Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO | ||
| Descritores: | PRINCÍPIO DA IGUALDADE TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL TURNOS RETRIBUIÇÃO CÁLCULO SUBSÍDIO DE TURNO FACTOS PROVADOS ANTIGUIDADE DISCRIMINAÇÃO INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 10/15/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | I - Para efeitos de confrontação e equiparação do trabalho desenvolvido pelo Autor recorrido com o do ex-colega J., a factualidade dada como assente [idêntica categoria profissional de ambos, estando as funções respetivas descritas no contrato de trabalho do Recorrido, na regulamentação coletiva aplicável também indicada nos autos e em alguns Pontos de Facto, mesmos períodos normais de trabalho, horários da trabalho por turnos alternados e local de trabalho], é suficiente para o julgador, em termos de normalidade e de acordo com as regras da experiência comum, concluir pela existência ou inexistência de uma cenário laboral de correspondência ou equivalência entre umas e outras, por referência aqueles assalariados em concreto. II - Da leitura das posições assumidas pelo Autor e pela Ré nos seus articulados ressalta com nitidez que a empregadora não discorda da identidade existente entre o quadro funcional daquele e do ex-colega J., situando-se a correspondente defesa quanto a este na sua maior antiguidade e nas razões muitos particulares para o seu diferente estatuto remuneratório, quanto ao trabalho desenvolvido nos sábados e domingos. III - A maior antiguidade do ex-trabalhador J. por referência à antiguidade do Autor recorrido, não explica o distinto estatuto remuneratório existente, designadamente, porque, do que resulta do teor da contestação vista no seu conjunto, não foram razões de antiguidade que determinaram tal diferenciação. IV - É de desconsiderar juridicamente as dificuldades momentâneas ou pontuais de contratação de mão de obra por parte da empresa antecessora da Ré, dado as mesmas não constituírem fundamento suficientemente relevante, pela sua duração temporal, impacto espacial e/ou pelo seu cariz extraordinário, imprevisível, urgente, fora do normal, justificar, objetiva e razoavelmente, a discriminação salarial dos autos. V - Nada nos autos nos diz que a majoração de 100% de que beneficiava J. e outros 5 colegas seus proporcionava um valor pecuniário superior ao subsídio de turno auferido pelo Autor e correspondente ao mesmo período mensal, a não ser o facto de a referida «Majoração» de 100%, ter sido desdobrada, desde janeiro de 2023, em duas prestações, sendo uma delas o «Subsídio de Turno» [ST], o que aponta no sentido do respetivo montante e ser superior ao valor deste último, implicando a restante importância a sua conversão no “Complemento Tutoria”. VI – É manifesta a exigência da alegação e prova de que a prestação auferido pelo trabalhador ou trabalhadores beneficiados com a discriminação salarial tem de ter, por norma, um valor pecuniário superior ao da prestação alternativa recebida pelo trabalhador prejudicado e que invoca a referida discriminação remuneratória, pois, em regra, não faz sentido invocar a mesma com base apenas nas distintas formas de retribuição dos assalariados em confronto, independentemente das importâncias pecuniárias em jogo. VII - As partes, bem como as instâncias partem desse pressuposto, podendo admitir-se que tal conclusão é intuitiva, na sequência do confronto entre a quantificação do subsídio de turno que consta do contrato de trabalho do Autor [15% ou 25% sobre o valor da Retribuição-Base [RB], consoante o mesmo faça dois ou três turnos durante o fim de semana] e a majoração de 100% sobre cada hora de trabalho executada durante esse mesmo período, mas não apenas o montante mensal do subsídio de turno sofreu ao longo dos anos um aumento de percentagem e de valor, que parece fixar-se já numa importância que ronda a percentagem de 45% da RB em 2023, como fica ainda por determinar como se processava em concreto a dita «majoração», dado não haver concordância entre as partes quanto a tal fórmula de cálculo, não esclarecendo a Ré como era a mesma era liquidada aquele pequeno grupo de 6 trabalhadores que dela beneficiavam. VIII - Feitos tais cálculos relativamente a alguns períodos temporais, assiste-se aqui a variações quantitativas entre os valores já pagos e os devidos [que geralmente são superiores, como resulta do apuramento por amostragem que deixámos efetuado] que justificam a condenação ilíquida da Ré nos termos em que foram determinados pelo Tribunal da Relação de Guimarães: «1. Condenar a Ré “S”. a pagar ao Autor “A”., a quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação de sentença devida pelas horas de trabalho prestado efetivamente aos sábados e domingos até dezembro de 2022, considerando a majoração de 100 % na remuneração relativa ao tempo de trabalho, atendendo ao valor da hora de trabalho e deduzido o valor do subsídio de turno pago, acrescida de juros de mora legais a contar da citação.» | ||
| Decisão Texto Integral: | RECURSO DE REVISTA N.º 7538/23.0T8VNF.G1.S1 (4.ª Secção) Recorrente: SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA. Recorrido: AA (Processo n.º 7538/23.0T8VNF – Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo do Trabalho de ...) ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I – RELATÓRIO 1. AA intentou, no dia 5/12/2023, contra SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA. ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, peticionando: “E nos melhores de Direito que V.ª Ex.ª Doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente por provada, e, em consequência, ser a Ré condenada a: a) Reconhecer o contrato de trabalho do Autor como contrato sem termo; b) Ser a Ré condenada por violação do Princípio da Igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição Portuguesa e concretizado nos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 1 do Código do Trabalho e 59º, n.º 1 alínea a) da Constituição da República Portuguesa e repondo a situação laboral do Autor, nos termos legais, devendo ser condenada a pagar as diferenças que se vencerem até efetivo cumprimento; c) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor o montante de € 51.881,59, a título de diferenças salariais devidas e não pagas; d) Ser a Ré condenada a pagar juros, à taxa legal, contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento; e) Deve a Ré ser condenada em custas e demais legal”. Foi por este Autor fixado, no final da sua petição inicial, o valor de € 51.881,59 à respetiva ação. * 2. BB intentou, no dia 6/12/2023, contra SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA. ação declarativa de condenação com processo comum (Proc. n.º 7549/23.5T8VNF – apenso A), peticionando: “E nos melhores de Direito que V.ª Ex.ª Doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente por provada, e, em consequência, ser a Ré condenada a: a) Reconhecer o contrato de trabalho do Autor como contrato sem termo; b) Ser a Ré condenada por violação do Princípio da Igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição Portuguesa e concretizado nos artigos 23,º, n.º 1, 25.º, n.º 1 do Código do Trabalho e 59.º, n.º 1 alínea a) da Constituição da República Portuguesa e repondo a situação laboral do Autor, nos termos legais, devendo ser condenada a pagar as diferenças que se vencerem até efetivo cumprimento; c) Ser a Ré condenada a pagar ao Autor o montante de € 23.971,56, a título de diferenças salariais devidas e não pagas; d) Ser a Ré condenada a pagar juros, à taxa legal, contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento; e) Deve a Ré ser condenada em custas e demais legal”. Foi por este Autor fixado, no final da sua petição inicial, o valor de € 23.971,56 à respetiva ação. * 3. Por despacho de 22.12.2023 proferido na Audiência de Partes foi determinada a apensação do processo n.º 7549/23.5T8VNF (apenso A). * 4. Os Autores alegam, em síntese, que através de contratos outorgado em 23/01/2015 [o primeiro Autor] e 31/1/2019 [o segundo Autor], foram contratados pela “Empresa 1”, a quem a Ré sucedeu, em janeiro de 2020, desempenhando as funções de operadores de máquinas, cumprindo um horário de trabalho, em regime de turnos alternados, mediante o pagamento de uma remuneração base mensal que, à data da propositura da ação, se cifrava, para o primeiro Autor em € 983,13, a que acrescia o valor de € 44,40 a título de diuturnidades e € 442,41 de subsídio de turno e para o segundo Autor em € 926,61, a que acrescia o valor de € 312,60 de subsídio de turno. Sucede que existem trabalhadores da Ré, designadamente o trabalhador CC, que exercem as mesmas funções, cumprindo o mesmo horário e turnos, e prestando o seu trabalho com igual natureza e duração, e relativamente aos quais a Ré, ao invés de pagar um subsídio de turno pelas horas trabalhadas aos fins de semana, paga-lhe uma majoração correspondente a um acréscimo de 100 % da remuneração das horas trabalhadas e prestadas aos sábados e domingos, pretendendo que a Ré lhe pague as diferenças salariais advenientes da discriminação salarial descrita. * 5. A Ré, que foi regularmente citada, contestou as duas ações, pugnando pela improcedência das mesmas, para o que alegou, essencialmente, que os Autores não têm direito às diferenças salarias referentes à majoração de fim de semana porquanto o colega CC apenas auferia a remuneração adicional de 100 % por trabalho prestado aos fins-de-semana porque tal acréscimo foi acordado há mais de 17 anos entre a Empresa 1 com um grupo muito restrito de trabalhadores (6 apenas), que não recebia subsídio de turno e que se ficou a dever ao facto de à data, se verificar uma enorme dificuldade em encontrar trabalhadores para laborar durante os fins-de-semana, sendo o pagamento do acréscimo de 100% por trabalho prestado ao Sábado e ao Domingo um mecanismo gizado pela Empresa 1 para motivar os trabalhadores a prestar trabalho normal nesses dias e que se manteve aquando da transmissão dos contratos de trabalho para a Ré, porque esta estava obrigada a manter os direitos contratuais adquiridos. Ademais, alegou que o trabalhador CC já não é trabalhador da Ré desde 30/04/2023 e que, desde janeiro de 2023, deixou de existir a majoração de fim de semana, passando a ser regulado, em duas prestações, uma, que passou a ser designada por “Subsídio de Turno”, tal como sucede com todos os demais trabalhadores desta categoria profissional, que laboram ao fim-de-semana e outra, que passou a ser designada por “Complemento Tutoria”. A Ré referiu no final de cada uma das suas contestações, no que respeita ao valor das duas ações apensas, o seguinte: “Valor: o da ação”. * 6. Foi proferido, no dia 16/02/2024, Despacho Saneador onde, a propósito do valor das duas ações, se determinou o seguinte: «Valor da Ação Nos termos do disposto nos artigos 296.º, 297.º, n.ºs 1 e 2, 299.º, n.º 1, 305.º, e 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil ex vi artigo 49.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, fixo à causa intentada pelo Autor AA o valor de € 51.881,59 e à causa intentada pelo Autor BB o valor de € 23.971,56, por corresponder à soma das quantias peticionadas pelo(a)s Autor(a)s, não tendo sido impugnado pelo(a) Réu(Ré).» Este despacho saneador, na parte da fixação do valor das duas ações, não foi objeto de recurso por nenhuma das partes dentro do prazo legal estabelecido. * 7. Foi realizada a Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo. * 8. Em 29/06/2024, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo final: “Face ao exposto julga-se a ação parcialmente procedente, e, em consequência: » reconhece-se a existência de um contrato de trabalho sem termo entre a Ré “SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA.” e o Autor AA; » reconhece-se a existência de um contrato de trabalho sem termo entre a Ré “SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA.” e o Autor BB; » absolvendo-se a Ré “SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA.” do demais peticionado”. * 9. Os Autores interpuseram recurso de Apelação de tal sentença judicial que, vindo a ser admitido e seguido a sua normal tramitação, com a sua oportuna subida ao Tribunal da Segunda Instância, veio a ser objeto de Acórdão datado de 20/02/2025, mediante o qual os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães proferiram o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente, decidindo-se: 1. Condenar a Ré “SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA.” a pagar ao Autor AA, a quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação de sentença devida pelas horas de trabalho prestado efetivamente aos sábados e domingos até dezembro de 2022, considerando a majoração de 100 % na remuneração relativa ao tempo de trabalho, atendendo ao valor da hora de trabalho e deduzido o valor do subsídio de turno pago; acrescida de juros de mora legais a contar da citação. 2. Condenar a Ré “SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA.” a pagar ao BB, a quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação de sentença devida pelas horas de trabalho prestado efetivamente aos sábados e domingos até dezembro de 2022, considerando a majoração de 100 % na remuneração relativa ao tempo de trabalho, atendendo ao valor da hora de trabalho e deduzido o valor do subsídio de turno pago; acrescida de juros de mora a contar da citação”. * 10. A Ré interpôs recurso de revista. Este recurso foi interposto como revista nos termos gerais e, subsidiariamente, como revista excecional. A recorrente invoca para o efeito o disposto no artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil. * 11. O recurso foi admitido por despacho de 20/05/2025 e subido oportunamente a este Supremo Tribunal de Justiça, onde veio o relator do mesmo, por ter dúvidas quanto à sua admissibilidade no que que respeita ao Autor BB, face ao valor de € 23.971,56 atribuída à sua ação, a proferir despacho judicial onde convidava as partes a pronunciarem-se sobre tal matéria dentro do prazo de 10 dias, tendo a Ré apresentado requerimento mediante o qual se opunha à perspetiva avançada no referido despacho, oferecendo antes como alternativa o valor global das duas ações que, para o efeito, deveriam ser consideradas conjuntamente, designadamente para efeitos da soma de cada um dos valores tributários antes fixados. * 12. Foi então prolatado pelo relator deste recurso despacho judicial em que só foi admitido o recurso de Revista ordinário interposto pela Ré por referência ao Autor AA. * 13. A recorrente SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA. resume nas suas conclusões recursórias as diversas facetas do mesmo: «Da ausência de demonstração de «trabalho igual» nas suas várias vertentes a) A jurisprudência tem reiteradamente afirmado que apenas se poderá concluir que foi violado o princípio “trabalho igual, salário igual” quando o trabalhador alega e prova factos reveladores de uma prestação não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade; b) Porém, in casu os Autores apenas lograram provar a existência de diferenças remuneratórias entre trabalhadores que exercem funções da mesma natureza, não tendo provado rigorosamente nada quanto à quantidade e qualidade do trabalho prestado; c) Relativamente à quantidade do trabalho prestado, apenas se provou o cumprimento dos mesmos horários de trabalho, o que é insuficiente para suportar qualquer equivalência a este nível, pois há que atender também ao volume e intensidade do trabalho - relativamente aos quais os Autores não alegaram, nem provaram, rigorosamente nada; d) E no que respeita à qualidade do trabalho prestado, o Tribunal a quo também ignorou completamente a falta de alegação e prova dos Autores e concluiu que tal igualdade existe “porque sim”, com suporte em rigorosamente nada; e) Esta posição do Tribunal a quo é obviamente inadmissível: cabia aos Autores alegar e provar a igualdade do trabalho prestado ao nível da respetiva quantidade e qualidade (e não só natureza), não sendo admissível que o tribunal ignore a ausência dessa mesma alegação/prova e conclua que se verifica tal igualdade “porque sim”, com suporte em coisa rigorosamente nenhuma. Tendo os Autores alegado e provado apenas trabalho de igual natureza, deve esta ação improceder; Acresce que: Da existência de fundamento razoável e racional para uma diferença salarial f) É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência que o princípio “trabalho igual, salário igual” não impede diferenças de tratamento, proibindo apenas o arbítrio e os tratamentos materialmente infundados, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objetiva e racional, como por exemplo baseados em algum dos motivos previstos no art.º 59.º, n.º 1 da CRP, e arts. 24.º e 25.º do CT (idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas); g) In casu parece-nos claro que não existe qualquer discriminação salarial proibida, desde logo porque a mesma não se baseia numa distinção sem fundamento material ou em meras categorias subjetivas e, h) Por outro lado, também não pode ser desconsiderado que os Autores foram admitidos em 2015 e 2019, ao passo que o pagamento da remuneração adicional de 100% foi acordada em 2002 e apenas [26/03/2025] com o grupo inicial de trabalhadores então recrutados para os turnos de fim-de-semana (v.g., CC) – cf. factos provados 1, 28 e 43; i) Ademais, os Autores só se consideram “discriminados” porque por acaso trabalharam muitas horas aos fins de semana, tornando a majoração dessas horas mais vantajosa do que o pagamento do subsídio de turno. No entanto, a comparação é entre um valor fixo (subsídio) e um valor variável (majoração), sendo que se houvesse menos ou nenhum trabalho aos fins de semana, os Autores certamente já não se afirmariam “discriminados” por receber o subsídio; j) Ora, é perfeitamente normal que as condições salariais/modelos remuneratórios praticados sofram alterações ao longo de um período tão longo (13/17 anos), e as diferenças resultantes dessas alterações não podem considerar-se discriminatórias, só podendo equacionar-se uma eventual violação do princípio “trabalho igual, salário igual” se estivessem em causa contratações ocorridas sensivelmente na mesma altura (o que manifestamente não é o caso); k) Aliás, muito pelo contrário, resulta claro dos factos provados 43 a 45 que existe uma razão para haver uma diferenciação entre o trabalhador em relação ao qual os Autores invocam discriminação, a qual não assentou nem assenta no livre-arbítrio da Ré, nem em fatores proibidos pela lei; l) Quando o Tribunal a quo afasta a legitimidade de uma diferenciação salarial justificada por diferentes contextos de contratação, faz tábua rasa do entendimento consolidado da jurisprudência sobre o princípio “trabalho igual, salário igual”: que este não é um princípio absoluto e nem impede que “trabalho igual” seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, apenas proibindo diferenciações sem justificação razoável e objetiva, logo abusivas, arbitrárias e/ou discriminatórias; m) Como resulta dos factos provados, a Ré não implementou a remuneração adicional de 100% por trabalho prestado aos fins-de-semana por mero capricho, mas sim porque à data se verificava uma enorme dificuldade em encontrar trabalhadores dispostos a trabalhar aos fins-de-semana, a qual apenas foi possível suprir através da implementação daquela remuneração adicional; n) Numa situação destas, é natural que o empregador tenha de oferecer condições mais vantajosas para conseguir atrair candidatos, e se tal for considerado “discriminação”, abre-se um precedente perigoso: a empresa ficará refém de uma rigidez salarial incompatível com a realidade do mercado, correndo o risco de não conseguir recrutar quando mais precisa, podendo em última instância ser forçado a adiar ou mesmo desistir de novas contratações, comprometendo não só a sustentabilidade financeira e a competitividade do negócio, mas também a criação de emprego; Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá dar-se provimento à presente Revista, revogando-se o Acórdão recorrido e determinando-se a absolvição da Recorrente, como é de plena e inteira JUSTIÇA!» * 14. O Autor AA não veio apresentar contra-alegações dentro do prazo legal, apesar de notificado para o efeito. * 15. O ilustre Procurador-Geral Adjunto colocado junto deste Supremo Tribunal de Justiça proferiu Parecer, nos termos do número 3 do artigo 87.º do CPT, tendo concluído o mesmo, nos seguintes moldes: «O Ministério Público emite, assim, parecer no sentido de que não deve ser dado provimento ao recurso, sendo de manter o acórdão recorrido. » * 16. O Autor não veio responder dentro do prazo legal de 10 dias a tal Parecer do Magistrado o Ministério Público, ao invés da Ré SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA. que apresentou requerimento onde contestou o teor daquele, sustentando a posição contrária à ali defendida. * 17. Cumpre decidir, tendo sido remetido previamente o projeto de Acórdão aos restantes membros do coletivo e tendo estes últimos tido acesso ao processo no CITIUS. II. FACTOS 18. Com relevância para a decisão, há a considerar os factos provados que constam do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães [TRG] de 20/02/2025 e que correspondem aos já dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância, na sua sentença, dado a impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto deduzida pelos Autores ter sido julgada improcedente: A – FACTOS DADOS COMO PROVADOS Autor AA 1. O Autor é trabalhador da Ré desde janeiro de 2015, exercendo a profissão de Operador de Máquinas, com a categoria de Manobrador de Máquinas, sob direção da Ré, nas instalações da empresa “Empresa 2”, sitas em Lousado, Vila Nova de Famalicão. 2. O Autor cumpre o seu horário de trabalho em regime de turnos alternados, sendo um turno das 8 horas às 19 horas de sábado, domingo das 6 horas às 14 horas, segunda das 00 horas às 8 horas e mais 2 dias de trabalho efetivo diurno em dois dias por semana, ou Sábados das 19 horas às 6 horas de Domingo, domingos das 14 horas às 24 horas, e mais 8 horas de trabalho efetivo diurno, em dois dias por semana, em função das necessidades da empresa, cumprindo o Autor alternada e semanalmente, cada um daqueles turnos. 3. Por acordo escrito datado de 23 de janeiro de 2015 (junto aos autos com a Petição Inicial sob o Documento n.º 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido), celebrado entre o Autor, como trabalhador e segundo outorgante, e como entidade patronal e primeiro outorgante “Empresa 1” foi celebrado o seguinte contrato, denominado “contrato de trabalho a termo incerto”: “1.º - Pelo presente contrato, o Segundo Outorgante passa a trabalhar por conta, a favor e sob as ordens e direção do Primeiro Outorgante, para desempenhar as funções de Operador de Armazém, com a categoria de CONFERENTE DE MERCADORIAS, com o conteúdo das funções constantes da respetiva definição convencional, obrigando-se este a executar todos os trabalhos inerentes à mesma sob a autoridade e direção do primeiro outorgante e nomeada mas não exclusivamente a executar funções em armazém de receção de mercadoria, etiquetagem e preparação de mercadoria para embarque. 2.º - A atividade a desenvolver pelo segundo outorgante compreende igualmente o conjunto de funções afins ou funcionalmente ligadas categoria profissional para a qual foi contratado, para as quais tenha qualificação profissional adequada e não impliquem a sua desvalorização profissional, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 116 .º do Código de Trabalho. 3.º - O primeiro outorgante pode encarregar o segundo outorgante de funções não compreendidas na atividade contratada, sempre que os interesses da empresa assim o justifique 4.º - A retribuição a pagar pelo trabalho prestado será de 611,34 € (seiscentos e onze euros e trinta e quatro cêntimos) por mês, sujeita aos descontos legais, 5.º - O subsídio de alimentação é de 6.17 € por dia efetivo de trabalho, sempre que o tempo de trabalho seja superior a 5 horas, podendo ser liquidado em dinheiro ou espécie. (…) 7.º - O horário de trabalho será de 8 horas/dia, sendo semanalmente rotativo e de acordo com as escalas de horário pré-definidas, podendo o mesmo ser alterado, desde que cumpridos os preceitos legais da duração e organização do tempo de trabalho nomeadamente nos regimes de flexibilidade - adaptabilidade do tempo de trabalho, banco de horas e horário concentrado. 8.º - O segundo contraente exerce a sua função num regime de turnos rotativos, que podem abranger 2 ou 3 turnos, sendo-lhe atribuído um "Subsídio de Turno", que engloba o pagamento referente ao trabalho noturno, na proporção de 15 % sobre a Remuneração Base Ilíquida Mensal na escala de 2 turnos, e na proporção de 25% sobre a Remuneração Base Ilíquida Mensal na escala de 3 turnos desde que mantenha o referido regime de turnos. 9.º - A prestação de trabalho suplementar, carece sempre de prévia e expressa autorização da chefia. 10.º - O presente contrato inicia-se a 23 de setembro de 2015 e perdurará enquanto se mantiverem as circunstâncias que motivaram a contratação do 2º Outorgante. (…) 13.º - O Instrumento de regulamentação de trabalho aplicável é o contrato coletivo de trabalho dos Transportadores Rodoviários (ANTRAM). (…)”. 4. A Ré sucedeu à “Empresa 1”, em inícios de 2020, assumindo todos os direitos e obrigações da mesma, nomeadamente as relativas aos contratos de trabalho. 5. Em dezembro de 2023, a remuneração base mensal do Autor fixava-se em € 983,13, acrescida de diuturnidades no valor de € 44,40 e subsídio de turno no valor de € 442,41. 6. Desde a sua admissão, o Autor cumpriu o horário de trabalho constante no contrato referido em 3. 7. O trabalhador CC exerce as mesmas funções do Autor, tem a mesma categoria profissional e cumpre os mesmos horários de trabalho. 8. O trabalhador CC tem maior antiguidade que o Autor. 9. O trabalhador CC, ao invés do subsídio de turno referido no contrato mencionado em 3., recebe uma majoração correspondente a um acréscimo de 100% da remuneração das horas de trabalho prestadas entre as 00 horas de sábado e as 24 horas de domingo. 10. Em janeiro de 2015, o Autor auferia o vencimento base de € 611,34. 11. Entre janeiro de 2015 e março de 2015, o Autor trabalhou 320 horas, aos sábados e domingos, e recebeu, a título de subsídio de turno, o valor total de € 1.358,34. 12. Em abril de 2015, o Autor passou a auferir o vencimento base de € 677,71 e o subsídio de turno de € 164,43. 13. Entre abril 2015 e março de 2016, o Autor, trabalhou 960 horas, aos sábados e domingos, e recebeu, a título de subsídio de turno, o valor total de € 1.863,73. 14. Em abril de 2016, o Autor passou a auferir o vencimento base de € 695,21 e o subsídio de turno de € 173,80. 15. Entre abril de 2016 e março de 2017, o Autor trabalhou 960 horas, aos sábados e domingos, e recebeu, a título de subsídio de turno, o valor total de € 1.911,80, 16. Em abril de 2017, o Autor passou a auferir o vencimento base de € 712,71, e o subsídio de turno de € 213,81. 17. Entre abril de 2017 e março de 2018, o Autor trabalhou 960 horas, aos Sábados e Domingos, e recebeu, a título de subsídio de turno, o valor total de € 2.343,00. 18. Em abril de 2018, o Autor passou a auferir o vencimento base de € 735,71 e subsídio de turno € 220,71. 19. Entre abril de 2018 e março de 2019, o Autor trabalhou 960 horas, aos Sábados e Domingos, e recebeu, a título de subsídio de turno, o valor total de € 2.427,81. 20. Em abril de 2019, o Autor passou a auferir o vencimento base de € 785,71 e o subsídio de turno de € 235,71. 21. Entre abril de 2019 e maio de 2021, o Autor trabalhou 2080 horas, aos Sábados e Domingos, e recebeu, a título de subsídio de turno, o valor de € 5.657,04. 22. Em junho de 2021, o Autor passou a auferir o vencimento base de € 853,13 e o subsídio de turno de € 298,59. 23. Entre junho de 2021 e março de 2022, o Autor trabalhou 720 horas aos Sábados e Domingos e recebeu, a título de subsídio de turno, o valor de € 2.687,34. 24. Em abril de 2022, o Autor passou a auferir o vencimento base de € 893,13 e o subsídio de turno de € 312,60. 25. Entre abril de 2022 e março de 2023, o Autor trabalhou 960 horas, aos Sábados e Domingos, e recebeu, a título de subsídio de turno, o valor de € 3.438,60. 26. Em abril de 2023, o Autor passou a auferir o vencimento base de € 983,13 e o subsídio de turno de € 442,41. 27. Entre abril de 2023 e outubro de 2023, o Autor trabalhou 480 horas aos Sábados e Domingos e recebeu, a título de subsídio de turno, o valor de € 3.096,87. Autor BB […] Comuns a ambas as ações 43. A remuneração adicional de 100% por trabalho prestado aos fins-de-semana pelo trabalhador CC foi acordado há mais de 17 anos entre a “Empresa 1” com um grupo muito restrito de trabalhadores, entre os quais o CC, que não recebiam subsídio de turno. 44. A razão de ser de tal acordo prendia-se com o facto de, à data, se verificar uma enorme dificuldade em encontrar trabalhadores que estivessem dispostos a laborar durante os fins-de-semana. 45. O pagamento do acréscimo de 100% por trabalho prestado ao Sábado e ao Domingo foi um mecanismo gizado pela “Empresa 1” para motivar os trabalhadores a prestar trabalho normal nesses dias. 46. Desde janeiro de 2023 que deixou de existir na Ré a majoração de fim de semana e passou a ser desdobrada em duas prestações: uma, que passou a ser designada por “Subsídio de Turno”, outra, que passou a ser designada por “Complemento Tutoria”. B - FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS: Com interesse para a decisão da causa, NÃO SE PROVARAM quaisquer outros factos.» * III – OS FACTOS E O DIREITO 19. É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 679.º, 639.º e 635.º, n.º 4, todos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC). * A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS 20. Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos autos dos quais depende o presente recurso de revista, atendendo à circunstância da instância da ação declarativa com processo comum laboral ter sido efetivamente intentada no dia 5/12/2023, com a apresentação, pelo Autor da sua Petição Inicial, ou seja, já muito depois das alterações introduzidas pela Lei n.º 107/2019, datada de 4/9/2019 e que começou a produzir efeitos em 9/10/2019. Tal ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013. Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Revista. Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data. Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos recursórios terem ocorrido na vigência do Código de Trabalho de 2009, que, como se sabe, entrou em vigor em 17/02/2009, sendo, portanto, o regime dele decorrente que fundamentalmente aqui irá ser chamado à colação em função da factualidade a considerar e consoante as normas que se revelarem necessárias à apreciação e julgamento do objeto do presente recurso de Revista. B – OBJETO DA PRESENTE REVISTA 21. No presente recurso de revista está em causa saber se a diferença salarial relativa ao Autor AA é discriminatória por violação do princípio de “trabalho igual, salário igual”, ancorando-se a argumentação da Ré na sua discordância com os seguintes dois aspetos, conforme ela própria sintetiza no início das suas alegações: «São essencialmente duas as conclusões alcançadas no acórdão sub judice: • Resultando dos factos provados que os Autores exerciam as mesmas funções e praticavam os mesmos horários que os colegas diferentemente remunerados, está demonstrada a igualdade de trabalho não só quanto à sua natureza, mas também qualidade e quantidade; • Os diferentes contextos de contratação dos Autores e dos colegas diferentemente remunerados não constituem motivo válido para uma diferenciação salarial. Ora, adiante-se já que o Tribunal a quo decidiu erradamente ambos os pontos, tendo pura e simplesmente ignorado por completo os ensinamentos consolidados da jurisprudência sobre o princípio “trabalho igual, salário igual”.» C – SENTENÇA DA 1.ª INSTÂNCIA [EXCERTO DA FUNDAMENTAÇÃO] 22. Importa atender à fundamentação jurídica desenvolvida pela decisão judicial do tribunal da 1.ª instância, não apenas porque revê a posição defendida pelo mesmo tribunal em sentença anterior, proferida no âmbito de uma ação similar à presente e respeitante à primeira questão descrita pela Recorrente, como é contraditada pelo Aresto do Tribunal da Relação de Guimarães que, na sequência do recurso de Apelação interposto pelos dois Autores, veio a julgar a questão da invocada discriminação salarial em sentido oposto, por referência também à segunda questão levantada neste Recurso de Revista: «[…] alegam os Autores que desempenham funções aos fins de semana e que, os seus colegas de trabalho que desempenhavam as mesmas funções e tarefas, no mesmo horário recebiam uma majoração de 100 % no pagamento das horas de trabalho durante o fim de semana, ao passo que eles apenas recebem um subsídio de turno, considerando que a falta desse pagamento configura uma situação discriminatória. O tratamento discriminatório a que os Autores se referem está relacionado com o princípio do “trabalho igual, salário igual”, que decorre do princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e está concretizado nos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.º 1 do Código do Trabalho e 59.º, n.º 1 alínea a) da Constituição da República Portuguesa. Dispõe o artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa que “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”. Com efeito, todos os cidadãos são iguais perante a lei e “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual” (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa). De acordo com o artigo 23.º, n.º 1 do Código do Trabalho, ocorre uma situação de discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável [alínea a)], definindo trabalho igual como aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade ([alínea c)] e trabalho de valor igual como aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado [alínea d)]. O artigo 25.º do Código do Trabalho proíbe ao empregador qualquer discriminação em razão dos fatores referidos no artigo 24.º, a saber: de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical. O princípio referido «não significa uma igualdade absoluta em todas as circunstâncias, nem impede que possa haver, justificadamente, tratamento diferenciado, ou seja, que a diferenciação de tratamento se mostre legitimada sempre que se baseie numa diferença objetiva de situação e não se fundamente em razão de “(…) razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social” (artigo 13.º, n.º 2, da CRP)» (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5 de Maio de 2014, processo 227/13.5TTOAZ.P1, disponível em www.dgsi.pt e o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 313/89, de 9/03/89, proferido no processo n.º 265/88, da 2.ª Secção (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13.º Volume, tomo II, páginas 917 e seguintes), onde se lê que aquele princípio proíbe as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjetivas. Já se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objetivos, serão materialmente fundadas e não discriminatórias. Aquilo que se proíbe é, pois, o arbítrio, o que se traduz num tratamento diferenciado que prejudica injustificadamente um trabalhador. É neste sentido que o artigo 25.º, n.ºs 2 e 3 do Código do Trabalho determina que “não constitui discriminação o comportamento baseado em fator de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional. São nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objetivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional”. No que respeita à retribuição, são admissíveis diferenças entre trabalhadores, mesmo que exerçam, funções idênticas, desde que tenham uma justificação ou um fundamento material. Nas palavras de Júlio Gomes (in “Algumas reflexões sobre o ónus da prova em matéria de paridade de tratamento retributivo”, I Congresso Nacional de Direito de Trabalho, Almedina, pág. 313 e seg.) «a paridade de tratamento surge assim como uma redução da discricionariedade, é permitida uma política retributiva baseada no mérito de cada trabalhador “simplesmente a diferenciação deve corresponder a critérios pré-determinados e antecipadamente conhecidos, portanto transparentes, ou pelo menos, resultar de uma utilização razoável dos poderes empresariais”». Assim, o simples facto de dois trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria auferirem diferentes retribuições não permite concluir, inevitavelmente, pela violação do princípio da igualdade, havendo sim que ter em conta a real e concreta situação de todos os trabalhadores, concretamente no que respeita às habilitações, à experiência, ao rendimento do trabalho, à antiguidade na empresa, etc. Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2012, processo 343/04.4TTBCL.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt “o princípio da igualdade (...) reporta-se a uma igualdade material, que não meramente formal, e concretiza-se na proscrição do arbítrio e da discriminação, devendo tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual; o princípio do trabalho igual salário igual, corolário daquele, pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada”. (sublinhado nosso) No mesmo sentido, entendeu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 2009, processo 08P3040, disponível em www.dgsi.pt que «“[o] direito de igualdade reporta-se a uma igualdade material que exige se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam, e não a uma igualdade meramente formal, massificadora e uniformizadora, devendo, pois, tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual. O que decorre do princípio para trabalho igual salário igual é a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo) ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla, naturalmente, a diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes, atendendo, designadamente, ao zelo, eficiência e produtividade dos trabalhadores.» (Sublinhado nosso) E, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 2017, processo 816/14.0T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt que «Na verdade, o princípio da igualdade obriga a que se trate como igual o que for, necessariamente igual e como diferente o que for, na sua essência, diferente, proibindo sim as distinções de tratamento que não tenham qualquer justificação material. As várias dimensões do princípio da igualdade têm reflexos no plano das relações laborais, impondo especiais exigências na vertente do tratamento retributivo, sendo certo, como afirma o Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, que do “ponto de vista concetual ou teórico, é fácil compreender por que é que a igualdade de tratamento teve, e tem, tantas dificuldades em afirmar-se”, desenvolvendo a ideia com a invocação do princípio da autonomia privada na sua faceta de autonomia negocial, subjacente ao contrato de trabalho, embora limitada pela tutela de interesses coletivos e até de interesses públicos. O referido Professor acrescenta ainda que uma “outra dificuldade para o funcionamento do princípio da igualdade de tratamento reside na própria ótica do contrato individual de trabalho; com efeito, a igualdade de tratamento implica, necessariamente, uma comparação dirigida para o exterior daquele vínculo contratual, uma comparação com a situação de outros trabalhadores do mesmo empregador. Se a realidade das relações de trabalho for decomposta numa pluralidade de átomos e cada contrato de trabalho for encarado como um contrato isolado de intercâmbio, a comparação parecerá impossível já que para cada trabalhador o contrato entre o seu empregador e um outro trabalhador é res inter alios acta”. Em reforço da sua argumentação cita LUCIA SILVAGNA que observa que “a incomunicabilidade entre estes contratos tornaria injustificável a interação entre várias situações retributivas singulares”. Ainda o mesmo Professor alerta para uma vulgar e corrente subestimação dos perigos inerentes ao princípio da igualdade de tratamento, frisando que “não se pretende com o princípio da igualdade de tratamento retributiva eliminar todas e quaisquer diferenças de retribuição entre trabalhadores que desempenham as mesmas funções na mesma empresa, mas apenas eliminar diferenças ilegítimas e desrazoáveis. A própria Constituição permite que se atenda à qualidade, à quantidade e à natureza do trabalho realizado”. Conclui que “[o] princípio da igualdade de tratamento retributiva traduz-se na necessidade de um fundamento material para diferenças retributivas.» (sublinhado nosso) É neste conspecto que estabelece o artigo 270.º do Código do Trabalho “Na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.”. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (2013) (cfr. Organização Internacional do Trabalho (2013) – Igualdade Salarial: Um guia introdutório, in https://webapps.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilolisbon/ documents/publication/wcms_714778.pdf) “são permitidas diferenças de remuneração quando existem diferenças objetivas no valor do trabalho a ser executado. O conceito de remuneração igual para trabalho de igual valor requer um meio para medir e comparar diferentes postos de trabalho com base em critérios objetivos, tais como competências, condições de trabalho, responsabilidades e esforços.” Em conclusão, poder-se-á concluir pela violação do princípio que se vem analisando quando a diferenciação da retribuição não resultar de critérios objetivos, ou seja, se o trabalho prestado pelo trabalhador discriminado for igual ao dos restantes trabalhadores, não só quanto à natureza, mas também em termos de quantidade e qualidade. No que respeita ao ónus da prova, estabelece o artigo 25.º, n.º 5 do Código do Trabalho que “cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação”. Como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Outubro de 2009, processo 83/05.2TTCBR.C1.S1-4, disponível em www.dgsi.pt “incumbe a quem alegar a discriminação, fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, cabendo ao empregador provar que as condições de trabalho não assentam em nenhum dos fatores indicados no n.º 1 daquele artigo, consagrando, assim, uma inversão da regra geral do ónus da prova estabelecido no art.º 342.º do CC, de sorte a fazer impender sobre a entidade empregadora a prova de que o tratamento desfavorável conferido ao trabalhador se não fundou naqueles fatores, antes tendo esse tratamento justificação bastante, dotada de plausibilidade.”. No mesmo sentido, entendeu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016, processo 4521/13.7TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt que “Este preceito [artigo 25.º n.º 5 do Código do Trabalho] consagra a favor do trabalhador uma inversão do ónus da prova estabelecido em termos gerais no artigo 342.º do Código Civil. De acordo com aquela norma do n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, quem invoca uma situação de discriminação, nomeadamente, em termos salariais tem apenas de provar a discriminação concreta de que é vítima e os factos integrativos do fator de discriminação referidos no n.º 1 do artigo 24.º, incumbindo depois ao empregador provar que a diferença de tratamento assenta em critérios objetivos e não decorre do fator de discriminação invocado. Segundo GUILHERME DRAY, «trata-se de um preceito com uma importância extrema: provar que uma exclusão teve por fundamento o sexo, a raça, as convicções religiosas ou políticas do trabalhador lesado constitui um óbice quase intransponível. A utilização das regras gerais em matéria de ónus da prova afigura-se, neste domínio, claramente insuficiente. À luz deste preceito, cabe ao empregador a prova de que a exclusão ou o tratamento desvantajoso conferido ao trabalhador, (…) não é irrazoável, arbitrário e discriminatório, tendo uma justificação plausível». Esta inversão do ónus da prova prevista hoje no n.º 5 do artigo 25.º do Código de 2009, encontrava-se igualmente estabelecida no artigo 23.º, n.º 3, do Código de 2003, aplicado no acórdão desta Secção acima citado, questão sobre a qual se referiu naquele aresto o seguinte: «Deste modo, a quem invoca a prática discriminatória compete alegar e provar, além do diferente tratamento (resultado de tal prática), os factos integrantes de um daqueles fatores, pois que o juízo sobre a discriminação pressupõe que «em razão de um fator de discriminação uma pessoa seja sujeita a um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável». Alegado e demonstrado um desses fatores, a lei presume que dele resultou o tratamento diferenciado, fazendo recair sobre o empregador a prova do contrário, ou seja, a prova de que a diferença de tratamento não se deveu ao fator invocado, mas sim, a motivos legítimos, entre os quais se contam os relacionados com a natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado pelos trabalhadores em confronto. Assim, por exemplo, invocada a discriminação em função da filiação sindical, cabe ao autor alegar e provar, além da retribuição por si auferida e da que aufere o trabalhador, de idêntica categoria profissional, pretensamente beneficiado, os sindicatos em que cada um deles está filiado, incumbindo, nesse caso, ao empregador alegar e provar que a diferença salarial não resulta da diferente filiação sindical. Em tal caso, como nos demais em que a ação tem por fundamento algum dos fatores característicos da discriminação, o trabalhador que se sente discriminado não tem de alegar e demonstrar factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, pois que, provados os factos que integram o invocado fundamento, atua a presunção de que a diferença salarial a ele se deve, invertendo-se, apenas, quanto ao nexo causal presumido, o ónus da prova — artigos 23.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003, 35.º da Lei n.º 35/2004, 24.º, n.ºs 5 e 6, do Código do Trabalho de 2009, 344.º, n.º 1, e 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil. Isto significa que a presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja da mera diferença de tratamento, pois, exigindo a lei que a pretensa discriminação seja fundamentada com a indicação do trabalhador ou trabalhadores favorecidos, naturalmente, tal fundamentação há de traduzir-‑se na narração de factos que, reportados a características, situações e opções dos sujeitos em confronto, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, atentem, direta ou indiretamente, contra o princípio da igual dignidade sócio laboral, que inspira o elenco de fatores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei. Deste modo, numa ação em que não se invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-‑se na categoria de fatores característicos de discriminação, no sentido que se deixou delineado, não funciona a aludida presunção, por isso que compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio para trabalho igual salário igual, pois que tais factos, indispensáveis à revelação da existência de trabalho igual, se apresentam como constitutivos do direito a salário igual, que se pretende fazer valer.».”. 2. No caso dos autos, a questão que se coloca é, então, a de saber se, perante a matéria de facto que se deu como provada, se pode afirmar a existência de qualquer tratamento discriminatório. Este tribunal já entendeu que sim. De resto, é com base nessa decisão – junta pelos Autores – que estes se comparam ao trabalhador DD que, a partir dessa data – e só por causa dessa decisão - passou a receber a almejada majoração. Nessa decisão entendeu-se que «A questão que se coloca é, então, a de saber se a justificação dada pela Ré para o tratamento discriminatório configura uma diferenciação objetiva admitida nos termos supra expostos. Conforme alegado e provado pela Ré, a diferenciação em causa deve-se ao facto de a remuneração adicional de 100% por trabalho prestado aos fins-de-semana pelo trabalhador CC ter sido acordado há mais de 17 anos entre a “Empresa 1” com um grupo muito restrito de trabalhadores, que não recebiam subsídio de turno, por se verificar, à data, uma enorme dificuldade em encontrar trabalhadores que estivessem dispostos a laborar durante os fins-de-semana, tendo sido este um mecanismo gizado pela “Empresa 1” para motivar os trabalhadores a prestar trabalho normal nesses dias. Sucede que, o Autor não foi abrangido por tal acordo, porquanto foi admitido em momento posterior, sendo certo que o trabalhador CC tem antiguidade superior à do Autor. Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de Fevereiro de 2017, processo 9463/15.9T8VNF.G1, disponível em www.dgsi.pt “o que o princípio proíbe é precisamente que a entidade patronal opte por diversos critérios criando uma situação de desigualdade salarial em idênticas circunstâncias. Claro que podem ocorrer razões que justifiquem diferenciação relacionadas com alterações de gestão, mas estas não podem afetar de forma diferente o quadro de trabalhadores existente. Alterações fundadas em alterações ocorridas ao nível da gestão podem constituir fundamento para os novos contratados, mas não pode ocorrer diferenciação naqueles que são já trabalhadores à data da formulação dos novos critérios pois tal implicaria uma discriminação não fundada.” Ora, se é certo que àquela data (do acordo com o trabalhador CC) o Autor sequer era trabalhador da Ré, a verdade é que, desde que foi admitido, a situação do Autor foi exatamente a mesma daquele trabalhador. O facto de, na data de admissão do Autor, não existir a dificuldade em encontrar trabalhadores dispostos a laborar durante os fins de semana, não se afigura ser bastante para se poder concluir pela não violação da igualdade de retribuição, pois que a organização dos turnos (de fins de semana) afeta todos os trabalhadores, quer tenham sido abrangidos pelo referido acordo, quer tenham iniciado o trabalho posteriormente, incorrendo-se numa verdadeira discriminação salarial relativamente a trabalhadores colocados nos mesmos turnos, embora me momentos temporais distintos. Em face de tudo quanto se expôs, afigura-se que a Ré, ao não proceder ao pagamento do aludido complemento/majoração ao Autor, viola o princípio estabelecido no artigo 59.º, n.º 1, al. a) da CRP.» Vejamos. Da matéria de facto provada, resulta que os Autores exercem as funções de operador de máquinas e têm a categoria profissional de Manobrador de Máquinas, sendo que o trabalhador CC exerce as mesmas funções e tem a mesma categoria profissional. Tal factualidade não era, sequer, colocada em causa pela Ré. Por outro lado, resulta que os Autores, bem como o referido trabalhador, cumprem os mesmo horários de trabalho, em regime de turnos alternados, sendo um turno das 8 horas às 19 horas de Sábado, Domingo das 6 horas às 14 horas, segunda das 00 horas às 8 horas e mais 2 dias de trabalho efetivo diurno em dois dias por semana, ou Sábados das 19 horas às 6 horas de Domingo, Domingos das 14 horas às 24 horas, e mais 8 horas de trabalho efetivo diurno, em dois dias por semana, em função das necessidades da empresa, cumprindo alternada e semanalmente, cada um daqueles turnos. E, em função da prestação do trabalho em regime de turnos, os Autores auferem um subsídio de turno, ao passo que o trabalhador CC, recebe uma majoração correspondente a um acréscimo de 100% da remuneração das horas de trabalho prestadas entre as 00 horas de Sábado e as 24 horas de Domingo. Resulta, assim, provado que o trabalho prestado pelo trabalhador CC é de igual duração ao dos Autores. Para fundamentar a diferença de remuneração dos turnos prestados aos fins de semana, alegou e provou a Ré que, a remuneração adicional de 100% por trabalho prestado aos fins-de-semana pelo trabalhador CC foi acordado há mais de 17 anos entre a “Empresa 1” com um grupo muito restrito de trabalhadores, entre os quais o CC, que não recebiam subsídio de turno, sendo que, a razão de ser de tal acordo prendia-se com o facto de, à data, se verificar uma enorme dificuldade em encontrar trabalhadores que estivessem dispostos a laborar durante os fins-de-semana, e, o pagamento do acréscimo de 100% por trabalho prestado ao Sábado e ao Domingo foi um mecanismo gizado pela “Empresa 1” para motivar os trabalhadores a prestar trabalho normal nesses dias. Como se disse, já entendemos que esta situação constituiu uma discriminação salarial. Melhor ponderada a questão (em especial a factualidade alegada e provada) e os argumentos expendidos pela Ré em sede de alegações, entendemos justificar-se a alteração da nossa orientação, como de seguida iremos expor. Com efeito, inexistem dúvidas que o trabalhador CC tem maior antiguidade que os Autores, o que os próprios reconhecem. A jurisprudência vem defendendo que a antiguidade pode, por si, ser insuficiente para fundamentar a discriminação salarial, quando não se provar que a diferenciação resulta precisamente desse fator (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Março de 2023, processo 229/21.8T8CLD.C1, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Outubro de 2022, processo 1202/21.1T8PNF.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Sucede que, no caso dos autos a diferenciação entre os Autores e este trabalhador não decorre apenas da antiguidade, mas está na base dessa diferenciação. Com efeito, este trabalhador, como outros tantos a quem a Ré, até determinada altura pagou a majoração, auferiu a majoração em atenção ao facto de, na data em que foi acordada a sua atribuição, não existirem trabalhador dispostos a laborar aos fins de semana, tendo sido esta majoração uma forma encontrada pela empregadora da altura (a quem a Ré sucedeu) para convencer os trabalhadores a prestarem o trabalho ao fim de semana. Por outro lado, como já se referiu supra a propósito das regras do ónus da prova – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2016 – não tendo os Autores fundamentado a diferenciação de retribuições num concreto fator de discriminação dos mencionados no artigo 24.º, n.º 1 do Código do Trabalho, não beneficiam da presunção decorrente do artigo 25.º, n.º 5 do Código do Trabalho. Ora, os Autores alegaram e provaram a diferença de remunerações das horas trabalhadas aos fins de semana e bem assim a identidade das funções desempenhadas e respetiva categoria profissional. Alegaram e provaram os Autores que o trabalho por si desempenhado é igual, no que se refere à natureza, qualidade e quantidade? De acordo com Gomes Canotilho e Vital Moreira “A projeção do princípio da igualdade na retribuição do trabalho, na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Lei Fundamental, «estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer o direito a uma justa retribuição do trabalho: (a) deve ser conforme à quantidade do trabalho (i. e, à sua duração e intensidade), à natureza do trabalho (i. e, tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) e à qualidade do trabalho (i. e, de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capacidade); (b) a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve corresponder salário igual, proibindo-se, desde logo, as discriminações entre trabalhadores; (…)»” (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, pág. 772). Ora, no caso dos autos os Autores apenas lograram alegar a igualdade no que à quantidade do trabalho diz respeito – os Autores e o trabalhador CC prestam o trabalho com a mesma duração, cumprindo os mesmos horários de trabalho. O mesmo já não se diga quanto à natureza e qualidade do trabalho e relativamente à qual não é alegado qualquer facto ou cuja alegação foi conclusiva, não tendo sido alegado (e consequentemente provado) qualquer facto objetivo. A identidade e a duração das funções não é, por si só, suficiente para se concluir que os Autores e os trabalhadores com quem se comparam prestam o trabalho, sob o ponto de vista qualitativo, igual. Acresce que, como se disse, melhor ponderada a situação dos trabalhadores que recebem a majoração de 100 % da remuneração das horas de trabalho prestado aos fins de semana, somos a concluir que esse pagamento não se traduz(iu) num arbítrio da Ré, existindo elementos que evidenciam uma racionalidade objetiva para essa diferenciação. Com efeito, como se disse, a diferenciação salarial é algo intrínseco à natureza de uma economia de mercado, devendo basear-se em razões objetivas, relacionadas com a quantidade, qualidade ou fatores relacionados com a forma ou o meio de execução do trabalho, tendo sempre em consideração a realidade social, num dado momento. E, a atribuição do acréscimo de 100% deveu-se a uma situação objetiva, razoável, que se revelou, na data da sua atribuição, necessária, adequada e proporcionada à economia de mercado e gestão da empresa, estando, assim, materialmente fundada. Não se pode efetivamente estabelecer uma comparação entre os Autores e o trabalhador CC descurando a contingência da admissão deste, e que se distinguiu pela prestação ab initio de uma atividade num período laboral que, à data, se revelava imprescindível para a Ré e que justificou o acordo da referida retribuição. A situação dos trabalhadores admitidos posteriormente a este grupo de trabalhadores não pode ser assumida como fundamento de quaisquer legítimas expectativas por parte dos Autores relativamente à atribuição daquela componente salarial que àqueles era paga pela Ré (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 supra citado). Conclui-se, assim, que o trabalhador com quem os Autores se comparam têm uma antiguidade superior à destes e foram admitidos a trabalhar nos turnos de fins de semana numa realidade social, de mercado e gestão da empresa especial, justificando-se a diferenças de tratamento. Conclui-se, assim, pela inexistência de qualquer situação discriminatória por parte da Ré, em função do que se decide pela improcedência dos pedidos formulados pelos Autores sob as alíneas b) a d) da petição inicial.» * D – ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES [EXCERTO DA FUNDAMENTAÇÃO] 23. Visitemos então agora a argumentação do tribunal da 2.ª instância que foi desenvolvida no quadro do Acórdão recorrido: «Demonstração da natureza igual do trabalho em quantidade e qualidade. Os autores invocam discriminação salarial, por exercerem as mesmas funções de outros trabalhadores e no mesmo horário, recebendo de forma diferente com resultado em prejuízo monetário. Enquanto os autores recebem subsídio de turno, o trabalhador CC, recebia uma majoração de 100% por cada hora trabalhada ao fim de semana, resultante de acordo celebrado há mais de 17 anos com um grupo de trabalhadores. O artigo 59.º da CRP dispõe: (Direitos dos trabalhadores) 1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna; … O princípio “trabalho igual salário igual”, constitui a concretização nesta sede do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da CRP, e encontra eco nos artigos 23.º e ss. e 270.º do CT. O normativo faz apelo a uma igualdade material, devendo tratar-se de igual modo o que é essencialmente igual e de forma desigual o que é desigual. O que se pretende é impedir o abuso, o arbítrio, proibindo diferenciações sem justificação razoável e objetiva. Proíbe-se a discriminação. Pode ocorrer diferenciação por exemplo baseada na produtividade e eficiência, nas habilitações, na antiguidade, de acordo com critérios objetivos controláveis. Proíbe-se se retribua de maneira diferente trabalhadores nas mesmas condições, que com as mesmas habilitações, prestem trabalho da mesma natureza, com a mesma qualidade, quantidade, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade. Não se verificando no caso a inversão do ónus de prova, no quadro do disposto artigo 25.º, 5 do CT, com referência ao artigo 24.º, 1 do mesmo diploma, compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, 1 do CC a prova dos factos constitutivos do seu direito. No concreto caso, não se colocando o princípio do tratamento igual para trabalho de igual valor (trabalho equivalente) – al. d) do artigo 23.º do CT -, mas para trabalho igual, al. c) do mesmo normativo, competia aos autores demonstrar a prestação do trabalho de manobradores de máquinas, em condições de igualdade com outros trabalhadores com igual “trabalho/funções”, nas três dimensões referenciadas na norma, “natureza, qualidade e quantidade”. Importa verificar da demonstração da realização de trabalho igual. Quanto a esta matéria, importa ter um critério interpretativo são, que não impeça e perturbe a realização da justiça material, importa evitar o refúgio em interpretações limitadoras, tanto mais tratando-se de realidades que sendo embora apreensíveis pela observação não são de simples transcrição em factualidade. Tenha-se em linha de conta que em processo laboral, a matéria de facto relevante para a decisão da causa, ainda que não alegada, deve ser considerada, nos termos do art.º 72.º, n.ºs 1 e 2, do CPT. Volvendo à questão, não obstante as petições sejam um tanto ou quanto parcas, importa que do alegado, tendo em conta a natureza especifica das tarefas e dos concretos postos de trabalho, e as regras normais da vida; que, “grosso modo”, se possa concluir, que o trabalho executado por uns e outros é igual na sua natureza qualidade e quantidade. Para verificação de tal circunstancia não é despicienda a posição da Ré manifestada nas contestações, demonstrando perceber o alegado e aceitando determinadas circunstâncias ainda que mais parcamente alegadas. Pondere-se, se o acerto das partes quanto a tais matérias não bastasse, que, aceitando determinadas asserções menos concretizadas, o julgador não sentirá necessidade de as concretizar, ainda que demonstradas, ao abrigo do artigo 72.º do CPT. - Relativamente aos conceitos de “natureza, qualidade e quantidade, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, Coimbra Editora 2007, pág. 772, que a norma: “Estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer o direito a uma justa retribuição do trabalho: (a) ela deve ser conforme à quantidade de trabalho (i. é, à sua duração e intensidade), à natureza do trabalho (i. é, tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) e à qualidade do trabalho (i. é, de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capacidade)” Referenciando que, “pretendendo o trabalhador que seja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, cabe-lhe alegar e provar que a diferenciação existente é injustificada em virtude de o trabalho por si prestado ser igual aos dos demais trabalhadores quanto à natureza, abrangendo esta a perigosidade, penosidade ou dificuldade; quanto à quantidade, aqui cabendo o volume, a intensidade e a duração; e, quanto à qualidade, compreendendo-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige, mas também, o zelo, a eficiência e produtividade do trabalhador”, veja-se o Ac. RP de 13-02-2017, processo nº 10879/15.6T8VNG.P1, em DGSI. Ora, os Autores referem que cumpriam determinado horário, referenciando-o, igual ao dos trabalhadores com que se comparam, referem executar as tarefas de manobradores de máquinas em termos iguais às desses trabalhadores, o que a Ré não impugna, referem o local onde uns e outros prestam a atividade, no caso o colega CC, embora resulte da factualidade que outros houve, conforme facto 43, local que é o mesmo, as instalações da Empresa 3 para quem a ré presta serviços de transporte e logística. Tendo em conta a natureza das tarefas executadas, as concretas circunstâncias da sua execução alegadas e nos mesmos tempos horários, tem de concluir-se encontrar-se alegada e demonstrada factualidade suficiente. E passando à verificação da existência ou não de discriminação, diga-se que da prova produzida se mostra demonstrado que o trabalho executado pelos Autores é igual ao dos trabalhadores referenciados no ponto “J” da factualidade, em natureza, qualidade e quantidade. Assim, resulta que a prestação é efetuada no mesmo local e sob as mesmas condições, com os mesmos meios de trabalho, consistindo nas mesmíssimas tarefas, pelo que resulta que a perigosidade, penosidade ou dificuldade é a mesma. Resulta igualmente e quanto à quantidade, que o trabalho é executado nos mesmos períodos horários, sujeito às mesmas condições. Nos respetivos turnos os Autores prestam os serviços reclamados, desempenhando as funções “em função das necessidades de empresa”, conforme factos “2” e “29”, decorrendo que, tendo em conta as regras normais de vida, é prestado em igualdade quanto ao volume e intensidade. Quanto à qualidade, compreende-se nesta os conhecimentos dos trabalhadores, a capacidade e a experiência que o trabalho exige. Apela o requisito à formação do trabalhador, e ao zelo, eficiência e produtividade do mesmo. Os autores invocaram ser “manobradores de máquinas” tal como os trabalhadores relativamente aos quais referem a ocorrência de discriminação salarial, tendo-se demostrado que cumprem as mesmas tarefas que aqueles, de acordo com as necessidades da empresa. No caso concreto e tendo em conta o tipo de funções e seu modo de execução – desempenho das tarefas solicitadas durante o tempo de serviço nas instalações da empresa para a qual a Ré presta serviços, tem de concluir-se que a eficiência e produtividade de uns e outros é semelhante. * Verificação da existência de fundamento razoável e racional para a diferenciação. Demonstrado que se mostra a ocorrência de trabalho igual e a existência de uma diferenciação salarial, competiria à ré demonstrar a verificação de uma circunstância racional e razoável justificativa da mesma. A Ré invoca razão para a diferenciação, invocando os motivos pelos quais a “Empresa 1” contratou naqueles termos, e invocando a antiguidade do trabalhador CC. Quanto à maior antiguidade do trabalhador referenciado, importa dizer que este fundamento, apenas pode fundar uma diferença salarial se efetivamente o for, passe a redundância. A antiguidade será fator legitimo se e na medida em que constitua medida vigente na empregadora, de aplicação universal devidamente parametrizada e conhecida. Sobre o assunto vd. Ac. do TRP de 19.12.2023, Processo nº 3715/21.6T8MTS.P1; RC de 10-03-2023, processo 229/21.8T8CLD.C1, RP de 22-03-2021, processo 2274/19.4T8VFR.P1 e RG de 16-04-2015, processo nº 103/14.4TTVCT.G1, onde se refere, “pode ocorrer diferenciação por exemplo baseada na produtividade e eficiência, nas habilitações, na antiguidade, de acordo com critérios objetivos controláveis”. Embora referenciado o critério da antiguidade, do teor da contestação vista no seu conjunto, resulta que não foram razões de antiguidade que determinaram a diferenciação. Assim a invocação improcede. Quanto à motivação invocada resulta da factualidade que; a remuneração adicional de 100% por trabalho prestado aos fins-de-semana pelo trabalhador CC foi acordado há mais de 17 anos entre a “Empresa 1” com um grupo muito restrito de trabalhadores, entre os quais este trabalhador, que não recebiam subsídio de turno. A razão de ser de tal acordo prendia-se com o facto de, à data, se verificar uma enorme dificuldade em encontrar trabalhadores que estivessem dispostos a laborar durante os fins-de-semana. Tratou-se de um mecanismo gizado pela “Empresa 1” para motivar os trabalhadores a prestar trabalho normal nesses dias. O fundamento invocado assenta na invocação de uma circunstância conjuntural do mercado de trabalho. Como decidido no processo 5088/23.3T8VNF.G1, “a permitir-se uma diferenciação decorrente das condições do mercado de trabalho em cada momento, abrir-se-ia uma caixa de pandora, que inutilizaria ou restringiria grandemente o sentido da norma constitucional. Isto sem embargo da eventual possibilidade de consideração, em caso da ocorrência de circunstâncias anómalas excecionais e imprevisíveis”. A maior ou menor dificuldade em cada momento em arranjar determinados profissionais e para determinados horários ou locais de trabalho, não pode relevar como motivo diferenciador, já que se trata de ocorrências normais do próprio mercado. Não vem demonstrada qualquer circunstância anómala, excecional, imprevista, que na ocasião justificasse a invocada dificuldade. Refere-se apenas a dificuldade em encontrar trabalhadores para aqueles horários, pretendendo-se como a majoração “motivar” os trabalhadores.» E - LITÍGIO DOS AUTOS 24. Torna-se inútil, face à transcrição da parte relevante das duas decisões das instâncias que, em sentido discordante uma com outra, abordam as duas temáticas suscitadas neste Revista da Ré, reproduzir a legislação aplicável ou citar a doutrina ou jurisprudência pertinentes nessa complexa problemática do princípio constitucional da igualdade salarial para trabalho igual ou equivalente. 25. Atacando, desde logo, a primeira matéria que é questionada pela Ré e que tem a ver com a suficiência dos factos dados como provados pelo Juízo do Trabalho de Vila Nova de Famalicão para se poder confrontar e equiparar o trabalho desenvolvido pelo Autor recorrido com o do ex-colega CC, diremos que a factualidade dada como assente [idêntica categoria profissional de ambos, estando as funções respetivas descritas no contrato de trabalho do Recorrido, na regulamentação coletiva aplicável também indicada nos autos e em alguns Pontos de Facto, mesmos períodos normais de trabalho, horários da trabalho por turnos alternados e local de trabalho], na esteira da análise feita pelo Tribunal da Relação de Guimarães, com a qual concordamos, é suficiente para o julgador comparar as condições laborais de um e de outro trabalhador e poder concluir com o rigor e a segurança exigidas pelo legislador pela sua coincidência ou correspondência material e jurídica. Importará realçar aqui as posições assumidas pelo Autor e pela Ré nos seus articulados pois, da sua leitura, ressalta com nitidez que a empregadora não discorda da identidade existente entre o quadro funcional daquele e do ex-colega CC, situando-se a correspondente defesa quanto a este na sua maior antiguidade e nas razões muitos particulares para o seu diferente estatuto remuneratório, quanto ao trabalho desenvolvido nos sábados e domingos. Ora, a ser assim, a tese agora em apreço só surge verdadeiramente nas alegações da Ré após a proferição da sentença da 1.ª instância, cuja fundamentação e decisão foi precisamente nesse sentido, como resulta da transcrição acima concretizada, o que, em nosso entender e face à perspetiva dos factos exposta na contestação, retira força e relevância jurídicas à mesma. Não acompanhamos assim a bem desenvolvida fundamentação da sentença da 1.ª instância, nem a posição igualmente sustentada nas alegações de recurso da Ré, dado entendermos que, em regra, as aludidas vertentes da prestação laboral dos trabalhadores em contraposição permitem, em termos de normalidade e de acordo com as regras da experiência comum, concluir pela existência ou inexistência de uma cenário laboral de correspondência ou equivalência entre umas e outras, por referência aqueles assalariados em concreto. 26. Afigura-se-nos, em segundo lugar, que a questão do ex-trabalhador CC ter uma antiguidade superior ao do Autor recorrido, o que poderia explicar o aludido distinto estatuto remuneratório não nos convence minimamente, quer em função dos factos alegados e dados como assentes, como das razões de direito invocadas, pois como bem se diz igualmente no Aresto recorrido, «[e]mbora referenciado o critério da antiguidade, do teor da contestação vista no seu conjunto, resulta que não foram razões de antiguidade que determinaram a diferenciação.» 27. Enfrentemos agora as características particulares do mercado de trabalho existentes no ano de 2002, que, por dificultarem a contratação de trabalhadores para desempenhar funções aos fins de semana, obrigaram a então empregadora do referido trabalhador CC e de mais cinco colegas, a proporcionar-lhes melhores remunerações, através da majoração das horas prestadas aos fins de semana com mais 100% sobre a retribuição normal desses sábados e domingos. Esse estrangulamento da força de trabalho disponível já não se verificava na data da admissão do Autor [janeiro de 2015] e, por tal razão, o mesmo, pelos serviços executados em regime de turnos alternados e que englobavam os fins de semana, passou a auferir, desde o início da relação laboral, subsídio de turno nos valores que se acham dados como provados nos autos. Ora, também aqui temos de concordar com o Aresto do Tribunal da Relação de Guimarães ao desconsiderar juridicamente tais dificuldades momentâneas ou pontuais de contratação de mão de obra por parte da empresa antecessora da Ré, dado as mesmas não constituírem fundamento suficientemente relevante, pela sua duração temporal, impacto espacial e/ou pelo seu cariz extraordinário, imprevisível, urgente, fora do normal, para justificar, objetiva e razoavelmente, a discriminação salarial dos autos. 28. Não deixa contudo de ser curioso verificar que nada nos autos nos diz que a referida majoração de 100% proporcionava um valor pecuniário superior ao subsídio de turno correspondente ao mesmo período mensal, havendo apenas um Ponto de Facto que parece apontar nesse sentido ao afirmar o seguinte: «46. Desde janeiro de 2023 que deixou de existir na Ré a majoração de fim de semana e passou a ser desdobrada em duas prestações: uma, que passou a ser designada por “Subsídio de Turno”, outra, que passou a ser designada por “Complemento Tutoria”.». Constata-se, a partir do teor desse Ponto de Facto, que a referida «Majoração» de 100%, ao se desdobrar em duas prestações, sendo uma delas o «Subsídio de Turno» [ST], indica que o respetivo montante seria certamente superior ao valor deste último, implicando a restante importância a sua conversão no tal “Complemento Tutoria” [1]. Parece-nos manifesta a exigência da alegação e prova de que a prestação auferido pelo trabalhador ou trabalhadores beneficiados com a discriminação salarial tem de ter, por norma, um valor pecuniário superior ao da prestação alternativa recebida pelo trabalhador prejudicado e que invoca a referida discriminação remuneratória, pois, em regra, não faz sentido invocar a mesma com base apenas na distinta forma de retribuição dos assalariados em confronto, independentemente das importâncias pecuniárias em jogo. As partes, bem como as instâncias partem desse pressuposto, podendo admitir-se que tal conclusão é intuitiva, na sequência do confronto entre a quantificação do subsídio de turno que consta do contrato de trabalho do Autor [15% ou 25% sobre o valor da Retribuição-Base [RB], consoante o mesmo faça dois ou três turnos durante o fim de semana] e a majoração de 100% sobre cada hora de trabalho executada durante esse mesmo período, mas não apenas o montante mensal do subsídio de turno sofreu ao longo dos anos um aumento de percentagem e de valor, que parece fixar-se já numa importância que ronda a percentagem de 45% da RB em 2023 [26. Em abril de 2023, o Autor passou a auferir o vencimento base de € 983,13 e o subsídio de turno de € 442,41], como fica ainda por determinar como se processava em concreto a dita «majoração», dado não haver concordância entre as partes quanto a tal fórmula de cálculo, não esclarecendo a Ré como era a mesma liquidada aquele pequeno grupo de 6 trabalhadores que dela beneficiavam. 29. O Autor sustenta que o trabalho executado entre as 00,00 horas de sábado e as 24,00 horas de domingo era liquidado com uma percentagem de 200% sobre o valor/hora normalmente liquidado, a título de retribuição-base [2], o que significa que se procedermos ao cálculo da aludida «majoração» para as 320 horas prestadas aos sábados e domingos pelo Recorrido nos meses de janeiro a março de 2015, quando auferia uma Retribuição-Base de 611,34 €, um valor hora de 3,526 €, obtido segundo a fórmula legal do artigo 271.º do Código do Trabalho de 2009, um valor majorado da hora para os Sábados e Domingos de 7,0538 e um montante final de 2.257,216 €, que dista bastante da quantia global liquidada a título de Subsídio de Turno [ST] de 1.358,34 €. Dir-se-á, contudo e em alternativa, que tal «majoração» correspondia apenas, quanto a tais horas de fim de semana, a um acréscimo de 100%, que acrescia à Retribuição-Base [RB], o que implicaria que para os mencionados 3 meses, obteríamos apenas uma importância global de € 1.128,62769, que seria inferior ao montante equivalente do mencionado subsídio de turno. O mesmo raciocínio já não pode ser efetuado para o período de abril de 2016 a março de 2017, em que o Autor recebia mensalmente a RB de € 695,21 e de subsídio de turno € 173,80, pois quer para 960 horas a 100% [€ 4,010/hora] ou a 200% [€ 8,020/hora], alcançamos sempre quantias globais superiores [€ 3.850,3938 ou € 7.700,78769] ao valor global do subsídio de turno recebido durante esse mesmo período temporal [€ 1.911,80]. Se nos movermos agora no período entre abril de 2019 e maio de 2021, em que o Autor ganhava 785,71 € a título de RB e 235,71 a título de ST e tivermos em atenção que o Recorrido prestou 2080 horas durante esses 26 meses e auferiu, em termos de Subsídio de Turno, o valor global de € 5.657,04, verificamos que, para um valor hora de 100% [€ 4,5329] e para um valor hora de 200% € 9,0658] atingimos importâncias muito superiores aquele [€ 9.428,52 e € 18.857,04]. Finalmente, se nos situarmos no período temporal de junho de 2021 a março de 2022, em que foram prestadas 720 horas, por referência a uma RB de € 853,13 e a um ST de € 298,59, tendo o Autor recebido a este título de € 2.687,34, constata-se que para um valor hora de € 4,921,90 [100%] obtemos um montante global de € 3.543,770 e de € 7.087,5415 para uma majoração de 200% [valor-hora: € 9,84380], sendo ambos superiores aquele acima indicado para o ST global auferido pelo trabalhador. Logo, feitos tais cálculos por amostragem, assiste-se aqui a variações quantitativas entre os valores já pagos e os devidos [que geralmente são superiores, como resulta do apuramento que deixámos efetuado] que justificam a condenação ilíquida da Ré nos termos em que foram determinados pelo Tribunal da Relação de Guimarães: «1. Condenar a Ré “SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL, UNIPESSOAL, LDA.” a pagar ao Autor AA, a quantia que se vier a apurar em posterior incidente de liquidação de sentença devida pelas horas de trabalho prestado efetivamente aos sábados e domingos até dezembro de 2022, considerando a majoração de 100 % na remuneração relativa ao tempo de trabalho, atendendo ao valor da hora de trabalho e deduzido o valor do subsídio de turno pago, acrescida de juros de mora legais a contar da citação.» F - CONCLUSÃO 30. Em conclusão, pelos motivos deixados expostos, julga-se improcedente o Recurso interposto pela Ré SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA. quanto à questão suscitada [discriminação salarial], confirmando-se, nessa medida, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que foi objeto de tal Revista. IV – DECISÃO 31. Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho e 672.º, números 1, alíneas a) e c) e 3 do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Supremo Tribunal de Justiça e pelos fundamentos expostos, em julgar improcedente o presente recurso de Revista interposto pela Ré SCHNELLECKE LOGISTICS PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA., confirmando-se o Aresto recorrido. Custas pela Ré recorrente - artigo 527.º, número 1 do Novo Código de Processo Civil. Registe e notifique. Lisboa, 15 de outubro de 2025 José Eduardo Sapateiro - Juiz Conselheiro relator Mário Belo Morgado – Juiz Conselheiro Adjunto Domingos José de Morais – Juiz Conselheiro Adjunto _____________________________________________ 1. A Ré, na sua contestação, desenvolve tal temática do desdobramento, esclarecendo que a segunda prestação reclamava uma contrapartida laboral, designadamente, de cariz formativo, juntando mesmo documentação esse respeito, mas as instâncias desvalorizaram totalmente essa alegação complementar, o que impede, em absoluto, este Supremo Tribunal de Justiça de a analisar e valorar.↩︎ 2. O Autor formula o seu pedido, quanto a esta matéria, com base em tal percentagem de 200%, quantificando as diferenças salariais devidas na sua Petição Inicial.↩︎ |