnização devida à Autora com vista a ressarci-la desse mesmo prejuízo. Conforme supra referido e resulta dos mencionados pontos 20.º e 21.º dos factos provados, a Ré Gruplab emitiu à sociedade L..., em 31 de julho de 2008, faturas que somam a quantia de € 1 077 345, 31 (facto n.º 20) e à sociedade V..., também com data de 31 de julho de 2008, faturas no valor de € 280.000,00 euros (facto n.º 21). Ora, essas facturas, somando um valor total de € 1.357.345,31 emitidas com a data coincidente com os balancetes que determinaram o preço de aquisição oferecido pela Autora (facto provado n.º 19), mas não constando dos mesmos, atento o seu valor elevado, necessariamente, assumem por parte dos Réus uma violação das obrigações assumidas contratualmente. A Autora não pôde contar com o valor referido nessas facturas, com o referido valor de € 1.357.345,31,no momento em que analisou as contas das sociedades cujas acções e quotas adquiriu e em função dessas contas lhe atribuiu o preço que ofereceu por elas. Necessariamente, impõe-se presumir que se tivesse conhecimento que as sociedades que estava a adquirir implicavam um encargo daquele montante, necessariamente ajustaria o preço em conformidade. A este valor acresce ainda o valor de € 146.081,89 referidos nos pontos 25.º e 26.º da factualidade provada, referentes também a alegados serviços de análises clínicas prestados pela Ré Gruplab à sociedade V... Porém, também este valor, alegadamente referido a serviços prestados em 2007, só vieram a ser facturados em 2009 (facto 26.º), pelo que, obviamente, não foram considerados pela Autora na análise financeira que esta elaborou ao realizar o negócio a que se referem os autos. Decorre ainda dos pontos 28 e 29 dos factos provados que o trespasse no valor de €448.918,11, registado à data da celebração quer do contrato promessa, quer do contrato definitivo, veio a verificar-se que tal activo era inexistente. Porém, foi dado como não provado “que o preço de compra da V... tenha sido oferecido contando com a existência de um trespasse com o valor de € 448 918,11.” ( alínea e) dos factos não provados). Entendemos, assim, que este valor não deve ser, por isso, contabilizado no valor que constitui o dano ou prejuízo da Autora. Porém, resulta ainda que o saldo de caixa da V... que constava no balancete antes da compra e venda, no valor de € 12.696,47, afinal era inexistente (factos provados n.ºs 30 e 31). Quanto à também já mencionada obrigação de garantir a “inexistência de dívidas a instituições de crédito em 31-07-2008” e a “inexistência de dívidas a fornecedores e outros credores”, revelam os factos 42.º e 44.º o incumprimento destas obrigações, revelando-se já concretizado o valor de € 8.031,69, referente a dívidas. Quanto à dívida ao ... resultante de um contrato de Leasing, não consta da factualidade o respectivo montante, pois não se provou que à data de 31-07-2008, a dívida ao ... atingisse € 243 817,12 ( alínea J) dos factos não provados). Ora bem, a soma dos valores supra mencionados, excluído o já mencionado valor do trespasse, atinge o montante de € 1.524.155.36 Este valor corresponde, pois, à medida do prejuízo da Autora, constituindo a medida do incumprimento contratual resultante das cláusulas contratuais, mencionadas no ponto 5.º dos factos provados. Ainda de acordo com a cláusula 5.ª, alínea i) do contrato de cessão de quotas e direitos relativo à sociedade C... Lda. as partes estabeleceram como pressuposto do negócio a “Inexistência de alterações ao património via desinvestimento em 2007 e 2008” (vide ponto 35.º dos factos provados). Porém, em violação desta cláusula, conforme decorre dos pontos 36.º, 37.º, 38.º 39.º, foi vendido diverso imobilizado, ali descrito, sendo que estas vendas não foram comunicadas à Autora (ponto 40.º dos factos provados). Nestas condições, a Autora tem direito a ser igualmente indemnizada pelo valor correspondente ao valor daquele imobilizado que foi vendido sem que tais vendas fossem comunicadas à Autora. Porém, embora conste dos pontos 37, 38.º, e 39.º o valor pelo qual foi vendido tal imobilizado, isso não garante que seja esse o valor de mercado do mesmo. Por conseguinte, não havendo elementos para, nessa parte, fixar o valor do prejuízo da Autora, deverá esse valor ser liquidado, nos termos do disposto no art.º 609.º n.º 2 do CPC.» I – Modificação/ampliação da matéria de facto 3. Em primeiro lugar, importa concluir que têm razão os recorrentes quando afirmam que o Supremo Tribunal de Justiça não os condenou ao abrigo das regras da responsabilidade civil contratual. O Supremo Tribunal, no anterior acórdão proferido, em fevereiro de 2021, decidiu serem aplicáveis ao caso dos autos as normas da responsabilidade civil contratual, para o efeito de determinação do prazo de prescrição, quanto aos factos supervenientes à celebração dos contratos, em relação aos quais se verificassem os pressupostos da responsabilidade contratual, cabendo essa análise factual e jurídica ao Tribunal da Relação, o que este tribunal veio a fazer no acórdão agora recorrido, com o fundamento atrás descrito. Invocam agora os recorrentes que o Tribunal da Relação tinha o dever de modificar a matéria de facto ou de proceder à sua ampliação, ordenando a baixa do processo ao tribunal de 1.ª instância, para ampliação da mesma, a fim de suprir as incompletudes da matéria de facto em relação aos requisitos da responsabilidade civil contratual, designadamente para ter base factual para aferir se havia culpa dos réus e dano indemnizável. Mas não têm razão. Não tendo os recorrentes impugnado a matéria de facto, junto do Tribunal da Relação, nas contra-alegações que apresentaram ao recurso de apelação interposto pela autora (artigo 636.º, n.º 2, do CPC) , para prevenir a hipótese de as normas aplicáveis poderem vir a ser as da responsabilidade contratual e de proceder a ação, não tem o Tribunal da Relação, salvo os casos de prova vinculada e das alíneas do n.º 2 do artigo 662.º, aqui não verificadas, qualquer dever de oficiosamente proceder à modificação dos factos ou de ordenar ao tribunal de 1.ª instância a produção de prova adicional. A posição sustentada implicaria obrigar o tribunal a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso, violando o princípio do pedido que enforma todo o processo civil e não pode deixar de ser aplicado na fase de recurso. O poder da Relação de ex officio modificar a matéria de facto só se verifica através da aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material. Seria o caso, por exemplo, de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto nos termos previstos nos artigos 371.º, n.º 1, e 376.º, n.º 1, do Código Civil, mas apesar disso, o julgador o tenha considerado como não provado; ou se não tiver sido considerada uma declaração confessória constante de documento ou resultante do processo, em violação do preceituado nos artigos 358.º do Código Civil e 607.º, n.º 5, do CPC; ou ainda se não foi atendido o acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto com o valor consagrado no artigo 574.º, n.º 2, do CPC, respondendo-se ao contrário de tal prova plena e atribuindo-se prevalência à livre convicção formada a partir de outros elementos probatórios, v.g., a prova testemunhal ou um documento particular em sentido diverso, que, nesse caso, não podiam ter sido atendidos. Todavia, no caso concreto não está em causa qualquer violação de direito probatório material, nem insuficiência e desadequação da matéria de facto fixada para permitir ao Tribunal da Relação concluir pela verificação ou não dos requisitos da responsabilidade civil contratual, tendo o tribunal de 1.ª instância procedido a um exaustivo e correto julgamento da matéria de facto, nos termos dos artigos 607.º, n.º 4 do CPC. O Tribunal da Relação não tinha, assim, qualquer dever de decretar oficiosamente a ampliação da matéria de facto. Vejamos. Nos termos da al. c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC, o Tribunal da Relação deve, ainda, mesmo oficiosamente: «Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta». Deve, pois, este Supremo Tribunal controlar e avaliar se a Relação fez mau uso dos poderes que a proposição descrita no artigo 662.º, n.º 2, al. c), do CPC lhe concede. Contudo, a decisão do Tribunal da Relação de não proceder oficiosamente a esta ampliação depende de um juízo do tribunal recorrido só sindicável por este Supremo na hipótese de ser manifesta a obscuridade, incompletude ou incompatibilidade dos factos provados entre si. Ora, no caso vertente, o que os recorrentes invocam não satisfaz estes requisitos, na medida em que se situa na alegação de factos favoráveis à demonstração da tese da sua ausência de culpa e da ausência de dano indemnizável (aqui a ampliação invocada teria como objetivo apurar se na data da celebração do contrato definitivo, a recorrida tinha conhecimento dos factos que segundo a Relação geram obrigação de indemnizar), e não a suprir lacunas ou contradições da matéria de facto. Assim, na falta de prova acerca do facto do conhecimento da autora (e que efetivamente se deu expressamente como não provado na sentença: factos não provados aa) e seguintes) sempre se aplicarão as regras do ónus da prova quanto à culpa. Analisada a matéria de facto provada e não provada dela não resulta qualquer omissão essencial para a resolução da causa, nem qualquer contradição entre os factos ou desadequação da matéria de facto fixada para a operação de subsunção às normas da responsabilidade contratual. Concluiu-se, pois, que a matéria de facto provada e não provada é ampla e suficientemente pormenorizada para permitir uma decisão de direito acerca da interpretação e aplicação das normas da responsabilidade contratual; que não houve violação da lei processual e que o Tribunal da Relação não desrespeitou a decisão do Supremo, que consistia somente no dever de aplicação das normas da responsabilidade contratual aos factos do caso. Assim sendo, não se verifica qualquer causa que permita imputar ao Tribunal da Relação um incumprimento dos seus deveres legais na apreciação da matéria de facto. Pelo que improcedem as conclusões E), H), 2.ª parte, M), N), UU), VV), WW), XX), OOO), TTT), UUU), VVV), WWW). II – Erro de qualificação de factos 4. Invocam ainda os recorrentes erro de qualificação dos factos provados n.º 25 e 44, que respetivamente estipulam o seguinte: 25. O Réu AA assinou um cheque com a data de 30-11-2007, sacado sobre uma conta bancária da sociedade V... S.A. no ..., à ordem de Gruplab S.A. no valor de € 146 081,89 (cento e quarenta e seis mil e oitenta e um euros e oitenta e nove cêntimos), o qual apenas foi apresentado a pagamento em 08-05-2008. 44. Nas suas contas a sociedade C... Lda. tinha registado, a 31-07-2008, uma dívida de €1875,61 a fornecedores e uma dívida de € 6 156,08 a fornecedores de imobilizado. Sustentam os réus que estes factos foram praticados antes dos contratos definitivos, pelo que em relação aos mesmos não seria possível aplicar as regras da responsabilidade contratual, por não serem factos supervenientes aos contratos dos autos, mas anteriores à sua celebração, pelo que o valor da indemnização teria de ser reduzido em 154.113, 58 euros. Mas não têm razão. Como resulta da factualidade provada, os réus comprometeram-se nos contratos (promessa e definitivos) celebrados pelas partes a que as contas das sociedades do ano de 2007 e todas as informações prestadas, reportadas à data de 31/12/2007, eram verdadeiras e corretas e ainda que, no ano de 2008, não se verificaram alterações significativas (factos provados n.ºs 6, 12 e 18). Assim, o levantamento do cheque no ano de 2008 da conta bancária da V..., que no ano de 2007 não estava nas contas da empresa, implicou uma alteração significativa na situação financeira da empresa, constituindo, portanto, uma violação de um dever contratual. O mesmo sucedeu em relação às dívidas descritas no facto 44, por consistir numa violação da obrigação da inexistência de dívidas a fornecedores e credores à data da cessão de quotas. Assim, estes factos, ainda que praticados antes da celebração dos contratos, consubstanciam a violação de obrigações contratuais assumidas pelos réus: a obrigação de que as contas da sociedade de 2007, que serviram de base à fixação do preço, eram corretas e a obrigação de inexistência de dívidas à data da celebração do contrato. Improcedem, pois, as conclusões X) a Z e AA) a CC). III – Abuso do direito 5. Pugnam ainda os recorrentes para que o direito de indemnização, que foi reconhecido à autora pelo Tribunal da Relação, seja paralisado pelo instituto do abuso do direito, na modalidade de supressio. Invocam, para fundamentar o pedido, que a autora demorou cerca de 7 anos a interpor a presente ação, e que o período de tempo ocorrido desde a data da celebração dos negócios criou nos réus a expetativa e a confiança de que estes não exerceriam o direito. Vejamos. O abuso do direito, na modalidade da supressio, verifica-se com o decurso de um período de tempo significativo suscetível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido. É opinião corrente entre nós que a suppressio abrange situações próximas ou que constituem uma modalidade da figura do venire contra factum propriim, em que o exercício de um direito se revela contraditório com um anterior comportamento de inação prolongada, que, atentas as circunstâncias que caracterizam o caso concreto, induzem o sujeito obrigado por esse direito a, legitimamente, confiar que o mesmo já não será exercido, pelo que a sua ativação ofende os ditames da boa fé. Os requisitos de aplicação desta figura, nos termos da doutrina e da jurisprudência (por todos, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-04-2021, proc. n.º 7268/18.4T8LSB-A.L1.S1), são os seguintes: 1) - um não exercício prolongado do direito; 2 - uma situação de confiança daí derivada para a contraparte, coadjuvada por elementos circundantes que a sustentem; 3) - uma justificação para essa confiança; - 4) um investimento de confiança; - 5) - a imputação ao não exercente da confiança criada. O mero decurso do tempo, sem que tenha sido exigida responsabilização do credor, não é, sem mais, suscetível de criar no devedor uma confiança, protegida pelo direito, de que não lhe vai ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele recai. Os prazos de prescrição das dívidas provenientes de responsabilidade contratual são longos (o prazo ordinário é de 20 anos – artigo 309.º do Código Civil) precisamente para atribuir ao credor a possibilidade de os exercer durante um vasto período de tempo. Por outro lado, não se encontra, na matéria de facto provada, qualquer elemento ou circunstância que possa configurar um investimento na confiança da parte dos réus. E, sem este requisito, não é possível criar uma exceção ao prazo de prescrição, não bastando o mero decurso do tempo e a confiança subjetiva dos réus de que o direito não seria exercido. Esta confiança teria sempre que assentar em circunstâncias objetivas e de ser acompanhada por um investimento nessa confiança, elementos que no caso concreto não decorrem da matéria de facto. Neste sentido, para além do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça já citado, vide os acórdãos de 11/12/2013, processo n.º 629/10.0TTBRG.P2.S1 e de 19/10/2017, processo n.º1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, onde se entendeu, no primeiro, que, para a caracterização daquela figura (a suppressio), não basta “o mero não-exercício e o decurso do tempo, impondo-se a verificação de outros elementos circunstanciais que melhor alicercem a justificada/legítima situação de confiança da contraparte” e, no segundo, que “O simples decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é suscetível de, sem mais, criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende.”», e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-11-2021 (17431/19.5T8LSB.L1.S1), em que se decidiu que «O abuso de direito, na modalidade “suppressio”, exige não só o decurso de um período de tempo razoável sem exercício do direito, mas também a verificação de indícios objetivos de que esse direito não irá ser exercido. Indícios objetivos esses que geram na contraparte (beneficiário do não exercício) a confiança na “inação do agente”». Os argumentos invocados pelos recorrentes para justificar a não aplicação do prazo geral de prescrição não relevam. O argumento de que o prazo de caducidade seria de 3 anos foi afastado pelo anterior acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e pelo acórdão recorrido quando decidiram aplicar as regras da responsabilidade contratual; Não tem qualquer relação com os factos do caso o argumento de que havendo responsabilidade contratual, se aplicaria o regime da compra e venda de bens defeituosos, previsto nos artigos 913.º e seguintes do Código Civil, com o consequente encurtamento dos prazos para a denúncia do defeito e para a interposição da ação (arts 916.º e 917.º), regime jurídico que não foi pensado para contratos de cessão de quotas, nem se justifica qualquer aplicação analógica, que de resto só agora foi invocada, nunca tendo sido discutida durante o processo. Em consequência, decide-se não paralisar o direito da autora por aplicação da figura do abuso do direito (artigo 334.º do Código Civil), improcedendo as conclusões DD) a PP). IV – Renúncia à ilicitude 6. Invocam ainda os recorrentes uma renúncia aos efeitos da ilicitude da lesão, citando como doutrina o livro de Direito das Obrigações de Almeida Costa. Todavia, como salienta o próprio autor só podemos estar perante uma renúncia aos efeitos da ilicitude se o ato ilícito foi antecedido do consentimento do ofendido, o que no caso sub judice não se provou, nem se justifica, conforme atrás referido, ordenar a ampliação da matéria de facto para averiguar, como solicitam os recorrentes, o conhecimento, pela autora, dos factos ilícitos na data da celebração dos contratos, pois que, para além de decorrer dos factos não provados aa), ab), ad) a ak), que a autora não teve conhecimento da situação financeira real das sociedades, o facto provado n.º 17 afirma que após a celebração do contrato de compra e venda a autora veio a tomar conhecimento de que as situações das três sociedades eram distintas da que existiam em 2007 e que estiveram subjacentes aos negócios. V - Ausência de culpa e de dano indemnizável 7. Entendem os recorrentes que o tribunal recorrido devia ter mandado ampliar a matéria de facto por insuficiência de factos provados para considerar verificados os pressupostos da responsabilidade contratual, in casu, culpa e o dano, questão já decidida pela negativa em I. Subsidiariamente, entendem que a matéria de facto provada e não provada demonstra que ficou ilidida a presunção de culpa fixada no n.º 1 do artigo 799.º do Código Civil foi ilidida e que não se verificou qualquer dano indemnizável. Vejamos. Tendo os réus acordado em determinados pressupostos como condições para a celebração dos negócios (factos provados n.ºs 9, 11 e 12), sob pena de se responsabilizarem pelos prejuízos causados na hipótese de esses pressupostos ou condições não se verificarem (cfr. factos provados n.ºs 7 e 13), presume-se a sua culpa nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, e verifica-se dano indemnizável, precisamente os prejuízos resultantes do aparecimento de faturas a pagamento, a existência de dívidas, o desaparecimento de bens do ativo das sociedades vendidas. Considera-se, pois, demonstrada a ilicitude (violação das cláusulas contratuais) e a existência de dano (diminuição do ativo e aumento do passivo), bem como o nexo de causalidade ente o facto e o dano, na medida em que decorre, com clareza da matéria de facto, que, se os factos ilícitos não tivessem sido praticados, o prejuízo não se teria verificado. No caso sub judice, a autora provou o incumprimento de obrigações contratuais e a ilicitude dos factos, por violação das cláusulas contratuais estipuladas. A presunção de culpa é transversal todas as obrigações, independentemente do seu conteúdo (Lucas Ribeiro, 2010, p. 118, apud Maria da Graça Trigo, “Anotação ao artigo 799.º do Código Civil”, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica editora, 2018, p. 1107). Nos termos da lei, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua. Para afastar a presunção de culpa carece o devedor de alegar e demonstrar a existência, no caso concreto, de circunstâncias especiais ou excecionais que eliminem a censurabilidade da sua conduta. Nos termos de jurisprudência uniforme e sedimentada, o credor não tem de alegar factos que demonstrem a culpa do devedor, na medida em que “Compete ao devedor ilidir a presunção de culpa que sobre si impende no incumprimento contratual, ficando tal presunção ilidida se conseguir provar que actuou com a diligência devida (numa perspectiva de actuação diligente que a boa fé sempre supõe” - (cf. Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 13-09-2012, proc. n.º 4339/07.6TVLSB.L1.S2). Cabe, pois, ao devedor demonstrar que não teve culpa na violação do vínculo obrigacional, ou seja, que não pode ser pessoalmente censurável por não ter adotado o comportamento devido, o que sucederá, como é tradição jurisprudencial e doutrinal, sempre que esse não cumprimento seja devido a facto do credor, de terceiro, a caso fortuito ou de força maior. Dos factos enumerados pelos recorrentes para demonstrar a sua ausência de culpa (factos provados 20, 21, 25, 30, 36 a 39, 44, 51, 52 e 53) não resulta que tenha ficado provado o cumprimento enquanto facto extintivo do direito do credor ou, em alternativa, qualquer causa justificativa para o incumprimento suscetível de ilidir a presunção legal de culpa que recai sobre os devedores. Alegam os recorrentes que nos termos do facto provado n.º 51, prestaram à autora informações verbais e documentais, e que a própria sociedade autora, enquanto acionista das sociedades adquiridas, aprovou as faturas referidas nos factos provados n.º ...0 e ...1, nos termos dos factos provados n.º 53 e 54.
Todavia, analisando a globalidade dos factos decorre que as informações prestadas não correspondiam à realidade da situação patrimonial das empresas, uma vez que nos termos dos factos provados n.º 17 e n.º 18, «Após a celebração do contrato de compra e venda, a Autora veio a tomar conhecimento de que as situações das três sociedades eram distintas das que existiam em 2007 e que estiveram subjacentes ao negócio» e «Nos referidos contratos, os Réus expressamente declararam ser verdadeiras e correctas todas as informações e documentação prestadas à Autora, reportadas à data de 31-12-2007 e que no ano de 2008 não se verificariam alterações significativas». Quanto aos factos 52, 53 e 54, estes afirmam o seguinte: «52. Ao Autor foram fornecidos vários balanços analíticos reportados a 31-07-2008, não coincidentes entre si e o último dos quais no próprio dia da celebração do contrato. 53. As facturas emitidas pela Gruplab à L..., e objecto de referenciação em 20., estão reflectidas no último dos balancetes de 31-07-2008, bem como na prestação de contas do exercício do ano de 2008 e aprovadas por unanimidade, pelos diversos órgãos da administração da sociedade adquirida. 54. As facturas emitidas pela Gruplab à V..., e objecto de referenciação em 21, estão reflectivas no último dos balancetes de 31-07-2008, bem como na prestação de contas do exercício de 2008 e aprovada por unanimidade pelos diversos órgãos de administração da sociedade adquirida». O fornecimento dos balanços analíticos reportados a 31-07-2008 não coincidentes entre si e o último dos quais no próprio dia da celebração do contrato, segundo o facto provado n.º 52, não constitui uma forma coerente e zelosa de prestar informações, havendo também que ponderar que se deu por não provado «que a Autora tivesse estado sempre inteirada da situação real das sociedades, quer directamente, quer através dos seus representantes e técnicos» (facto não provado aa); «que os réus durante toda a fase de negociação tenham colocado à disposição do Autor e dos seus representantes e técnicos as suas instalações e toda a documentação e informação respeitante às sociedades em aquisição» (facto não provado W); e «que os Réus tenham dado a conhecer à autora todos os contornos de laboração das sociedades, de toda a gestão do grupo e a sua situação económico-financeira, jurídica, contabilística e fiscal» (facto não provado x). Quanto aos factos provados n.ºs 53 e 54, apesar de se inferir que as contas de exercício de 2008 possam ter sido aprovadas já pela autora, que adquiriu as quotas sociais das sociedades L... e V..., em agosto de 2008, não está determinada a data da aprovação das contas do ano de 2008, nem quem as aprovou. Sabe-se que, desde 2009, conforme documentos juntos aos autos (mensagens de e-mail), na petição inicial e na réplica, que a autora reclamava junto dos réus a resolução de problemas com as contas. Por outro lado, tem de se ponderar o facto provado n.º 27, segundo o qual a Autora não aceitou tais faturas, tendo-as devolvido à Gruplab, não obstante o cheque ter sido descontado. E, ainda, a circunstância de não se ter provado seguinte: «af) - que as facturas n.°s ...56, ...57, ...58, ...59, ...60, ...61, ...62 e ...63 que a Gruplab emitiu à L..., no valor de € 1 077 345,31 fossem do conhecimento da Autora aquando da negociação e da outorga do contrato definitivo de compra das acções e direitos» (…), ah)- que as facturas n.°s ...64 a 80370 que a Gruplab emitiu à V... S.A. no valor de € 280 000 eram do conhecimento da Autora aquando da negociação e outorga do contrato definitivo». Ainda que houvesse alguma negligência da sociedade autora na gestão dos seus interesses ou atraso a detetar as discrepâncias entre as contas das empresas e o que tinha sido acordado, esta atitude não é passível de ilidir a presunção de culpa do devedor, pois que, para além de não existir na responsabilidade contratual um dever de autoproteção, não é admissível que uma culpa leve do lesado na gestão dos seus interesses afaste uma culpa grave dos devedores que está ilustrada no conjunto da matéria de facto provada e não provada. Também não é possível no caso vertente, atenuar a indemnização de forma a refletir uma eventual culpa ou descuido do credor, pois, apesar de o artigo 570.º se aplicar à responsabilidade civil contratual (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2009, proc. n.º 494/06.0TBAVR.L1.S1), a lei só admite, quando a responsabilidade se baseia numa simples presunção de culpa, a exclusão do dever de indemnizar (artigo 570.º, n.º 2, do Código Civil), que apenas opera em situações particularmente graves, aqui não presentes, não sendo legalmente possível a graduação do montante da indemnização em função do grau de culpa do lesante e do lesado como sucede na responsabilidade civil extracontratual. Como se afirma no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, «(…) para haver culpa co-responsabilizante do lesado e ser afastada a teoria da diferença com ressarcimento dos danos em valor inferior aos que o credor efectivamente sofreu, importará a evidência de uma conduta culposa do lesado violadora das regras da boa-fé e que essa conduta – omissiva ou negligente – seja causa adequada do dano ou do seu agravamento», devendo os factos reveladores de conculpabilidade «(…) ser graves no sentido de justificarem um juízo de censura, não bastando qualquer omissão ou negligência que se deva ter por aceitável de acordo com um padrão negocial justo, no sentido de que não deve ser exigida ao credor/lesado uma conduta super diligente para evitar o agravamento dos danos, mas antes lhe deve ser imposto pela boa-fé que, no quadro circunstancial do incumprimento actue por forma a atenuar os danos resultantes dessa situação». Tem entendido também a doutrina dominante, que, na responsabilidade civil contratual a referência é o contrato, e a falta de cuidado ou de zelo do credor com os seus bens não envolve ilicitude, mas apenas a inobservância de um ónus jurídico (cfr. Brandão Proença, “Anotação ao artigo 570.º do Código Civil”, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, p. 578) Assim, entendemos que, para além de estar provado o pressuposto do dano indemnizável, não existe fundamento factual para considerar ilidida a presunção de culpa, nem para excluir o dever de indemnização. Improcedem, pois, as conclusões PPP) a WWW) da alegação de recurso dos recorrentes. VI – Condenação quanto a custas Impugnam os recorrentes o decidido quanto a custas pelo Tribunal da Relação – Custas pelos Apelados – na medida em que não tendo sido os recorrentes condenados na totalidade do pedido, as custas devem ser pagas por ambas as partes na proporção do seu decaimento. E, neste ponto, têm razão. A regra, em matéria de condenação em custas, é que está fixada no artigo 527.º e 533.º, n.º 1, ambos do CPC, e que onera com as custas do processo a parte vencida, mas na proporção em que o for. Nos termos do artigo 12.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais, «Nos recursos, o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respectivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da acção». O valor da causa é igual ao valor da ação (2 605 012,02 euros) e da reconvenção (800.000,00 euros). Relativamente à dispensa da taxa de justiça no que diz respeito à reconvenção, cabe ao tribunal de 1.ª instância tomar esta decisão, pois que as questões da reconvenção foram definitivamente decididas pelo 1.º grau, não tendo sido objeto de apelação. Para efeitos de determinação das custas na apelação, tem-se por referência o valor da ação, que monta a € 2 605 012,02 e o valor da condenação líquida dos réus na quantia de € 1.524.155,36. Assim, a proporção do decaimento de cada uma das partes é de 58,5% a cargo dos recorrentes e de 41,5% a cargo da recorrida, a compensar aquando da posterior liquidação. Deve, pois, ser revogada esta parte do dispositivo do acórdão do Tribunal da Relação e substituída por uma decisão que reparta as custas entre apelante e apelados na proporção do respetivo decaimento, nos termos expostos. VII – Dispensa do remanescente da taxa de justiça Solicitam os réus a dispensa do remanescente da taxa de justiça, ou, subsidiariamente, a redução da mesma em 80%. Dispõe o artigo 7.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais: Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. Adotamos a orientação jurisprudencial que entende que compete ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer da dispensa da taxa de justiça em todas as instâncias, diferentemente do proposto pelo MP (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proc. n.º 2104/12.8TBALM.L1.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-03-2022, proc. n.º 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1), cabendo ao último grau de jurisdição apreciação da dispensa/redução da taxa de justiça devida não só nesse órgão (no caso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça) mas também na dos graus precedentes, abarcando toda a tramitação. No Supremo Tribunal de Justiça, as questões de direito analisadas no Supremo incidiram na qualificação jurídica dos factos e nos pressupostos da responsabilidade civil contratual, questões já muito estudadas pela doutrina e frequentes na jurisprudência e que, por isso, não se revestem de especial complexidade ou controvérsia. A conduta das partes norteou-se por boa fé na litigância. Todavia, entendemos que não há motivo para uma dispensa da totalidade da taxa de justiça, nem sequer para uma redução da taxa de justiça em 80% conforme requerem os recorrentes, uma vez que foram elaborados dois acórdãos: o primeiro a decidir a qualificação jurídica dos factos e a reenviar o processo para a Relação aplicar o direito aos factos; o segundo a conhecer da aplicação do direito feita pelo Tribunal da Relação e das demais questões elencadas neste acórdão e que integram a presente revista. Esta análise em relação ao Supremo Tribunal de Justiça, vale também para a fase da apelação. Assim sendo, decide-se por uma redução da taxa de justiça em 50% no Tribunal da Relação e no Supremo Tribunal de Justiça. Já em relação à 1.ª instância entendemos que a fixação da matéria de facto foi complexa e trabalhosa pela multiplicidade de documentos a apreciar, pelo que decide-se decretar, em relação ao 1.º grau, uma redução de 25% do remanescente da taxa de justiça. - Anexa-se sumário elaborado nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do CPC: I - Não tendo os recorrentes impugnado a matéria de facto, junto do Tribunal da Relação, nas contra-alegações que apresentaram ao recurso de apelação interposto pela autora (artigo 636.º, n.º 2, do CPC), para prevenir a hipótese de as normas aplicáveis poderem vir a ser as da responsabilidade contratual e de ser procedente a ação, não tem o Tribunal da Relação, salvo os casos de prova vinculada e das alíneas do n.º 2 do artigo 662.º, aqui não verificados, qualquer dever de oficiosamente proceder à modificação dos factos ou de ordenar ao tribunal de 1.ª instância a produção de prova adicional. II - O mero decurso do tempo, sem que tenha sido exigida responsabilização do credor, não é, sem mais, suscetível de criar no devedor uma confiança, protegida pelo direito, de que não lhe vai ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele recai. Esta confiança teria sempre que assentar em circunstâncias objetivas e de ser acompanhada por um investimento nessa confiança, elementos que no caso concreto não decorrem da matéria de facto. III - Nos termos de jurisprudência uniforme e sedimentada, o credor não tem de alegar factos que demonstrem a culpa do devedor, na medida em que “Compete ao devedor ilidir a presunção de culpa que sobre si impende no incumprimento contratual, ficando tal presunção ilidida se conseguir provar que actuou com a diligência devida (numa perspectiva de actuação diligente que a boa fé sempre supõe” - (cf. Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 13-09-2012, proc. n.º 4339/07.6TVLSB.L1.S2). IV - Ainda que houvesse alguma negligência da sociedade autora na gestão dos seus interesses ou atraso a detetar as discrepâncias entre as contas das empresas e o que tinha sido acordado, esta atitude não é passível de ilidir a presunção de culpa do devedor, pois que, para além de não existir na responsabilidade contratual um dever de autoproteção, não é admissível que uma culpa leve do lesado na gestão dos seus interesses afaste uma culpa grave dos devedores que está ilustrada no conjunto da matéria de facto provada e não provada. V - Também não é possível, no caso vertente, atenuar a indemnização de forma a refletir uma eventual culpa ou descuido do credor, pois, apesar de o artigo 570.º se aplicar à responsabilidade civil contratual (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2009, proc. n.º 494/06.0TBAVR.L1.S1), a lei só admite, quando a responsabilidade se baseia numa simples presunção de culpa, a exclusão do dever de indemnizar (artigo 570.º, n.º 2, do Código Civil), que apenas opera em situações particularmente graves, aqui não presentes, não sendo legalmente possível a graduação do montante da indemnização em função do grau de culpa do lesante e do lesado como sucede na responsabilidade civil extracontratual. VI - Cabe ao último grau de jurisdição apreciação da dispensa/redução da taxa de justiça devida não só nesse órgão (no caso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça) mas também nos graus precedentes, abarcando toda a tramitação. III – Decisão Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: a) conceder parcialmente a revista, revogando a decisão do Tribunal da Relação quanto a custas, condenando-se ambas as partes pelas custas na apelação na proporção do respetivo decaimento; b) manter, no mais, o acórdão recorrido; c) decretar uma redução de 50% do remanescente da taxa de justiça, a cargo dos réus, no Supremo Tribunal de Justiça e na Relação. e) decretar uma redução de 25% do remanescente da taxa de justiça, a cargo dos réus, no tribunal de 1.ª instância.
Custas da revista a dividir entre recorrentes e recorrida na proporção do respetivo decaimento. Lisboa, 6 de dezembro de 2022 Maria Clara Sottomayor (Relatora) Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto) Maria João Vaz Tomé (2.º Adjunta) |