Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | FRANCO DE SÁ | ||
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Nº do Documento: | SJ200205220001203 | ||
Data do Acordão: | 05/22/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T J MONTALEGRE | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 118/01 | ||
Data: | 11/16/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça, na secção Criminal: O Tribunal Colectivo da Comarca de Montalegre proferiu o seguinte acórdão: A) DA QUESTÃO CRIMINAL Julgar a acusação procedente, por provada feita a convolação acima referida e, nesta conformidade, deliberámos: 1.º Condenar o arguido AA : . Pela prática de um ( 1) crime de homicídio de previsão do art. 131.º do Código Penal, na pena de doze (12) anos de prisão; e . Pela prática de um ( 1) crime da previsão do art. 275.º, n.º 3 do Código Penal de 1995, na redacção dada pela Lei n.º 65/98, de 22.09 na pena de nove ( 9) meses de prisão. Considerando em conjunto os factos e a personalidade do arguido AA operando o cúmulo jurídico das penas acima referidas de harmonia com o disposto no art. 77.º condenamos o arguido AA na pena única de doze (12) anos e quatro(4) meses de prisão. 2.º Condenar o arguido AA nas custas, fixando a taxa de justiça em 2 UC, à qual acresce 1% sobre o seu montante, ao abrigo do n.º 3 do art. 13.º do Decreto- Lei n.º 423/91, de 30.10, a procuradoria de ½ - art.s 74.º, 82.º, n.º 1, 85.º, n.º 1, al. a), 89.º, n.º 1, al. g) e 95.º, todos do Código das Custas Judiciais e art.s 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal. 3.º Condenar o arguido BB, pela prática em autoria material de um ( 1) crime de ofensa à integridade física privilegiada da previsão dos art.s 143.º, n.º 1, 147.º e 133.º, todos do Código Penal, na pena de sessenta ( 60) dias de multa à razão diária de esc. 500$00 ( quinhentos escudos) o que perfaz a multa de Esc. 30.000$00 ( trinta mil escudos) ou subsidiariamente a pena de quarenta ( 40) dias de prisão. 4.º Condenar, finalmente, o arguido BB nas custas, fixando a taxa de justiça em 2 UC, à qual acresce 1% sobre o seu montante, ao abrigo do n.º 3 do art. 13.º do Decreto - Lei n.º 423/91, de 30.10, a procuradoria de ½ - art. s 74.º , 82.º, n.º 1, 85.º, n.º 1, al. a), 89.º, n.º 1, al. g) e 95.º todos do Código das Custas Judiciais e art.s 513 e 514.º, ambos do Código de Processo Penal. B) DA QUESTÃO CÍVEL Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil, por provado, condenando-se o arguido e demandado AA nos seguintes termos: I – A pagar aos demandantes CC, DD, EE, FF e GG a quantia de Esc. 8.000.000$00 ( oito milhões de escudos), a título de indemnização pela violação do direito à vida a distribuir pela viúva e pelos filhos de HH (DD, EE, FF GG) em partes iguais; II – A pagar à demandante CC a quantia de Esc. 12.250.000$00 ( doze milhões e duzentos e cinquenta mil escudos) a título de danos patrimoniais causados ( lucro cessante – rendimento que esta demandante beneficiaria a título de alimentos e ao dano emergente causado com o funeral) ; III – A pagar à demandante DD, a título de dano patrimonial ( lucro cessante – rendimento que esta demandante beneficiaria a título de alimentos) a quantia de esc. 1.800.000$00 ( um milhão e oitocentos mil escudos); IV – A pagar à demandante GG, a título de dano patrimonial ( lucro cessante – rendimento que esta demandante beneficiaria a título de alimentos) a quantia de esc. 1.800.000$00 ( um milhão e oitocentos mil escudos); V – A pagar ao demandante EE, a título de dano patrimonial ( lucro cessante – rendimento que este demandante beneficiaria a título de alimentos) a quantia de esc. 2.500.000$00 ( dois milhões e quinhentos mil escudos); VI – A pagar ao demandante FF, a título de dano patrimonial ( lucro cessante – rendimento que este demandante beneficiaria a título de alimentos) a quantia de esc. 3.000.000$00 ( três milhões de escudos); VII – A pagar aos demandantes CC, DD, EE, FF e GG a importância de Esc. 1.000.000$00 ( um milhão de escudos) a título de sofrimento e angústia da vítima; VIII – A pagar a quantia de Esc. 2.000.000$00 (dois milhões de escudos), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante CC; IX – A pagar a quantia de Esc. 1.000.000$00 ( um milhão de escudos, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante DD; X – A pagar a quantia de Esc. 1.000.000$00 ( um milhão de escudos), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante EE; XI – A pagar a quantia de Esc. 1.000.000$00 ( um milhão de escudos), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante FF; XII – A pagar a quantia de Esc. 1.000.000$00 ( um milhão de escudos), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante GG; XIII – A pagar aos demandantes CC, DD, EE, FF e GG juros à taxa legal de 7% sobre os montantes referidos em I a XII ( inclusive) desde a data da notificação até integral pagamento. Absolvemos o arguido e demandado AA na parte restante do pedido. Custas nesta parte, pelas demandantes, e arguido AA, na proporção de vencidos, sem prejuízo do apoio judiciário concedido aos demandantes CC, DD, EE, FF e GG. Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização civil, por provado, condenando-se o arguido e demandado BB a pagar ao Hospital Distrital de Chaves a importância de Esc. 13.744$00 ( treze mil setecentos e quarenta e quatro escudos) a título de assistência prestada a AA, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação, até integral pagamento. Custas do pedido cível pelo demandado BB. Ao abrigo do disposto no art. 109.º do Código penal declaramos perdidos a favor do Estado a pistola, carregador e munições, cápsulas que a referida pistola e demais objectos serviram para a prática do crime e pela sua natureza e circunstâncias do caso oferecem sérios riscos de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos. Determina-se a entrega por termo nos autos dos demais objectos examinados a fls. 68 a quem demonstrar ser o seu dono. Remeta boletim à D.S.I.C. O arguido AA recolhe ao estabelecimento prisional, permanecendo em prisão preventiva até ao trânsito em julgado deste acórdão, dado que os respectivos pressupostos não se alteraram, antes se intensificaram, passando a cumprir a pena ora aplicada depois desse trânsito, à qual será descontado o tempo de prisão preventiva que até então decorrer encontrando-se ininterruptamente preso na situação de prisão preventiva à ordem destes autos desde o dia 21/04/2001 ( cfr. art. 80º, n.º 1 do Código Penal). Passe os componentes mandados de condução do arguido AA ao Estabelecimento Prisional ficando até ao trânsito do presente acórdão sujeito à medida de coacção já fixada por despacho de fls. 234 e em cumprimento de pena à ordem destes autos uma vez transitado. Inconformado o arguido AA interpôs recurso para este Supremo Tribunal tendo concluído a respectiva motivação do modo que segue: I – Ao fixar a pena em 12 anos de prisão o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 71.º e 131.º do C.Penal. II – Ao fixar indemnização por danos morais sofridos pelas requerentes em quantia superior à formulada no pedido cível foi violado o disposto no artigo 661.º do C.P.Civil. III – Ao fixar indemnização a título de alimentos devidos pelo falecido à filha de maioridade, GG, violou o douto acórdão recorrido o disposto no artigo 1880.º do C.Civil. IV – A indemnização calculada para a filha DD não respeitou o disposto nos artigos 483.º, 564.º e 1880.º do C. Civil. V – A indemnização calculada pela perda do direito à vida violou o disposto nos artigos 496.º n.º 3 e 494.º do C.Civil. Nestes termos e nos mais de direito devem Vossas Excelências alterar o douto acórdão recorrido, nos seguintes termos: Reduzir a pena de prisão a aplicar ao arguido pelo crime de homicídio para oito anos. Reduzir a indemnização aos demandantes pela perda do direito à vida para montante não superior a quatro milhões de escudos; Revogar a indemnização de um milhão e oitocentos mil escudos, por danos patrimoniais, fixada à demandante GG; Reduzir a indemnização por danos patrimoniais fixada à demandante DD para trezentos mil escudos; Reduzir o valor global da indemnização fixada nos pontos VIII, IX, X, XI e XII; da parte decisória do douto acórdão recorrido ( pela dor sofrida pelas demandantes), para cinco milhões de escudos. Ao arguido respondeu o digno Procurador da República que conclui desta maneira: 1. O Ministério Público não se deve pronunciar e não se pronuncia quanto à questão que o recorrente suscita relativamente à indemnização que foi condenado a pagar. 2. No que respeita à questão penal presente recurso deve ser rejeitado por violação do disposto no artigo 412.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo, por não se indicar nas conclusões formuladas “ o sentido em que, no entender do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada”. 3. Mesmo que assim se não entenda, o presente recurso não merece provimento por não ter fundamento bastante o alegado pelo recorrente. 4. Com efeito, a vítima actuou com toda a correcção e não provocou por qualquer forma o arguido. 5. Nem se lhe dirigiu de forma agressiva ou ameaçadora. 6. Não havendo qualquer culpa da vítima que diminua a culpa do arguido. 7. Por outro lado, a situação económica e o comportamento anterior do arguido foi correctamente ponderado na douta decisão recorrida. 8. Contrapondo as circunstâncias favoráveis ao arguido com as que são desfavoráveis, não pode deixar de concluir-se pela prevalência destas. 9. O que justifica inteiramente a pena concretamente aplicada ao arguido pela prática do crime de homicídio voluntário, que é adequada e justa. 10. A douta decisão ora recorrida não violou qualquer norma legal vigente, designadamente os artigos 71.º e 131.º do Código Penal que o recorrente refere. Pelo que, julgando improcedente o presente recurso, farão V.ºs Ex.as, como sempre, JUSTIÇA. Também a assistente CC, por si e na qualidade de representante legal dos seis três filhos menores DD, EE, e FF, respondeu ao recorrente, tendo concluído desta maneira: I - O douto acórdão recorrido não merece qualquer reparo porquanto valorou correctamente a prova produzida e ponderou devidamente todas as circunstâncias atinentes à determinação concreta da medida da pena aplicada ao recorrente, respeitando escrupulosamente o estatuído no artigo 71.º do C.Penal. II - A medida concreta da pena é determinada dentro da moldura penal abstractamente prevista para o crime em causa, em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção geral e especial, atendendo a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor ou contra o agente – art. 71.º do C.Penal. III - Provou-se que o recorrente quis matar a vítima e sem que esta tivesse tido qualquer atitude ou gesto violento, e sem qualquer motivo ( pelo menos o Tribunal não o conseguiu apurar), apontou na direcção da mesma e disparou um tiro a curta distância, concretizando assim o seu bárbaro propósito de lhe tirar a vida. IV - O recorrente negou a prática dos factos, não demonstrou arrependimento pelo seu reprovável acto ao ceifar uma vida humana e nunca pediu desculpa aos familiares da vítima, nem reparou economicamente os danos que lhes causou, apesar de saber que os mesmos vivem em situação de extrema pobreza, sobrevivendo graças ao auxílio de alguns vizinhos e familiares. V - Com 62 anos de idade, o arguido tinha obrigação de avaliar correctamente com as exigências da vida em sociedade e o ordenamento jurídico, o que não fez, merecendo, pois grande censura o seu comportamento. VI - A condicionante sócio-económica carece de relevo no tipo de crime em causa, em que o arguido pôs termo a uma vida humana, bem eminentemente pessoal e supremo na escala de valores da nossa sociedade. VII - O Tribunal a quo, não violou qualquer disposição legal, nomeadamente as referidas pelo Recorrente nas suas doutas alegações. VIII - Assim e por carecer completamente de fundamento, deve ser negado provimento ao recurso e confirmar-se o douto acórdão recorrido. Discutida a causa provaram-se os factos seguintes: 1 – No dia 20 de Abril de 2001, pelas 23h 30, HH encontrava-se no interior do “Café ...”, sito em Salto, Montalegre, acompanhado do cunhado, o arguido BB, e mais alguns amigos; 2 – Por volta das 14,45 horas do dia 21-04-01, entrou nesse mesmo local, o arguido AA acompanhado de II, tendo-se ambos dirigido ao balcão, onde pediram uma bebida. 3. Momentos depois o arguido AA começou a intrometer-se na conversa mantida entre o HH e os amigos, dirigindo-se por três vezes à mesa onde estes se encontravam. 4. Depois de lhe ter sido dito por HH para não se intrometer na conversa, bem como depois de, por duas vezes, alguns dos presentes o terem afastado da referida mesa, o arguido AA puxou da pistola ( de calibre 7,65 mm, com o comprimento de cano de 9,5 centímetros, com o n.º 122500, com platinas pretas, marca “ Savage Quality”, tendo o carregador com cinco munições, examinada a fls. 68) e exibiu-a por alguns momentos na mão, voltando a guardá-la um pouco depois no bolso interior do casaco que então trajava. 5. Por volta das 02.00 horas do referido dia 21 de Abril de 2001, JJ, dono do aludido “ Café ...”, disse aos clientes que estava na hora de encerrar, abandonando todos eles o referido estabelecimento uns atrás dos outros. 6. Após terem saído para o exterior do referido estabelecimento “Café ...” o arguido AA e II dirigiram-se em direcção de um veículo automóvel que se encontrava estacionado a cerca de 30 metros do aludido “ Café ...” e onde ambos se pretendiam fazer transportar de regresso às suas residências. Seguidamente, HH dirigiu-se na direcção do arguido AA e questionou-o sobre o motivo ou motivos porque se tinha metido na sua conversa e tinha exibido a pistola. 7. Seguidamente, HH dirigiu-se na direcção do arguido AA e questionou-o sobre o motivo ou motivos porque se tinha metido na sua conversa e tinha exibido a pistola. 8. Então quando HH estava a uma distância de 1,5 metros, 2 metros do arguido AA, este último puxou da pistola referida em 4) e apontou-a na direcção do referido HH, premiu o gatilho e disparou um tiro que atingiu HH no tórax e o fez cair ao chão. 9. Após o disparo referido em 8) AA deu um passo atrás caindo no chão de costas, batendo com a cabeça no chão o que lhe originou ferida incisa na região occipital. 10. Na sequência do disparo efectuado pelo arguido AA , HH sofreu choque hipovolemico por hemorragia interna toráxica, lesões essas que foram causa directa e necessária da morte. 11. O arguido AA agiu livre, consciente e voluntariamente com intenção de tirar a vida a HH, o que conseguiu. 12. O arguido quis também fazer-se acompanhar da pistola aludida em 4), que sabia que não podia deter e usar nas condições em que a usou. 13. Para além da pistola referida em 4) o arguido AA trazia consigo uma faca com 7 cm de lâmina que utilizava na agricultura. 14. Já depois de o arguido AA se encontrar caído no chão quando este pretendeu levantar-se com a pistola na mão o arguido BB desferiu-lhe um pontapé que o atingiu na cabeça e o manteve caído no chão. 15. Na sequência deste pontapé o arguido AA deixou cair a referida pistola ao chão e a mesma foi apanhada pelo arguido BB. 16. Seguidamente com o arguido AA caído no chão o arguido BB desferiu-lhe quatro pontapés que o atingiram em diversas partes do corpo. 17. Como consequência directa e necessária da conduta referida em 14, 15 e 16) AA teve lesões que lhe originaram dores a nível abdominal e torácico, as quais, para o seu tratamento, necessitaram de assistência hospitalar. 18. Agiu o arguido BB com o propósito de lesar o corpo e a saúde de AA. 19. Aquando da sua descrita actuação o arguido BB tinha acabado de ver o arguido AA a disparar um tiro sobre o seu cunhado HH e encontrava-se perturbado num estado de nervosismo e de descontrolo. 20. Os arguidos AA e BB tinham perfeito conhecimento de que as suas condutas eram proibidas por lei. 21. O arguido AA é agricultor de profissão cultivando uns terrenos em agricultura de subsistência auferindo pelo seu trabalho uma retribuição mensal média de Esc. 35.000$00 ( trinta e cinco mil escudos)/ mês. 22. O arguido AA tem casa própria, a sua esposa é doméstica e ajuda-o nas lides agrícolas; não frequentou a Escola, não sabe ler nem escrever; não tem antecedentes criminais. 23. O arguido AA é tido por cidadão trabalhador e goza de estima no meio social de Couto de Ornelas, Boticas; negou o arguido AA ter disparado qualquer tiro. 24. O arguido BB é trolha de profissão, aufere pelo seu trabalho a retribuição mensal de Esc. 63.000$00 ( sessenta e três mil escudos); não frequentou a Escola, não sabe ler nem escrever; vive na companhia de sua mãe e em casa desta. 25. O arguido BB é tido por cidadão trabalhador e goza de estima no meio social de Minas da Borralha; confessou parcialmente os factos de que vinha acusado. 26. Foi realizado exame toxicológico ( teste de alcoolémia) a HH e apresentou uma TAS de 2,20 g/l. 27. HH nasceu em 07 de Fevereiro de 1962 na República de Cabo Verde e tinha 1,69 metros de altura. 28. O arguido AA é cerca de 2/3 cm mais alto do que HH. 29. HH era empreiteiro da construção civil, realizava também sub-empreitadas e era o único garante de subsistência de todo o seu agregado familiar. 30. HH obtinha do seu trabalho um rendimento líquido mensal médio de cerca de Esc. 150.000$00 ( cento e cinquenta mil escudos), dos quais destinava Esc. 100.000$00 ( cem mil escudos) ao sustento, educação e demais despesas das demandantes. 31. CC e HH contraíram casamento um com o outro em 20/01/1985. 32. DD, EE, FF e GG são os únicos filhos do referido HH. 33. HH vivia na companhia de sua mulher, a assistente CC, e seus filhos DD, EE, e FF e GG. 34. HH era uma pessoa robusta, saudável, trabalhadora, educada, respeitada e com alegria de viver. 35. A assistente CC e os filhos DD, EE, FF, e GG dependiam dos rendimentos de HH. 36. CC sofreu com a morte de seu marido. 37. CC constituía com HH um casal feliz. 38. HH era o único progenitor que a demandante CC tinha vivo. 39. Todos os filhos demandantes ( DD, EE, FF e GG) de HH sofreram com a morte de seu pai, sendo o único progenitor que a demandante GG tinha vivo. 40. Todos os filhos demandantes ( DD, EE, FF, e GG) tinham bom relacionamento com seu pai HH, vivendo na sua companhia. 41. HH não gastava consigo mais do que Esc. 50.000$00 ( cinquenta mil escudos) / mês do que ganhava. 42. HH apercebeu-se que iria morrer. 43. Como consequência da apurada conduta do arguido AA veio a falecer às 03.00 horas do referido dia 21/4/2001. 44. A demandante CC pagou pelas despesas do funeral de HH a quantia de Esc 250.000$00 ( duzentos e cinquenta mil escudos). 45. Os encargos decorrentes da assistência hospitalar prestada pelo Hospital Distrital de Chaves a AA, compreendendo ( hemograma completo, s. taxa moderadora de R, taxa moderadora de análises, crânio 2 incidências; tórax 2 incidências, injecções e episódio de urgência) ascende a Esc. 13.744$00 (treze mil setecentos e quarenta e quatro escudos). Estes os factos provados e nada mais se provou. 2.1.2. de relevante não se provaram os seguintes factos: A) Da acusação: 1. Que na noite de 21 de Abril de 2001 HH se encontrasse no interior do “ Café ..., sito em Salto, Montalegre, acompanhado do seu cunhado o arguido BB, e mais alguns amigos. 2. Que o arguido AA tivesse empunhado e depois tivesse guardado a referida pistola em resposta ao pedido de KK, um dos amigos de HH. 3. Que por volta das 02: horas do dia 21 de Abril de 2001, enquanto iam saindo, o arguido AA e HH continuassem a trocar entre si quaisquer palavras. 4. Que ao ser atingido pelo disparo, o HH tivesse caído por cima do arguido AA e que tal facto tivesse feito com que ambos caíssem ao chão. 5. Que o arguido BB tivesse desferido os pontapés na pessoa de AA com intenção de lhe tirar a arma das mãos. 6. Que o arguido AA tivesse agido movido por motivos insignificantes e de pouca importância. 7. Que o arguido AA apenas tivesse disparado porque instantes antes HH lhe tinha dito para não se meter na conversa que o mesmo estava a ter com os seus amigos. 8. Que o arguido AA e HH nunca antes de 21/04/2001 se tivessem visto e que nunca antes desta data tivesse existido qualquer problema entre ambos. 9. Qual o motivo pelo qual o arguido AA premiu o gatilho da referida pistola de calibre 7,65mm, marca “ Savage Quality”, e em consequência, o projéctil se deflagrou e atingiu o tórax de HH. 10. Qual o motivo concreto que levou o arguido AA a matar HH. 11. Que, como consequência da actuação do arguido, BB tivesse causado no arguido AA directa e necessariamente lesões que lhe tivessem originado 7 dias de doença, todos com incapacidade para o trabalho. B) Da contestação crime do arguido AA De relevante não se provou: 1. Que dentro do “ Café ...” tivesse havido uma discussão entre o arguido AA e o referido HH. 2. Que tivesse sido quando o arguido AA se encontrava junto ao veículo automóvel no qual se pretendia fazer transportar de regresso a casa, pertença de II, a cerca de 30 metros do referido “ Café ...! E que tivesse proferido qualquer ameaça contra si. 3. Que a testemunha II tivesse tentado, sem êxito, impedir que HH perseguisse o arguido AA. 4. Que tivesse então que o arguido empunhou uma pistola que tinha no bolso. 5. Que HH se tivesse envolvido e agarrado o arguido AA. 6. Que tivesse sido nessa altura que a pistola disparou. 7. Que nunca o arguido tivesse tido intenção de disparar sobre HH. 8. Que o arguido lamente profundamente o sucedido. 9. Que se não fosse a atitude de HH não teria ocorrido qualquer conflito entre HH e o arguido AA. C) Da contestação crime do arguido BB De relevante não se provou: 1. Que a conduta do arguido BB tivesse sido consequência directa da conduta do arguido AA. 2. Que aquando da sua actuação o arguido BB tivesse temido pela sua própria vida. 3. Que tivesse sido num impulso de sobrevivência que o arguido BB tentou desarmar o arguido AA. 4. Que depois do arguido BB se ter apossado da referida pistola não mais tivesse qualquer atitude violenta para com o arguido AA. 5. Que a atitude do arguido BB tivesse sido a resposta necessária para repelir um perigo actual que ameaçava a sua vida e a de terceiros. 6. Que quando o arguido AA tinha a pistola na mão tivesse feito qualquer menção de a usar de novo, designadamente contra HH, o arguido BB ou contra os amigos deste ou contra qualquer outra pessoa. 7. Que o arguido BB tivesse agredido o arguido AA visando desarmá-lo. 8. Que o arguido BB tivesse actuado visando defender a própria vida e a vida de terceiros. 9. Que a conduta do arguido BB tivesse sido adequada à necessidade de afastar o perigo actual de vida. 10. Que o arguido BB não tivesse criado situação de perigo e se tivesse deparado inesperadamente com ela. 11. Que o arguido BB tivesse manifestado plena razoabilidade ao agredir a pontapé o arguido AA. 12. Que os pontapés desferidos pelo arguido BB no arguido AA visassem evitar que este último continuasse a disparar a pistola que este empunhava. D) Do Pedido Cível deduzido pela Demandante CC e outros. De relevante não se provou: 1. Que HH fosse uma pessoa muito meiga, calma e carinhosa. 2. Que em consequência da morte de HH os demandantes sobrevivam graças à ajuda de dois irmãos da demandante CC e á generosidade de alguns vizinhos. E) Da contestação do pedido cível apresentada pelo arguido AA De relevante não se provou: 1. Que o referido HH fosse trabalhador de construção civil por conta de outrem, trabalhando por conta da empresa IDIFER com sede no Porto. F) Da contestação do Pedido Cível apresentada pelo arguido BB De relevante não se provou: 1. Que o arguido BB não tivesse agredido AA com intenção de ofender a sua integridade física e saúde. 2. Que o arguido BB tivesse agido em legítima defesa própria e de terceiros. 3. Que o arguido BB depois de retirar a pistola tivesse uma acção pacífica e se tivesse limitado a entregar o arguido AA às autoridades. 4. Que tivesse sido o arguido AA quem criou o estado de necessidade que motivou a actuação do arguido BB. Colhidos, digo, houve alegações escritas. E nelas conclui o Exmo Procurador- Geral Adjunto, neste Alto Tribunal que: 1) Nada se mostra susceptível, no caso, de justificar alteração à pena concreta de 12 anos de prisão, aplicada ao Recorrente, como autor material do crime de homicídio do art. 131.º do Código Penal; 2) Devendo a medida da pena ser determinada, além do mais, por exigências de prevenção geral positiva, compatibilidades com limites impostos pela culpa concreta do agente, e bem assim pela intensidade tanto do seu dolo, como da ilicitude do facto; 3) Deve confirmar-se, nessa parte, e integralmente, o acórdão recorrido. Por sua vez, o Recorrente nas suas alegações e em sede conclusiva, reafirma, quer na parte penal, quer em relação à matéria cível, aquilo que já havia defendido na motivação do seu recurso. Por sua vez ainda, também a Assistente CC, ao deduzir alegações, retoma a posição que já expôs, tendo concluído assim que: 1) O douto acórdão recorrido não merece qualquer reparo, pois ele valorou correctamente a prova produzida e ponderou devidamente todas as circunstâncias atinentes à determinação concreta da medida da pena aplicada ao recorrente; 2) O douto acórdão recorrido fixou criteriosamente o montante da indemnização em função dos factos provados e do respectivo enquadramento jurídico, em valores equitativos, justos e adequados. Colhidos os vistos necessários importa agora analisar e decidir as questões suscitadas pelo Recorrente: 1.ª Questão: A medida concreta da pena e a violação dos art.s 71º e 131.º, ambos do C.Penal. Defende o Recorrente que se o Tribunal a quo tivesse entrado em linha de conta com os seguintes factos: a) Nunca ter o arguido andado na escola, não sabendo ler nem escrever; b) Ser agricultor, cultivando terrenos em agricultura de subsistência; c) Não ter antecedentes criminais; d) Ser trabalhador e gozar de estima no meio social onde vivia; e) Ter 62 anos de idade; Se o Tribunal a quo houvesse considerado que a vítima avançara em direcção ao arguido, depois de todos terem saído do café, para tirar satisfações sobre o comportamento tido pelo AA dentro do café; Então, o Tribunal a quo não poderia deixar de aplicar ao Recorrente a pena mínima, prevista em abstracto para o crime de homicídio simples, ou seja, 8 anos de prisão. Será assim, como argumenta o Recorrente? Vejamos o que a tal respeito disseram os M.mos Julgadores que subscreveram o acórdão questionado. Deixaram estes escrito que devem ser considerados o grau de ilicitude do facto e de violação dos deveres impostos – no caso, particularmente elevado, maxime quanto ao crime que atenta contra a vida humana – a intensidade do dolo ( dolo directo e intenso), os sentimentos manifestados no cometimento do crime. Relativamente à prevenção geral, a defesa da ordem jurídica e a necessidade da pena, há que ter em conta a frequência destes crimes, na área desta Comarca de Montalegre e a extrema gravidade das suas consequências… Ao nível da prevenção especial, e face aos elementos apurados no processo, nada se assinala de relevo, face à ausência de antecedentes criminais por parte do arguido AA… Ao nível de prevenção geral positiva, de integração, são de grau médio as necessidades de prevenção… Relativamente à culpa, o grau de ilicitude é particularmente elevado e revela todo um desvalor acentuado pelo bem jurídico em causa – a vida humana… Assim, ponderando o grau de culpa, as necessidades de reprovação, de prevenção geral e especial e de ressocialização e reintegração de que o arguido AA carece, a sua situação económica e financeira e as suas condições de vida, por tudo o que dito fica, entendemos justas e adequadas as seguintes penas … Pois bem, pegando já nestas últimas palavras, é também aquilo que se nos afigura a nós, isto é, as penas são realmente justas e adequadas. Embora, em discurso indirecto, deixámos transcrita uma parte apenas, quiçá não a maior parte, tão esgotante se revela o douto acórdão controvertido, do pensamento dos Srs. Juízes, que presidiu ao cumprimento, pela sua banda, dos comandos plasmados nos art.s 40.º e 71.º, ambos do C.Penal. Todavia, uma parte suficiente para demonstrar que o douto colectivo respeitou escrupulosamente os parâmetros legais, com observância pelos princípios gerais relativos à determinação do quantum exacto da pena. Tudo foi devidamente ponderado: a culpa do arguido, as exigências da prevenção e todo o circunstancialismo envolvente da infracção que, não fazendo parte desta, depõe a favor daquele ou contra si. Não corresponde, deste modo, à verdade, a ideia que o arguido quer fazer passar, de que o tribunal a quo não atendeu à sua idade, profissão, estádio cultural, antecedentes criminais, opinião do meio social em que se insere. E também não tem correspondência nos factos a pretensão manifestada pelo arguido, de ver diminuída a sua culpa com base em actuação culposa pelo lado da vítima. De facto, defende o arguido ter sido provocado pelo HH, já depois de todos terem saído do café. Porém, não é isso o que consta do acervo fáctico assente. É verdade que o HH se dirigiu na direcção do arguido AA, mas apenas para o questionar sobre o motivo ou motivos por que ele se tinha metido na conversa e por que é que tinha exibido a pistola. Perguntas lógicas, aliás, e com razão de ser, não se divisando como é que podiam ser interpretadas como uma provocação. Enfim, não houve qualquer violação do art. 71.º do C.Penal. Houve assim o seu integral cumprimento. 2.ª Questão: A violação do art. 661.º do C.P.Civ. Argumenta o Recorrente que o Tribunal a quo violou o preceito legal referido, porquanto fixou uma indemnização pelos danos morais sofridos em quantia superior à deduzida no pedido cível. E é verdade o que afirma. Efectivamente, por causa do sofrimento e da dor que padeceram, formularam pedido no montante de 5.000.000$. Porém, pelo douto acórdão recorrido, foi-lhes fixada uma indemnização global de 6.000.000$, 2.000.000$ para a viúva e 1.000.000$ para cada um dos quatro (4) filhos da vítima. Os danos não patrimoniais são indemnizáveis em montante que se afigure equitativo ao tribunal – cfr. art. 496.º, n.º 3 do C.Civil. A sua reparação não tem por fim, por ser isso impossível, colocar o lesado no statu quo ante, mas apenas compensá-lo, indirectamente, pelos sofrimentos, pela dor e pelos desgostos sofridos, atribuindo-lhe uma quantia em dinheiro, que lhe permita alcançar, de certo modo, uma satisfação capaz de atenuar, na medida do possível, a intensidade do desgosto sofrido. Ao juízo de equidade chega-se ponderando a gravidade dos danos, a gravidade da culpa, a situação económica do lesante e do lesado, como assim, a repercussão que o pagamento da indemnização possa ter no património deste e, ainda, no demais circunstancialismo apto a integrar os critérios de razoabilidade, de prudência e de justiça ( vide art. 494.º do C.Civ.). Ora, foi nisto tudo que o douto Tribunal Colectivo pensou quando fixou em 2.000.000$, para a viúva e em 1.000.000$ para cada um dos 4 filhos, as quantias devidas a título de danos morais. O facto de tais montantes excederam em 1.000.000$ o peticionado pelos demandantes nada tem de extraordinário, uma vez que não foi ultrapassado o valor do pedido in toto. Este valor foi de 45.450.000$, enquanto que a indemnização global arbitrada foi de 36.350.000$. Efectivamente, o citado art. 661.º reporta-se ao pedido global, que não aos pedidos parcelares em que o mesmo se desdobra, como é jurisprudência uniforme ( cfr. B.M.J.325-365). 3.ª Questão: A violação do art. 1880.º do C.Civil. Defendeu o Recorrente que, por ser maior, a filha da vítima, GG, não era devida indemnização a título de alimentos. Na verdade, tal obrigação, por parte dos progenitores – de prestar alimentos aos filhos maiores – só se mantém enquanto eles não completarem a sua formação profissional. Ora a GG atingiu a maioridade, sem que se tivesse provado que ela ainda não tinha completado a sua formação profissional. Por isso que não lhe é devida qualquer indemnização por perda de alimentos. Será assim? Não é. O Recorrente faz uma interpretação muito restritiva e muito linear do preceito legal que invocou e que este não consente, salvo o devido respeito. Efectivamente, o legislador contempla a situação normal dos filhos maiores, a cargo dos progenitores, que estão a tirar os seus cursos, a completar os seus estudos, as suas formações profissionais. E, claro, completados que estejam os cursos e as formações profissionais, o normal é a entrada dos filhos na vida activa, no mundo do trabalho. Então, compreende-se perfeitamente não ser exigível, já, aos pais o pagamento das despesas com o seu sustento, segurança, saúde e educação. Mas se os filhos maiores carecem de alimentos, e se não se encontram na situação descrita pelo art. 1880.º que se analisa, ou se acabam a sua formação profissional, mas não arranjam emprego? Convenhamos, seria indefensável que os progenitores ficassem desobrigados e os filhos perdessem o direito a alimentos. Ora, a este propósito, o que é que ficou provado no processo? Provou-se que a GG fazia parte do agregado familiar da vítima – seu pai de quem dependia economicamente, de forma total e absoluta, sendo o falecido o único garante, com os rendimentos do seu trabalho, da subsistência de todo o agregado familiar e era o único progenitor que aquela tinha vivo. Tinha, pois, direito a receber do falecido pai alimentos, por dele defender economicamente à data da morte e, por ter sofrido a perda dessas vantagens patrimoniais, como consequência directa e necessária da actuação do Recorrente, este constitui-se na obrigação de indemnizar. IV Questão: A violação dos art.ºs 483.º, 564.º, e 1880.º do C.Civil. É válido para a DD aquilo que acabou de dizer-se em relação à GG, mutatis mutandis. V Questão: A violação dos art.ºs 496.º, n.º 3 e 494.º do C.Civ. no tocante à indemnização calculada pela perda do direito à vida. Pretende o Recorrente que a indemnização fixada pela perda do direito à vida seja reduzida para metade, portanto, de 8.000.000$ para 4.000.000$. Isto, devido à situação económica do arguido, que é degrada, pois trata-se de um cultivador de profissão, agricultando uns terrenos em agricultura de subsistência e auferindo pelo seu trabalho uma retribuição mensal média de 35.000$. Quer dizer? Bom, em primeiro lugar, a indemnização pela perda do direito à vida não é calculada apenas, nem sobretudo, pela situação económica do lesado; Em segundo lugar, não se pode concluir pelos factos descritos que a situação económica do arguido seja degradada ( cfr. factos provados em 21 e 22, a fls 286º v.); Por último, os Sr.s Juízes recorridos, ao fixarem o montante de 8.000.000$, para a viúva e para os quatro filhos, acabaram por atribuir um montante, que está em consonância com os valores comummente fixados pela jurisprudência, se bem que nem sequer pela mais exigente e de tendência europeia. Por isso que não deixaram de ter em conta a situação económica do demandado. Pelo exposto: Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, por consequência, mantêm em toda a linha, o douto acórdão recorrido, aliás de nível excelente. Custas pelo Recorrente, fixando-se em 6 UC s a taxa de justiça e em metade a procuradoria. Lisboa, 22 de Maio de 2002 Franco de Sá Armando Leandro Virgílio Oliveira |