Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00000182 | ||
Relator: | ARAÚJO DE BARROS | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL PRAZOS CONTAGEM DOS PRAZOS PRESCRIÇÃO INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO RECONHECIMENTO DA DÍVIDA | ||
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Nº do Documento: | SJ200204180009507 | ||
Data do Acordão: | 04/18/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 8106/01 | ||
Data: | 11/15/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Decisão: | ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO. | ||
Área Temática: | DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR RESP CIV. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 309 ARTIGO 325 N1 ARTIGO 498 N1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1996/03/12 IN BMJ N445 PAG441. ACÓRDÃO STJ DE 1973/11/27 IN RLJ ANO110 PAG296. ACÓRDÃO STJ DE 1983/10/06 IN BMJ N330 PAG495. ACÓRDÃO STJ DE 1985/11/05 IN BMJ N355 PAG190. ACÓRDÃO STJ DE 1976/03/09 IN BMJ N259 PAG114. ACÓRDÃO STJ DE 1989/06/20 IN BMJ N388 PAG576. ACÓRDÃO STJ DE 1998/12/03 IN BMJ N482 PAG211. ACÓRDÃO STJ PROC1983/01 DE 2001/12/13. | ||
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Sumário : | I - Os prazos de prescrição, de direito a indemnização, por responsabilidade civil extra-contratual, são os fixados, no artigo 498, n. 1, do C.C. e, como excepção ao prazo prescricional ordinário, do artigo 309, do mesmo diploma substantivo. II - Quando se determina que tal prazo, se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se, apenas, que se conta a partir da data em que conhecendo, a verificação dos pressupostos, que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não, da consciência, da possibilidade legal, do ressarcimento. III - Tal prazo, de 3 anos, todavia, só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos, se se tratar de um facto continuado. IV - As obrigações futuras, porém e ainda, só prescrevem, no prazo de três anos, contados, do momento em que cada uma seja exigível, ou conhecida pelo lesado. V - Tal prescrição, é interrompida, ainda pelo conhecimento do direito, concreto que o lesado pretende vir a exercer. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: "Caixa Geral de Depósitos, SA" intentou, no Tribunal da comarca de Mafra, acção declarativa com processo ordinário contra A, mulher B, C e D, peticionando a condenação destes a pagarem-lhe a quantia de 3429818 escudos, acrescida de juros a partir da citação e até integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese, ser dona e legítima possuidora do prédio misto, cuja parte urbana se encontra inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Silveira, sob o art. 3.374º e a parte rústica inscrita sob os nº s 120º e 121º da Secção Y da mesma freguesia e registada na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, prédio esse que adquiriu em 6 de Maio de 1992 e que os réus, sem qualquer título legítimo continuaram a ocupar até 16 de Maio de 1995, ocupação que lhe causou prejuízos de que entende dever ser ressarcida. Contestaram os réus - além da defesa impugnatória deduzida - por excepção, invocando a prescrição do direito da autora à indemnização no período compreendido entre 6 de Maio de 1992 e 19 de Agosto de 1993. No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de prescrição do direito da autora, a que se seguiu a elaboração de especificação e questionário. Daquela decisão recorreram os réus, recurso recebido como de agravo, com subida diferida e efeito devolutivo. No prosseguimento dos autos, foi mais tarde proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo todos os réus do pedido. Da sentença apelou a autora, vindo, subsequentemente, em 15 de Novembro de 2001, a Relação de Lisboa a proferir acórdão no qual, conhecendo do agravo interposto pelos réus, considerou procedente a excepção de prescrição invocada, absolvendo, com tal fundamento, os agravantes do pedido, e abstendo-se de conhecer da apelação da autora, por prejudicada pela decisão relativa ao agravo. Interpôs, então, a Caixa Geral de Depósitos recurso de agravo na 2ª instância, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e sua substituição por outro que julgue improcedente a excepção de prescrição do direito à indemnização. Em contra-alegações sustentam os recorridos a bondade da decisão impugnada, pretendendo que seja negado provimento ao recurso. Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos legais, cumpre decidir. Nas alegações do agravo formulou a recorrente as seguintes conclusões (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. O decurso do prazo prescricional inicia-se a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização. 2. Para que comece a correr o prazo da prescrição, é de exigir o conhecimento, pelo lesado, de que é juridicamente fundado o direito à indemnização, dado que quem não tem esse conhecimento não sabe se pode exigir a indemnização, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo. 3. Assim, só a partir da data em que a agravante teve conhecimento que, no caso em apreço, se verificavam os pressupostos da responsabilidade civil, é que começa a correr o prazo prescricional. 4. Só em 21.12.94 (data do trânsito em julgado da sentença da acção de posse judicial avulsa) a agravante teve conhecimento que se verificavam os pressupostos da responsabilidade civil, que fundamentam o seu pedido indemnizatório. 5. Pelo que, forçoso é concluir que só a partir dessa data - 21.12.94 - é que começa a correr o prazo prescricional. 6. O facto da agravante ter tido conhecimento da ocupação do imóvel logo após a sua aquisição, ocorrida em 6.05.92, não releva para efeitos de início de contagem do prazo prescricional, pois a agravante não sabia se tinha, efectivamente, direito a requerer a indemnização agora peticionada. 7. É que tal direito só veio a tornar-se efectivo após a sentença de condenação na acção de entrega judicial de posse avulsa, que transitou em julgado apenas em 21.12.94. 8. Até esta data, desconhecia a agravante se os agravados possuíam ou não título legítimo para ocuparem o imóvel em causa, e que lhe fosse oponível. 9. A prescrição inicia, pois, a sua contagem, na data do conhecimento dos factos geradores do direito à indemnização, isto é, na data em que o titular do direito tomou efectivo e inquestionável conhecimento dos pressupostos da responsabilidade civil. 10. O acto lesivo dos direitos da agravante era um acto continuado, que se iniciou na data da aquisição do imóvel pela agravante, em 6.05.92, e se prolongou no tempo até 16.05.95, data da entrega efectiva das chaves do imóvel. 11. Ora, se considerarmos tal continuidade da ilicitude, teremos que só em 16.05.95 cessou a prática do acto ilícito, e, consequentemente, apenas a partir de tal data poderemos dar início à contagem do prazo prescricional. 12. Os próprios agravados sempre reconheceram a sua ocupação como ilegítima, tendo entabulado com a agravante negociações com vista à aquisição do imóvel em causa, negociações essas que decorreram até 4.03.96. 13. E já no decurso da acção de posse judicial avulsa os agravados vieram, de novo, apresentar propostas de aquisição à ora agravante, onde expressamente reconhecem a ilicitude da sua ocupação e se dispõem a indemnizar a agravante pelos seus prejuízos. 14. Nos termos do art. 325º do C. Civil, o reconhecimento do direito efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido, constitui motivo de interrupção da prescrição. 15. Logo, também por esta via ocorreu uma interrupção do prazo prescricional, por reconhecimento do direito, nos termos do art. 325º do C. Civil. 16. Consequentemente, aquando da distribuição da presente acção, em 6.08.96, ainda não havia decorrido o prazo prescricional de três anos, estabelecido pelo nº 1 do art. 498º do C. Civil. 17. Violou, pois, o acórdão recorrido, o disposto no nº 1 do art. 498º do C. Civil, por lhe conferir uma interpretação que não é conforme com a sua redacção e com o sentido da norma e com a jurisprudência existente. Os factos a que importa atender para a solução do recurso são os seguintes: a) - a agravante é dona do prédio misto, cuja parte urbana se encontra inscrita na matriz predial urbana da freguesia de Silveira, sob o art. 3.374º e a parte rústica inscrita sob os nº s 120º e 121º da Secção Y da mesma freguesia e registada na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, prédio esse que adquiriu, por aquisição em venda judicial, em 6 de Maio de 1992; b) - Os réus, que naquela data ocupavam o referido prédio, continuaram a ocupá-lo até 16/05/95, altura em que o entregaram à autora; c) - em 05/11/92 a autora remeteu aos réus a carta junta a fls. 17, que estes receberam em 19/11/92, dando-lhes conta da aquisição do prédio e comunicando-lhes que o deveriam desocupar e entregar no prazo de 30 dias; d) - em 15 de Abril de 1994 a autora enviou aos réus C e D a carta que está junta a fls. 53, em que, além do mais, lhes comunica que se poderá pôr à consideração superior a compra por eles do referido prédio desde que apresentem, no prazo máximo de 20 dias, uma proposta para o efeito; e) - a autora intentou contra os réus, no Tribunal Judicial de Torres Vedras, acção especial de posse judicial avulsa (nº 182/94, da 2ª secção do 1º juízo) na qual foi proferida, em 30 de Novembro de 1994, decisão que ordenou a investidura na posse efectiva à autora no que respeita ao prédio misto ... lavrando-se o competente auto. f) - em 19 de Abril de 1995 os réus remeteram à autora a carta de fls. 90, solicitando a prorrogação da entrega, ou solução via crédito à habitação, do prédio em causa até ao dia 31 de Maio e comunicando que se até essa data não for solucionada a questão procederão à entrega do prédio em 1 de Junho; g) - os réus, em 16 de Maio de 1995, entregaram o prédio à autora, conforme auto de entrega judicial constante de fls. 23; h) - a presente acção foi instaurada em 9 de Agosto de 1996, tendo o réu C sido citado em 15/10/96, o réu A em 21/10/96, a ré B em 22/10/96 e a ré D em 11/12/96. Importa, como única questão a apreciar no âmbito do recurso, saber se, como decidiu o acórdão recorrido, deve considerar-se prescrito o direito à indemnização peticionado pela agravante, ou se, pelo contrário, como esta defende, não ocorreu a referida prescrição. A autora fundamentou o pedido de condenação dos réus no pagamento de uma indemnização na responsabilidade civil extracontratual derivada da prática por estes de facto ilícito, violador do seu direito de propriedade - a ocupação ilegítima do prédio que adquiriu em 6 de Maio de 1992 - de que para ela resultaram danos patrimoniais (art. 483º, nº 1, do C.Civil). Ora, estabelece o nº 1 do art. 498º do citado código que "o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso". Sustenta a agravante que o facto de ter tido conhecimento da ocupação do prédio pelos réus logo após a sua aquisição não releva para efeitos de início de contagem do prazo prescricional, uma vez que não sabia se tinha, efectivamente, direito a requerer indemnização; donde, só a partir da data em que tal direito veio a tornar-se efectivo, com a prolação da sentença de condenação na entrega (21/12/94), é que se iniciou a contagem do prazo de prescrição daquela norma do art. 498º, nº 1, do C.Civil. Não tem, no entanto, a nosso ver, qualquer razão. Seguindo a tendência dos mais recentes códigos de reduzirem os prazos de prescrição do direito a indemnização por responsabilidade civil extracontratual (1), também o nº 1 do art. 498º do C.Civil veio, como excepção ao prazo prescricional ordinário (art. 309º) estabelecer para tais casos uma prescrição de mais curto prazo. E veio, na sequência da legislação germânica, fixar o início da contagem do prazo no momento em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora - e afastando-se aqui daquela (2) - com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos. Quando determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito quer o preceito em causa significar que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento. (3) Assim, o lesado tem conhecimento do direito que invoca - para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição - quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil (4), ou melhor, "o início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o acto foi praticado ou omitido por alguém - saiba ou não do seu carácter ilícito - e dessa prática ou omissão resultaram para si danos". (5) In casu, tendo a autora adquirido o prédio através de venda judicial, em 6 de Maio de 1992, altura em que sabia que os réus o ocupavam (não importa se até então legítima ou ilegitimamente), logo em 15 de Novembro do mesmo ano remeteu ao réu A, a carta junta a fls. 17, comunicando-lhe nomeadamente que "num prazo máximo de 30 (trinta) dias a contar da recepção do presente ofício deve proceder à desocupação e à consequente entrega", bem como advertindo-o de que "o não cumprimento do prazo acima estabelecido implicará o desencadear por parte desta Caixa de diligências por via judicial com vista à tomada efectiva de posse da moradia em questão e consequente ressarcimento das perdas e danos que tal ocupação tem vindo a causar". Assim, é evidente que logo na altura da aquisição teve a autora conhecimento da ilegitimidade posterior da ocupação dos réus - situação que reforçou com a remessa da carta de fls. 17. Sendo completamente irrelevante, para o efeito do conhecimento dos pressupostos da responsabilidade dos réus, que a mesma autora tenha vindo, mais tarde, a propor acção de posse judicial avulsa e de, nessa acção, terem os réus sido condenados a restituir-lhe o prédio. Com efeito, os elementos fácticos do direito à indemnização eram já conhecidos dela desde, pelo menos, a data em que adquiriu o prédio e dele se tornou proprietária. Donde, sem dúvida, foi nessa data de 6 de Maio de 1992 que se iniciou a contagem do prazo de prescrição previsto no nº 1 do art. 498º do C.Civil, razão pela qual, quando a presente acção foi proposta, em 9 de Agosto de 1996, se encontrava prescrito o direito da autora (sem embargo de, como adiante veremos, essa prescrição não abranger toda a indemnização peticionada). Entende, ainda, a autora que se verificou o reconhecimento pelos réus do seu direito, quer com ela entabulando negociações com vista à aquisição do prédio (negociações que decorreram até 4 de Março de 1996), quer através da apresentação, no decurso da acção de pode judicial avulsa, de propostas de aquisição à autora em que expressamente reconhecem a ilicitude da sua ocupação e se dispõem a indemnizar a agravante pelos seus prejuízos. Sem dúvida que o art. 325º, nº 1, do C.Civil estabelece que a prescrição é interrompida pelo reconhecimento do direito efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido. Por exemplo, se os réus, em documentos particulares, reconhecem unilateralmente a sua responsabilidade no ilícito praticado e se responsabilizam a pagar a indemnização que vier a ser apurada, tal reconhecimento pode valer como acto interruptivo da prescrição do direito a indemnização, nos termos daquele art. 325º, nº 1. (6) Não podemos, porém, e até pelo exemplo dado, deixar de entender que o reconhecimento a que alude o referido nº 1 do art. 325º tem que se reportar ao direito concreto que o lesado pretende vir a exercer. Na verdade, a interrupção da prescrição limita-se ao direito que se faz valer, apenas sendo de admitir as excepções fundadas na lei ou nos princípios gerais, como resulta do disposto nos arts. 323º e seguintes do Código Civil. (7) Ora, no caso sub judice são coisas diferentes - e com diversas consequências - o reconhecimento do direito à restituição do prédio à autora e o reconhecimento do direito dela à indemnização, sendo óbvio que só este último produzirá efeito interruptivo do prazo prescricional. E não existem nos autos elementos que nos permitam considerar ter havido da parte de qualquer dos réus reconhecimento do direito a indemnização por parte da autora (cfr. docs. de fls. 53, 81, 127, 128, 129, 134, 135 e 136, que apenas revelam comportamentos de ambas as partes - mas especialmente da parte dos réus - traduzidos em negociações para uma eventual aquisição por estes do prédio em causa). Mesmo os documentos de fls. 135 e 136, em que os réus admitem uma eventual exigência de pagamento pela autora de uma verba pecuniária, sempre referem tal verba como respeitante a rendas e sempre subordinam o seu possível pagamento à compensação efectuada na venda do prédio pela Caixa ao Senhor E. Por isso, e sendo até muito duvidoso que esta questão pudesse ter sido apenas suscitada em sede de recurso (a contra-excepção da autora à defesa por excepção dos réus deve ser deduzida na réplica, em obediência ao preceituado no art. 502º do C.Proc.Civil, sob pena de preclusão (8)), temos que concluir que não houve interrupção, por reconhecimento dos réus, do prazo de prescrição do direito da autora à indemnização que peticionou. Já quanto ao último argumento utilizado (continuidade do acto ilícito praticado pelos réus) parece-nos razoável a pretensão da agravante, pelo menos em parte. Dir-se-á, desde logo, e a talhe de foice, que o acórdão recorrido violou o preceituado no art. 661º do C.Proc.Civil, quando julgou procedente a excepção de prescrição (sem quaisquer restrições há-de entender-se, como aliás se infere do facto de ter absolvido os réus do pedido - logicamente de todo o pedido), na medida em que os réus, na contestação, apenas pretenderam ver declarado prescrito o direito à indemnização eventualmente devida pela ocupação do prédio da autora, correspondente ao período compreendido entre 6 de Maio de 1992 e 19 de Agosto de 1993. Em todo o caso, é verdade que somente o direito à indemnização correspondente a tal período (dando de barato a nulidade cometida porque não invocada expressamente pela agravante) estaria prescrito. Com efeito, toda a indemnização tem como pressuposto a prática de um acto gerador de responsabilidade e a verificação de um dano do lesado. Ora, o facto só se torna danoso quando o dano efectivamente se produz. Donde decorre que, em relação aos danos não verificados à data em que ocorreu o facto ilícito (designadamente se este é, como na situação em apreço, um facto continuado) o prazo de prescrição de três anos só começa a contar a partir do momento em que o lesado tomou conhecimento da produção efectiva desses novos danos. (9) É que, sem qualquer dúvida, as obrigações futuras só prescrevem no prazo de três anos contados do momento em que cada uma seja exigível (ou conhecida) pelo lesado. (10) Assim, os danos alegadamente sofridos pela autora não se verificaram na globalidade pelo simples facto da ocupação do prédio pelos réus em 6 de Maio de 1992. Em cada dia de ocupação um novo dano terá ocorrido. Daí que dos danos sofridos pela ocupação do prédio no dia 20 de Agosto de 1993 a autora só nessa data teve conhecimento, porque só então surgido, tal como do dano verificado pela ocupação em 21 de Agosto só houve conhecimento da autora nessa mesma data, e assim sucessivamente até à cessação da ocupação. E, em consequência, aliás tal como os próprios réus haviam configurado a invocação da excepção, não pode considerar-se prescrito o direito da autora à indemnização pelos danos derivados da ocupação pretensamente ilícita do prédio pelos réus, desde que nascidos em data posterior a 19 de Agosto de 1993, uma vez que a presente acção foi intentada em 9 de Agosto de 1996, portanto menos de três anos depois da ocorrência e conhecimento dos danos decorrentes da ulterior ocupação. Sem embargo de, no tocante aos danos ocorridos em consequência da ocupação anterior - e aqui ao contrário da opinião da agravante - o prazo tenha começado a contar-se do momento em que a autora deles teve conhecimento, correndo independentemente da verificação de novos factos e danos, por forma a termos que os considerar abrangidos pela prescrição, isto é, prescritos em virtude do decurso de três anos até à data em que o direito foi exercido (propositura da acção, com interpelação dos réus através da citação). Esta conclusão implica que a Relação decida da apelação, na parte em que não ocorreu a prescrição do direito da autora, por não se mostrar, ao contrário do que foi decidido no acórdão recorrido, nessa parte, prejudicado o seu conhecimento. Pelo exposto, decide-se: a) - julgar em parte procedente o recurso de agravo interposto pela autora "Caixa Geral de Depósitos; SA"; b) - revogar parcialmente o acórdão recorrido, considerando prescrito o direito da autora apenas quanto à indemnização peticionada e correspondente aos danos alegadamente corridos entre 6 de Maio de 1992 e 19 de Agosto de 1993; c) - ordenar a baixa dos autos para que o Tribunal da Relação conheça do recurso de apelação da autora, quanto à parte dos danos não abrangida pela prescrição; d) - condenar ambas as partes nas custas do recurso, bem como a suportarem as custas devidas nas instâncias, na proporção do vencimento que a final venha a constatar-se. Lisboa, 18 de Abril de 2002. Araújo de Barros, Oliveira Barros, Miranda Gusmão. ----------------------------------------- (1) O Código Civil italiano determina que o direito à reparação do dano derivado de facto ilícito prescreve em cinco anos, contados do dia em que o facto ilícito se verifica (art. 2947º, nº 1). Por seu turno, o Código Civil alemão estatui que a pretensão por delito prescreve no prazo de três anos contados do momento em que o lesado teve conhecimento do dano e da pessoa obrigada a indemnizar (§ 852º). (2) E também do Anteprojecto do Prof. Vaz Serra em que se previa que "o direito à indemnização resultante de acto ilícito prescreve por três anos contados da data em que o lesado teve conhecimento desse direito e da pessoa do responsável" (in BMJ nº 101, pag. 143). (3) Cfr. Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", vol. I, 6ª edição, Coimbra, 1989, pag. 596, bem como a jurisprudência aí citada (sobretudo os Acs. STJ de 27/11/73, in RLJ Ano 110º, pag. 296 - relator Arala Chaves - e de 06/10/83, in BMJ nº 330, pag. 495 - relator Moreira da Silva). Cfr. ainda, no mesmo sentido, o Ac. STJ de 12/03/96, in BMJ nº 455, pag. 441 - relator Martins da Costa. (4) Ac. STA de 05/11/85, in MBJ nº 355, pag. 190 (relator Tinoco de Faria). (5) Abílio Neto, in "Código Civil Anotado", 13ª edição, Lisboa, 2001, pag. 544. (6) Cfr. Ac. STJ de 09/03/76, in BMJ nº 259, pag. 114 (relator Acácio Carvalho). (7) Vaz Serra, in RLJ Ano 112º, pag. 291. (8) Ac. STA de 20/06/89, in BMJ nº 388, pag. 576 (relator Amâncio Ferreira). (9) Ac. STJde 03/12/98, in BMJ nº 482, pag. 211 (relator Ferreira Ramos). (10) Ac. STJ de 13/12/2001, no Proc. 1983/01, da 1ª secção (relator Reis Figueira). |