Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO GOMES DA SILVA | ||
Descritores: | RECURSO PENAL ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS ALTERAÇÃO ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS TRÂNSITO EM JULGADO HOMICÍDIO QUALIFICADO FRIEZA DE ÂNIMO ESPECIAL CENSURABILIDADE ESPECIAL PERVERSIDADE OCULTAÇÃO DE CADÁVER MEDIDA CONCRETA DA PENA REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 05/12/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO - ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / CRIMES CONTRA AS PESSOAS – CRIMES CONTRA A VIDA – CRIMES CONTRA A VIDA EM SOCIEDADE / CRIMES CONTRA O RESPEITO DEVIDO AOS MORTOS - REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS. DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO – SENTENÇA. | ||
Doutrina: | - António Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, Volume V, 157. - Augusto Silva Dias, Direito Penal, Parte Especial, Crimes contra a Vida e a Integridade Física, 2.ª ed., 2007, AAFDL, 24-25. - Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 27, 40. - J. M. Damião da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, 653. - Paulo P. Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3.ª ed., 924. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 9.º, 131.º, 132.º, N.º 2, AL. J), 254.º, N.º 1, AL. A), 254.º, N.º 1, AL. A). CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 358.º, 410.º, N.ºS 2 E 3, 434.º. D.L. N.º 401/82, DE 23 DE SETEMBRO: - ARTIGO 4.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 12-06-1997, PROCESSO N.º 209/97; -DE 17-09-1997, PROCESSO N.º 504/97; -DE 01-03-2000, CJ/STJ, 1/2000, 219-220; -DE 27-02-2003, PROCESSO N.º 149/03; -DE 23-07-2005, PROCESSO N.º 4302/04; -DE 21-06-2006, PROCESSO N.º 06P1913; -DE 15-02-2007, PROCESSO N.º 4681/06; -DE 23-05-2007, PROCESSO N.º 3485/06; -DE 21-10-2009, PROCESSO N.º 872/05.2PEGDM.S1; -DE 13-07-2011, PROCESSO N.º 1659/07.3GTABF.S1; -DE 12-09-2012, PROCESSO N.º 605/09.4PBMTA.L1.S1; -DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 149/10.1TAFND.C1.S1; -DE 17-04-2013, PROCESSO N.º 237/11.7JASTB.L1.S1; -DE 22-05-2013, PROCESSO N.º 179/11.6JAPLD; -DE 03-04-2014, PROCESSO N.º 740/13.4JAPRT.P1.S1; -DE 14-07-2014, PROCESSO N.º 1889/04; -DE 05-03-2015, PROCESSO N.º 416/11.7GFBFX.L1.S1; -DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 405/13.7JABRG.G1.S1; -DE 18-03-2015, PROCESSO N.º 351/13.4JAFAR.E1.S1; -DE 23-04-2015, PROCESSO N.º 86/14.0YFLSB; -PROCESSO N.º 862/09.6GTFAR.E1.S1; | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - A circunstância de o acórdão da primeira instância ter sido anulado para reabertura da audiência com vista ao cumprimento do art. 358.º, do CPP, não altera o facto de o acórdão da Relação se ter já pronunciado expressamente sobre a qualificação da alteração de factos realizada como não substancial, decisão que transitou em julgado. II -Assim, ficou em absoluto precludida a pretensão do recorrente de ver reapreciada tal questão pois a decisão tomada teve carácter definitivo, tornou-se imutável e imodificável formando-se sobre a dita questão caso julgado formal, que consiste precisamente em estar fechada a via dos recursos ordinários pois de outro modo nunca a instância se estabilizaria. III - Não é razoável outra conclusão que não seja a de que o recorrente usando de reflexão a esse respeito, preparou as condições adequadas ao reencontro com a vítima usando como pretexto a compensação do prejuízo que lhe causara com a inutilização do telemóvel. Recorreu, pois, planeadamente, a um método dissimulado que foi ardil para atrair a vítima ao seu contacto e para conseguir que esta, em seguida, acedesse a ser transportada, entrando no veículo. O mesmo se diga quanto à escolha do local (isolado), ao meio usado para tirar a vida à vítima (amarrando a vítima e disparando sobre ela), tudo a revelar uma acção calculada com desprezo pela vida da vítima e a revelar ainda a tenacidade e o sangue frio no prosseguimento e na concretização do seu objectivo, pelo que dúvidas não há que o arguido praticou o crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.º 2, al. j), do CP. IV - A conduta do recorrente de colocar o cadáver da vítima num forno, consubstancia a prática pelo mesmo do crime de ocultação de cadáver, p. e p. pelo art. 254.º, n.º 1, al. a), do CP, pois que tal conduta teve uma consequência objectiva que foi essa ocultação por um longo período. V -Uma vez que a discordância do recorrente, quanto à medida concreta da pena aplicada partia dos pressupostos, que já se viu serem improcedentes, de considerar estar em causa um crime de homicídio “simples”, p. e p. pelo art. 131.º, do CP e de ser absolvido do crime de profanação de cadáver, improcede, de igual forma, o seu recurso, quanto a tal matéria. VI - Não resta dúvida sobre a extrema gravidade da conduta do arguido em que o conteúdo da ilicitude e o conteúdo da culpa são elevados a ponto de se ter concluído que o homicídio é qualificado, sendo também certo que os factores atenuativos de carácter geral posteriores ao crime como o arrependimento ou algum tipo de reparação são inexistentes. Porém, o arguido está inserido familiar e socialmente, teve um percurso de aprendizagem normal e o núcleo familiar em que continua integrado é referido como exemplar, sendo o arguido descrito como um jovem sociável, respeitador e caseiro, pelo que, não é pelo facto de o mesmo, num determinado momento ter desaproveitado o ambiente socialmente favorável que o envolveu, que não há a utilidade decorrente da atenuação especial a que alude o art. 4.º do DL 401/82, de 23-09 VII - Improcede, pois, o recurso do MP, que considerava ser de não aplicar a atenuação a que alude o referido preceito legal, da mesma forma improcedendo o recurso do MP, no que diz respeito à agravação das penas, uma vez que as penas impostas – de 9 meses de prisão pela prática de um crime de ocultação de cadáver, p. e p. pelo art. 254.º, n.º 1, al. a), do CP, de 12 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.º 2, al. j), do CP e, em cúmulo jurídico, de 12 anos e 3 meses de prisão - se situam já muito acima do patamar médio das respectivas molduras. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
1. – No âmbito do processo nº 974/13.1PIVNG da Instância Central de ..., 1ª Secção Criminal, J3, por acórdão de 2015.06.29 foi o arguido AA condenado nos seguintes termos: - pela prática de um crime de homicídio qualificado, dos arts. 131° e 132°, n° 2, alínea j), do Código Penal, na pena de 20 anos e 6 meses de prisão; - pela prática de um crime de profanação de cadáver, do art. 254°, n° 1, alínea a) do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão; - considerando o concurso de crimes e o cúmulo jurídico das penas parcelares, na pena única de 21 anos de prisão. Na sequência do recurso interposto pelo arguido o Tribunal da Relação de ... decidiu conceder-lhe parcial provimento condenando o arguido: - pelo crime de homicídio qualificado na pena de 12 anos de prisão; e - pelo crime de profanação de cadáver na pena de 9 meses de prisão. Em cúmulo, fixou a pena única em 12 anos e 3 meses de prisão.
Desta decisão recorreram (por esta ordem) a assistente BB, o Ministério Público e o arguido.
A assistente formulou na sua motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. Vem o presente Recurso interposto da decisão proferida no âmbito dos presentes autos, no Acórdão da Relação de ..., que veio considerar o Recurso do arguido AA, parcialmente procedente e por via disso condenar o arguido na pena de 12 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado e 9 meses de prisão pelo crime de profanação de cadáver e em cúmulo jurídico destas duas penas, na única pena de 12 anos e 3 meses de prisão. 2. A decisão do Tribunal da Relação de ... foi fundamentada no sentido de que deve ser aplicado o Regime Especial para Jovens Delinquentes, pois segundo, o douto acórdão, há esperança fundada de que a atenuação especial da pena trará vantagens para a reinserção social do arguido, ajudando-o a ultrapassar as dificuldades que lhe foram detetadas. 3. O acórdão ora em crise, passou a considerar que aqueles factos dados como provados resultam de urna errada interpretação da prova produzida em audiência e discussão de julgamento sendo que a Mma. Juiz a quo apenas deveria ter dado como provado que o arguido “colocou a mão no pescoço da CC, ela ficou inanimada, assustou-se e como ela acordou e teve medo que ela se queixasse, colocou-lhe uma corda ao pescoço e matou-a” tal como resultou do depoimento da testemunha DD e que este afirma ter ouvido da boca do recorrente. 4. Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião não nos parece correto essa decisão, “a função do julgador não é a de achar o máximo denominador comum entre os diversos depoimentos, nem, tão pouco, tem o juiz de aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe antes a espinhosa missão de dilucidar, em cada um deles, o que lhe merece crédito”. 5. Continua o douto acórdão: “(...) ou seja: ataque à decisão da matéria de facto é feito pela via da credibilidade que o colectivo deu a determinados depoimentos pressuporia a revogação pela Relação da já mencionada norma do art. 127 do CPP, a que os tribunais devem, naturalmente, obediência e que manda que o Juiz julgue segundo a sua livre convicção, pelo que, o acórdão da Relação de ..., ao proceder a alteração da matéria de facto acaba por revogar o princípio da livre apreciação da prova, art. 420º, n° 1 do CPP.” 6. Considerou o douto acórdão ora em crise, que o acórdão do Coletivo deveria ter chamado a médica a depor, sendo que, neste sentido, o tribunal não poderia ter valorizado, como valorizou, o depoimento da testemunha EE. Ora, tal conclusão não nos parece correta. 7. Senão vejamos: O acórdão do Tribunal da Relação de ... considera existir total ausência de prova ou prova em sentido contrário, acabando por sustentar a invalidada do depoimento do inspector da polícia judiciária na parte que considera constituir depoimento indirecto, em virtude do relato da conversa tida com a médica legista que examinou o corpo da CC. 8. Contudo a análise redutora e simplista da versão dos factos apresentada pelo arguido e acatada pelo Acórdão ora em crise, colide com a fundamentação da matéria de facto do acórdão do Coletivo, bem como naquilo que foi a confrontação do arguido c das testemunhas com o teor da prova anteriormente produzida. 9. Nestes casos, o acórdão ora em crise, na sua decisão não a reapreciou os elementos de prova produzidos, mas antes a reapreciou de forma autónoma, sobre a razoabilidade da decisão do tribunal Coletivo quanto aos concretos pontos de facto que o arguido especifica como incorrectamente julgados. 10. Pressupõe, por seu turno, a reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão quanto aos concretos pontos de facto que o arguido especifica como incorrectamente julgados. A não ser que as provas apresentadas pelo arguido imponham uma decisão diversa da proferida, a alteração da decisão da 1ª instância está vedada (sublinhado nosso). 11. Contudo, a par da melhor jurisprudência sobre a matéria, esta decisão está baseada num equívoco: o de que o tribunal da Relação pode fazer um novo julgamento de facto, indicando, mediante a leitura das transcrições feitas, os factos que considera provados e não provados. 12. Não foram apresentadas pelo arguido, a nosso ver, e salvo melhor opinião, nenhuma prova que implicariam, necessariamente, uma decisão diversa, de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, analisada de forma global, a questão central prende-se com o princípio da livre apreciação da prova, tal como estipulado no artigo 127° do Código de Processo Penal. 13. É o art. 127° citado que nos indica um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. 14. Não vislumbramos, portanto, qualquer conflito com a boa lógica e experiência comum. A convicção do tribunal Coletivo formou-se com base numa análise crítica e cuidada dos diversos elementos de prova ora junto aos presentes autos. Analisada a prova produzida e contrapondo-a com a fundamentação da matéria de facto levada a cabo pelo tribunal a quo. 15. A formação da convicção do tribunal Coletivo e o raciocínio por si expedido para o efeito analisado segundo as máximas de experiência comum, não permitem que pudesse ou devesse ter sido outra a decisão sobre tal matéria. 16. Ademais, o tribunal Coletivo formou a sua convicção no quadro da verdade histórico-prática e processualmente válida. Analisando a prova documental e pericial que consta junta aos autos e face à argumentação aduzida pelo recorrente e acatada pelo Tribunal da Relação de ..., não cremos que exista razão ou motivo para considerar que o tribunal errou na apreciação por si levada a cabo. 17. Destarte, não cremos que a decisão da Relação de ... que concede provimento parcial a argumentação ora aduzida pelo recorrente deve ser mantida, deixando-se inalterada a matéria de facto provada, estando, quanto a nós, mais do que preenchidos os elementos típicos do tipo de crimes pelos quais o recorrente vem condenado, pelo que a decisão ora em crise não nos merece qualquer censura. 18. Outra questão suscitada pelo ora recorrente prende-se com a qualificação jurídica dos factos e da medida da pena, considerando que deveria apenas ter sido condenado pelo crime de homicídio simples previsto no artigo 131° do Código Penal. 19. Discordando por completo da posição do recorrente relativamente aos factos, não podemos deixar de concordar com a qualificação jurídica dos factos levada a cabo pelo Colectivo em 1ª Instância. 20. Com efeito, analisando a motivação da matéria de facto da decisão ora em crise verificamos, que independentemente de arguido ter ou não ateado fogo ao corpo da vítima, encontram-se preenchidos os elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de profanação de cadáver p. e p. pelo artigo 254°, alínea a). 21. Neste sentido bem andou o tribunal a quo ao condenar o arguido nos termos em que o fez e face às motivações aduzidas pelo recorrente e a fundamentação da matéria de facto relativamente a este ponto, deve, também nesta parte, improceder o recurso. 22. Por último, sustenta o recorrente que o regime pena para jovens e delinquentes previsto no Decreto-lei n° 401/82, de 23/9 deveria ter sido aplicado no caso concreto, fixando-se a pena em 9 anos de prisão. 23. Seguindo de perto o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (in: www.dgsi.pt) de 14 de Março de 2014 e face à prova produzida relativamente às condições socias, familiares e pessoais do arguido, resulta, claro, que este não poderá beneficiar daquele regime, pelo que não assiste razão ao recorrente também quanto a este ponto. 24. Quanto ao modo de execução do crime e a matéria de facto provada, remetemos integralmente para o decido no acórdão ora em crise aderindo integralmente às considerações tecidas pelo tribunal a quo sobre o grau de ilicitude do crime, manifestado sobretudo no modo da sua execução. 25. O arguido demonstrou um comportamento bárbaro, cruel, excedendo largamente o padrão que o homicídio qualificado pressupõe como típico. 26. Assim, nenhuma crítica se impõe fazer à pena aplicada em 1ª Instância. A nosso ver, face à matéria fáctica dada como provada, e a medida da pena concretamente aplicada o tribunal em 1ª Instância fez uma justa e adequada ponderação das circunstâncias que não fazendo parte do crime depõem contra ou a favor do recorrente. Na verdade, ponderado o conjunto dos factos provados com os factos atinentes à personalidade do arguido e ao modo como este executou o crime, a medida da pena contendo-se dentro dos limites da culpa do arguido, não nos merece qualquer censura. 27. Face ao exposto, tendo em conta o alegado, o Acórdão proferido pela Relação de ... e ora em crise deverá ser revogado, mantendo-se a decisão proferida em 1ª Instância, condenando-se o arguido AA pela prática dos crimes de: - Crime de Homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 131° e 132°, n° 2 alínea j), do Código Penal, na pena de 20 (vinte anos) anos e 6 (seis) meses de prisão: - Crime de Profanação de Cadáver, p. e p. pelo art. 254°, n° 1, alíneas a) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; Condenando-se o arguido AA na pena única de, considerando-se o concurso de crimes e o cúmulo jurídico das penas parcelares, de 21 (vinte e um) anos de prisão.
Por seu turno, o Ministério Público concluiu a sua motivação na forma seguinte (transcrição):
1 - Por acórdão de 29 de junho de 2015, proferido pela Instância Central da Comarca de ... constante de folhas 1474 a 1550 foi o arguido AA condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131° e 132°, n° 2, al. j) do Código Penal, na pena de vinte anos e seis meses de prisão e pela prática de um crime de profanação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254°, n° 1 al. a) do Código Penal, na pena de um ano de prisão. Em cúmulo jurídico foi o arguido ... condenado na pena única de vinte e um anos de prisão. 2 - Mediante recurso interposto pelo arguido para este Tribunal da Relação de ... e porque os Senhores Desembargadores entenderam que o arguido deveria beneficiar do regime de atenuação especial da pena aplicável aos jovens delinquentes, previsto no DL n° 401/82, de 23 de setembro, foi alterada a pena que lhe havia sido aplicada, sendo agora condenado nas penas parcelares de doze anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131 ° e 132°, n° 2, al. j), do Código Penal, e na pena de nove meses de prisão pela prática do crime de profanação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254°, n° 1 al. a) do Código Penal. Em cúmulo jurídico destas duas penas, foi o arguido condenado na pena única de doze anos e três meses de prisão. 3 – O regime de atenuação especial da pena, previsto no DL n° 401/82, de 23 de setembro, aplica-se a jovens delinquentes com idade compreendida entre dezasseis e vinte e um anos de idade. 4 – De acordo com o disposto no artigo 4º do DL n° 401/82, de 23 de setembro “se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente”. 5 – Quando o AA cometeu o crime de homicídio em causa nestes autos tinha vinte anos de idade e encontrava-se perfeitamente integrado a nível familiar, social e laboral, tendo sido criado e educado numa estrutura familiar “socialmente referenciada como família exemplar”. 6 - Não lhe eram conhecidos comportamentos desviantes nem tendência para a marginalidade. 7 - Apesar dessa boa integração social e familiar e laboral, cometeu o crime de homicídio objeto deste processo, com requintes de crueldade e malvadez que ultrapassam em muito o comum crime de homicídio, mesmo de homicídio qualificado. 8 – Não foram, pois, problemas de inserção social ou de formação da personalidade que determinaram o arguido a matar a CC, sua ex-namorada, e a profanar o seu corpo. 9 – Foram sim os ciúmes e as reconhecidas dificuldades que tem de gestão de emoções, de intolerância à frustração e de interiorização de valores juridicamente protegidos pela norma incriminadora. 10 - Pelo que não se vê qualquer motivo ou utilidade para que lhe seja aplicado um regime que visa incentivar a sua reinserção social e reeducação, quando ele se mostrava plenamente integrado social e familiarmente, quando cometeu o crime. 11 – Tanto mais que não mostrou qualquer sinal de arrependimento, não tendo confessado nem sequer admitido a prática dos factos de que vinha acusado, não tendo pedido desculpas à mãe da vítima nem mostrado qualquer vontade de a indemnizar. 12 – É certo que era primário, mas este facto não apresenta grande relevância, pois é o que se espera de qualquer comum cidadão e muito em especial de um jovem com apenas vinte anos de idade. 13 – De acordo com o exposto e com o que foi dito sobre esta matéria no acórdão proferido na primeira instância, parece-nos evidente que o arguido AA não pode beneficiar do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 4° do D. L. n° 401/82, de 23 de setembro. 14 – Pelo que devem manter-se tanto as penas parcelares como a pena única em que o AA foi condenado na primeira instância, ou seja, vinte anos pelo crime de homicídio qualificado e um ano pelo crime de ocultação de cadáver, bem como a pena única de vinte e um anos de prisão. 15 – Caso assim se não entenda e se decida que o arguido deve beneficiar do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 4° do D. L. n° 401/82, de 23-9, o que apenas por mera hipótese se admite, ainda assim parece-nos que as penas parcelares de doze anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado e de nove meses de prisão pelo crime de profanação de cadáver, assim como a pena unitária de doze anos e três meses de prisão se mostram desadequadas à conduta, comportamento e personalidade do arguido pecando por serem demasiado benévolas. 16 – De acordo com o disposto no art. 73º do Código Penal, no caso de haver atenuação especial, a pena pelo crime de homicídio passa a ser de dois anos, quatro meses e vinte e quatro dias de prisão a 16 anos e oito meses de prisão e de trinta dias a um ano e quatro meses de prisão, pelo crime de profanação de cadáver. 17 - Ponderadas todas as agravantes e atenuantes utilizadas pelos Senhores Desembargadores, nunca poderiam ter sido aplicadas ao arguido as penas que foram, devendo antes terem-se aproximado do seu limite máximo. 18 – Pelo que, em nossa opinião, mostram-se mais justas e adequadas as penas de quinze anos de prisão para o crime de homicídio qualificado e de dez meses de prisão para o crime de profanação de cadáver, fixando-se o cúmulo jurídico destas duas penas, na pena única de quinze anos e sete meses de prisão. 19 – Foi violado o disposto nos artigos 4° do DL 11° 401/82 de 23 de setembro. 40°, 71°, 72°, 73°, 131°, 132° e 254°, todos do Código Penal.
Finalmente, o arguido concluiu do modo seguinte a sua motivação (transcrição): 1 - O douto acórdão da primeira instância considerou provado, entre outros, o facto que a seguir se transcreve em grafia sublinhada, que não constava da acusação:"Em cumprimento do seu plano, o arguido AA adquiriu entre finais de Agosto e meados de Setembro de 2013 uma arma de gás de características não concretamente apuradas". 2 - A inclusão de tal facto no elenco dos factos provados ocorreu sem terem sido observadas as condições previstas no art. 359°, pese embora tenha sido usado o mecanismo previsto no art. 358°, todavia inadequado, impróprio e ilegal para validar a consideração desse facto para efeitos incriminatórios do arguido. 3 - Desde logo, porque não constava da acusação e corresponde a (e foi valorizado como) circunstância agravante qualificativa do crime do art. 131° CP. 4 - Compõe, por isso, o especial tipo de culpa do homicídio agravado p. e p. pelo art. 132° CP. 5 - "Agrava a imagem global do facto". 6 - "Revela — na avaliação dos doutos acórdãos da primeira instância e do agora impugnado — "a especial censurabilidade ou perversidade" do agente e, portanto, integra o tipo de culpa. 6 - Constitui, além disso, "elemento referente ao tipo de culpa" e "circunstância modificativa que nunca teria relevância suficiente para sustentar um processo à parte", pelo que é um facto não autonomizável. 7 - Sem a consideração desse facto, os constantes da acusação não constituem o crime de homicídio qualificado do art° 132° CP, e não contêm todos os pressupostos essenciais de que depende a aplicação ao arguido da pena de 12 a 25 anos prevista para esse crime. 8 - Nesse sentido, a sua inclusão no processo "equivale a transformar uma conduta atípica numa conduta típica", por referência ao homicídio qualificado, o que implica uma alteração substancial dos factos. 9 – “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime […] não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art° 358° do Código de Processe Penal” como definiu o acórdão de uniformização de jurisprudência n° 1/2015. 10 — O juízo sobre o tipo de culpa imputável ao arguido — vale por dizer, o juízo sobre preenchimento dos elementos típicos do crime de homicídio qualificado — tem de assentar e só pode assentar sobre os concretos factos descritos na acusação, sendo ilegal recorrer ao mecanismo do art° 358° para suprir as deficiências do libelo nessa matéria. 14- O Recorrente suscitou esta questão da subsunção dos factos ao tipo criminal na motivação e conclusões do recurso que interpôs perante a Relação, não tendo o mínimo fundamento nem justificação a recusa da sua apreciação que veio a ser formalizada pelo douto acórdão impugnado. 15 – Como então invocou e aqui reafirma, os factos não preenchem os requisitos típicos daquele crime, em especial na forma da ocultação de cadáver: o ato praticado pelo arguido, ao cobrir a vítima com um lençol, não oculta o cadáver, não o esconde, nem o dissimula; pelo contrário, representa um último gesto de carinho e respeito, insuscetível de densificar ou ser interpretado como falta de respeito devido aos mortos ou como ofensa de sentimentos de respeito c piedade pelos defuntos. 16 – Ao recusar-se a apreciar e decidir esta questão, o douto acórdão em mérito incorreu em omissão de pronúncia e na nulidade prevista na primeira parte da al. c) do n° 1 do art° 379º, por remissão do n° 4 do art° 425°, CPP. 17 – Tendo em conta que da conjugação dos parâmetros estabelecidos nos arts 73°, 1, a) e b), e 131° CP e 4° do DL 401/82, a moldura penal abstrata do crime de homicídio – único pelo qual o Recorrente deve ser condenado – se situa entre os 6 anos, 4 meses e 24 dias e os 10 anos e 8 meses, a pena concreta a aplicar ao Recorrente deve situar-se em não mais do que nove anos de prisão. 26 – Ao impor ao arguido uma pena de doze anos de prisão pelo crime de homicídio e de nove meses de prisão pelo crime de profanação de cadáver, o douto acórdão impugnado violou, entre outras, as disposições legais que foram citadas.
O magistrado do Ministério Público respondeu aos recursos da assistente e do arguido. Considerou que aquele deve proceder no tocante ao pedido de desaplicação do regime especial para jovens delinquentes e improceder quanto às demais questões. E considerou, outrossim, que deve improceder o recurso do arguido.
Também o arguido respondeu aos recursos da assistente e do Ministério Público reafirmando a validade das suas posições sobretudo a respeito da correcta aplicação do regime geral especial para jovens delinquentes.
Neste Supremo Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta deu o seguinte parecer (transcrição parcial): Questões prévias: O arguido recorrente defende a nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia, matéria que, a proceder, impedirá o conhecimento de todos os recursos interpostos, pelo que se impõe analisar primacialmente as questões prévias suscitadas pelo arguido recorrente. 4.1. Consabidamente, são as conclusões de recurso que delimitam o seu âmbito. 4.1.1. O arguido recorrente levou às conclusões 1ª a 11ª a questão da nulidade do Acórdão recorrido, de conhecimento oficioso, prevista na al. b), do nº 1, do art. 379º, do CPP, considerando que sufragou a decisão da 1ª instância de incluir na factualidade dada como provada factos que não constavam da acusação, a qual veio sustentar a qualificação do crime de homicídio. Não tem razão o recorrente, porquanto sobre a questão suscitada já se pronunciara o Tribunal da Relação, ora recorrido, aquando da prolação de uma primeira decisão proferida em recurso do acórdão da 1ª instância. Sobre tal questão formou-se caso julgado. Com efeito, e conforme expressamente se diz no Acórdão ora recorrido, segmento Fundamentação – I – Alteração substancial dos factos, «Este é o segundo acórdão desta Relação de ... proferido nos autos. No Acórdão do tribunal recorrido, na redação dos factos provados, foram introduzidas alterações relativamente à redação dos factos da acusação (…). Pelo acórdão que está a fls. 1396 e segs. dos autos, a relação decidiu que as alterações efetuadas não importavam uma “alteração substancial” mas que, relativamente a algumas, existia uma “alteração não substancial”. “Consequentemente, decidiu que fosse reaberta a audiência, para, relativamente aos factos que importavam uma alteração não substancial, ser feita a comunicação a que alude o art. 358 n° 1 do CPP. Invocando o conhecimento oficioso da nulidade, o arguido volta a suscitar a questão de alguns dos factos já constantes do primeiro acórdão do tribunal recorrido importarem uma «alteração substancial». Porém, tal questão já foi decidida pela relação, não podendo agora voltar a ser decidida, sob pena de violação do disposto no art. 613º n° 1 do CPC — “proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria de facto”. Na realidade, a segunda sentença do tribunal recorrido não foi uma sentença independente do conteúdo da primeira, ou do primeiro acórdão da relação. Uma sentença anulada não é o mesmo que uma sentença inexistente. A reabertura da audiência e a nova sentença destinaram-se apenas a ultrapassar os vícios que foram detetados pela relação na primeira sentença. O âmbito de decisão do tribunal recorrido estava limitado aos procedimentos que tinham sido determinados pela relação. As três decisões devem ser integradas. Por isso, também a relação está impedida de voltar a decidir sobre a arguida alteração substancial de factos, por já a ter decidido. Assim, não se conhecerá neste acórdão da questão em apreço. (…)». Não foi interposto recurso desta decisão. Transitado que se mostra o 1º Acórdão do Tribunal da Relação, nesta parte, regista-se a insistência do arguido em “reeditar”, mais uma vez, a mesma questão, quando dela não se deve nem pode conhecer, por definitivamente julgada com trânsito em julgado. Improcedem as conclusões 1ª a 11ª do recurso do arguido. 4.1.2. Suscita ainda o arguido recorrente outra questão prévia, a da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos da al. c), 1ª parte, do nº 1, do art. 379º, por remissão do nº 4, do art. 425º, ambos do CPP, ao recusar-se a apreciar e decidir da questão que lhe foi colocada, no que tange ao não preenchimento dos elementos típicos do crime de profanação de cadáver. Pretende o recorrente que o Acórdão recorrido se deveria ter pronunciado sobre “o ato praticado pelo arguido, ao cobrir a vítima com um lençol, não oculta o cadáver, não o esconde, nem o dissimula; pelo contrário, representa um último gesto de carinho e respeito, insuscetível de densificar ou ser interpretado como falta de respeito devido aos mortos ou como ofensa de sentimentos de respeito e piedade pelos defuntos” (conclªs. 5ª). Determina o art. 379º, nº 1, al. c), do CPP, a nulidade da sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. As questões sobre as quais o tribunal tem de pronunciar-se são as relevantes à decisão da causa e não sobre os motivos ou argumentos invocados pelo recorrente. Como bem sublinha o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Oliveira Mendes em anotação ao art. 379º do Código de Processo Penal Comentado, de Henriques Gaspar e outros, “(…) a omissão resulta da falta de pronúncia sobre as questões que cabe ao tribunal conhecer e não da falta de pronúncia sobre os motivos ou razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão (…)”. Sobre a questão, que ao tribunal cabia conhecer, da verificação ou não, face à factualidade provada, dos requisitos objetivos e subjetivos do crime de profanação de cadáver, é expresso e muito clara a pronúncia constante do Acórdão recorrido: “(…), apenas se dirá que a norma do art. 254º, nº 1, al. a) do Cód. Penal pune o comportamento, de quem e sem autorização de quem de direito, subtrair, destruir ou ocultar cadáver ou parte dele, ou cinzas de pessoa falecida.”. Estando provado que, após o estrangulamento, “o arguido colocou o cadáver de CC num forno”; que “o corpo foi colocado no interior do dispersor de calor, composto por tubos laminados e por uma caixa em metal, sendo que do solo até à zona dos tubos laminados vão 1 m e 54 cm de altura...”; e que “agiu com o propósito concretizado de ocultá-lo, bem sabendo que essa conduta era também proibida e punível”, estão verificados todos os elementos objetivos e subjetivos da ocultação de cadáver. Acresce que, no provimento parcial do recurso do arguido interposto da decisão da 1ª instância, o Acórdão recorrido, ora sub judice, decidiu pela eliminação de todas as referências ao “lençol” e à circunstância do arguido se ter oferecido para transportar a ... à estação da C.P. (cfr. epígrafe Factos provados, fls. 1752 e segs.). Se dos factos fixados desapareceram as referências ao “lençol” é evidente que o Acórdão recorrido não podia conhecer desse facto e da interpretação que deveria ser dada à atuação do recorrente! Não procede a questão da nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia que o arguido suscita nas conclusões 15ª e 16ª do respetivo recurso. 5 - Do mérito dos recursos interpostos pela Assistente, o MP e arguido. 5.1. → Do recurso do MP Insurge-se o MP contra a aplicação do regime penal especial para jovens, contemplado no Dec-Lei nº 401/82, de 23.09, pelo Acórdão recorrido, por entender que, no caso sub judice, não se mostram reunidos os necessários requisitos contemplados no art. 4º, daquele diploma legal. Considerando a factualidade dada como provada e a motivação do arguido que determinou a prática do crime, com requisitos de particular censurabilidade e perversidade, diz o MP, não se ver qualquer motivo ou utilidade para que o arguido beneficie de um regime que visa incentivar a sua reinserção social e reeducação, já que o arguido se mostrava inserido social e familiarmente. Não confessou os factos. Não mostrou arrependimento. Remetendo para a fundamentação da decisão em 1ª instância, pugna pela revogação do Acórdão recorrido nesta parte, devendo ser afastada a aplicação do regime especial de que beneficiou o arguido indevidamente. Mesmo a não ser assim entendido, sempre as penas de prisão parcelares aplicadas pelos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver se mostram injustificada e injustamente benévolas, considerando toda a atuação do arguido, desde a perpretação à consumação dos crimes. Defende, em conclusão, sejam recuperadas as penas de prisão parcelares e única aplicadas em 1ª instância e, a não ser assim doutamente entendido, mesmo a beneficiar o arguido da atenuação extraordinária da pena a que alude o art. 4º do Dec-Lei nº 401/82, de 23/09, lhe sejam fixadas as penas de 15 anos de prisão pelo crime de homicídio qualificado e de 10 meses de prisão pelo crime de profanação de cadáver, num cúmulo jurídico de 15 anos e 7 meses de prisão. 5.1.1. Tem razão o MP. Há que desaplicar ao arguido o regime penal especial para jovens entre os 16 e os 21 anos. O arguido tinha a idade de 20 anos aquando da prática dos crimes aqui em causa. Dispõe o art. 9º do CP que “aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”, que se encontra vertida no Dec-Lei nº 401/82, de 23.09. O art. 4º deste diploma legal determina que, se for aplicável pena de prisão, o juiz deve atenuar especialmente a pena nos termos dos arts. 72º e 73º do CP, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado. No ponto 4 do preâmbulo do citado Dec-Lei nº 401/82 refere-se que “trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção”. Mas, como bem se regista no ponto 7 “As medidas propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos”. Acompanhando a Jurisprudência pacífica, o Ac. do STJ, de 12.06.1997, proc. nº 209/97, da 3ª Sec. decidiu que a aplicação do disposto no art. 4º não opera automaticamente, havendo necessidade de fazer um prognóstico favorável acerca do carácter evolutivo e da capacidade de ressocialização. Na mesma linha de pensamento, e complementando-a, decidiu o Ac. do STJ de 17.09.1997, proc. nº 504/97, 3ª Sec., que se mostra obrigatório o dever de fundamentação relativamente à não aplicação do regime mas explicitando que as exigências de prevenção geral positiva não podem ser sacrificadas em nome da predominância de razões de prevenção especial de socialização que, embora de particular e compreensível justificação, não são bastantes para prescindir do limite da pena necessária à garantia da proteção de bens jurídicos e à da validade da norma que os prevê e tutela. No mesmo sentido, o douto Ac. deste STJ, de 22.05.2013, proc. nº 179/11.6JAPLD, que dele citamos: “(…) A aplicação do regime específico é, pois, obrigatória sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado; no juizo de prognose positiva imposto pelo regime do jovem delinquente devem considerar-se tanto a globalidade da atuação do jovem, como a sua situação pessoal e social, o que implica o conhecimento da personalidade, das condições pessoais, da conduta anterior e posterior ao crime, e depende do juízo que o tribunal formule sobre a existência de razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, e não apenas do juízo sobre a natureza dos factos e das fortes necessidades de prevenção geral que se façam sentir em relação à gravidade do crime praticado. A verificação necessária da existência de pressupostos impõe também a obrigação de formular um juízo positivo ou negativo, não dispensando a avaliação da pertinência ou inconveniência da aplicação do regime; havendo que justificar a opção ainda que se considere inaplicável o regime; (…). A oficiosidade da aplicação e do conhecimento de todas as questões que sejam pertinentes para a aplicação, resulta da natureza dos interesses que se visam proteger, na realização de uma irrecusável (pelo julgador) opção fundamental de política criminal, e da própria letra da lei ao usar a expressão “deve” com significado literal de injunção. Para tanto, o juiz não pode deixar de averiguar se existem pressupostos de facto para a atenuação sempre que o individuo julgado tenha idade que se integre nos limites da lei. Para decidir sobre a aplicação de regime relativo a jovens, o Tribunal, independentemente do pedido ou da colaboração probatória dos interessados, tem, pois, de proceder, autonomamente, às diligências e à recolha de elementos que considere necessários (e que, numa leitura objetiva, possam ser razoavelmente considerados necessários) para avaliar da verificação dos respetivos pressupostos (…). A lei processual prevê, aliás, modos próprios para a recolha pelo juiz de elementos que o habilitem a exercer o poder-dever quanto à aplicação do regime especial para jovens que, por regra, exigirá prova especialmente dirigida à determinação da espécie e da medida da sanção a aplicar. Nesta perspetiva, os artigos 370° e 371° do Código de Processo Penal contêm disciplina particularmente adequada: o tribunal pode, em qualquer altura do julgamento, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando já constarem do processo, bem como ordenar a produção da prova suplementar que se revelar necessária, ouvindo, sempre que possível, o perito criminológico, o técnico de reinserção social e quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido. A gravidade das condutas, a ilicitude vincada e fortíssima, e a culpa de grau exponencial não constituem, pois, fundamentos adequados para decidir sobre a aplicação, ou sobre a inaplicabilidade, do regime penal de jovens: o fundamento não está no facto ou na culpa, mas no prognóstico favorável («sérias razões para crer») sobre a vantagem da atenuação para a reinserção social do jovem condenado, sendo o regime penal em causa comandado por exclusivas finalidades de prevenção especial de socialização (cf., por todos, o acórdão do STJ de 17 de Abril de 2013, proc. n°237/11.7JASTB, cit.). A avaliação das vantagens da atenuação especial para a reinserção do jovem tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido, e não por considerações abstratas desligadas da realidade: do julgamento do caso concreto tem de resultar claramente a convicção do juiz sobre a natureza expressiva das [sérias] vantagens da atenuação para a reinserção do jovem condenado. (…). Porém, existe sempre uma linha que limita e impede em definitivo a aplicação deste Regime Penal Especial para Jovens: “as exigências de prevenção geral positiva não podem ser sacrificadas em nome da predominância de razões de prevenção especial de socialização sempre que estas não foram bastantes para prescindir do limite da pena necessária à garantia da proteção dos bens jurídicos violados e à da validade da norma que os prevê e tutela”. Não se pode dizer que o Acórdão recorrido equacionou devidamente as vantagens da atenuação especial para a reinserção do jovem arguido perante as circunstâncias concretas dadas como provadas e o percurso de vida do arguido, para a reinserção do arguido, da aplicação do regime penal para jovens, face à violação do bem jurídico maior protegido constitucional e penalmente. Homicídio praticado com ponderação sobre o tempo, o modo, instrumentos do crime, atraindo a vítima a uma cilada de morte, apenas porque não se conformou com o fim de um namoro. A decisão da aplicação do regime penal para jovens sustenta-se tão só no juízo de prognose, deficientemente fundamentado: “É certo que foram detetadas no arguido as referidas dificuldades de gestão de emoções, de conflitos, e de tolerância a frustração. “É certo que tem uma família bem estruturada, socialmente referenciada como família exemplar”, que o visita e apoia no Estabelecimento Prisional; foi um aluno “empenhado e motivado”; após o curso de “Gestão e Programação de Sistemas Informáticos”, “acedeu a um Curso de Especialização Tecnológica (CET) (...) com a duração de um ano, que concluiu com sucesso”; Contratado a tempo inteiro, “no meio laboral foi destacado como funcionário responsável, educado, humilde e controlado”; “e descrito por vizinhos e amigos como um jovem sociável, educado, respeitador e com um estilo de vida caseiro”; “no Estabelecimento Prisional apresenta uma postura de respeito ao regulamento interno, e uma conduta adaptada no relacionamento com os funcionários e os outros reclusos”. Finalmente, não tem antecedentes criminais. Tudo circunstâncias que permitiriam, não fosse a prática dos factos praticados com particular perversidade, a afirmação de que se trata de jovem plenamente integrado. Contrapõem-se-lhe porém, as mencionadas dificuldades de gestão de emoções, de conflitos, e de tolerância à frustração, o não arrependimento e a não confissão dos crimes e seus circunstancialismos. Na senda do Ac. do STJ, de 05.03.2015, proc. 416/11.7GFBFX.L1.S1, “(…) sem perder de vista que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade” (cfr. preâmbulo do Dec-Lei n° 401/82) e que, por isso, se impõe também, acautelar a firme defesa da sociedade e a prevenção da criminalidade sob pena de se diluir o conteúdo dissuasor e integrador da prevenção geral e se menorizar o valor dos bens jurídicos protegidos que são, no caso, de primeira ordem, pois não se afigura razoável pensar que o legislador, estando em equação precisamente tais bens jurídicos, tivesse a intenção de subordinar as exigências de prevenção geral a quaisquer outras. De resto, como também já foi assinalado não é só por estar em causa um jovem com idade entre os 16 e os 21 anos que se tem de partir do principio que quanto menor for a prisão mais fácil se torna a reinserção social e assim o juízo sobre as virtualidades da atenuação especial para se lograr essa reinserção há-se assentar num condicionalismo que, não se reduzindo à idade atenda a todo o condicionalismo do cometimento do crime. (cfr., ainda, Ac. STJ de 2013, proc. l49/10.1TAFND.C1.S1) (…)”. Como é público e notório, a violência doméstica e a violência no namoro que, infelizmente, vem redundando, cada vez mais, em homicídios praticados com especial censurabilidade e perversidade, têm registos estatísticos assustadores e impõem uma particular e cuidada preocupação com as exigências da prevenção geral positiva, na premente necessidade da reafirmação das normas jurídicas violadas e na restauração da confiança comunitária na Justiça. É a prevenção geral positiva que delimita o condicionalismo, nestes casos, a atenuação especial da pena. É a prevenção geral positiva que, no caso se deve dar prevalência, aconselhando as suas exigências prementes a desaplicação do Regime Penal contemplado no Dec-Lei nº 401/82, de 23.09. Pelo exposto, merece parcial provimento o recurso do MP decidindo-se pela desaplicação do regime penal especial para jovens contemplados no Dec-Lei nº 401/82, de 23.09, sopesando a gravidade dos factos praticados, a ausência de circunstâncias muito relevantes que militem a favor do arguido, o elevadíssimo grau de ilicitude dos factos, o intenso grau de culpa com que atuou o arguido e as necessidades de prevenção geral neste tipo de criminalidade, em crescendo exponencial, mostra-se adequado e proporcional aplicar ao arguido a pena de 17 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado e de 10 meses de prisão pela prática de um crime de profanação de cadáver, fixando-se em 17 anos e 6 meses de prisão a pena única, resultante do cúmulo jurídico das duas penas parcelares. 5.2. Do recurso da Assistente. As conclusões de recurso apresentado pela Assistente BB centram-se fundamentalmente na impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada, bem como da aplicação do regime penal para jovens pelo Acórdão recorrido, por não se mostrarem reunidos os requisitos legais exigidos para a atenuação especial da pena, embora algumas das conclusões apresentadas sejam mais uma resposta ao recurso interposto pelo arguido do que rigorosamente conclusões de recurso por si interposto (conclªs. 2ª a 25ª). Defende a adequação, proporcionalidade e justeza da decisão da 1ª instância, pugnando pela revogação do Acórdão recorrido e a “repristinação” daquela, nas penas de prisão parcelares e única aplicadas. Como bem referiu o MP a quo na sua resposta, a matéria de facto mostra-se definitivamente fixada, competindo ao STJ o reexame da matéria de direito – arts. 432º, nº 1, al. c) e 434º, ambos do CPP -. Não merece provimento, nesta parte, o recurso da Assistente. Quanto à pretendida não aplicação do Regime Penal Especial para Jovens assiste-lhe razão, nos termos já expostos supra. 5.3. Do recurso do arguido. 5.3.1. Para além das questões prévias já vistas e que não merecem provimento, o recorrente entende dever ser condenado por um crime de homicídio simples, por não se verificarem os requisitos da sua qualificação contemplados nos nºs 1 e 2, al. j), do art. 132º do CP. Não tem razão. A factualidade dada como provada e definitivamente fixada preenche sobejamente os requisitos da especial censurabilidade, perversidade e a frieza de ânimo com que atuou o arguido. Afirma a Jurisprudência deste Venerando Tribunal que atuar com frieza de ânimo é o agir “de forma calculada, com imperturbada calma, revelando indiferença e desprezo pela vida” – Ac. do STJ, de 14.07.2014, proc. 1889/04, 3ª Sec.. Ou seja é um comportamento traduzido num agir de “modo frio, indiferente ao valor da vida da vítima (…) revelando uma forte intensidade da vontade criminosa” Ac. do STJ, de 23.07.2005, proc. 4302/04, 3ª Sec.. Na expressão do Ac. do STJ, de 23.05.2007, proc. 3485/06, 3ª Sec. “o agente age com frieza de ânimo quando seleciona os meios a utilizar na agressão, quando reflete uma opção pelo meio mais adequado (…)” ou “Agir com frieza de ânimo significa atuar com serenidade, com o espírito límpido de emoções; e agir com reflexão sobre os meios empregados significa atuar depois de escolher e preparar cuidadosamente o modo de praticar o facto, revelando uma vontade especialmente determinada de cometer o crime e uma maior perigosidade, pela significativa diminuição das possibilidades de defesa da vítima (…)” Ac. do STJ, proc. 862/09.6GTFAR.E1.S1 (Por todos, cfr. Ac. do STJ de 03.04.2014, proc. 740/13.4JAPRT.P1.S1). Convocando a matéria de facto dada como provada, logo se detetam nela factos praticados pelo arguido que integram a totalidade dos requisitos expostos na Jurisprudência citada para classificar o agir do arguido como da “atuação com frieza de ânimo”. O Acórdão recorrido não merece censura, no que concerne à agravação do crime de homicídio, qualificando-o pelos nºs 1 e 2, al. f) do art. 132º, com referência ao art. 131º, ambos do CP, aliás, acompanhando, neste âmbito, a decisão da 1ª instância. Improcedem as conclusões 10ª a 12ª, do recurso do arguido. As penas de prisão parcelares aplicadas pelos crimes de homicídio qualificado e de profanação de cadáver e a pena única fixada em resultado do cúmulo jurídico efetuado, mostram-se, ao contrário do que defende o arguido, injustificavelmente benévolas, considerando o grau intenso da ilicitude e o elevadíssimo grau de culpa com que o arguido atuou e a pouca/média relevância das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, militam a favor do arguido. Não merece provimento a conclusão 26ª do recurso do arguido, merecendo, sim, parcial provimento o recurso do MP, nesta parte, como defendemos supra, devendo ser fixadas as seguintes penas de prisão parcelares e única: → pela prática do crime de homicídio qualificado, a pena de 17 anos de prisão; → pela prática do crime de profanação de cadáver, a pena de 10 meses de prisão. Pena única, 17 anos e 6 meses de prisão.
*
6 - Pelo exposto, emite-se Parecer no sentido de: → rejeição do recurso do arguido relativamente às questões prévias suscitadas. → Parcial provimento do recurso do MP e da Assistente relativamente à (des)aplicação do regime penal para jovens, vertido no Dec-Lei nº 401/82, de 23.09 e à agravação das penas parcelares de prisão e únicas fixadas no Acórdão recorrido. → Não provimento do recurso do arguido relativamente à (des)qualificação do crime de homicídio e à pretendida absolvição pela prática do crime de profanação de cadáver. → Não provimento do recurso do arguido no que tange à pretendida diminuição das penas de prisão parcelares e única aplicadas.
Foi cumprido o art. 417º, nº 2 CPP tendo o arguido respondido ainda aludido parecer reiterando a sua posição quanto à aplicabilidade do regime especial previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro.
*
2. – O resultado do julgamento quanto aos factos provados e não provados fixados pelo Tribunal da Relação de ... é o seguinte:
2.1 – Factos provados (transcrição):
O arguido AA, nascido a ...., conheceu a CC, nascida a ..., na escola profissional de ... em 2009, quando frequentava o 2° ano do curso de gestão e programação de sistemas informáticos, e ela o 1° ano de marketing. Iniciaram então uma relação de namoro a 6 de Novembro de 2009, período durante o qual a CC começou a frequentar o ambiente familiar de AA , onde se revelou educada e colaborante nas tarefas caseiras, sendo bem aceite pelos residentes. Tal namoro manteve-se até ao dia 25 de Agosto de 2013, altura em que o relacionamento findou de forma não amigável, por iniciativa da CC, na sequência de uma discussão em que o AA lhe atirou o telemóvel ao chão, danificando-o. Inconformado com o fim da relação de namoro, o arguido AA arquitectou um plano com vista a pôr termo à vida de CC. Em cumprimento do seu plano, o arguido AA adquiriu entre finais de Agosto e meados de Setembro de 2013 uma arma de gás de características não concretamente apuradas. No dia 11 de Outubro de 2013, cerca das 14h00, munido da aludida arma, o arguido abordou a CC junto à Clínica Médico-Veterinária "....", sita na Rua ..., n.° 00, ..., conforme previamente combinado via SMS, levando-a, com a promessa da entrega de um telemóvel destinado a substituir aquele que havia danificado, a entrar no veículo automóvel em que se fazia transportar, da marca Opel, modelo Astra, matrícula ...-DQ. Após a CC ter entrado no veículo transportou-a para perto da sua área de residência, mais concretamente para o interior de uma antiga fábrica de serração abandonada, sita no ..., em ..., ..., ..., composta por três naves e por um logradouro com silvado, sendo a entrada principal efectuada por um portão deslizante confrontante com a estrada principal contigua. No interior da aludida fábrica, o arguido munido da aludida arma de gás, disparou três esferas de chumbo (projécteis) na direcção de CC, atingindo-a com duas delas na cabeça, na zona da face, e com uma outra na mão, na zona do polegar. De seguida, o arguido agarrou em pedaços de cablagem que ali se encontravam, e com os mesmos atou as mãos de CC atrás das costas e os pés, dando laços de nó fixo e firme em torno de ambos os punhos e tornozelos, manietando-a. Depois envolveu ainda um cabo de cablagem em volta do pescoço daquela, apertando-o, fazendo um laço muito apertado com nó fixo e firme, provocando-lhe a morte através de asfixia mecânica por estrangulamento. Após o arguido colocou o cadáver de CC num forno, situado na zona intermédia da fábrica onde existem três estufas de secagem de madeira, alimentadas por caldeiras de combustão e com dispersores de calor, situando-se aquele forno na 1ª estufa, a partir da porta. O corpo foi colocado no interior do dispersor de calor, composto por tubos laminados e por uma caixa em metal, sendo que do solo até à zona dos tubos laminados vão 1 m e 54 cm de altura, sendo o interior da caixa metálica rectangular, com paredes de 1 metro de altura, e com uma abertura em baixo de cerca de 15 cm, tendo por baixo dois compartimentos para as cinzas. Por fim, tapou ainda o corpo já sem vida da CC com o lençol referido. O arguido manteve o cadáver de CC dentro do referido forno da fábrica, desde o dia 11 de Outubro de 2013 ao dia 11 de Janeiro de 2014, data em que aquele foi encontrado por FF e GG, que ali se haviam deslocado para praticar Airsoft. Nesta data, o cadáver estava na posição de decúbito ventral, atado em três partes do corpo (tornozelos, pulsos e pescoço) com as mãos atrás das costas e as pernas flectidas, com a cabeça e tronco em avançado estado de decomposição, com a face irreconhecível, e da cintura para baixo aparentava um aspecto mumificado. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, em cumprimento de um plano previamente gizado que consistia em causar a morte a CC. Ao prontificar-se a entregar à CC um telemóvel novo em substituição do que havia antes danificado, agiu ciente e com o objectivo de fazê-la entrar na sua viatura e levá-la para local distante, isolado e escondido, munido de uma arma de gás, para levar avante os seus intentos. E ao atar o cabo de cablagem à volta do pescoço de CC, fazendo um laço muito apertado com nó fixo e firme, agiu bem sabendo que iria impedi-la de respirar, asfixiando-a, e que dessa forma lhe produziria a morte, resultado este que o arguido previu e quis ciente de que a sua conduta era proibida por lei. Ao esconder o cadáver de CC colocando-o no forno da fábrica, com as características referidas supra, coberto com o lençol, o arguido agiu com o propósito concretizado de ocultá-lo, bem sabendo que essa conduta era também proibida e punível.
Mais se provou que:
O processo de desenvolvimento e de socialização de AA iniciou-se no agregado de origem, composto pelos dois irmãos mais velhos e os pais, que implementaram uma dinâmica aparentemente funcional e organizada, balizada por regras e princípios bem definidos e relações intrafamiliares baseadas no respeito e afecto recíprocos, sustentada na actividade profissional que ambos exerciam. AA frequentou a escola no 1° ciclo do ensino básico em ..., ..., ..., continuado na Escola EB 2,3 em ..., até concluir o 9° ano, frequentando o meio religioso com participação nas diversas actividades, e depois sendo acólito. Em 2008 ingressou no curso de "Gestão e Programação de Sistemas Informáticos", administrado na Escola Profissional de ..., que frequentou até o concluir em Julho de 2011, revelando-se aluno empenhado, motivado, confirmando os professores adequação do seu perfil para a área de aprendizagem. No convívio com os pares na escola AA revelou um quadro de características típicas de adolescente. Depois de iniciado o namoro com a CC, a relação registou alguns conflitos, o que motivou aquela a ser acompanhada pelo departamento de psicologia do estabelecimento. Completado o curso e o estágio no final de Julho de 2011, habilitado como 12° ano de escolaridade, AA acedeu a um Curso de Especialização Tecnológica (CET) na área de informática. no Instituto Politécnico de ..., com a duração de um ano, que concluiu com sucesso. Realizou depois alguma actividade com carácter laboral, por sua iniciativa e de forma irregular. Em Maio de 2013 AA começou a colaboração profissional na empresa dedicada ao comércio de automóveis "...", na área da informática, e desde Setembro desse ano na qualidade de contratado a tempo inteiro, como responsável pelo site da empresa, com o vencimento mensal de € 515,00 (quinhentos e quinze euros) e subsídio de alimentação, sendo habitual almoçar em casa, pela proximidade do local. À data dos factos AA continuava integrado no agregado de origem, com os pais e os irmãos, residentes em casa unifamiliar com dois andares e logradouro, inserida em zona residencial sossegada. Os pais asseguram a dinâmica e o funcionamento do agregado com base nos rendimentos das suas actividades laborais, mercê de uma gestão equilibrada. Socialmente são referenciados como família exemplar, e o progenitor é o actual presidente da união de freguesias de ... e .... AA é descrito por vizinhos e amigos como um jovem sociável, educado, respeitador e com um estilo de vida caseiro. No meio laboral o arguido foi destacado como funcionário responsável, educado, humilde e controlado. Os familiares do AA visitam-no semanalmente no Estabelecimento Prisional do .../PJ. O empregador de AA ao tomar conhecimento nos meios de comunicação social da situação dele como arguido, propôs-lhe a rescisão amigável do contrato de trabalho, para evitar danos na imagem da empresa. No Estabelecimento Prisional o AA apresenta uma postura de respeito ao regulamento interno, e uma conduta adaptada no relacionamento com os funcionários e os outros reclusos. Face à dinâmica específica do estabelecimento prisional e à limitada oferta em termos de ocupação estruturada, quer formativa, ocupacional ou lúdica, o arguido gere o quotidiano em função das actividades propostas. O arguido usufrui de consistente apoio familiar e aceitação social na comunidade e não é referenciado a comportamentos de risco. Mas revela necessidades de intervenção para desenvolvimento de competências pessoais e sociais, designadamente de gestão de emoções, de conflitos, tolerância à frustração, bem como de ser apoiado no processo de interiorização dos valores juridicamente protegidos pela norma incriminatória. Provou-se ainda que o AA é primário.
2.2 - Factos não provados (transcrição):
O arguido estava munido de um lençol quando abordou a ... no dia 11 de outubro de 2013. Após a CC ter entrado no veículo, o arguido prontificou-se a levá-la à estação da CP de ... para apanhar o comboio com destino ao ..., no que a CC anuiu. Depois dos disparos, a CC ficou inconsciente, por tempo indeterminado, após o que acabou por acordar, tendo procurado fugir do local. O arguido tentou atear o fogo ao corpo, queimando cartão e tubos em material sintético por baixo do local onde o mesmo foi depositado.
*
3. – Por razões de procedibilidade afigura-se ser de conhecer primeiramente do recurso do arguido desde logo porque a questão inicial que nele é suscitada é a do pedido de declaração de nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia que, como salienta a Sra. Procuradora-Geral Adjunta, «a proceder impedirá o conhecimento de todos os recursos interpostos». Essa dita questão teve desenvolvimento ao longo do processo nos seguintes termos: - Em 2014.11.20 foi proferido um acórdão na Instância Central de ...; - Desse acórdão foi interposto recurso pelo arguido recurso esse que foi objecto de apreciação por um primeiro acórdão do Tribunal da Relação de ...de 2015.04.13. De acordo com a síntese então ali feita o arguido suscitou diversas questões assim equacionadas: - nulidade prevista no art. 120º, nº 2 al. d) CPP por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade; - nulidade do acórdão recorrido (art. 379º, nº 1, al. c) CPP) por não constar dos factos “provados” nem dos “não provados” um facto da acusação; - nulidade do acórdão recorrido (art. 379º, nº 1 al. b) CPP) por ter havido condenação por factos diversos dos descritos na acusação que importariam uma “alteração substancial de factos” ou subsidiariamente uma “alteração não substancial de factos”; - impugnação da decisão sobre a matéria de facto; - uso de meio proibido de prova para fundamentar a decisão; - qualificação dos factos de modo a ter o arguido como autor de um crime de homicídio do art. 131º C. Penal; - aplicação do regime especial para jovens delinquentes com atenuação especial da pena. O citado acórdão de 2015.04.13 começou por analisar sequencialmente a questão da nulidade por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade que tinha a ver com um despacho de indeferimento de um pedido de acareação entre duas testemunhas concluindo que essa questão deveria ter sido suscitada em recurso autónomo logo no prazo subsequente à prolação do despacho que indeferiu a diligência o que não tendo acontecido levou a que sobre esse despacho se tivesse formado caso julgado. Passou depois à expressa apreciação da arguição de nulidade do acórdão recorrido por não constar dos factos “provados” nem dos “não provados” um facto da acusação. O “facto” tido como não mencionado era o de o arguido ter colocado o corpo da vítima num forno de uma fábrica «em local de acesso difícil», sendo este estrito segmento o que deixou de figurar nos factos elencados “provados” e “não provados” e foi considerado inútil em face da detalhada descrição feita da localização do sobredito forno que além do mais (acrescenta-se aqui) teve a virtualidade de ultrapassar uma formulação de cariz conclusivo. Seguidamente, o acórdão passou a apreciar a questão da existência de alteração substancial ou não substancial de factos da acusação. Entre esses factos que o recorrente referiu não constarem da acusação e configurarem uma alteração «sem terem sido observadas as condições previstas nos arts. 358º e/ou 359º»[1] mencionou ele expressamente o seguinte: «[…] adquiriu entre finais de Agosto e meados de Setembro de 2013 uma arma de gás […]» sendo que a alteração se reportava à menção ao período temporal entre o qual fora adquirida a sobredita arma de gás. E nessa apreciação o sobredito acórdão rejeitou desde logo que as alterações que considerou existirem configurassem uma alteração substancial à face da definição legal que consta do art. 1º al. f) CPP por não haver imputação de um crime diverso nem haver agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Recorde-se o que ficou consignado a tal respeito[2]: «O art. 1 al. f) do CPP define alteração substancial dos factos como sendo “aquela que tiver por efeito 1) a imputação ao arguido de um crime diverso ou 2) a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” As mexidas efectuadas nos factos da acusação não cabem em nenhuma das duas hipóteses. O “pedaço de vida a que respeitam os factos da acusação e do acórdão é, manifestamente, o mesmo (os imputados homicídio da CC e da profanação do seu cadáver e suas circunstâncias). Só há crime diverso “ao pedaço individualizado de vida trazido pela acusação, se juntem novos factos e dessa acusação resulte uma imagem ou uma valoração não idênticas àquela criada pelo acontecimento descrito na acusação” – cfr Frederico Isasca, Alteração Substancial e sua Relevância no Processo Penal Português, ed. 1999, pag. 144. Por outro lado, o enquadramento penal dos factos feito no acórdão é o mesmo da acusação, pelo que nenhuma agravação houve dos limites máximos das sanções aplicáveis». Mas a respeito daquele facto acabou por considerá-lo uma alteração não substancial relativamente ao que constava da acusação e que era o seguinte: «Em cumprimento do seu plano, o arguido AA adquiriu uma arma de gás de características não concretamente apuradas». O acrescento consubstanciou-se, como já se referiu supra, na menção de que a arma fora adquirida algures num determinado período fixado algum tempo antes da data em que ocorreu a morte da vítima pois, como se referiu no acórdão do TR ...«no limite, a redacção da acusação era compatível com a aquisição da arma no próprio dia do homicídio»[3]. Referiu ainda: «O tempo que medeia entre a decisão de cometer o crime e a sua execução é índice para a agravação da culpa. A persistência no tempo da resolução criminosa pode revelar que o agente do crime foi indiferente à reflexão sobre a gravidade da sua conduta. Trata-se de circunstância prevista na al. l) do nº 1 do art. 132º do Cod.. Penal. Foi, aliás, circunstância expressamente ponderada, de forma agravativa, no acórdão, a propósito da medida da pena, embora situando a questão em sede de ilicitude». E prosseguiu: «Se o colectivo considerou a data da aquisição da arma relevante para a determinação da pena concreta, então, por maioria de razão, não constando ela da acusação, deveria ter feito a comunicação relativa à alteração não substancial de factos prevista no art. 358, nº 1 do CPP» Mais adiante[4], depois de ter rejeitado a existência de outras alterações concluiu então: «O acórdão é nulo, por ter condenado por factos diversos dos descritos na acusação, que importam alteração não substancial de factos, sem ter observado o mecanismo a que alude o art. 358, nº 1 do CPP – art. 379, nº 1 do CPP. A nulidade torna inválido o acto em que se verificou e a sua declaração determina a sua repetição – art. 122 nºs 1 e 2 do CPP». E, finalmente, decidiu que «a declaração de nulidade e a reabertura da audiência prejudicam o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso». Ora, não haverá margem para dúvidas de que esta decisão transitou em julgado e dela faz parte integrante a posição assumida de que o acrescento do período em que terá sido adquirida a arma de gás não integrava uma alteração substancial dos factos. A circunstância de o acórdão da primeira instância ter sido anulado para reabertura da audiência com vista ao cumprimento do art. 358º CPP nada modifica a este respeito. Por isso mesmo tendo o recorrente retomado a questão em termos idênticos no recurso interposto para o TR ... da decisão subsequente de 2015.09.29 este pronunciou-se da forma seguinte[5]: «Invocando o conhecimento oficioso da nulidade, o arguido volta a suscitar a questão de alguns dos factos já constantes do primeiro acórdão do tribunal recorrido importarem uma “alteração substancial”. Porém, tal questão já foi decidida pela relação, não podendo agora voltar a ser decidida, sob pena de violação do disposto no art. 613º, nº 1 do CPC – “proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria de facto” [rectius, quanto “à matéria da causa”, interpolação]. Na realidade, a segunda sentença do tribunal recorrido não foi uma sentença independente do conteúdo da primeira, ou do primeiro acórdão da relação. Uma sentença anulada não é o mesmo que uma sentença inexistente. A reabertura da audiência e a nova sentença destinaram-se apenas a ultrapassar os vícios que foram detectados pela relação na primeira sentença. O âmbito de decisão do tribunal recorrido estava limitado aos procedimentos que tinham sido determinados pela relação. As três decisões devem ser integradas. Por isso, também a relação está impedida de voltar a decidir sobre a arguida alteração substancial de factos por já a ter decidido. Assim não se conhecerá neste acórdão da questão em apreço». Salvo o devido respeito a decisão do TR ... de não conhecer da questão que já lhe fora anteriormente colocada a respeito de configurar uma alteração substancial a menção ao momento da aquisição da arma de gás está no essencial correcta mas sê-lo-á menos, crê-se, o argumento em que se baseia. É que não está propriamente em causa o princípio do esgotamento do poder jurisdicional face a uma determinada decisão, reparando ou alterando essa específica decisão para lá dos limites permitidos (art. 613º, nº 2 CPC). O que está em causa é uma reapreciação da mesma questão processual, sobre a qual já houve decisão, de essa mesma questão ser colocada de novo para escrutínio visando a prolação de outra decisão sobre ela. Não há dúvida que a decisão do TR ... de 2015.04.13 que transitou não esgotou todo o thema decidendum do recurso que fora interposto pelo arguido mas é também certo que sobre uma parte dele, a sua pretensão a respeito da invocada existência de uma alteração substancial dos factos da acusação, essa decisão foi clara e peremptória: pronunciou-se em sentido diverso do que era proposto, ou seja, nessa parte negou provimento ao recurso pois considerou que era outra diversa a solução jurídico-processual a seguir e que realmente seguida. Assim, ficou em absoluto precludida a pretensão do recorrente de ver reapreciada tal questão pois a decisão tomada teve carácter definitivo, tornou-se imutável e imodificável formando-se sobre a dita questão caso julgado formal que «consiste precisamente em estar fechada a via dos recursos ordinários»[6] pois de outro modo nunca a instância se estabilizaria como mostra à evidência a atitude processual subsequente do recorrente. Embora lhe haja sido transmitido de forma categórica que não estava configurada uma alteração substancial, ao ser reaberta a audiência em cumprimento do que o TR ... ordenara precisamente por ter considerado que a alteração dos factos era não substancial fez consignar na acta respectiva[7] o seguinte: «Não obstante o doutamente decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação de ... acerca da qualificação dos factos como não substanciais, o arguido continua a sustentar que se trata de alterações substanciais dos factos e nessa medida, para o efeito do disposto no art. 359º do CPP declara que não consente na continuação do julgamento acerca de tais factos» (sublinhados acrescentados). Além do patente despropósito desta declaração pois o tribunal de primeira instância estava a cumprir a decisão do tribunal superior que já classificara a alteração como não substancial a esta conduta processual só pode atribuir-se um propósito que é o de – passe a expressão em benefício da clarificação da ideia – querer fazer entrar pela janela aquilo que lhe fora vedado fazer entrar pela porta. Em face do que bem andou o TR ... no acórdão recorrido, embora, repete-se, não porventura com o mais adequado argumento em não conhecer do recurso na parte em que, de novo, querendo ultrapassar o caso julgado formal, o arguido suscitou a questão da qualificação da alteração dos factos (re)apelidando-a de substancial. Essa é uma matéria encerrada em definitivo que não cabe a este Supremo Tribunal equacionar.
*
4. – Num outro plano da sua defesa considera o recorrente que os factos preenchem somente o crime de homicídio do art. 131º do C. Penal tese que o TR ... não sufragou considerando, outrossim, que foi cometido o crime de homicídio qualificado dos arts. 131º e 132º, nº 2, al. j) do citado C. Penal em virtude de o recorrente ter agido com frieza de ânimo. Recorde-se que, como determina o nº 1 do último daqueles artigos se a morte de uma pessoa for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte anos sendo susceptível de revelar a especial complexidade entre outras a circunstância de o agente «agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas». O acórdão da primeira instância, socorrendo-se da mais preclara doutrina e de actualizada jurisprudência, discorreu longamente sobre o grau especial de culpa que há-de decorrer da verificação dos exemplos-padrão, os que, entre outros pois não são taxativos, estão descritos nas diversas alíneas do citado nº 2 do art. 132º e que deverão ser indicadores de situações que em abstracto poderão ser susceptíveis de indiciar que a acção do agente atinge esse específico grau de culpa revelador da sobredita especial censurabilidade ou perversidade mas que não têm uma implicação de obrigatoriedade ou automatismo. E discorreu ainda a respeito da noção de «especial censurabilidade ou perversidade» concluindo depois que: - com a aquisição de uma arma de gás comprimido entre finais de Agosto e meados de Setembro de 2013 relevou a intenção de matar a CC, sua ex-namorada; - não desistiu dos seus intentos apesar de ter oportunidade de reflectir sobre essa resolução; - entre o dia 1 e o dia 11 de Outubro trocou com a CC mais de uma centena de sms a fim de a preparar a aceitar um encontro a pretexto de lhe entregar um telemóvel novo em substituição do que tinha ficado danificado na discussão havida entre ambos em 25 de Agosto; - movido pelo facto de CC recusar reatar o namoro e negar qualquer tipo de reaproximação o recorrente endureceu a sua sensibilidade e revelou uma força criminosa de tal maneira intensa que pelo menos mais de 30 dias depois de tomar a resolução pratica o respectivo crime sem hesitação. Acrescentando mais adiante: «Veja-se que o arguido não só cria o desígnio criminoso pelo menos a partir da data em que logra a aquisição da arma, como prepara depois toda uma teia para que a vítima aceite encontrar-se com ele, ao mencionar-lhe a oferta do telemóvel novo para substituir o que lhe havia danificado, como ainda depois de a levar a entrar no seu carro, ludibriando-a, a impede de movimentar-se livremente, primeiro levando-a a acreditar que a vai levar à estação da CP, para onde ela mencionou dirigir-se, e já depois obviamente impedindo-a de sair do veículo, por ter consigo a arma, transportando-a para instalações industriais abandonadas. Já nesse local dispara atingindo-a com três projectos metálicos, ferindo-a, causando-lhe um estado de desmaio e, para que ela não pudesse fugir, depois de acordar, manieta-a, atando-lhe as mãos atrás das costas, os pés com tubos de cablagem existente no local, acabando depois por a estrangular». Pode concluir-se que nesta apreciação da conduta do arguido em termos de definir os contornos da imagem global do facto as tintas estão mais carregadas, digamos assim, acentuando a gravidade dessa imagem com consequências na integração tendo como base os factos provados na 1ª instância designadamente que os disparos feitos com a arma de fogo provocaram na vítima «estado de desmaio» e foi após recobrar os sentidos e ter procurado fugir, que o arguido lhe atou os pés e as mãos. Essa matéria, contudo não passou para aquela que o TR ... fixou. Outro ponto discutível quanto às conclusões extraídas pelo tribunal de 1ª instância ainda para definir a imagem global do facto é aquele em que se afirma de modo categórico que com aquisição da arma de gás comprimido entre finais de Agosto e meados de Setembro de 2013 relevou a intenção de matar a CC, sua ex-namorada. Não é que uma pistola de gás não possa ter capacidade letal disparada em certas condições e se as suas munições atingirem determinadas partes do corpo onde se alojem órgãos vitais, mas não é possível deixar de considerar que se trata de uma “arma de gás” de características não especificamente definidas mas que seguramente não era uma arma de fogo ou outra de letalidade semelhante pois os três disparos – dois deles atingindo a vítima na cabeça, não provocaram lesões que fossem causa de morte. Com tudo isto se quer significar que não é a circunstância de o recorrente se ter munido especificamente de uma arma de gás que permite a conclusão de que isso, só por si, foi revelador da sua intenção de matar a vítima. Sem embargo de se poder ter como provado que essa intenção previamente assumida é revelada, outrossim, pelo restante procedimento do recorrente. Isso mesmo acaba por ser reconhecido pelo acórdão da 1ª instância quando afirma a dado passo da fundamentação da matéria de facto[8]: «Podemos afirmar que o uso de uma arma de gás com este tipo de munição se compagina com o mero objectivo de intimidar a vítima e restringir a sua liberdade impedindo-a de reagir e de fugir». E também é de certo modo reconhecido na decisão ora recorrida quando ali se diz a dado passo[9] considerando que o comportamento do recorrente revela: «firmeza de ânimo, tenacidade e irrevogabilidade na decisão de matar» pois assim interpreta o «comportamento do arguido ao ir já munido da arma de gás para o encontro com a CC em plena cidade de ..., para depois a transportar para a fábrica abandonada onde lhe tirou a vida». E prossegue: «Não se conhecem os pormenores sobre o modo como a CC foi levada até à fábrica, mas o seu transporte, inevitavelmente, acarretou estudadas cautelas por parte do arguido, pois o encontro entre os dois ocorreu numa cidade, local onde mais facilmente se consegue pedir ajuda. Todo o comportamento só é explicável se se considerar que foi fruto de uma reflexão amadurecida, que vai desde o prévio contacto com a CC, para combinar o encontro sob pretexto da entrega dum telemóvel, até à escolha da fábrica abandonada e ao modo de a transportar para lá. (…) Independentemente do facto (não apurado) do arguido estar convencido de que a morte da CC poderia ser consequência imediata dos disparos da arma, o certo é que não recuou nos seus intentos após os ter efectuado. Persistiu no seu comportamento, amarrando e estrangulando a CC.» (negritos acrescentados). Com tudo isto se quer significar que não é a aquisição deste tipo de arma, por si só, que releva para determinar a intenção de matar ou que torna mais pesada ou chocante a imagem global do facto. E para qualificar o homicídio não é sequer um dado de particular significado. Porque na realidade o verdadeiro objectivo com que foi adquirida uma arma deste tipo mantem-se por esclarecer e a data em que foi feita a aquisição acaba por também não ser determinante pois o que a decisão do tribunal recorrido pôs em destaque não foi a eventual premeditação enquanto persistência na intenção de matar por mais de 24 horas que, aliás, a doutrina reputa de «vazia de sentido»[10] Aquilo que salientou foi o comportamento geral do recorrente incluindo o do próprio dia do encontro com a vítima. Por ter ido munido com a arma de gás, ainda que com uma intenção imperscrutável, mas sobretudo por todo o processo de atracção da vítima à autêntica armadilha que lhe montou e à forma como acabou por matá-la. De acordo com o ensinamento da generalidade da doutrina reiteradamente seguido por este Supremo Tribunal a partir do tipo de homicídio do art. 131º do C. Penal o art. 132º, nº 1 prevê e pune um homicídio qualificado que há-de ser produzido em circunstância de especial censurabilidade ou perversidade do agente. Que há-de, portanto, configurar-se como um “qualificado” tipo de culpa especialmente acentuado que se concretiza e modela nas circunstâncias enunciadas no nº 2 do citado art. 132º, os renomados exemplos-padrão. São estes que dão estrutura, delimitando-os também, àqueles conceitos abertos de especial censurabilidade ou perversidade, embora de modo não automático. Como já foi também ensinado[11] a cláusula geral de agravação prevista no nº 1 do art. 132º C. Penal, para ter-se como verificada, implica uma conexão hermenêutica entre ambos os aspectos: os exemplos típicos elencados no nº 2 explicitam o sentido dessa cláusula agravante e esta, por seu turno, funciona como correctivo normativo da objectividade daqueles traduzido na fórmula expressiva «não só, nem sempre». Sendo o sentido e o alcance da técnica dos exemplos-padrão flexibilizar a aplicação da lei penal a ideia essencial é a de que são de considerar como homicídios qualificados somente casos particularmente chocantes. Casos particularmente chocantes na actuação do agente, no modo como comete o homicídio, que reflictam um desvalor especialmente grave e uma motivação especialmente censurável. Em que o acto de destruição da vida humana para lá do modo particularmente ardiloso, ou cruel ou de inflicção de sofrimento como é levado a cabo revele também uma atitude dedicada e envolvida do agente. Casos em que, afinal, a formulação de um especial juízo de culpa encontre suporte numa «correspondente agravação (gradual-quantitativa) do conteúdo do ilícito»[12]. O caso presente é um desses e a frieza da ânimo com que actuou o arguido, circunstância prevista na alínea j) do sobredito nº 2 do art. 132º é, crê-se, inquestionável entendida esta segundo o entendimento é pacífico deste Supremo Tribunal «como o agir de forma calculada, planeada quanto ao local e ao momento, com imperturbada clama, revelando-se indiferença e desprezo pela vida, firmeza tenacidade, sangue frio, um lento, reflexivo e cauteloso processo na execução e preparação do crime de forma a denotar insensibilidade e profundo desrespeito pela pessoa e vida humana»[13]. Não é razoável outra conclusão que não seja a de que o recorrente, usando de reflexão a esse respeito, naturalmente, preparou as condições adequadas ao reencontro com a vítima usando como pretexto a compensação do prejuízo que lhe causara com a inutilização do telemóvel. Recorreu, pois, planeadamente, a um método dissimulado que foi ardil para atrair a vítima ao seu contacto e para conseguir que esta, em seguida, acedesse a ser transportada, entrando no veículo. Depois, há a escolha do local onde acabou por concretizar o seu desígnio, isolado, pouco frequentado, a ponto de o cadáver só vir a ser descoberto, por casualidade, alguns meses mais tarde. Finalmente, há o meio usado para tirar a vida à vítima que não tem o desfecho pronto que pode ter um disparo com uma arma de fogo, por exemplo mas que exige uma execução com uma acção mecânica que não é instantânea o que é ainda agravado pelo acto prévio de amarração da vítima. Tudo a revelar precisamente uma acção calculada com inteiro desprezo pela vida da vítima e a revelar ainda a tenacidade e o sangue frio no prosseguimento e na concretização do seu objectivo. A revelar, em suma, essa atitude dedicada e envolvida como expressão de singular frieza de ânimo e por essa via de especial censurabilidade e perversidade. Improcede, pois, nesta parte o recurso do arguido.
*
5. – Ainda a respeito da qualificação dos factos provados considera o arguido que não praticou o crime de profanação de cadáver previsto no art. 254º, nº 1, al. a) do C. Penal pois a circunstância de ter coberto o corpo da vítima com um lençol não foi um acto mediante o qual procurasse escondê-lo ou dissimulá-lo. Considera ainda que no acórdão recorrido foi cometida omissão de pronúncia em virtude de lá se ter manifestado a recusa de apreciar e decidir essa questão sendo o dito acórdão nulo por aplicação do art. 379º, nº 1, al. c) CPP que como se sabe e para o que interessa determina que é nula a decisão quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. Abordando esta parte da argumentação do recorrente dir-se-á que não lhe assiste razão pois o acórdão recorrido não deixou de se pronunciar sobre a qualificação dos actos respectivos considerando ter sido cometido aquele crime. Mal ou bem, não vem ao caso, o acórdão recorrido teceu uma crítica à forma como o problema da qualificação dos factos fora posto na motivação do recorrente concluindo que ali não se tinham especificado as razões concretas da discordância e que assim se limitara o âmbito do recurso. Mas não deixou de dizer com clareza, sublinhando até os trechos adequados, que considerava verificados todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de profanação de cadáver. O modo como o fez contraria de forma óbvia e especificada a tese do recorrente de que o lençol com que o corpo foi coberto não fora usado para ocultar o cadáver. Onde o acórdão recorrido colocou o acento tónico para ter como praticado o crime foi, como já fora feito na decisão da primeira instância, no facto de o corpo ter sido colocado num forno, e, aí, no interior do respectivo dispersor de calor situado a 1m e 54 cm a partir do solo e ainda no facto provado de que «agiu com o propósito concretizado» de ocultar o corpo bem sabendo que essa conduta era proibida e punível. Como aliás refere a Sra. Procuradora-Geral Adjunta se houve uma alteração dos factos provados desaparecendo as referências ao lençol de que se dizia na acusação que o recorrente se tinha munido é óbvio que o acórdão recorrido não poderia ser usar esse facto para ter como verificado do crime. É, pois, evidente que o acórdão recorrido não deixou de se pronunciar sobre a existência do crime – sendo essa a questão relevante para a decisão da causa – e o modo como o fez é, repete-se, a afirmação do contrário do que o recorrente invocara. O art. 254º, nº 1 C. Penal dispõe para o que interessa que é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa quem «sem autorização de quem de direito, subtrair, destruir ou ocultar cadáver ou parte dele, ou cinzas da pessoa falecida. Visa-se a protecção de um sentimento moral colectivo de respeito pelos defuntos independentemente de qualquer conotação religiosa ou de fé protegendo um bem jurídico imaterial[14]. Visa-se proteger o respeito devido pelo cadáver de uma pessoa[15]. É essa, aliás, a epígrafe da Secção (III) do Título IV (“Dos crimes contra a vida em sociedade” ) em que se integra aquela disposição: “Dos crimes contra o respeito devido aos mortos” Assim a acção deve consistir em subtrair, destruir ou ocultar «de tal modo que impeça que se dê ao cadáver o destino normal com a consequente manifestação de sentimentos (sociais ou religiosos) para com as pessoas falecidas – ou mais especificamente, para com uma concreta pessoa falecida»[16]. Perante os factos apurados não resta dúvida de que eles integram os elementos típicos descritos pois a conduta do recorrente teve uma consequência objectiva que foi essa ocultação do cadáver por um longo período, como já sublinhado. Improcede, pois também nesta parte o recurso do recorrente.
*
6. – Finalmente, manifesta o arguido a sua discordância em relação à medida da pena considerando que esta se deveria fixar em não mais de nove anos de prisão. Fá-lo, porém, partindo de pressupostos (cfr conclusão 17ª) que se viu já não poderem ser contemplados que são o de a sua conduta integrar um crime de homicídio “simples” do art. 131º C. Penal e de ser absolvido do crime de profanação de cadáver. Além da pertinência de se manter aplicado o regime especial para jovens delinquentes matéria que vai ainda ser objecto de apreciação. Improcede pois também este segmento do seu recurso.
*
7. – Quanto ao recurso interposto pela assistente constata-se que este acaba por se apresentar mais como uma simples reacção àquele que foi interposto pelo arguido do que propriamente como uma peça processual com suscitação de argumentos ou razões próprias de discordância em relação à decisão recorrida ressalvada unicamente aquela que para o Supremo Tribunal se apresenta como barreira inultrapassável que é a da matéria de facto. É que nas conclusões 1ª a 17ª apenas são aduzidas considerações sobre a matéria de facto fixada discordando das alterações que no âmbito do recurso interposto para o Tribunal da Relação de ... foram introduzidas no acórdão ali proferido e da reapreciação da prova que nele teve lugar entendendo-se que a análise que dessa prova foi feita pelo tribunal de 1ª instância deveria prevalecer. Ora, como está por demais assente, essa matéria de facto fixada pelas instâncias não pode ser posta em causa perante este Supremo Tribunal limitado como está à apreciação de matéria de direito de acordo com o disposto no art. 434º do Código de Processo Penal (CPP) sendo certo ainda conforme sua jurisprudência unânime e reiterada que conquanto nessa disposição se faça alusão ao disposto no art. 410º, nºs 2 e 3 do mesmo diploma, o conhecimento dos vícios a que ali se alude está subtraído à alegação dos recorrentes (o que, de resto, nem sequer é o caso) e, como tal, não pode constituir fundamento de recurso. Já nas conclusões 18ª a 21ª a assistente limita-se a manifestar a sua concordância com a qualificação jurídica feita pelo tribunal de 1ª instância que o Tribunal da Relação de ... não modificou nem no tocante à qualificação do crime de homicídio como “simples” nem em relação ao crime de profanação de cadáver pelo qual o recorrente foi condenado. Finalmente, nas conclusões 22ª a 27ª a assistente manifesta a sua discordância com a aplicação do regime penal especial para jovens previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, que conduziu à atenuação especial das penas parcelares impostas ao arguido. Fá-lo ainda assim assumindo essa discordância uma feição reactiva à pretensão oposta do arguido tanto que começa a conclusão 22ª do seguinte modo: «Por último, sustenta o recorrente …». A questão da desaplicação do citado regime especial é também alvo de discussão no âmbito do recurso interposto pelo Ministério Público pelo que dela se tratará infra.
*
8. – Como é sabido o regime especial para jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos que está consagrado no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, teve em vista a regulação do princípio consagrado no art. 9º do C. Penal que fixou orientação segundo a qual esses jovens adultos beneficiam da aplicação de normas especiais. Nele assume especial relevância concreta o art. 4º de acordo com o qual se for aplicável pena de prisão deve o juiz atenuar especialmente essa pena quando tiver razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Como se deixou bem claro no preâmbulo daquele diploma «trata-se, em suma, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção» (negrito acrescentado). Os objectivos deste regime radicam pois em «relevantes interesses públicos e de política criminal» e «estão relacionados com as conhecidas características das fases de desenvolvimento dessas idades que integram períodos de intensa reorganização dialéctica implicando frequentemente vulnerabilidade biológica, psíquica e social. Vulnerabilidade que sublinha a importância, no interesse individual e comunitário, de se tentar proporcionar ao jovem, tanto quanto possível, uma moratória de ajustamento social, facilitando e promovendo condições de ressocialização responsabilizante, mas com o menor risco possível de estigmatização O que passa pela cautela de não se encarar a reacção à passagem ao acto em função da consideração excessiva do plano do desvalor objectivo desse acto (…) o Tribunal, ao fazer o juízo sobre a aplicabilidade dessa disposição [citado art. 4º, interpolação] prescrevendo a atenuação especial não pode atender de forma exclusiva ou desproporcionada à gravidade da ilicitude ou da culpa do arguido»[17] (negritos acrescentados). Reconhecendo-se de forma pacífica na jurisprudência que o regime do art. 4º não é de aplicação automática esta proposta de sopesar moderadamente a gravidade da ilicitude e da culpa já apelidada de “solução de compromisso”[18] afigura-se a que permite um mais adequado manejamento do instituto da atenuação especial. Na verdade, há diferenças a este respeito consoante a consideração dos moldes em que, nessa análise do caso, se deverá ponderar a natureza, a gravidade do crime e o seu modo de execução. Assim, de um lado entende-se que as necessidades de reprovação e de prevenção do crime com avaliação desses aspectos podem arredar a aplicação do regime especial que «só pode ocorrer quando o tribunal tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente e, simultaneamente, se considerar a atenuação compatível com as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e garantia de protecção dos bens jurídicos (…) no juízo a formular sobre a aplicação do regime penal em causa devem ser tidas em conta todas as circunstâncias ocorrentes atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades da pena, tendo presentes a personalidade do delinquente e suas condições pessoais»[19]. Porém, em contraponto, considera-se que «a atenuação especial da pena prevista no art. 4° do DL 401/82 não se funda nem exige “uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente” nem, contra ela, poderá invocar-se “a gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade”. Pois que, por um lado, a lei não exige - para que possa operar – a “demonstração de” (mas a simples “crença em”) “sérias razões” de que “da atenuação resultem vantagens para a [sua] reinserção social” (cfr. STJ 27-02-2003, recurso 149/03-5). E já que, por outro, “a atenuação especial da pena a favor do jovem delinquente não pressupõe, em relação ao seu comportamento futuro, um “bom prognóstico”, mas, simplesmente, um “sério” prognóstico de que dela possam resultar “vantagens” para uma (melhor) reinserção social do jovem condenado»[20]. Qual parece ser a vantagem da mencionada “solução de compromisso” ou solução intermédia? Sem deixar de salvaguardar as exigências de prevenção geral ligadas à protecção dos bens jurídicos e à reafirmação da validade das normas violadas não desaplicar o regime com base na gravidade da conduta, na culpa muito acentuada ou numa expressiva ilicitude pois não são nem o facto nem a culpa os pressupostos adequados para decidir da aplicabilidade do regime[21] mas não deixar de os ponderar, outrossim, até como elementos adjuvantes na avaliação da personalidade do jovem, para definir os seus contornos, que possam revelar (ou não) uma tendência borderline ou uma qualquer compulsão do carácter que induza a inexistência de razões sérias para a atenuação e assim desaconselhe a benevolência. Procurar, ao cabo e ao resto, seguir uma linha já proposta de sobrelevar um juízo prudencial que logre atingir uma solução conciliatória entre a exigência colectiva de perseguibilidade penal, que não será contudo de sobrepujar a outrance, e a do desenvolvimento tanto quanto possível sem marcas inultrapassáveis para a vida futura do jovem[22] o que significa, afinal, centrar esse juízo no prognóstico favorável sobre as vantagens da atenuação especial para a reinserção social do jovem adulto. Em rigor, se não há como desligar o facto do agente, se existe uma «conexão objectiva de sentido» e por essa via uma censura da atitude ético-pessoal da conduta ilícita também se não poderá fazer uma genuína “tábua rasa” das dimensões da ilicitude e da culpa das quais se pode induzir até alguma orientação de qual seja o estádio de desenvolvimento psicossomático do jovem adulto. Dito isto. Não resta dúvida sobre a extrema gravidade da conduta do arguido em que o conteúdo da ilicitude e o conteúdo da culpa são elevados a ponto de se ter concluído que o homicídio é qualificado. Sobre isto nada mais haverá a sublinhar. E também é certo que os factores atenuativos de carácter geral posteriores ao crime como o arrependimento ou algum tipo de reparação são inexistentes. Por outro lado, resulta dos factos provados que na origem da sua conduta esteve o inconformismo pelo fim da relação de namoro com a vítima assim com também resulta que o arguido revela necessidades de intervenção para desenvolvimento de competências pessoais e sociais, designadamente de gestão de emoções, de conflitos, tolerância à frustração o que sobretudo evidencia, crê-se, um nível acentuado de imaturidade da sua personalidade com reflexo na capacidade de auto-controle mais do que um “potencial de delinquência” capaz de alicerçar um prognóstico desfavorável sobre a sua reinserção. Mas resulta também que: - o arguido está inserido num agregado familiar estruturado com uma funcional e organizada, balizada por regras e princípios bem definidos e relações intrafamiliares baseadas no respeito e afecto recíprocos que o tem apoiado no estabelecimento prisional; - Teve um percurso escolar normal concluído com sucesso no qual se revelou aluno empenhado, motivado, confirmando os professores adequação do seu perfil para a área de aprendizagem; - Depois de um início de actividade profissional irregular passou a ter um contrato de trabalho a tempo inteiro sendo que no meio laboral o arguido era tido como funcionário responsável, educado, humilde e controlado; - O núcleo familiar em que continua integrado é referido como exemplar sendo o arguido descrito por vizinhos e amigos como um jovem sociável, educado, respeitador e com um estilo de vida caseiro. Salvo o devido respeito não é por o arguido, num dado momento, ter desaproveitado, digamos assim, o ambiente socialmente favorável que o envolveu que se há-de inferir como propõe o Ministério Público na sua qualidade de recorrente que não há «utilidade» em perseguir o objectivo de o manter nesse registo porque daí já não advirá qualquer vantagem como já não adveio (cfr conclusão 10ª da sua motivação). Se realmente a orientação preferencial é a de fazer valer um direito mais reeducador e ressocializador a razão está com o acórdão recorrido quando salienta que as circunstâncias do crime «apenas reflexamente deverão ser ponderadas» e que são valiosas aquelas outras já mencionadas de natureza pessoal que criam fundada expectativa de que a atenuação da pena que foi feita o ajudará a ultrapassar com êxito as dificuldades que lhe foram detectadas. Dito de outro modo e com lhaneza: do que o arguido precisa é de mais apoio e não de menos como é proposto. Improcedem, pois nesta parte os recursos da assistente e do Ministério Público.
*
9. – Resta abordar o pedido do Ministério Público para que as penas parcelares correspondentes a cada um dos crimes sejam agravadas. A proposta é a de que o crime de homicídio qualificado, no caso de se manter a atenuação especial das pena por aplicação do art. 4º do Dec. Lei nº 401/82, seja punido com pena de 15 anos de prisão e o crime de profanação de cadáver com pena de 10 meses de prisão embora não seja apresentada nenhuma razão para este pedido senão como decorrência da eventual improcedência do pedido de manutenção das penas impostas na 1ª instância. Não se afigura que assista razão ao recorrente. A moldura penal abstracta em consequência da atenuação especial nos termos previstos no art. 73º do C. Penal é a seguinte: - prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses para o crime de homicídio qualificado e - prisão de 30 dias a 1 ano e 4 meses para o crime de profanação de cadáver (desconsiderando a possibilidade de imposição de pena de multa). Ora, as penas impostas pelo TR ... situam-se já muito acima do patamar médio das respectivas molduras em nome das elevadas exigências de prevenção geral positiva ou de integração sobrecarregadas pelo notório e crescente alarme social que vêm causando comportamentos violentos decorrentes da frustração provocada pelo rompimento de relações afectivas, o mesmo é dizer com um especial impacto negativo provocado na paz jurídica. Sem escamotear a gravidade extrema dos ilícitos e a gravidade da reprovação que deve ser dirigida ao arguido – aqui sim, sem tergiversar, na determinação da medida concreta das penas – e também a enormidade do dano causado entende-se não obstante estarem suficientemente acauteladas essas exigências com as penas impostas na decisão recorrida. Improcede, pois, a pretensão do recorrente.
*
10. – Em face do que se nega provimento aos recursos interpostos pela assistente BB, pelo Ministério Público e pelo arguido AA. Pagarão o arguido e a assistente, cada um, 5 (cinco) UC de taxa de justiça (arts. 513º, nº 1 e 515º, nº 1, al. b) CPP).
Feito e revisto pelo 1º signatário. Lisboa, 12 de Maio de 2016 -------------
|