Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | CATARINA SERRA | ||
Descritores: | PROCESSO DE CONTRAORDENAÇÃO DECISÃO FINAL OPONIBILIDADE TERCEIRO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO VIOLAÇÃO DE LEI LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL SENTENÇA VALOR PROBATÓRIO DOCUMENTO AUTÊNTICO FACTOS PROVADOS ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO | ||
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Data do Acordão: | 05/09/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | ANULADO O ACÓRDÃO DA RELAÇÃO | ||
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Sumário : | I. O disposto no artigo 623.º do CPC quanto à oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória não é extensível à decisão condenatória proferida em processo contra-ordenacional, seja esta uma decisão meramente administrativa, seja uma decisão judicial. II. Nos termos do artigo 371.º, n.º 1, do CC, a sentença, enquanto documento autêntico, tem valor probatório, mas este reduz-se aos factos praticados e atestados pelo juiz, não autorizando, em caso algum, a que se utilizem os factos julgados como provados nos fundamentos da sentença numa nova causa. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO Recorrente: Banco Português de Gestão, S.A, Recorrido: AA 1. BB intentou acção declarativa com processo ordinário contra BPG - Banco Português de Gestão, S.A., e contra CC. Na petição inicial foi alegado, em síntese, que a autora, viúva e doméstica, transferiu para uma conta do banco réu as poupanças no valor de 418.937,40 euros, com que contava ter um resto de vida tranquilo e enfrentar os problemas de saúde do seu filho, o ora autor, tendo assinado documentos cujo significado não lhe foi explicado, ignorando que os mesmos se destinavam a permitir a aplicação do seu capital no mercado de valores mobiliários e conferir poderes ao segundo réu para executar as respectivas operações, ignorando também que este não era funcionário do banco réu. Pensando que colocava o seu dinheiro numa aplicação financeira segura e que o segundo réu era funcionário do banco, veio a ser surpreendida ao verificar que os seus activos eram muito inferiores ao depositado, em virtude de terem sido aplicados em investimentos financeiros de alto risco e das comissões cobradas, tudo sem a sua autorização, pois não compreendia os extractos que lhe eram enviados. Ambos os réus seriam responsáveis pelo prejuízos causados com a violações dos seus deveres funcionais, computados na perda que autora teve da quantia de 313.957,24 euros, correspondente à diferença entre o valor depositado e o valor que lhe foi restituído, a quantia de 11.906,35 euros como compensação dos juros não recebidos e calculados à taxa mínima de 2,5% ao ano para os depósitos a prazo, bem como os danos não patrimoniais, que computa em 10.000,00 euros. Concluiu a autora pedindo a condenação dos réus a pagar-lhe a quantia de 335 863,59 euros, acrescida de juros vincendos até efectivo pagamento. 2. A certa altura, AA assumiu a posição de autor, por si, por ter sido admitida a sua intervenção principal na posição de associado da primitiva autora e, mais tarde, também como sucessor habilitado da primitiva autora, falecida na pendência da acção. 3. Por sentença proferida em 9.06.2016, foi decidido julgar a acção parcialmente procedente e consequentemente: “a) condenar os réus BPG - BANCO PORTUGUÊS DE GESTÃO, S.A. e CC, solidariamente e a título de danos patrimoniais, a pagarem ao autor AA a quantia de € 288.957,24 [duzentos e oitenta e oito mil novecentos e cinquenta e sete euros e vinte e quatro cêntimos]; b) condenar os réus BPG - BANCO PORTUGUÊS DE GESTÃO, S.A. e CC, solidariamente e a título de danos não patrimoniais, a pagarem ao autor AA a quantia de € 6.000,00 [seis mil euros]; c) condenar os réus BPG - BANCO PORTUGUÊS DE GESTÃO, S.A. e CC, solidariamente e a título de danos patrimoniais, a pagarem ao autor AA a quantia a apurar em execução de sentença respeitante aos juros remuneratórios devidos pelo depósito em conta à ordem do montante de € 288.957,24 e pelo período de 26 de agosto de 2003 até integral pagamento do montante referido em a); d) condenar as partes, autor e réus, no pagamento das custas, na proporção de 10% para o primeiro e 90% para os segundos, com eventual correção na posterior liquidação”. 4. O réu Banco Português de Gestão, S.A., interpôs recurso e, em 7.06.2018, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu Acórdão em que se decidiu: “julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se a sentença recorrida, rectificando-se apenas a alínea c) do dispositivo, devendo aí passar a constar “(…) a quantia a apurar em liquidação de sentença respeitante aos juros remuneratórios devidos pelo depósito de conta a prazo (…)”. 5. De novo o réu interpõe recurso – recurso de revista excepcional –, nos termos dos artigos 627.º, n.ºs 1 e 2, 629.º, 631.º, n.º 1, 637.º, n.ºs 1 e 2, 638.º, n.º 1, 671.º, n.ºs 1 e 3 in fine, 672.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e c), 675.º, 676.º, e 679.º, do CPC. São as seguintes as suas (injustificadamente extensas) conclusões: “A. O presente recurso é interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 7 de junho de 2018, notificado ao BPG em 11 de junho e 2008, que manteve a condenação proferida em 1.ª Instância, ao ter decidido imputar, nos presentes autos, a responsabilidade aos Réus BPG e CC, com base numa condenação daqueles em processo de contra-ordenação, nos termos do disposto no artigo 623.º do CPC. B. O Acórdão proferido pelo Tribunal a quo é recorrível nas aceções do n.º l do artigo 672.9 do CPC, alíneas a) e c) - contradição jurisprudencial e relevância jurídica da matéria em discussão. C. Verifica-se o pressuposto da citada alínea c) do n.s 1 do artigo 672.º do CPC, na medida em que no domínio da mesma legislação - Código de Processo Civil - e sobre a mesma matéria objeto do presente recurso: aplicação do regime do disposto no artigo 623.º do CPC nas ações cíveis, em caso de decisão condenatória definitiva em processo de contra-ordenação, têm sido proferidas decisões contraditórias, quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, quer pelos Tribunais das Relações. D. Com efeito, o Acórdão de que ora se recorre é frontalmente contrariado pelo Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 127/10.0TBPDL.L1.S1, em 05.04.2016 ("Acórdão-Fundamento"). E. Neste Acórdão-Fundamento, o Supremo Tribunal de Justiça não só decidiu que, no âmbito de uma ação cível, como é o caso dos presentes autos, "[o] regime do disposto no art. 623.º do CPC não deve ser aplicado em caso de condenação definitiva de um sujeito em processo de contra-ordenação" - cf. ponto I do seu Sumário, F. Como entendeu que uma eventual certidão judicial emitida pelo Tribunal a atestar essa mesma decisão condenatória proferida em sede contra-ordenacional, com nota do trânsito em julgado - como existe nos presentes autos a fls. 935 a 1121 ("Decisão da CMVM") -, apenas "demonstra a condenação do Banco R. Mas nada mais. Designadamente, não prova a ocorrência da factualidade material que determinou a condenação", pelo que não podem os factos que constituem o objecto do processo de contra-ordenação ser utilizados para a aplicação do direito no âmbito de uma ação cível. G. Em sentido diametralmente oposto decidiu o Acórdão recorrido, uma vez que, para além de ter considerado que a Decisão da CMVM fazia caso julgado nos presentes autos, ao abrigo do disposto no artigo 623.º do CPC, resolveu, com base nessa mesma disposição legal, valorizar os factos da Decisão da CMVM, alterando parte da matéria de facto constante da Sentença proferida em 1.ª Instância - pontos 51) e 59) dos factos controvertidos - e aditado quatro novos factos - pontos 62), 63), 64) e 65) - aos presentes autos, por força dos artigos 623.º, 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, do CPC para com isso concluir que os pressupostos da responsabilidade civil estariam "automaticamente" preenchidos com aquela condenação da CMVM e com os novos factos por si considerados, retirados apenas dessa mesma decisão contra-ordenacional. H. Existe assim, atendendo à manifesta identidade de situações, uma clara contradição de julgados no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão: a aplicação do regime do disposto no artigo 623.2 do CPC nas ações cíveis, em caso de decisão condenatória definitiva em processo de contra-ordenacional, que importa agora apurar e decidir no presente recurso para a obtenção de consenso a nível jurisprudencial - o que justifica e fundamenta o presente recurso ao abrigo das citadas disposições legais. I. Também o requisito da alínea a) do n.º l do artigo 672.º do CPC se mostra preenchido, na medida em que estamos perante uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nomeadamente pelas incertezas e divergências que esta questão tem vindo a suscitar, conforme resulta claro do entendimento da Jurisprudência citado nas alegações. J. Embora, no entendimento do Recorrente, a referência expressa a "condenação definitiva proferida em processo penal" prevista do artigo 623.º do CPC não suscitar dúvidas quanto à exclusão de qualquer interpretação extensiva da norma a outras decisões, nomeadamente, a decisões proferidas em processo de contra-ordenação, certo é que tem dado origem a controvérsias jurisprudenciais e diferentes aplicações do direito. K. Assim, não restam dúvidas ao Recorrente que a situação em causa nos presentes autos e as questões jurídicas que tal situação suscita, sobretudo a necessidade de se definir o alcance e escopo do disposto no artigo 623.º do CPC quando estamos perante decisões definitivas condenatórias em processos de contra-ordenação, encaradas as incertezas e as controvérsias jurisprudenciais que esta questão tem vindo a suscitar, exige o conhecimento e pronúncia por parte do Supremo Tribunal de Justiça, motivo pelo qual a presente Revista Excecional deve ser admitida ao abrigo das citadas disposições legais. L. O Acórdão recorrido que entendeu que ambos os Réus agiram ilícita e culposamente, causando danos ao Autor, com base na Decisão da CMVM, fez, por isso, um errado julgamento da matéria de facto, bem como uma errada interpretação e concretização das normas aplicáveis, com a consequente errada aplicação do direito aos factos, nomeadamente do regime do disposto no artigo 623.º do CPC, o que para além de se mostrar em total oposição com o entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça, plasmado no Acórdão-Fundamento, e com a orientação da doutrina e jurisprudência das Relações nesta matéria, é errado e inaceitável à luz do nosso ordenamento jurídico. M. O artigo 623.º do CPC sob a epígrafe "oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória" refere que "[a] condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração". N. Resulta, daqui, em primeiro lugar, e como tem sido defendido pela maioria da doutrina, como citado e desenvolvido nas alegações, nomeadamente, Lopes do Rego, Maria José Capelo, Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, que este regime regula a eficácia da decisão penal transitada em julgado no âmbito das ações cíveis e que não está em causa qualquer manifestação do instituto de caso julgado. O. Conforme é salientado, aliás, por Maria José Capelo tal perspetiva do caso julgado para além de "incorrecta e anacrónica", é também "inoportuna, desde logo pelo facto de não ser viável a qualificação [do caso julgado] como presunção", P. Mostra-se, assim, afastada de forma inequívoca a ideia de o juiz cível estar vinculado à sentença penal por força da figura do caso julgado, como o Tribunal a quo entendeu na decisão de que ora se recorre. Q. Acresce que, ainda que o instituto do caso julgado pudesse de alguma forma ser aplicado, o que apenas se alega, sem, todavia, conceder, o caso julgado apenas incidiria sobre a decisão, não podendo abranger os fundamentos de facto, uma vez que os fundamentos de facto não estão isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, não podem impor-se, por si só, extraprocessualmente, pois não adquirem quando autonomizados da respetiva decisão qualquer valor de caso julgado, conforme decorre da orientação jurisprudencial e doutrinária dominante, mencionada e citada nas alegações, nomeadamente, do Supremo Tribunal de Justiça, nos Acórdãos de 05.05.2005 e de 02.03.2010, do Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão de 14.11.2017, Antunes Varela e Teixeira de Sousa. R. Por outro lado, para além da decisão da CMVM não constituir qualquer caso julgado nos presentes autos, não poderá ser aplicada nesta ação civil, nos termos do regime do artigo 623.s do CPC, como o Tribunal a quo entendeu fazer. S. Com efeito, tratando-se de um processo de contra-ordenação e não de uma decisão proferida num processo penal, o regime do artigo 623.5 do CPC não lhe é-nem poderá ser-aplicado. T. O facto de a referida disposição legal ter sido introduzida na reforma de 1995, numa altura em que já existia desde 1979 o processo de contra-ordenação no nosso ordenamento jurídico, e de o legislador ter apenas contemplado na redação daquela norma (então artigo 674.-A) as expressões "decisão penal condenatória" e "condenação definitiva proferida em processo penai", só pode significar que a intenção do legislador era de apenas aplicar aquele regime às decisões penais condenatórias e só a este tipos de processos. U. Como aliás refere - e bem - o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão-Fundamento, não é compreensível que "se fosse intenção do legislador integrar na dita disposição a decisão proferida no processo de contra-ordenação, não lhe tivesse feito uma referência expressa.". V. Tal intenção do legislador que se manteve até à presente data, uma vez que a redação daquela norma nunca foi alterada nas constantes e sucessivas alterações e reformas ao CPC, e que exclui qualquer interpretação extensiva, também se percebe e justifica atenta as diferenças estruturantes, materiais e formais, e a autonomia entre o direto de contra-ordenação e o direito penal. W. Tais diferenças mostram-se assinaladas, quer no preâmbulo do diploma que instituiu em 1979 o processo de contra-ordenação no nosso ordenamento jurídico e nos sucessivos diplomas que vieram modificar algumas aspetos desse regime, quer nas variadas referências que são feitas sobre esta matéria na doutrina e na jurisprudência, mencionada e citada nas alegações, nomeadamente, Nuno Brandão, pelo Tribunal Constitucional, pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão-Fundamento, e Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 16.06.2015, no sentido de que a natureza, os poderes e meios de investigação atribuídos, as entidades que intervêm e decidem, assim como os princípios, objetivos, sanções/censura, garantias, alcance e repercussões de um processo contra-ordenacional são totalmente diferentes de um processo penai. X. Assim, jamais poderá ser atribuída à decisão contra-ordenacional a eficácia que o regime do artigo 623.º do CPC confere à sentença penal condenatória, não podendo esse regime ser aplicado no caso de condenação definitiva em processo de contra-ordenação, nem a factualidade provada na decisão contraordenacional servir de base factual relevante, na decisão sobre o mérito da causa, numa ação civil, como é o caso da presente ação. Y. Mostra-se assim vedada qualquer interpretação extensiva do regime excecional do artigo 623.º do CPC no sentido de englobar as decisões proferidas em sede contra-ordenacional, razão pela qual não poderia ter o Tribunal a quo aplicado este regime nos presentes autos. Z. A decisão da CMVM, ainda que possa constituir documento autêntico, também não pode fazer prova plena da ocorrência material que determinou aquela condenação, nem dos factos que constituíram o objeto do processo de contra-ordenação, como o Tribunal a quo entendeu fazer. AA. A referida decisão da CMVM apenas demonstra que houve uma condenação dos Réus desta ação, no âmbito de um processo contra-ordenacional, mas nada mais. BB. Conforme é explicado, inclusivamente, pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão-Fundamento, uma certidão judicial emitida pelo Tribunal, com nota do trânsito em julgado por sentença, de uma decisão contra-ordenacional condenatória, como é o caso da Decisão da CMVM dos presentes autos, apenas atesta a condenação proferida, nada mais, não prova a ocorrência material que determinou a condenação, pois não faz prova plena da ocorrência material que determinou essa condenação, nem dos factos que constituíram o objeto desse processo, atento o disposto nos artigos 363.º, n.º 2 e 371.º do Código Civil ("CC"). CC. Nessa medida, a factualidade mencionada no referido processo de contra-ordenação por não poder ser utilizada nestes autos, também não pode ser utilizada para a aplicação do direito, ao abrigo do disposto no artigo 623.º do CPC, como o Tribunal a quo acabou por fazer. DD. Razão pela qual a alteração da matéria de facto, e os factos aditados, nomeadamente as novas respostas dadas aos pontos 51) e 59) e "novos" factos constantes dos pontos 62), 63), 64) e 65) da matéria de facto, retirados apenas daquela Decisão da CMVM, assim com as conclusões e decisões proferidas pelo Tribunal a quo com base nesses mesmos factos, nomeadamente as constantes das págs. 35 a 39 do Acórdão recorrido, no sentido de desses factos da CMVM se retirar a responsabilização dos Réus na presente ação, não poderão proceder. EE. Acresce que a Decisão da CMVM também não poderá ser aplicada aos presentes autos por se tratar de um processo alheio aos mesmos, uma vez que nem o processo da CMVM, nem os factos nele incluídos e/ou apurados foram invocados pelos Autores na presente ação para fazerem valer o seu pretenso direito, pelo que não competia ao Tribunal a quo fazê-lo, substituindo-se àqueles. FF. Para além disso, conforme resulta do Acórdão recorrido, a decisão da CMVM consubstancia um processo de contra-ordenação que, embora tenha sido instaurado contra ambos os Réus da presente ação, diz respeito a outras pessoas para além dos Autores destes autos, o que se traduz numa enorme diferença em termos de objeto do processo, enquadramento, factos e circunstâncias analisadas e apuradas num e noutro processo. GG. Dos factos apurados e da prova produzida nas cinco sessões de julgamento realizadas na presente ação resulta ainda evidente que a situação dos Autores destes autos foi analisada ao pormenor e com todos os detalhes possíveis, contrariamente ao que se terá passado no processo contra-ordenacional, salvo o devido respeito, que é muito, no qual a atenção estava centrada num comportamento padrão que pudesse consubstanciar a prática de uma contra-ordenação, e não nas circunstâncias exatas e concretas de cada um dos casos analisados e partes envolvidas numa perspetiva de eventuais danos em sede de responsabilidade civil. HH. Para além disso, parece resultar da decisão da CMVM que a coima aplicada no âmbito daquele processo contra-ordenacional foi ao Réu CC pela alegada prática de um ilícito contra-ordenacional, i.e. por exercer, a título profissional, atividades de intermediação financeira, para diversas pessoas aí referidas, sem registo junto da CMVM. II. Sucede, porém, que atento o disposto no artigo 239.º do Código dos Valores Mobiliários, o Réu CC não pode ser intermediário financeiro, e, como tal, muito se estranha que lhe tenha sido aplicada uma coima pela ausência de um registo junto da CMVM que nunca poderia efetuar por não ser - nem poder ser - um intermediário financeiro. JJ. Também por estas razões, atendendo às diferenças existentes entre os dois processos, resulta inequívoco que não tem aplicação o artigo 623.º do CPC e que os factos analisados naquele processo da CMVM não podem prevalecer- nem deveriam ter prevalecido como fez o Tribunal a quo - sobre os factos apurados concreta e detalhadamente na presente ação quanto à situação individual da Autora BB. KK. Ainda que o artigo 623.º do CPC pudesse ser aplicado e os referidos factos apurados no âmbito daquele processo contra-ordenacional pudessem servir para o apuramento da responsabilidade em causa nos presentes autos, esses factos foram contrariados por algumas das provas produzidas na presente ação. LL. Refere o Acórdão recorrido com base apenas na Decisão da CMVM que o "ré BPG foi cúmplice da atuação do réu CC porquanto preparou e disponibilizou os documentos necessários à outorga dos mandatos por parte e clientes seus em nome do réu CC", no entanto, da prova produzida e da matéria de facto provada, nomeadamente da alínea K) dos Factos Assentes e das respostas dadas aos pontos 6}, 7) e 36 dos Factos Controvertidos resulta precisamente o contrário. MM. Com efeito resulta dessa matéria provada que o Réu CC nunca foi funcionário do BPG, nem trabalhava para o BPG, e que a relação que existia era apenas entre os Autores e o Réu CC, por existir uma relação pré-existente entre estes antes da abertura da conta bancária no BPG, tendo resultado provado que o Réu CC tinha sido procurador dos Autores junto do BCP e que tinha sido o Autor AA quem pediu autorização à mãe para transferir o dinheiro do BCP para o BPG, com a explicação de que o Réu CC podia aplicar no BPG o dinheiro com melhor rentabilidade do que a obtida no BCP. NN. Para além disso, das respostas dadas aos pontos 12), 34), 35) e 39) dos Factos Controvertidos resultou também que não foi o BPG que motivou ou incentivou a movimentação do dinheiro nem a relação dos Autores com o Réu CC, mas que foram os Autores que escolheram abrir aquela conta no BPG com a finalidade de ser a conta de suporte às transações em valores mobiliários que pretendiam efetuar com o auxílio do Réu CC e que foram os Autores que escolheram livremente o Réu CC para movimentar a referida conta no BPG, autorizando-o, mediante procurações válidas e eficazes que outorgaram mediante o prévio acordo com o Réu CC, a efetuar todos e quaisquer movimentos, incluindo a realização das operações aqui em causa. OO. Razão pela qual, se alguma cumplicidade existia era apenas entre BB e o Réu CC e entre este e o Autor AA. PP. Acresce que que a maioria dos factos invocados pela BB na sua petição inicial e que pretensamente deveriam, no seu entender, servir para responsabilizar os Réus, embora sem concretizar quais as violações em causa, resultaram não provados, quer em l.ª Instância, quer pelo Tribunal a quo. QQ. Com efeito, o seu invocado total desconhecimento por tudo o que havia assinado e/ou visto e/ou acontecido relativamente à sua relação com o BPG e relativamente à conta bancária daquela instituição bancária de que era titular, resultou não provado como resulta das respostas dadas às alíneas D) e F) dos Factos Assentes e das respostas aos artigos l.º, 3.º 9.º a 13.º, 44,º dos Factos Controvertidos. RR. Dessa matéria provada, resulta que BB frequentou o liceu completo e que o Autor AA completou o ensino secundários e que tinha um curso médio, e que ambos os Autores assinaram todos os documentos necessários à abertura da conta, cujo teor, alcance e conteúdo lhes foram previamente explicados pelo BPG, conta bancária essa que se destinava à aplicação em valores mobiliários. SS. Não ficou também provado nestes autos que o BPG tivesse fomentado as ordens que acabou por recebeu do procurador CC, em nome dos Autores, nem o alegado propósito único de ganhar comissões com tais aplicações financeiras, como resulta das respostas dadas às alíneas M) e N) dos Factos assentes e pontos 48), 49), 23) e 50) dos Factos Controvertidos, uma vez que os Autores foram recebendo mensalmente os extratos dos movimentos bancários ocorridos na sua conta, dos quais constava o montante global dos seus ativos, as ordens de compra e venda de valores mobiliários efetuadas, assim como o valor das comissões aplicadas de acordo com o preçário do BPG que se encontrava afixado nas suas instalações e que eram equiparáveis às comissões cobradas por outras instituições bancárias concorrentes. TT. Assim, e sem prejuízo do respeito que se tem pela decisão da CMVM proferida, a mesma e os factos nela constantes não podem valer na presente ação, nem prevalecer ou sobreporem-se à factualidade provada nestes autos, porquanto (i) dizem respeito a uma análise de um universo maior de situações com a atenção centrada num comportamento padrão que pudesse consubstanciar a prática de uma contra-ordenação, e não nas circunstâncias exatas e concretas de cada um dos casos analisados e partes envolvidas numa perspetiva de eventuais danos em sede de responsabilidade civil, (ii) não consubstanciam os factos trazidos à presente ação pelos Autores e (iii) são, na maior parte dos casos, contrários à factualidade demonstrada e provada na presente ação sobre a situação concreta e individualizada da BB e do Autor AA em causa nos presentes autos. UU. Acresce que, da factualidade provada e não provada nos presentes autos, ainda que nos termos (errados, salvo o devido respeito) em que o Tribunal a quo a considerou, também não ficou demostrado que o BPG tivesse violado qualquer dever a que estivesse, na altura dos factos, vinculado e que pudesse consubstanciar uma atuação ilícita da sua parte perante BB e/ou o Autor AA, com a consequente responsabilização nos presentes autos. WW. Antes pelo contrário, da prova produzida resulta, inequivocamente, que o BPG sempre atuou com o respeito e diligência devida, cumprindo - como cumpre sempre nas relações com os seus clientes e no exercício das suas atividades -, integralmente todos os princípios e deveres que sobre si impendiam enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, estabelecidos no CVM e nos regulamentos da CMVM e no RGICSF, em todos os momentos relevantes da sua relação com os titulares da conta ora Autores: (i) no momento prévio à contratação, mediante a explicação do teor, alcance e conteúdo de todos os documentos assinados pelo Autores, e informando-se sobre a experiência em matéria de investimentos e os objetivos a prosseguir com aquela conta (ii) nos procedimentos de receção e execução das ordens dadas de forma legítima e válida pelo procurador dos titulares da conta sobre títulos normais (ações), de empresas conhecidas, cotadas em bolsa, em mercados regulamentados e maduros, (iii) na correta prestação de informações completas e regulares aos titulares da conta após a execução dessas ordens mediante o envio do extrato mensal com todos os elementos necessários e obrigatório e o envio adicional de cópias das "notas de execução" relativas às operações de compra e venda de valores mobiliários realizadas, e ainda, (iv) quando prestou aconselhamento a solicitação dos próprios, de modo a acautelar os interesses dos mesmos. WW. Cumpriu nomeadamente o dever de informação e comunicação, o dever de fornecimento de extratos mensais e notas de execução com determinados elementos aos seus clientes, e agiu com a diligência devida e que se impunha a qualquer instituição financeira na execução de ordens dadas, no interesse dos clientes, quer pelo procurador CC em nome dos mandantes, titulares da conta, quer pelos próprios titulares da conta, observando os ditames da boa-fé e aplicando as comissões normais afixadas nas suas instalações, equiparáveis às praticadas nas outras instituições bancárias concorrentes. XX. O BPG cumpriu, assim, escrupulosamente todos os deveres a que se encontrava vinculado, tendo efetuado todas as concretas tarefas e ações que lhe eram impostas, quer por via dos contratos celebrados com os titulares da conta, quer por força dos deveres gerais e regras de condutas que lhe são impostas pela diversa legislação aplicável a qualquer instituição financeira, não atuando, por qualquer modo, de forma negligente e, muito menos, dolosa. YY. Assim, não incumpriu o BPG qualquer "dever de proteção dos interesses dos clientes e de adequação dos serviços ao seu perfil de investidor", ou "da confiança que os utentes devem ter na atuação bancária", como concluiu - erradamente e com base apenas na decisão da CMVM - o Tribunal a quo nas págs. 37 e 39 do Acórdão recorrido. ZZ. Inexistindo, pois qualquer atuação ilícita ou culposa do Réu BPG, não se pode, por isso aceitar a imputação de responsabilidade que, por meio da presente ação, sem qualquer tipo de base de sustentação e ao contrário dos elementos probatórios constantes dos autos e em clara oposição com o Acórdão-Fundamente, se quer assacar ao BPG. AAA. Ainda que se considere que o BPG agiu com culpa no caso sub judice - o que não se admite -sempre teria a designada "culpa do lesado" de ser chamada à colação - o, que não foi, sequer, apreciada pelo Tribunal a quo -, uma vez que que a Autora BB decidiu levantar o dinheiro numa altura em que as aplicações financeiras em causa tendiam a valorizar e vieram efetivamente a valorizar, num valor de € 509.476,80 superior ao inicialmente depositado de € 418.937,24 na conta bancária em causa - o que excluiria qualquer dever de indemnizar que sobre o Réu BPG impendesse ou, no limite, faria com que o montante da indemnização fosse limitado, ao abrigo do disposto no artigo 494.º do CC. BBB. Por outro lado, o BPG não deu origem a quaisquer danos decorrentes do investimento realizado pelos titulares da conta, pois nunca qualquer ação ou omissão do Recorrente provocou - ou foi sequer apto a produzir - quaisquer danos aos Autores, não tendo o BPG qualquer tipo de responsabilidade pelo insucesso das aplicações financeiras ordenadas pelo procurador dos titulares da conta. CCC. No que respeita aos danos não patrimoniais, para além de todas as "justificações" utilizadas pelo Tribunal a quo não se mostrarem concretizadas no Acórdão recorrido (em momento alguma, se fala do eventual dolo dos Réus, nem em qualquer violação flagrante de algum dos deveres), parecem ter resultado apenas dos factos apurados no processo da CMVM que o Tribunal a quo resolveu - erradamente, como já referimos - atender por força do artigo 623.^ do CPC, o que também não poderá ser acolhido. DDD. Acresce que a apurar-se a existência de algum dano, esse dano só poderá emergir da relação contratual estabelecida entre os Autores e o Réu CC, porventura pela falta de adequação dos investimentos efetuados pelo referido Réu em relação ao perfil de investidor dos Autores, pelo que nunca poderia o BPG, que nada sabia, nem tinha a obrigação de saber, ter sido responsabilizado nesta sede que, reitera-se, sempre se pautou pelo criterioso cumprimento de todas as normas jurídicas a que se encontrava vinculado. EEE. Ao não se verificarem quaisquer danos provocados pelo Réu BPG não pode, logicamente, ter-se por verificado o pressuposto do nexo de causalidade de que depende igualmente a obrigação de indemnização e ainda que os mesmos existissem seria absurdo e frustraria a coerência do sistema da responsabilidade civil, estabelecer um raciocínio nos termos do qual se impute a um comportamento diligente, criterioso e cumpridor dos parâmetros legais aplicáveis por parte do BPG à ocorrência de danos. FFF. Por último, também não andou bem o Tribunal a quo, na retificação que fez da decisão da alínea c) da Sentença, ao alterar o cálculo da indemnização de juros remuneratórios de depósito à ordem para juros remuneratórios de depósito a prazo, pois nunca esteve em causa um depósito a prazo ou, sequer, um produto com características que se pudessem assemelhar às características de um depósito deste tipo. GGG. Os Autores não aplicaram os seus fundos num depósito a prazo, mas, sim, num investimento com mais risco e, por isso, que potencialmente poderia ter mais rentabilidade, pelo que não podem agora pretender responsabilizar o Réu BPG pelo insucesso dos investimentos que conscientemente subscreveram e muito menos ser ressarcidos pelo sucesso de investimentos que não realizaram. HHH. E ainda que se considerasse que os Autores devessem ser ressarcidos pelos juros remuneratórios a que supostamente teriam direito no caso de um depósito a prazo - o que, na perspetiva do BPG é completamente impensável e injustificável tendo em conta não apenas os factos, mas o próprio elemento de álea a que todos os investimentos estão sujeitos - não se compreende por que razão o Tribunal o quo decidiu remeter para execução de sentença o apuramento dos referidos juros, quando estes são perfeitamente determináveis. III. De todo o exposto, resulta que os pressupostos da responsabilidade civil, de que depende a atribuição de indemnização, não se encontram preenchidos no caso sub judice, pelo que nunca poderia o BPG ter sido responsabilizado nesta sede. JJJ. O Acórdão recorrido errou na aplicação do direito, concretamente do disposto no artigo 623.º do CPC, dando origem a uma decisão ilegal e contrária à lei, em clara oposição com o Acórdão-Fundamento. KKK. Impõe-se, por isso, a inaplicabilidade da decisão da CMVM aos presentes autos e a consideração e valorização exclusiva da factualidade alegada e provada nos presentes autos. Só esta interpretação do referido artigo 623.º do CPC poderá permitir a aplicação da mesma em consonância com os princípios processuais e constitucionais relevantes e em conformidade com o entendimento defendido pela doutrina e jurisprudência sobre esta matéria. LLL. Assim, deve o Acórdão recorrido ser revogado e, em consequência, substituído por outro que absolva os réus dos pedidos contra si formulados”. 6. O autor apresentou contra-alegações, nas quais pugnou pela inadmissibilidade do recurso e, caso assim não se entendesse, pela sua improcedência. 7. O recurso foi mandado subir pelo Exmo. Desembargador Relator no Tribunal da Relação de Lisboa. 8. O Exmo. Conselheiro a quem o processo foi inicialmente distribuído remeteu os autos à Formação, que, por Acórdão de 19.12.2018, rejeitou o recurso de revista excepcional, por inexistir, no caso, qualquer obstáculo à revista por via normal. 9. Tendo o mandatário do recorrido informado os autos de que o autor AA, havia falecido a 12.04.2021, foi suspensa a instância até à identificação dos respectivos sucessores. 10. Após a jubilação do Exmo. Senhor Conselheiro a quem o processo havia sido inicialmente distribuído, foi o processo redistribuído, tendo sido concluído à presente Relatora em 12.12.2022. 11. A presente Relatora, perante requerimento do réu / recorrente, notificou de imediato o cabeça-de-casal da herança aberta e, uma vez por este junta aos autos a cópia certificada da escritura de habilitação de herdeiros, determinou em 21.02.2023 a abertura do incidente de habilitação de herdeiros. 12. Depois de sucessivas vicissitudes (relacionadas, primeiro, com dificuldades na notificação de um dos requeridos e, depois, com o pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono apresentado, em 5.07.2023, por uma das requeridas à Segurança Social, determinando a interrupção dos prazos em curso durante mais de seis meses), foi possível proferir, em 8.03.2024, a decisão de habilitação, declarando-se os herdeiros do de cujus DD, EE e FF habilitados a prosseguir os termos da causa, decisão esta que acaba de transitar em julgado. * Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são as de saber se: 1.ª) ao alterar a decisão sobre a matéria de facto o Tribunal recorrido incorreu em violação da lei; 2.ª) ao confirmar a condenação do réu em responsabilidade civil, o Tribunal recorrido incorreu em violação da lei; e 3.ª) ao rectificar a indemnização no tocante aos juros remuneratórios, o Tribunal recorrido incorreu em violação da lei. * II. FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido1: A. Factos já provados documentalmente ou por acordo das partes: 1. A autora nasceu em ...-...-1935 e casou em ...-...-1970, tendo o casamento sido dissolvido em ...-...-1993 por óbito do marido - conforme doc. n.º 1 junto com a p.i. [alínea A) dos factos assentes]. 2. AA, nascido a ...-...-1971, é filho da autora. [alínea B) dos factos assentes]. 3. A autora autorizou a transferência da quantia de € 418.937,40 (quatrocentos e dezoito mil novecentos e trinta e sete euros e quarenta cêntimos) do BCP - Banco Comercial Português para a ré BPG, conta ...... .. .01 / Sede, o que ocorreu em 26 de agosto de 2003. [alínea C) dos factos assentes]. 4. No decurso da reunião de 23-09-2003, a autora apôs a sua assinatura nos seguintes documentos: contrato de abertura de conta de depósitos; ficha de informações; contrato de depósito de títulos e registo de valores mobiliários; informação adicional; autorização para obtenção de informações. [alínea D) dos factos assentes]. 5. Os documentos intitulados “abertura de conta de depósitos/particulares” e “ficha de informações / particulares”, cujas cópias constituem os docs. n.ºs 3 e 4 junto com a p.i., foram preenchidos pelos funcionários da ré BPG, presentes na reunião, e assinados pela autora. [alínea E) dos factos assentes]. 6. Os documentos intitulados “contrato de depósito de títulos e registo de valores mobiliários”, “informação adicional” e “autorização para obtenção de informações”, cujas cópias constituem os docs. n.ºs 5, 6 e 7, foram assinados pela autora na reunião. [alínea F) dos factos assentes]. 7. A autora, durante o período de 26-08-2003 a 15-10-2004, não efetuou levantamentos da conta bancária aberta na ré BPG. [alínea G) dos factos assentes]. 8. Em 15-10--2004, a autora revogou o mandato conferido ao réu CC através da carta entregue nas instalações da ré BPG cuja cópia constitui o doc. n.º 9 junto com a p.i.. [alínea H) dos factos assentes]. 9. No período de 26-08-2003 a 15-10-2004 foram efetuados na conta n.º ...... .. .01/Sede, na ré BPG, os movimentos constantes do extrato que constitui o doc. n.º 10 junto com a p.i., resultantes, designadamente, de operações de compra e venda de valores mobiliários e operações cambiais [alínea I) dos factos assentes]. 10. No período de 26-08-2003 a 15-10-2004, conforme decorre do extrato referido em I), a conta ...... .. .01/Sede, na ré BPG, ficou por diversas vezes com saldo negativo, mercê das operações de valores mobiliários e cambiais. [alínea J) dos factos assentes]. 11. O réu CC não é, nem nunca foi, funcionário da ré BPG e, até 23-09-2003, tinha prestado para a ré BPG alguns serviços de consultoria como analista de mercados. [alínea K) dos factos assentes]. 12. Em outubro de 2004, a carteira de títulos da autora estava integrada por ações da A......, conforme extrato referido em I). [alínea L) dos factos assentes]. 13. Desde setembro de 2003, a autora foi recebendo, mensalmente, em sua casa um extrato consolidado dos movimentos da conta ...... .. .01/Sede, extrato esse que indicava qual o montante global dos seus ativos, conforme docs. n.ºs 10 e 11 juntos com a contestação, sendo-lhe enviadas também as ordens de compra e venda de valores mobiliários dadas pelo réu CC. [alínea M) dos factos assentes]. 14. Tais extratos mensais indicavam ainda os montantes das comissões cobradas pela ré BPG. [alínea N) dos factos assentes]. 15. Uns dias após a reunião de 23-09-2003, o autor AA, a pedido da ré BPG, deslocou-se às instalações da mesma ré BPG a fim de apor a sua assinatura no contrato de abertura de conta de depósitos cuja cópia constitui o doc. n.º 3 junto com a p.i. [alínea O) dos factos assentes]. 16. Considera-se aqui reproduzido o teor da decisão, sentença e acórdão, já transitados em julgado, cuja cópia integra a certidão de fls. 935 a 1121. [alínea P) dos factos assentes] - conforme despacho de fls. 1147 B. Julgamento da matéria de facto controvertida: 17. BB tinha a frequência o liceu completo e foi doméstica, não exercendo qualquer profissão depois de casar. [resposta ao ponto 1) dos Factos Controvertidos]. 18. O marido da BB, gestor de empresas, é que provia ao sustento da casa e administrava a economia comum do casal. [resposta ao ponto 2) dos Factos Controvertidos]. 19. O autor AA completou o ensino secundário e tem um curso médio de gestão hoteleira. [resposta ao ponto 3) dos Factos Controvertidos]. 20. Quando o autor AA tinha 17 anos de idade foi-lhe detetado um tumor na cabeça que, por motivos clínicos, ainda não foi extraído, razão pela qual continua a ser objeto de vigilância e tratamento. [resposta ao ponto 4) dos Factos Controvertidos]. 21. Após o falecimento do marido, BB e o autor AA, em finais de 2001, receberam uma avultada soma em dinheiro, resultado da venda de um bem da herança do falecido. [resposta ao ponto 5) dos Factos Controvertidos]. 22. Em meados de 2003, o autor AA pediu autorização à mãe para transferir as poupanças desta, que se encontravam depositadas no BCP - Banco Comercial Português, para a ré BPG - Banco Português de Gestão. [resposta ao ponto 6) dos Factos Controvertidos]. 23. Explicou o autor AA à mãe que o réu CC podia aplicar na ré BPG as poupanças da autora com melhor rentabilidade do que a obtida no BCP - Banco Comercial Português. [resposta ao ponto 7) dos Factos Controvertidos]. 24. A pedido da BB, no dia 23-09-2003, a mesma reuniu-se nas instalações da ré BPG, com os funcionários desta última: Dr. GG e Dr. HH. [resposta ao ponto 8) dos Factos Controvertidos]. 25. BB apôs sua assinatura na carta de mandato cuja cópia constitui o doc. n.º 8 junto com a p.i., esclarecendo-se que o fez mediante prévio acordo com o réu CC. [resposta ao ponto 12) dos Factos Controvertidos]. 26. No decurso do mês de outubro de 2004, a BB quis levantar o dinheiro da conta da ré BPG e, tendo-se aí dirigido para o efeito, foi-lhe dito que era conveniente não o fazer, esclarecendo-se que, segundo informação então prestada pela ré BPG, a BB deveria aguardar por uma eventual valorização das suas aplicações financeiras. [resposta ao ponto 17) dos Factos Controvertidos]. 27. Estranhando os saldos que apareciam nos extractos bancários que lhe eram enviados, a autora BB solicitou esclarecimentos ao réu BPG, tendo-lhe sido explicado que as quantias depositadas foram utilizadas, designadamente, na compra de ações em Bolsa, posteriormente vendidas a preço inferior ao da respetiva aquisição e que tais operações foram efetuadas pelo Banco por ordem do réu CC, no âmbito do mandato que a BB lhe tinha conferido. [resposta ao ponto 18) dos Factos Controvertidos]. 28. Em 15-10-2004, os ativos da BB depositados na sua conta da ré BPG cifravam-se em € 104.980,16 (cento e quatro mil novecentos e oitenta euros e dezasseis cêntimos). [resposta ao ponto 20) dos Factos Controvertidos]. 29. No período de 26-08-2003 a 15-10-2004, a ré BPG cobrou à BB, que pagou, a quantia de € 103.019,42, a título de comissões, e respetivo imposto de selo, pelas operações sobre valores mobiliários e cambiais mencionadas em I). [resposta ao ponto 22) dos Factos Controvertidos]. 30. A título de informação, a ré BPG enviou à BB “extratos combinados” mensais, relativos à posição da sua conta bancária, e cópia das “notas de execução” relativas às operações de compra e venda de valores mobiliários, referidos em M). [resposta ao ponto 24) dos Factos Controvertidos]. 31. BB não compreendia a informação contida nos extractos bancários referidos em 24) na parte respeitante às operações aí registadas. [resposta ao ponto 25) dos Factos Controvertidos]. 32. Na ré BPG e no período de 26-08-2003 a 15-10-2004, as taxas anuais nominais brutas para depósitos a prazo estavam compreendidas no intervalo de 0,75% a 1,5%, variando consoante o prazo do depósito. [resposta ao ponto 26) dos Factos Controvertidos]. 33. O referido nas respostas aos anteriores pontos 17) e 20) contribuíram para agravar o estado de ansiedade, inquietação e insegurança em que vivia a BB, esclarecendo-se que já em data anterior a outubro de 2004 aquela conhecia a diminuição do valor dos seus ativos depositados no réu BPG pela consulta dos salados registados nos extractos que recebia, tendo pedido esclarecimentos junto do réu BPG. [resposta ao ponto 27) dos Factos Controvertidos]. 34. O referido na resposta ao anterior ponto 27) causou à BB dificuldade de dormir. [resposta ao ponto 29) dos Factos Controvertidos]. 35. Até ao seu falecimento, a BB residiu em imóvel próprio sito em Lisboa e foi proprietária de diversos imóveis sitos na Rua ..., também em .... [resposta ao ponto 31) dos Factos Controvertidos]. 36. A conta de depósitos à ordem n.º ..........01, referida em I), foi aberta pelo autor AA, no dia 21-08-2003, conforme doc. n.º 1 junto com a contestação. [resposta ao ponto 33) dos Factos Controvertidos]. 37. Na abertura dessa conta bancária, o autor AA fez-se acompanhar pelo réu CC, informando a ré BPG que a mesma se destinava a ser a conta de depósitos de suporte às transações em valores mobiliários que pretendia efetuar com o concurso e auxilio do réu CC. [resposta ao ponto 34) dos Factos Controvertidos]. 38. Com esse fito, celebrou o autor AA com a ré BPG, no dia 22-08-2003, o “contrato de depósito de títulos e registo de valores mobiliários” constante do doc. n.º 2 da contestação, conferindo, nessa mesma data, autorização à ré BPG para facultar ao réu CC informações sobre a sua conta bancária, conforme doc. n.º 3 da contestação. [resposta ao ponto 35) dos Factos Controvertidos]. 39. O réu CC tem experiência de mais de 20 anos junto da Banca enquanto intermediário financeiro e foi procurador da BB e do autor AA junto do BCP, devido à vontade dos autores de rentabilizar a quantia recebida e referida nos pontos 5) e 6). [resposta ao ponto 36) dos Factos Controvertidos]. 40. Na data de recebimento da transferência referida em C), o autor AA deu instruções à ré BPG para efetuar a compra de coroas norueguesas no montante global de € 415.000,00, o que a ré BPG efetuou. [resposta ao ponto 37) dos Factos Controvertidos]. 41. Solicitou, no entanto, nessa mesma data, o autor AA a emissão de um cheque bancário sobre a sua conta no montante de € 25.000,00, dando, em consequência, instrução de venda de parte das coroas norueguesas adquiridas, o que a ré BPG fez, debitando esse valor na referida conta em 27 de agosto de 2003. [resposta ao ponto 38) dos Factos Controvertidos]. 42. Em 28-08-2003, o autor AA entregou à ré BPG uma procuração outorgada por si a favor do réu CC, nos termos da qual lhe conferia todos os poderes para junto da ré BPG dar instruções de compra e venda sobre valores mobiliários associados à referida conta DO ou efetuar outras aplicações financeiras, conforme doc. n.º 7 junto com a contestação. [resposta ao ponto 39) dos Factos Controvertidos]. 43. A partir de 28-08-2003 e até 23-09-2003, todas as instruções de compra e venda que se encontram espelhadas no extrato referido em I) foram dadas pelo réu CC. [resposta ao ponto 40) dos Factos Controvertidos]. 44. Em 23-09-2003, BB dirigiu-se à ré BPG, exigindo que a conta DO n.º 123288.10.01 passasse para a sua titularidade. [resposta ao ponto 41) dos Factos Controvertidos]. 45. A ré BPG explicou, então, a BB que só poderia alterar a titularidade da conta com a expressa anuência do seu filho que era o único titular, anuência essa que a ré BPG veio a obter. [resposta ao ponto 42) dos Factos Controvertidos]. 46. Assim, a ré BPG alterou a natureza e titularidade da conta DO n.º 123288.10.01, passando-a de conta individual para conta mista e fazendo constar a BB como 1.ª titular e o autor AA como 2.º titular, conforme doc. n.º 8 junto com a contestação. [resposta ao ponto 43) dos Factos Controvertidos]. 47. Com a assinatura dos documentos referidos em D), E) e F), o seu teor, alcance e conteúdo foram explicados à BB, que ficou ciente que a quantia transferida em 26-08-2003 se encontrava, desde essa mesma data, aplicada em valores mobiliários. [resposta ao ponto 44) dos Factos Controvertidos]. 48. Em outubro de 2004, a BB exigiu que a ré BPG procedesse à venda da integralidade dos valores mobiliários e que lhe entregasse o produto dessa venda, o que a ré BPG efetuou. [resposta ao ponto 46) dos Factos Controvertidos]. 49. Caso a autora não tivesse ordenado a venda das ações da A...... e as tivesse mantido em carteira até 29-12-2006, nesta mesma data de 29-12-2006 poderia dispor do valor de € 254.738,40, valor de venda das mesmas ações na data indicada. [resposta ao ponto 47) dos Factos Controvertidos]. 50. As comissões referidas N) eram aplicadas com o preçário do réu BPG, o qual se encontrava afixado nas suas instalações. [resposta ao ponto 48) dos Factos Controvertidos]. 51. As comissões praticadas pela ré BPG, e referidas nos extratos enviados à BB, são equiparáveis às cobradas por outros seus concorrentes. [resposta ao ponto 49) dos Factos Controvertidos]. 52. O réu BPG mantinha com réu CC uma relação de confiança e de colaboração, razão que levou o autor AA e a autora a aceitarem a sugestão do segundo réu para transferir a quantia depositada no BCP para o réu BGP e aqui subscreverem os documentos referidos em D), E), F) e O) e em 12), como a aceitar a actividade de intermediação do mesmo réu CC. [resposta ao ponto 51) dos Factos Controvertidos]. 53. Depois de 23-09-2003 o autor AA teve conhecimento dos extractos relativos à conta n.º 123288.10.01 e, por estar preocupado com o seu conteúdo, através de um amigo contactou II, empresário na área de gestão de activos, pedindo-lhe conselho sobre os mesmos, tendo-lhe este profissional transmitido que considerava irregular a situação e que deveria reclamar junto da CMVM. [resposta ao ponto 52) dos Factos Controvertidos]. 54. Desde, pelo menos, agosto de 2003, o autor AA é sócio e legal representante de uma cliente da ora ré BGP, a sociedade anónima “A...., S.A.”. [resposta ao ponto 53) dos Factos Controvertidos]. 55. O réu CC não estava legalmente autorizado pelas entidades competentes - Banco de Portugal e CMVM - a prestar serviços de intermediação financeira como aqueles que são mencionados nos contratos de mandato que constituem os documentos n.ºs 8 da p.i. e 7 da contestação. [resposta ao ponto 55) dos Factos Controvertidos]. 56. Não foi convencionada qualquer remuneração em contrapartida dos serviços a prestar pelo réu CC, quer no mandato conferido pelo autor AA quer no mandato conferido pela BB. [resposta ao ponto 56) dos Factos Controvertidos]. 57. O réu CC nunca solicitou, ou falou sequer ao autor AA ou à BB, de eventuais contrapartidas pelos serviços prestados no âmbito dos respetivos contratos de mandato. [resposta ao ponto 57) dos Factos Controvertidos]. 58. Todas as ordens sobre valores mobiliários associadas à conta n.º ...... .. .01/Sede, de que era titular a falecida BB, eram transmitidas pelo réu CC aos empregados da ré BPG, designadamente ao JJ, igualmente empregado da ré BPG. [resposta aos pontos 58) e 61) dos Factos Controvertidos]. 59. O BPG proporcionou uma abertura célere da conta, preparou os documentos que possibilitavam ao réu CC a tomada de decisões sobre o capital da falecida autora BB, incluindo o mandato e a autorização de levantamento do dever de sigilo, mas não encetou esforços para controlar a execução do mandato. [resposta ao ponto 59) dos Factos Controvertidos]. 60. As aplicações financeiras realizadas em nome da autora e através do réu BPG integraram um conjunto de acções não admitidas à negociação no mercado bolsista português, estando cotadas noutros países, sendo em Paris, caso das ações da A....... [resposta ao ponto 60) dos Factos Controvertidos]. C. Aditados pelo Tribunal recorrido ao abrigo dos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC: 61. No processo de contra-ordenação n.º 09/2007, que correu termos na CMVM, foi deduzida acusação contra os ora réus CC e BPG, tendo os mesmos sido condenados, respectivamente, na coima de 30 000,00 euros pela prática dolosa de uma contra-ordenação prevista nos artigos 397.º, n.º 1, e 388.º, n.º 1, a), do CVM, e na coima de 40 000,00 euros pela prática, na forma de cumplicidade, de uma contra-ordenação dolosa prevista nas mesmas disposições legais. [resposta ao ponto 62) dos Factos Controvertidos]. 62. Interposto recurso dessa condenação, em 27/01/2012 foi proferida sentença nos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, que manteve a condenação do BPG, pela prática dolosa e como cúmplice, de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 289.º, n.º 2, 397.º, n.º 1 e 388.º, n.º 1 do CVM, na coima de 40 000,00 euros e esta sentença foi confirmada por acórdão da Relação de Lisboa de 11/07/2012, transitado em julgado. [resposta ao ponto 63) dos Factos Controvertidos]. 63. O processo de contra-ordenação emergiu de uma reclamação apresentada pela falecida autora BB, pelos factos em apreço nos presentes autos. [resposta ao ponto 64) dos Factos Controvertidos]. 64. Na decisão da CMVM, confirmada judicialmente em duas instâncias judiciais e transitada em julgado, foi considerado provado, entre outros factos, que não foi feito o perfil de investidora da reclamante, que o réu CC tinha conta aberta no BPG desde Março de 2003, passando depois, ainda em 2003, a ter aí também conta a sociedade C..., Lda, de que este réu era sócio na proporção de 50% e na proporção de 98% a partir de Julho de 2004, havendo um acordo para a realização de trabalhos de análise de mercados financeiros estabelecido entre o BPG e os dois sócios da C..., Lda, sendo os respectivos pagamentos depositados nestas contas, sendo que no período de 30/09//2003 a 31/03/2004, a C..., Lda recebeu do BPG a quantia de 131 453,92 euros, que CC nunca esteve registado junto da CMVM para o exercício de intermediação financeira, que este era mandatário de outros clientes do BPG em termos semelhantes aos dos autores, sendo sete as contas cujos titulares o constituíram mandatário, que num período de cerca de quatro anos, CC deu um total de 2 655 ordens de bolsa relativamente às contas de que dispunha de mandato, que o valor total de operações da carteira da ora autora foi de 26 184 103,22 euros, que apenas o réu CC dava ordens relativamente às contas em causa, que as ordens eram dadas de acordo com um perfil de risco único, em regra nos mesmos sentidos de compra e venda para todos os clientes e que o réu BPG sabia que CC não estava registado junto da CMVM. [resposta ao ponto 65) dos Factos Controvertidos]. E são seguintes os factos considerados não provados no Acórdão recorrido: Ponto 9) dos Factos Controvertidos - Nessa reunião, a autora informou os ditos funcionários do Banco que o valor transferido do BCP correspondia às suas poupanças e explicou ainda a autora que tais poupanças significavam, por um lado, a possibilidade de um resto de vida tranquilo e, por outro lado, a garantia do pagamento das despesas que pudessem advir na eventualidade de ocorrer uma doença, ou caso se verificasse o agravamento da situação clínica do filho. Ponto 10) dos Factos Controvertidos - A autora comunicou também aos referidos funcionários do réu BPG que não pretendia fazer qualquer aplicação financeira que colocasse em risco o seu capital. Ponto 11) dos Factos Controvertidos - Os documentos referidos em D) foram apresentados à autora como sendo os necessários para o Banco proceder à aplicação dos capitais da mesma autora. Ponto 13) dos Factos Controvertidos - Na reunião de 23-09-2003 não foi explicado à autora o conteúdo e alcance dos documentos referidos em D) e 12), nomeadamente não foi dito à autora que era intenção do réu BPG aplicar o seu capital no mercado de valores mobiliários e que os documentos que estava a assinar se destinavam a permiti-lo. Ponto 14) dos Factos Controvertidos - Nem foi explicado à autora em que consistia tal aplicação, quais os riscos que implicava para o capital aplicado e quais os respectivos custos/comissões cobrados pelo réu BPG. Ponto 15) dos Factos Controvertidos - Não foi dito à autora que o mandato conferido ao réu CC lhe dava poderes para aplicar o seu capital em valores mobiliários nem que este último não era funcionário do BPG. Ponto 16) dos Factos Controvertidos - A conta aberta pela autora no BPG foi atribuído . ... ...... .. .01/Sede. Ponto 19) dos Factos Controvertidos - Só neste momento e após os esclarecimentos do réu BPG, é que a autora se apercebeu de que o seu dinheiro tinha sido colocado numa aplicação financeira de alto risco, qual o seu efectivo conteúdo e alcance dos documentos que tinha assinado em 23-09-2003 e, bem assim, que o réu CC não tinha qualquer vínculo ao BPG. Ponto 21) dos Factos Controvertidos - O facto de o saldo da conta ficar a descoberto, como referido em J), significa que o réu BPG concedeu crédito à autora, que esta não solicitou, motivo pelo qual lhe debitou juros, que a autora pagou. Ponto 23) dos Factos Controvertidos - Os valores das comissões cobradas pelo BPG à autora, pelo menos até Abril de 2004, eram muito superiores aos praticados no mercado bancário, para o mesmo tipo de operações e até aos praticados, de uma forma geral, pelo próprio Banco. Ponto 28) dos Factos Controvertidos - A autora está agora permanentemente preocupada com o facto de o filho ou ela própria adoecerem e não possuir disponibilidades financeiras para fazer face aos compromissos que possam ocorrer. Ponto 30) dos Factos Controvertidos - O distúrbio psicológico da autora tornou-a uma pessoa amarga e nervosa, com dificuldade de relacionamento com familiares e amigos. Ponto 32) dos Factos Controvertidos - A autora dispõe de outras aplicações financeiras em diversos outros bancos da nossa praça. Ponto 45) dos Factos Controvertidos - Ficando ainda ciente (a autora) de que a melhor forma de rentabilizar as aplicações efectuadas seria a de não efectuar a sua desmobilização quando as mesmas estivessem em perda. Ponto 50) dos Factos Controvertidos - As ordens dadas pelo réu CC ao réu BPG ao abrigo dos mandatos referidos em 55), visaram, como principal objectivo, permitir ao réu BPG cobrar comissões pelas operações efectuadas. Ponto 54) dos Factos Controvertidos - O réu CC nunca comunicou à autora que algo se passava com o capital depositado na sua conta, designadamente o montante das perdas ocorridas em operações de bolsa e com cobrança das comissões pelo réu BPG. O DIREITO Da alteração da decisão sobre a matéria de facto Alega o recorrente que a alteração dos factos constantes dos pontos 51) e 59) e o aditamento dos factos constantes dos pontos 62), 63), 64) e 65) consubstanciam situação em que o Tribunal da Relação se socorre de factualidade considerada provada em processo contra-ordenacional, ao abrigo do artigo 623.º do CPC, o que não lhe é consentido por esta norma. Convocando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.04.2016 (Proc. 127/10.0TBPDL.L1.S1), sustenta, no essencial, o recorrente que o artigo 623.º do CPC se aplica ao processo penal e não abrange o processo contra-ordenacional; mesmo que abrangesse o processo contra-ordenacional, não autorizaria que se aproveitasse a factualidade dele constante para a acção judicial cível. Antes de mais, convém observar que este Supremo Tribunal tem poderes muito limitados no que toca à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto. Com efeito, dispõe-se no artigo 674.º, n.º 3, do CPC, também invocado pela ré / recorrente, que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Quer isto dizer que o Supremo Tribunal de Justiça só pode apreciar questões relacionadas com a decisão sobre a matéria de facto se estiver em causa a violação de normas de Direito probatório material. A verdade é que o recorrente invoca, a título principal, errada interpretação do artigo 623.º do CPC, que dispõe sobre oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória e cujo teor é o seguinte: “A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração”. O recorrente invoca, portanto, a violação de uma norma com efeitos substantivos na decisão sobre a matéria de facto, pelo que cumpre conhecer da questão. Deve advertir-se que este conhecimento não significa sindicar os resultados a que chegou o Tribunal recorrido, o que já implicaria interferir na valoração da prova que o Tribunal fez segundo o critério da livre e prudente convicção – tudo coisas que estão interditas ao Supremo Tribunal2. Dito isto, aprecie-se, pois. Para fundamentar a reapreciação da prova quanto ao ponto 51), considerado não provado na sentença, o Tribunal recorrido disse o seguinte: “Quantos aos factos não provados. o ponto 51) considerado não provado refere-se à influência que a relação de colaboração entre os dois réus teve nas decisões dos autores, tendo, nesta matéria, as declarações de parte do autor AA, no sentido de que foi por sugestão e influência do réu CC que os autores foram para o BPG, sido confirmadas pelo conteúdo dos factos provados na certidão retirada do processo da CMVM de fls 935 a 1121, nomeadamente a extensão da actividade do réu CC relativamente a outros clientes do banco, para além dos próprios autores. Deverá assim ser eliminado o ponto 51) dos factos não provados e o mesmo ser incluído nos factos provados, com a seguinte redacção: Ponto 51) - O réu BPG mantinha com o réu CC uma relação de confiança e de colaboração, razão que levou o autor AA e a autora a aceitarem a sugestão do segundo réu para transferir a quantia depositada no BCP para o réu BPG e aqui subscreverem os documentos referidos em D), E), F) e O) e em 12), bem como a aceitar a actividade de intermediação do mesmo réu CC”. Relativamente ao ponto 59) expendeu o Tribunal a quo as seguintes considerações: “No ponto 59) dos factos não provados, julga-se não provado que, apesar da célere disponibilização dos meios para o réu CC poder tomar decisões sobre a conta dos autores, não foi exercido qualquer controlo da execução do mandato por parte do réu BPG. Porém, para além de este facto constar como provado no processo de contra-ordenação que correu termos na CMVM, o mesmo ficou também claramente demonstrado nos presentes autos por via dos depoimentos das testemunhas GG, responsável pela área de mercados do banco à data dos factos e JJ, técnico da sala de mercados que recebia e executava as ordens do réu CC para a conta dos autores, pois ambas as testemunhas afirmaram repetidamente que, embora por vezes tivessem achado agressiva, imprudente e desadequada a actuação do réu CC relativamente às instruções dadas na conta dos autores e ao perfil deste, entenderam sempre que não deveriam interferir por se tratar de assunto relativo ao mandato firmado entre os autores e este réu, entendendo que nem sequer lhes cabia alertar os autores titulares da conta. Deste modo, deverá ser eliminado dos factos não provados o ponto 59), o qual deverá ser incluído nos factos provados: Ponto 59) - O BPG proporcionou uma abertura célere da conta, preparou os documentos que possibilitavam ao réu CC a tomada de decisões sobre o capital da falecida autora BB, incluindo o mandato e a autorização de levantamento do dever de sigilo, mas não encetou esforços para controlar a execução do mandato”. Verifica-se que, ao contrário do que parece decorrer das alegações do recorrente, o Tribunal recorrido procedeu à alteração dos pontos 51) e 59) não – ou não exclusivamente – ao abrigo do disposto no artigo 623.º do CPC, mas com apoio em meios de prova sujeitos à sua livre apreciação (prova testemunhal e de declarações de parte). Ora, é jurisprudência dominante neste Supremo Tribunal que as questões que se prendem com a apreciação de prova sujeita ao princípio da livre apreciação constituem matéria não sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. artigos 674.º, n.º 3, do CPC, 396.º e 361.º do CC)3. Assim sendo, este Tribunal fica impedido de se pronunciar sobre a questão neste ponto Relativamente ao aditamento dos factos constantes dos pontos 62), 63), 64) e 65), ele vem fundamentado no Acórdão recorrido nos termos seguintes: “Finalmente ao abrigo dos artigos 607.º n.º 4 e 663.º n.º 2 do CPC e com base na certidão de fls. 935 a 1121 a que se refere a alínea P) dos factos assentes, retirada do recurso de contra ordenação n.º 22/11.6..., contendo a acusação da CMVM contra os ora réus, a decisão condenatória dos ora réus a sentença da 1.ª instância que confirmou a condenação relativamente ao recorrente BPG e o acórdão da Relação de Lisboa que confirmou a sentença da 1.ª instância, são aditados os seguintes factos: Ponto 62) — No processo de contra-ordenação n.º 09/2007, que correu termos na CMVM, foi deduzida acusação contra os ora réus CC e Banco Português de Gestão, SA, tendo os mesmos sido condenados, respectivamente, na coima de 30 000,00 euros pela prática dolosa de uma contra-ordenação prevista nos artigos 397.º n.º1 e 388.º n.º 1 al. a) do CVM e na coima de 40 000,00 euros pela prática, na forma de cumplicidade, de uma contra-ordenação dolosa prevista nas mesmas disposições legais. Ponto 63) — Interposto recurso dessa condenação, em 27/01/2012 foi proferida sentença nos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, que manteve a condenação do BPG, pela prática dolosa e como cúmplice, de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 289.º n.º 2, 397.º n.º 1 e 388.º n.º 1 do CVM, na coima de 40 000,00 euros e esta sentença foi confirmada por acórdão da Relação de Lisboa de 11/07/2012, transitado em julgado. Ponto 64) — O processo de contra-ordenação emergiu de uma reclamação apresentada pela falecida autora BB, pelos factos em apreço nos presentes autos. Ponto 65) — Na decisão da CMVM, confirmada judicialmente em duas instâncias judiciais e transitada em julgado, foi considerado provado, entre outros factos, que não foi feito o perfil de investidora da reclamante, que o réu CC tinha conta aberta no BPG desde Março de 2003, passando depois, ainda em 2003, a ter aí também conta a sociedade C..., Lda, de que este réu era sócio na proporção de 50% e na proporção de 98% a partir de Julho de 2004, havendo um acordo para a realização de trabalhos de análise de mercados financeiros estabelecido entre o BPG e os dois sócios da C..., Lda, sendo os respectivos pagamentos depositados nestas contas, sendo que no período de 30/09//2003 a 31/03/2004, a C..., Lda recebeu do BPG a quantia de 131 453,92 euros, que CC nunca esteve registado junto da CMVM para o exercício de intermediação financeira, que este era mandatário de outros clientes do BPG em termos semelhantes aos dos autores, sendo sete as contas cujos titulares o constituíram mandatário, que num período de cerca de quatro anos, CC deu um total de 2 655 ordens de bolsa relativamente às contas de que dispunha de mandato, que o valor total de operações da carteira da ora autora foi de 26 184 103,22 euros, que apenas o réu CC dava ordens relativamente às contas em causa, que as ordens eram dadas de acordo com um perfil de risco único, em regra nos mesmos sentidos de compra e venda para todos os clientes e que o réu BPG sabia que CC não estava registado junto da CMVM”. Decorre daqui que o Tribunal recorrido incorporou no elenco dos factos provados factos precisos atinentes ao teor das decisões referidas na alínea P) dos factos assentes. Constava desta alínea “Considera-se aqui reproduzido o teor da decisão, sentença e acórdão, já transitados em julgado, cuja cópia integra a certidão de fls. 935 a 1121”. Importa saber se esta actividade extravasa ou não aquilo que é permitido ao Tribunal da Relação. O recorrente alega que há violação da lei e a norma que invoca é, como se sabe, o artigo 623.º do CPC. Conforme se explica no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.02.2022 (Proc. 807/17.0T8STS-B.P1.S1), esta norma “(…) estabelece, em relação a terceiros, uma presunção ilidível no que se refere à «existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam à formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração». Em termos de procedimento probatório, a actuação desta presunção implica que o sujeito que dela beneficia está dispensado de provar os factos, apurados na sentença penal, que revestem na acção civil (em que se discutam relações jurídicas dependentes ou relacionadas) a categoria de “factos constitutivos” (em relação ao arguido). A “prova” da base da presunção cumpre-se com a junção da certidão da sentença condenatória definitiva e o autor fica desonerado de demonstrar os “factos presumidos” (os factos que constam da fundamentação da sentença penal) que lhe aproveitam enquanto pressuposto da norma ou do regime que invoca4; porém, aos terceiros estranhos ao processo penal, em homenagem ao princípio do contraditório, a lei permite que essa imposição factual fora do processo penal possa ser afastada”. Na doutrina, destaca-se o comentário à norma de Maria José Capelo: “Trata-se, claramente, de uma presunção especial (…). Os factos presumidos não são realmente factos “desconhecidos”. São factos que constam (ou devem constar) da fundamentação da sentença penal. Estas presunções assentam na tendencial coincidência entre o facto presumido e a verdade, sendo esta, nas hipóteses em análise, a “verdade penal”. Estamos, por conseguinte, perante uma situação sui generis, cuja consagração não tem em consideração tanto a dificuldade de prova dos factos “presumidos”, mas sim uma “confiança” na averiguação dos factos feita pelo juiz penal. A ilação assenta na tese de que é provável que existam os factos, apurados pelo juiz penal, que têm concomitantemente relevância civil” 5. Ainda a propósito, veja-se o que diz Cristina Dá Mesquita: “Os artigos 623.º e 624.º do CPC reportam-se à utilização probatória de parte da fundamentação da sentença penal em ação de responsabilidade civil o que constitui matéria independente das questões relativas à admissibilidade, admissão e valoração no julgamento civil de meios de prova recolhidos ou produzidos no processo penal, aquilo que o Professor Rui Pinto designa como «prova emprestada de um processo a outro». (…) As ações cíveis de responsabilidade civil fundada na prática de um crime que envolvem problemas de prova relativos a sentenças penais que estão para além da interpretação e aplicação dos artigos 623.º e 624.º do CPC. Se o facto «condenação» ou «absolvição penal» integrar o objeto do processo civil (ainda que não seja facto constitutivo mas facto complementar ou facto instrumental22), o tribunal tem de aplicar as regras sobre a prova documental. Domínio em que a certidão da sentença constitui documento autêntico que prova, por exemplo, que determinado arguido foi condenado ou absolvido por determinado crime, atento, nomeadamente, o disposto no artigo 446.º, n.os 1 e 3, do CPC conjugado com as normas dos artigos 362.º, 363.º, n.º 2, 369.º a 371.º do Código Civil — em particular, o artigo 371.º, n.º 1, quando em matéria de força probatória, prescreve que os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora. Em suma, o conhecimento judicial do conteúdo da sentença penal, para servir como prova direta de um facto objeto do processo civil ou de meio de prova para inferências do tribunal, depende sempre da aplicação das regras sobre prova documental. Essas regras conjugadas com o princípio do contraditório, os limites do caso julgado e a independência dos processos penal e civil impedem que, sem suporte em norma probatória especial, o tribunal civil empreenda inferências diretas com base apenas nos juízos expressos na sentença penal e que a respetiva fundamentação em matéria de facto possa ser diretamente exportada para o julgamento sobre os temas de prova da ação civil. As normas dos artigos 623.º e 624.º do CPC tratam da eficácia probatória da fundamentação da sentença penal e não da força do caso julgado”6. A interpretação do artigo 623.º do CPC funcionaliza-se, nestes autos, à questão da aplicabilidade no / extensão ao âmbito de processos contra-ordenacionais. O certo é que este Supremo Tribunal já se pronunciou expressamente quanto à questão – em sentido negativo. Se não, vejam-se os seguintes arestos: - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.10.2018 (Proc. 826/14.8T8GRD.C1.S2), onde se diz: “O art. 623.º do CPC (oponibilidade a terceiros da decisão penal condenatória) apenas se aplica quando está em causa uma decisão condenatória em processo penal e já não em processo de contra-ordenação, pelo que a circunstância de a entidade patronal do sinistrado ter sido condenada em coima, no âmbito de um processo contra-ordenacional, por ter omitido os procedimentos de segurança a que se achava adstrita, não impunha que os factos que aí foram dados como provados fossem extraídos para o processo cível”. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.04.2016 (Proc. 127/10.0TBPDL.L1.S1), onde se lê: “O regime do disposto no art. 623.º do CPC não deve ser aplicado em caso de condenação definitiva de um sujeito em processo de contra-ordenação”. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2015 (Proc. 1549/10.2TBFLG.P1.S1), onde se afirma: “I - O art. 623.º do NCPC (2013), referindo-se à condenação definitiva proferida no processo penal, somente em relação a esta estabelece a presunção, que se impõe ao juiz cível, e que é ilidível, no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime. II - A decisão judicial homologatória de medida tutelar educativa proferida no âmbito do art. 104.º, n.º 4, da LTE, aprovada pela Lei n.º 166/99, de 14-09, não se equipara a sentença penal a que possa aplicar-se o disposto no art. 623.º do NCPC. III - Limitando-se o efeito do caso julgado da decisão homologatória à concordância dada por todos os intervenientes relativamente à medida tutelar educativa proposta pelo MP, não podem nele incluir-se os factos qualificados na lei como crime e imputados ao menor como justificativos da sua aplicação”. A favor deste entendimento podem convocar-se, de acordo com o citado Acórdão de 5.04.2016, desde logo, dois argumentos – o argumento literal e o argumento teleológico. Quanto ao argumento literal: “Nos termos do art. 9º nº 3 do C.Civil “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, donde decorre que quando o legislador se referiu, no dito art. 623º, ao processo penal, só a este se quis referir. Não é compreensível, se fosse intenção do legislador integrar na dita disposição a decisão proferida no processo de contra-ordenação, não lhe tivesse feito uma referência expressa, tanto mais que nas diversas reformas ocorridas posteriormente à introdução do dispositivo no sistema legal, não diligenciou por qualquer modificação nesse sentido (inserindo aí as decisões contra-ordenacionais). Ou seja, o que o legislador quis dizer na formulação do art. 623º foi precisamente o que disse, o que serve para excluir qualquer a interpretação extensiva da norma[8], visto que esta só terá lugar, como é sabido, quando se conclua “pela certeza de que o legislador se exprimiu restritivamente, dizendo menos do que pretendia (minus dixit voluit”) – in Parecer nº 71/76 da PGR de 8-7-1976, BMJ 263º, 103”. Quanto ao argumento teleológico: “o direito contra-ordenacional não se identifica, nem material nem formalmente com o processo penal. (…) A este propósito não será demais focar que, estando o processo penal imbuído do objectivo primacial da descoberta da verdade material (o que não sucede com o processo de mera ordenação social, que postula e sanciona meras regras de convivência social, decorrentes do crescente intervencionismo do Estado), compreende-se que à sentença penal seja atribuída uma peculiar segurança e que, por isso, o legislador de 1995 lhe tenha conferido a confiança necessária de forma a estabelecer a presunção a que alude o dito dispositivo, “no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal”. Isto é, o legislador entendeu existirem condições para o juiz cível confiar e acreditar no julgamento efectuado no processo penal, quanto aos ditos elementos”. É verdade que, no caso dos autos, o processo contra-ordenacional foi confirmado em 1.ª instância e na Relação, conforme consta da respectiva certidão. Mas esta circunstância (i.e., haver, além da decisão administrativa, genuínas decisões judiciais) não retira ao processo a sua natureza (contra-ordenacional) nem torna possível equipará-lo ao processo penal. Veja-se que toda a fase instrutória obedece às regras previstas no processo contra-ordenacional e não às regras do processo penal. E mesmo na fase de julgamento as regras adjectivas a considerar são as contidas ao Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) e só subsidiariamente as regras do Código de Processo Penal, caso não sejam contrárias a este regime (cfr. artigo 41.º do RGCO). Fica bem ilustrado aquilo a que Maria José Capelo e Nuno Brandão chamam “autonomia recíproca formal e material entre o direito penal e o direito contra-ordenacional” – a “distinta e autónoma natureza do sistema sancionatório contra-ordenacional face ao sistema sancionatório penal”7. Concluem (também) estes autores que “[a] autonomia recíproca, de natureza formal e material, que caracteriza a contraposição constitucional e legal do direito penal e do direito contra-ordenacional, não consente que os arts. 623.º e 624.º do CPC sejam interpretados extensivamente no sentido de englobar as decisões proferidas no processo contra-ordenacional. Com efeito, a assimetria material entre o direito processual penal e o direito processual contra-ordenacional e a marcada diferença de garantias processuais que os distingue vedam a concessão de qualquer espécie de relevo das decisões finais contra-ordenacionais sobre uma futura causa civil, quer em relação a terceiros, quer em relação àquele que foi arguido no processo de contra-ordenação”8. Sendo ponto assente que o artigo 623.º do CPC não é aplicável no / extensível ao âmbito dos processos contra-ordenacionais, sejam eles compostos – saliente-se – de decisões somente de natureza administrativa ou também judicial, não há como não concluir que o artigo 623.º do CPC não constitui fundamento para a alteração da decisão sobre a matéria de facto. Mas será que era de todo em todo impossível “aproveitar” o processo contra-ordenacional para o efeito de proceder àquela alteração? Na disciplina do Direito probatório material, é possível encontrar uma norma – o artigo 371.º do CC – que parece revestir-se de interesse para o caso. Dispõe-se nesta norma: “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador”. O disposto nesta norma insta a ponderar o valor probatório da sentença / decisão judicial enquanto documento autêntico. A questão foi pormenorizadamente estudada por Maria José Capelo9. Vale a pena reproduzir algumas das suas considerações: “A força probatória dos documentos emanados de uma autoridade pública, como são os tribunais, é a que está estabelecida no n.º 1 do artigo 371.º. Segundo este preceito, só se consideram plenamente provados os factos como aí praticados pela autoridade ou oficial público e aqueles que forem atestados com base nas percepções da entidade documentadora. Numa visão correcta, o jurista brasileiro Botelho de Mesquita sublinhou que ‘o instrumento que corporifica uma sentença condenatória ou constitutiva serve como meio de prova da existência do acto jurisdicional mas não produz os efeitos deste’, pelo que a sentença servirá como documento se se ‘tratar de provar a data, o local, ou o teor da sentença, ou a existência de algum declaração ou afirmação produzida pela parte no processo, ou algum acontecimento, como a presença desta ou daquela pessoa à audiência’. Em suma, na sua função representativa, a sentença prova a existência dos actos praticados pelo juiz como aqueles que, por este, foram atestados (exemplo: o facto de uma pessoa ter sido ouvida como testemunha e a data em que a sentença foi proferida). Neste enquadramento nada se pode deduzir quanto ao carácter vinculativo da própria decisão e/ou do seu conteúdo” 10. Conclui a autora a final: “Em síntese, na sentença, enquanto documento narrativo, perspectiva-se o juiz como ‘testemunha privilegiada’, sendo que, na parte em que é dispositiva, fica demonstrada a existência de uma decisão. Nada mais é possível retirar desse papel probatório enquanto documento autêntico. Dir-se-á que a função de meio de prova, enquanto documento dotado de força probatória plena, termina quando ‘começa’ a eficácia da decisão nele contida” 11. Regressando ao caso em apreço, torna-se visível que, ao abrigo desta norma, o Tribunal recorrido podia extrair do processo contra-ordenacional as decisões condenatórias e o teor das decisões condenatórias. Quer isto dizer que a alteração da decisão sobre a matéria de facto respeitante aos pontos 62) e 63) está em conformidade com a lei. Em contrapartida, no que toca à alteração dos pontos 64) e 65), que se reportam a factos do processo contra-ordenacional, ela não poderia ter sido feita, por manifestamente extrapolar do que é autorizado pela lei. Impõe-se, assim, a anulação do Acórdão recorrido nesta parte. * III. DECISÃO Pelo exposto, decide-se anular o Acórdão recorrido e determinar, nos termos do artigo 682.º, n.º 3, do CPC, a remessa dos autos ao Tribunal da Relação, para que, se possível, os mesmos juízes procedam à alteração da decisão sobre a matéria de facto em conformidade com o acima explicitado e, seguidamente, profiram decisão de mérito. * Custas a final. * Lisboa, 9 de Maio de 2024 Catarina Serra (relatora) Cura Mariano Fernando Baptista ________
1. O Tribunal recorrido procedeu à reapreciação da prova, tendo alterado a decisão sobre a matéria de facto. Assinalam-se a negrito e a itálico as alterações introduzidas. 2. Cfr., neste sentido, entre tantos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.10.2009 (Proc. 1834/03.0TBVRL-A.S1). 3. Cfr., neste sentido entre tantos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.02.2021 (Proc. 1206/06.4TVPRT.P2.S1, de 2.062021 (Proc. 1281/12.2TBMCN.P2.S1), de 13.10.2020 (Proc. 12521/14.3T8LSB.L1.S1), de 29.10.2020 (Proc. 3214/18.3T8PNF.P1.S1), de 31.03.2022 (Proc. 1721/17.4T8VIS-A.C1.S1), e de 17.11.2020 (Proc. 866/18.8T8ALM.L1.S1). 4. Para a operatividade desta “presunção especial”, “cuja consagração não tem em consideração tanto a dificuldade de prova dos factos ‘presumidos’, mas sim uma ‘confiança’ na averiguação dos factos feita pelo juiz penal” cfr. Maria José Capelo, A sentença entre a autoridade e a prova. Em busca de traços distintivos do caso julgado civil, Coimbra, Almedina, 2015, pp. 214 e s. 5. Cfr. Maria José Capelo, A sentença entre a autoridade e a prova. Em busca de traços distintivos do caso julgado civil, cit., pp. 212-213. 6. Cfr. Cristina Dá Mesquita, “Prova na ação de responsabilidade civil fundada na prática de crime e factos provados na fundamentação da sentença penal”, in: Julgar Online, Janeiro de 2018, pp. 12 e s-. (sublinhados nossos). 7. Cfr. Maria José Capelo / Nuno Brandão, “A eficácia probatória das sentenças penais e das decisões finais contra-ordenacionais no âmbito do processo civil”, in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, 2017, n.º 4006, p. 32. Segundo os autores (p. 33), é reconhecido tanto na doutrina como na jurisprudência que, “quando vistos como um todo, o direito penal e o direito de mera ordenação social constituem sistemas sancionatórios autónomos entre si, não só num plano formal, como ainda num plano substancial”, 8. Cfr. Maria José Capelo / Nuno Brandão, “A eficácia probatória das sentenças penais e das decisões finais contra-ordenacionais no âmbito do processo civil”, cit, p. 41. 9. Cfr. Maria José Capelo, A Sentença entre a Autoridade e a Prova, cit., pp. 103 a 114. 10. Cfr. Maria José Capelo, A Sentença entre a Autoridade e a Prova, cit., pp. 107-108. 11. Cfr. Maria José Capelo, A Sentença entre a Autoridade e a Prova, cit., p. 114. |