Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1010/22.2T8PTM.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: ADOÇÃO
ADOÇÃO PLENA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
HERDEIRO
Data do Acordão: 06/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Os efeitos da adopção são os que resultam da lei em vigor ao tempo em que foi decretada.

II - Tendo a autora sido adoptada restritivamente em 1984, a eliminação da adopção restrita pela Lei nº 143/2015 de 08/09, que instituiu uma única modalidade de adopção, muito próxima da conhecida como adopção plena até 2015, não converte a autora em herdeira dos adoptantes.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA, instaurou a presente acção declarativa contra BB, pedindo:

a) Ser reconhecido judicialmente e a Ré condenada a ver reconhecido que a A. é herdeira de CC;

b) Ser reconhecido judicialmente e a Ré condenada a ver reconhecido que os bens identificados em 5, fazem parte do acervo hereditário deixado por óbito de CC;

c) Ser reconhecido judicialmente e a Ré condenada a ver reconhecido a impugnação e declaração da falsidade dos dizeres constantes da escritura pública de habilitação de herdeiros, lavrada de folhas 24 a folhas 24 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas N.º 204-A do Cartório Notarial do Dr. DD, sito na Rua da ..., ..., na qual EE declarou ser o único herdeiro de CC, porquanto os herdeiros de CC são EE e a A. AA;

d) Ser reconhecido judicialmente e a Ré condenada a ver reconhecido a nulidade da doação constante da escritura pública de 06/12/2018, lavrada de folhas 126 a folhas 127 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas N.º 206-A do Cartório Notarial do Dr. DD, sito na Rua ..., ..., na qual foi operada a transmissão a favor da Ré dos bens supra identificados em 5;

e) Ser ordenado o cancelamento do registo de aquisição a favor da Ré dos bens supra identificados em 5 (Ap. ..67 de 31/02/2019).

Para tanto, alegou ser filha de EE e CC, entretanto falecidos, sendo que antes o pai outorgou escritura de habilitação de herdeiros na qual declarou falsamente ser o único herdeiro da mulher falecida e depois doou à ré os bens imóveis que integravam a herança da mulher, mãe da autora, sendo que todos conheciam a qualidade de sucessora da autora.

A ré contestou no sentido da improcedência da acção, alegando que os pais adoptaram a autora mediante adoção restrita decretada a 24 de outubro de 1984, sendo que a alteração da lei – eliminação da adoção restrita - não eliminou os vínculos constituídos e os seus efeitos, concluindo assim que a autora não será herdeira legitimária de EE e CC.

Findos os articulados, a Senhora Juiz conheceu do mérito da causa, tendo proferido sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré dos pedidos.

A Autora interpôs recurso da sentença.

O Tribunal da Relação de Évora julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão da 1ª instância.

Ainda inconformada, a Autora interpôs recurso de revista excepcional, que foi admitido, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 - O presente recurso é interposto do acórdão datado de 07/12/2023, que julgou improcedente a apelação, condenando ainda a recorrente nas custas do processo.

2 - Salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, não terá sido efetuada uma correta aplicação do direito.

3 - Embora o acórdão recorrido tenha mantido a decisão que foi proferida em primeira instância entende a recorrente que se encontram preenchidos os pressupostos enunciados no artigo 672, N.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, para que o presente recurso deva ser apreciado, porquanto no caso colocam-se questões com relevância jurídica cuja apreciação é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nomeadamente a adequada interpretação e aplicação das normas relativas à aplicação da lei no tempo e os efeitos jurídicos decorrentes da entrada em vigor da Lei N.º 143/2015 de 8 de setembro, que alterou o Código Civil e o Código de Registo Civil em matéria de adoção e também aprovou o Regime Jurídico do Processo de Adoção.

4 - Com as alterações promovidas ao Código Civil pela Lei N.º 143/2015, de 8 de setembro, deixou de haver a distinção que havia entre a adoção plena e a adoção restrita – passou apenas a haver adoção –o que naturalmente teve efeitos a nível sucessório, pelo que se justifica a intervenção deste Colendo Tribunal.

5 - Acresce que, a recorrente aquando do recurso que interpôs da decisão proferida em primeira instância, em virtude do recurso se reportar exclusivamente a matéria de direito e se encontrarem preenchidos os demais requisitos estipulados no artigo 678, N.º 1, do Código de Processo Civil, requereu que o mesmo subisse diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, o que não sucedeu, no que constitui uma clara violação da lei processual.

6 - Tendo esta violação sido arguida perante o tribunal recorrido o mesmo considerou “A invocada nulidade a existir está sanada pelo decurso do tempo, improcedendo o requerido a este respeito.”

7- Esta decisão tomada pelo tribunal recorrido violou o disposto no artigo 641, N.º 5 e artigo 678, N.º 1, ambos do Código de Processo Civil.

8 - Embora o tribunal de primeira instancia tenha remetido os autos ao Tribunal da Relação de Évora, este, em cumprimento do que seencontraestatuído nomencionado artigo 641, N.º 5, do Código de Processo Civil e do que tinha sido requerido pela recorrente, devia ter remetido os autos para o Supremo Tribunal de Justiça.

9 - Assim, os presentes autos em sede de recurso deviam “ab initio” ter sido remetidos a este Colendo Tribunal.

10 - A A. é filha de EE e de CC em virtude de por sentença de 24 de outubro de 1984 ter sido decretada a sua adoção restrita pelos mesmos, tendo mudado de nome para AA.

11 - CC, faleceu em .../08/2018, tendo deixado testamento no qual instituiu herdeiro da quota disponível, o seu cônjuge, EE, fazendo parte do seu acervo hereditário bens imóveis identificados no artigo 5 da p.i..

12 - EE, faleceu em .../.../2020, no estado de viúvo de CC, tendo deixado testamento no qual instituiu herdeiro da quota disponível a Ré e no qual instituiu legados.

13 - Por escritura pública de .../12/2018, EE, tinha doado à Ré bens que fazem parte do acervo hereditário deixado por óbito de CC de quem a A. é igualmente herdeira.

14 O acervo hereditário deixado por óbito de CC e de EE de quem a A. é igualmente herdeira encontra-se por partilhar.

15 - A doação realizada à Ré é nula.

16. Com a entrada em vigor da lei nº 143/2015 de 08.09, foi alterado o Código Civil e o Código de de Registo Civil em matéria de adoção, sendo os efeitos substantivos da nova Lei de aplicação imediata (artigo 10, N.º 1, da Lei N.º 143/2015, de 8 de setembro e artigo 12, N.º 1, 1ª parte do Código Civil).

17 - Com as alterações promovidas ao Código Civil pela Lei N.º 143/2015, de 8 de setembro, deixou de haver a distinção que havia entre a adoção plena e a adoção restrita – passou apenas a haver adoção.

18 - O que naturalmente teve efeitos a nível sucessório, fazendo com que a A., sendo filha dos falecidos, seja herdeira legitimária dos mesmos.

19 - O tribunal de primeira instância e o tribunal recorrido fizeram “tábua raza” das alterações que foram introduzidas no Código Civil pela Lei N.º 143/2015, de 8 de setembro, nomeadamente a revogação do artigo 1977 e a nova redação do artigo 1986, N.º 1.

20 - A Lei N.º 143/2015, de 8 de setembro, pôs fim à distinção que havia entre a adoção plena e a adoção restrita, a partir da sua entrada em vigor passou a apenas haver adoção, com os efeitos constantes da nova redação ao artigo 1986, N.º 1, do Código Civil, tudo em consonância com o que consta do artigo 12, N.º 1 e N.º 2, segunda parte, do Código Civil.

21 - No entanto, o tribunal recorrido em vez de tirar as devidas ilações do que consta no artigo 12, N.º 2, 2ª parte, do Código Civil, socorrendo-se de uma opinião doutrinária considera: “… que a lei n.º 143/2015 pretendeu que não se constituíssem vínculos novos de adoção restrita, mas não teve qualquer propósito de eliminar os vínculos anteriores e os seus efeitos.”, entendimento este que contende com o que consta no artigo 9, N.º 3, do Código Civil.

22 - A solução preconizada pelo tribunal recorrido assenta em normas que já não existem porquanto cessou a distinção que haviaentre adoçãoplenae adoçãorestrita, nestemomento, háapenas adoçãoe por outro lado faz referência a uma realidade (apadrinhamento civil) distinta daquela a que se reportam os autos.

23 - A Lei N.º 143/2015, de 8 de setembro não se debruçou apenas sobre o regime da adoção restrita, também se debruçou sobre o regime da adoção plena, unificando os dois regimes, passando a haver apenas “adoção”, sem distinção.

24 - A Lei do Apadrinhamento Civil (Lei 103/2009 de 11 de setembro que entrou em vigor em 28 de outubro de 2010, no seguimento da publicação do Decreto-Lei nº 121/2010, de 27 de outubro,) coexistiu no ordenamento jurídico com a adoção plena e com a adoção restrita. Esta Lei não interferiu com o regime jurídico da adoção e muito menos substituiu a adoção restrita, nem a revogou.

25 - O apadrinhamento civil e a adoção são realidades diferentes que coexistiram e continuam a coexistir.

26 - Da sentença recorrida não consta que a solução preconizada esteja de harmonia com o “espírito da lei” e muito menos que haja um mínimo de correspondência da “letra da lei” com o referido “espírito”, sentença recorrida que assim violou o disposto no artigo 9 do Código Civil, porquanto não há qualquer indício que o legislador tivesse querido manter em vigor as normas que eram aplicadas às adoções restritas já constituídas.

27 - Os efeitos a nível sucessório da nova Lei não é uma realidade desconhecida do nosso ordenamento jurídico, o mesmo já tinha sucedido com a entrada em vigor da Constituição da República de 1976 e das consequentes alterações que foram introduzidas no Código Civil pelo Decreto-Lei N.º 496/77, de 25 de novembro, pondo fim à distinção que havia entre “filhos legítimos” e filhos “ilegítimos”, bem como conferindo um novo estatuto ao cônjuge sobrevivo.

28 - Por outro lado, resulta dos testamentos de CC e de EE que os mesmos não excluíram a A. das suas sucessões porquanto dos testamentos constata-se que as disposições que foram efetuadas o foram por conta da quota disponível havendo, por isso, a consciência de que teriam outros sucessores, nomeadamente a A., cujo quinhão teria de ser respeitado, o que, com a decisão que foi proferida não sucede.

Contra alegou a Recorrida pugnando pela improcedência da revista.


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Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto da revista:

- Saber se a Autora, adoptada restritivamente em 1984, adquiriu a qualidade de herdeira dos adoptantes na sequência da entrada em vigor da Lei nº 143/2015, de 8/9;

- Nulidade das escrituras de habilitação de herdeiros e de doação supra infra referidas.

Fundamentação.

Fundamentos de facto.

Vem provada a seguinte matéria de facto:

1. FF nasceu no dia ... de ... de 1975, tendo sido registada como filha de GG e de HH – fls. 7;

2. Por sentença de 24 de outubro de 1984 veio a ser decretada a sua adoção restrita por EE e CC, tendo mudado de nome para AA, decisão que veio a ser averbada no registo a ... de ... de 2011 – fls. 7 v.;

3. CC faleceu no dia ... de ... de 2018 – fls. 8 v.;

4. EE faleceu no dia ... de ... de 2020 – fls. 25 v.;

5. Ambos deixaram património e testamento, não mencionando a autora como herdeira ou legatária.


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Fundamentação de direito.

Com a admissão da revista a título excepcional, pela formação prevista no nº3 do art. 672º, nº3, do CPC, encontra-se ultrapassada a questão suscitada nas conclusões 1ª a 9ª.

Está em causa saber se a Autora/recorrente, que foi adoptada restritivamente por EE e CC por sentença de Outubro de 1984, adquiriu a qualidade de herdeira dos adoptantes por força da eliminação da modalidade de adopção restrita pela Lei nº 143/2015, de 09/09.

A acção improcedeu nas instâncias, no essencial por se ter entendido que os efeitos da adopção regem-se pela lei em vigor ao tempo em que foi decretada, não sendo de aplicar às adopções já decretadas o regime jurídico da adopção resultante da Lei nº143/2015.

Dissentindo do assim decidido, sustenta a Recorrente que a Relação e bem assim a 1ª instância cuja sentença confirmou, não extraíram as devidas consequências da vontade do legislador de eliminar a adopção restrita, pelo que tendo deixado de haver distinção entre a adoção plena e a adoção restrita – passando a haver apenas adopção – tal não pode deixar de ter efeitos a nível sucessório, fazendo com que a A., sendo filha dos falecidos, seja herdeira legitimária dos mesmos.

Vejamos.

A adopção é, a par do casamento, do parentesco e da afinidade, fonte de relações familiares (cfr. art. 1576º do CCivil).

A noção de adopção consta do art. 1586º do CCivil: “A adopção é o vínculo que, à semelhança da filiação natural, mas independentemente dos laços de sangue, se estabelece entre duas pessoas nos termos dos artigos 1973º e seguintes.”

Ao tempo em que foi decretada a adopção da Recorrente, no ordenamento jurídico nacional vigoravam duas modalidades de adopção: a plena e a restrita, consoante a extensão dos seus efeitos (art. 1977º, nº1 do CCivil).

O regime jurídico da adopção sofreu uma profunda alteração com a Lei nº 143/2015 de 09/09, que aprovou o novo regime jurídico do processo de adopção e revogou os artigos 1992º a 2002º-D do Código Civil que regulavam o regime da adopção restrita.

Como a adopção da Autora foi decretada por sentença proferido no domínio da legislação anterior à Lei nº 143/2015, importa fazer um breve excurso pelos efeitos das duas modalidades da adopção que à data a lei contemplava.

Os efeitos da adopção plena constavam do art. 1986º, cujo nº1 dizia: “Pela adopção plena, o adoptado adquire a situação de filho do adoptante e integra-se com os seus descendentes na família deste, extinguindo-se as relações familiares entre o adoptado e os seus ascendentes e colaterais naturais, sem prejuízo do disposto quanto a impedimentos matrimoniais nos artigos 1602º a 1604º.”

A Lei nº 143/2015, por ter passado a existir uma única modalidade de adopção, suprimiu a palavra plena na redacção do art. 1986º, mantendo-se no mais idêntica a redacção do preceito.

Bem diferentes eram os efeitos da adopção restrita, como emergia dos artigos 1994º, 1996º, 1999º, todos revogados pela Lei nº 143/2015.

Art. 1994: “O adoptado conserva todos os direitos e deveres em relação à família natural, salvo as restrições estabelecidas na lei.”

Art. 1996º: “O adoptado, ou os seus descendentes, e os parentes do adoptante não são herdeiros legítimos ou legitimários de uns e outros, nem ficam vinculados à prestação de alimentos.

Art. 1999º, sob a epígrafe Direitos Sucessórios:

1.O adoptado não é herdeiro legitimário do adoptante, nem este daquele.

2. O adoptado, e por direito de representação, os seus descendentes são chamados à sucessão como herdeiros legítimos do adoptante, na falta de cônjuge, descendentes ou ascendentes.

3. O adoptante é chamado à sucessão como herdeiro legítimo do adoptado ou de seus descendentes, na falta de cônjuge, descendentes, ascendentes, irmãos e sobrinhos do falecido.

Cabe ainda referir a irrevogabilidade da adopção plena – “a adopção plena não é revogável nem sequer por acordo do adoptante e do adoptado” (art. 1989º) – ao contrário da adopção restrita que era “revogável a requerimento do adoptante ou do adoptado, quando se verifique alguma das ocorrências que justificam a deserção dos herdeiros legitimários” (art. 2002º-B).

Em síntese, como referido por F. M. Pereira Coelho, “a adopção restrita, tal como a palavra diz, tem efeitos restritos, efeitos que a lei tem o cuidado de enumerar. Ao contrário do que acontece em caso de adopção plena o adoptado restritivamente não adquire a situação de filho do adoptante nem se integra na família dele. Não sai da sua família natural, em relação à qual mantém, em princípio, todos os direitos e deveres ( Curso de Direito de Família, Coimbra Editora, 1986, p. 49).

Sendo incontroverso que a Autora, adoptada restritivamente em Outubro de 1984, não era herdeira dos adoptantes, importa saber se o passou a ser por força da eliminação da modalidade de adopção restrita pela Lei nº 143/2015 de 08/09.

A resposta é inequivocamente negativa.

A Lei nº 143/2015, entrou em vigor no dia 09 de Dezembro daquele ano (art. 11º), estatuindo o art. 10º que “o regime jurídico do processo de adopção, aprovado em anexo à presente lei, é de aplicação imediata sem prejuízo da validade dos actos praticados na vigência da lei anterior.

O que está em consonância com o princípio geral do art. 12º, nº1, do Cód. Civil quanto à aplicação das leis no tempo: “A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.”

Ficam, pois, ressalvados os efeitos e conteúdo das relações existentes à data da entrada em vigor da nova lei, que foram os queridos pelos adoptantes, que não podendo ignorar os efeitos de uma e outra modalidade de adopção, optaram pela restrita.

O que tudo leva a concluir terem as instâncias ajuizado bem ao negarem a pretensão da Autora uma vez que - adoptada restritivamente nos termos das disposições dos arts. 1992º a 2002º do Código Civil, entretanto revogadas – não adquiriu, com a eliminação da modalidade de adopção restrita, a posição de herdeira legitimária dos adoptantes; os direitos e deveres que lhe assistem são os que a lei previa ao tempo em que adopção foi decretada.

Como correctamente se escreveu no acórdão recorrido:

“A lei nova – a lei n.º 143/2015 – não quis alterar o conteúdo típico da adoção restrita (que continua a aceitar pacificamente com base no apadrinhamento civil); apenas se refere ao facto que costumava dar-lhe origem, para o suprimir; e é por isso que só se aplica para futuro, ressalvando não só os factos constitutivos dos vínculos anteriores, mas também todo o seu conteúdo típico (Guilherme de Oliveira).

A adopção restrita foi eliminada. Não foi convertida em adopção plena, contrariamente ao defendido pela Recorrente.

A Lei n.º 143/2015, não pretendeu, nem concedeu a constituição de novos vínculos com base na adopção restrita, já decretada e que foi revogada. Manteve, no entanto, os vínculos jurídicos constituídos e os seus efeitos.

A Autora não pode chamar a si um instituto que não foi o querido pelos adoptantes e que não foi determinado pela lei, que revogou o instituto da adopção restrita.

O adoptado pelo vínculo de adopção restrita não adquiria a qualidade de filho dos adoptantes. Nessa qualidade o adoptado não é herdeiro legitimário do adoptante, nem este daquele – art. 1999.º, n.º 1 (vigente na data em que foi decretada a adopção).”

No mesmo sentido, Ana Rita Alfaiate, in Código Civil Anotado, Livro IV, Direito de Família, Almedina, Coordenação de Maria Clara Sottomayor, pag. 1049:

“Não tendo o legislador esclarecido por que lei devem reger-se as adoções restritas já constituídas, ou seja, ao ter eliminado o instituto sem prever sequer um regime transitório, acompanhamos os autores que defendem que devem aqui ser aplicadas as regras gerais e que a revogação deve, na realidade, ter expressão apenas do ponto de vista do impedimento de constituição de novos vínculos com este figurino, não se prejudicando, todavia, os efeitos produzidos ou esperados à data da constituição dos vínculos já existentes.” (…)

Mantendo-se, pois, o conteúdo e efeitos das relações existentes à data da entrada em vigor da nova lei, relativamente aos adotados restritivamente (…) estes não são herdeiros legitimários do adotante (nem os adotantes seus herdeiros legitimários), embora possam ser chamados à sucessão como herdeiros legítimos, na falta de cônjuge, descendentes ou ascendentes (art. 1999º - revogado).”

Com a resposta negativa à primeira das questões supra identificadas, fica prejudicado o conhecimento da segunda questão suscitada na revista.

Nesta conformidade, improcedem as conclusões da Recorrente, a quem não assiste razão para se insurgir contra o decidido pela Relação, cuja decisão não merece reparo.

Sumário:

I - Os efeitos da adopção são os que resultam da lei em vigor ao tempo em que foi decretada.

II - Tendo a autora sido adoptada restritivamente em 1984, a eliminação da adopção restrita pela Lei nº 143/2015 de 08/09, que instituiu uma única modalidade de adopção, muito próxima da conhecida como adopção plena até 2015, não converte a autora em herdeira dos adoptantes.

Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 18.06.2024

Ferreira Lopes (relator)

Fátima Gomes (1ª adjunta)

Nuno Pinto Oliveira (2 adjunto)