Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ00039230 | ||
| Relator: | MACHADO SOARES | ||
| Descritores: | DECLARAÇÃO NEGOCIAL FALTA DA VONTADE NULIDADE | ||
| Nº do Documento: | SJ199911090007721 | ||
| Data do Acordão: | 11/09/1999 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Referência de Publicação: | BMJ N491 ANO1999 PAG238 | ||
| Tribunal Recurso: | T REL COIMBRA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 512/98 | ||
| Data: | 04/13/1999 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
| Área Temática: | DIR CIV - TEORIA GERAL. | ||
| Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 285 ARTIGO 295 N1 ARTIGO 352 ARTIGO 376. | ||
| Sumário : | I - Se as partes emitem uma declaração negocial, mas não existir vontade de a emitir, não se lhe pode atribuir eficácia jurídica, por lhes faltar a vontade em se quererem vincular juridicamente. II - Ao não quererem a verificação de quaisquer efeitos negociais, significa que a declaração está inquinada de nulidade, com exclusão da possibilidade de se produzirem efeitos laterais legais de natureza negocial. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A e mulher B vieram propor a presente acção com processo ordinário contra C, D e E a fim de que: 1. Se decrete que o contrato-promessa de compra e venda constante dos autos pretendia figurar um contrato de mútuo no montante de 23000000 escudos, que as Rés deviam pagar aos Autores, em 19 de Março de 1994; 2. Transformado esse contrato de mútuo, deve este ser considerado nulo por falta de forma; 3. Mesmo que assim se não entenda, deve entender-se que o contrato-promessa não vincula os Autores, porquanto nele falta a assinatura da Autora mulher, condição para que também nele fosse vinculado o marido. 4. Também se deve considerar nulo o mesmo contrato porque não consta dele a certificação pelo notário da licença respectiva de utilização ou de construção nem o reconhecimento presencial da assinatura do Autor marido. 5. Decretada a nulidade desse contrato, devem condenar-se as Rés a restituírem aos Autores a quantia de 23000000 escudos, constante daquele contrato, acrescida do valor correspondente, que são os juros legais vencidos à taxa de 15 por cento ao ano, até à presente data (12 de Janeiro de 1994) no montante de 2826164 escudos e 30 centavos, o que perfaz o pedido de 25826164 escudos e 30 centavos, acrescido dos juros vincendos até integral pagamento. Alega o Autor que foi emprestando dinheiro às Rés e que "quando o montante atingiu a importância de 20000000 escudos, pediu ao pai delas para lhe garantir o pagamento da dívida com a casa objecto do referido contrato-promessa e que se encontrava em nome das demandadas", a fim de evitar que algum outro credor daquele a penhorasse, tendo então, para esse efeito, sido elaborado o contrato promessa. O mesmo só valeria como promessa se fosse exigida a escritura até 19 de Março de 1994 e a partir dessa data as Rés passavam a ser devedoras aos Autores da quantia de 23000000 escudos. Citadas as Rés, contestaram, opondo que assinaram o contrato quando seu pai fora preso e por exigência do Autor, a fim de se calar quanto às "tramóias" a que tinha assistido. Nunca o Autor demonstrou que o pai das Rés lhe devesse dinheiro, nem nunca os Autores emprestaram dinheiro a elas. Concluem pela improcedência da acção. Em resposta, os Autores sustentam que o contrato promessa deve ser interpretado como promessa de dação em cumprimento, com a finalidade de garantir o pagamento de quantia mutuada e juros. A culminar o julgamento foi proferida sentença onde se concluiu pela inexistência jurídica do contrato-promessa julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se as Rés do pedido. A Relação de Coimbra, para onde apelaram os Autores, confirmou através do Acórdão de 13 de Abril de 1999, constante de folhas 152 e seguintes, a sentença recorrida. Ainda inconformados, os Autores recorreram para o Supremo, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: 1- Entre recorrentes e recorridas foi efectuado um contrato promessa de compra e venda do prédio nele referido, cujo original se encontra junto aos autos. 2- Nesse contrato as recorridas declararam ter recebido dos recorrentes a quantia de 20000000 escudos como sinal e princípio de pagamento, do que dão quitação. 3- Dele consta que se o contrato promessa de compra e venda não for reduzido a escritura pública até ao dia 19 de Março de 1994, as recorridas podem rescindir o contrato, restituindo a quantia recebida, mais 3000000 escudos, nos termos constantes do mesmo. 4- As recorridas não lograram provar que não receberam a quantia que declararam naquele documento ter recebido dos Autores, onde apuseram as suas assinaturas que foram reconhecidas presencialmente pelo notário. 5- Não provando as recorridas que não receberam dos recorrentes aquela quantia, a acção tem que proceder. 6- A nulidade do contrato não invalida a declaração dele constante de que as recorridas receberam dos recorrentes a quantia de 20000000 escudos, pese embora não ter sido como sinal e princípio de pagamento do contrato nele prometido. 7- Sempre as recorridas seriam obrigadas a restituir aos recorrentes pelo título de enriquecimento sem causa, pois o empobrecimento destes, com o desembolso da quantia mutuada entregue àquelas, corresponde ao seu enriquecimento em igual valor, não havendo causa justificativa para tal transferência patrimonial. 8- Violou, assim, o Acórdão recorrido os artigos 289, 358, 1, 376 ns. 1 e 2, 372, 377, 393 ns. 1 e 2, 437, 479 e 1143 todos do Código Civil e artigo 659 n. 3 do Código de Processo Civil. 9- Deve ser revogado o Acórdão recorrido, julgando-se a acção procedente. Na contra-alegação as Rés pugnam pela manutenção do Acórdão em crise. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir: As instâncias consideraram como provados os seguintes factos: a) A. e Rés subscreveram o contrato promessa de compra e venda nos termos do documento de folha 113. b) Autores e Rés nunca tiveram a intenção de celebrar o contrato promessa. c) Os Autores não entregaram às Rés a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 20000000 escudos referida na cláusula 2 do contrato-promessa. d) Devido às relações de amizade que o Autor, tinha com F, o Autor emprestou-lhe dinheiro, por várias vezes, num total não concretamente apurado. e) Parte do dinheiro emprestado pelo Autor ao F destinou-se a suprir dificuldades surgidas na firma "Coniviem Limitada" de que a 1. Ré era sócia gerente, com procuração outorgada a favor do seu pai que, na prática exercia a gerência. Ficou provado que o Autor e as Rés ao subscreverem o denominado "contrato-promessa de compra e venda", vertido no documento de folha 113 não tiveram a intenção de celebrar o negócio jurídico aí anunciado. Neste caso, houve, sem dúvida o propósito, por parte de todos os subscritores, de emitir a declaração contida naquele documento, mas já não existiu vontade de emitir tal declaração, como declaração negocial, atribuindo-lhe, assim, eficácia jurídica. Falta, portanto, aqui, a vontade das declarantes em se quererem vincular juridicamente. O comportamento de ambas as partes, irmanado numa identidade de intenções, revela bem que, com as declarações por elas emitidas, nenhuma delas pretendeu enganar a outra. Trata-se, deste modo, de declarações não sérias, cuja consequência é carecerem de qualquer efeito (artigo 245 n. 1 do Código Civil). A formulação legal desta consequência, segundo Ewal Horster (A Parte Geral do Código Civil - Teoria Geral do Direito Civil, página 550 ) "não é feliz", sofrendo de ambiguidade: a figura de falta de efeitos não encontra correspondência nos artigos 285 e seguintes que apenas distinguem entre nulidade e anulabilidade e os respectivos efeitos. Assim, de harmonia com aquele Autor - cuja lição a este propósito não podemos deixar de perfilhar - em atenção ao regime dos citados artigos 285 e seguintes e às regras elementares do negócio jurídico essa não produção de efeitos equivale à não verificação de quaisquer efeitos negociais, o que vem a significar estar a declaração inquinada de rigorosa nulidade, com a exclusão das possibilidades de se produzirem efeitos laterais legais de natureza negocial (cfr. onde: Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, volume II, página 394; no sentido da existência, in casu, de uma situação de inexistência, cfr. Rui de Alarcão, "A Confirmação de negócios anuláveis, páginas 38 e seguintes; Castro Mendes, Direito Civil, III, páginas 316 e seguintes). Em suma: não é justificável invocar-se o pretenso contrato-promessa de compra e venda para fundamentar o pedido, já que tal contrato se deve considerar como ferido de nulidade. Mas poderá invocar-se, como mero princípio o documento enfocado, para acatar como confissão das Rés, o conteúdo da cláusula 4, onde se refere terem elas recebido a quantia de 20000000 escudos? Entendemos que não. Efectivamente não existe em relação a tal cláusula - como, de resto, em relação a todo o contrato - uma declaração de verdade (artigo 352 do Código Civil), assente numa vontade de exprimir uma certa realidade embora desfavorável às declarantes, como é próprio da confissão (cfr. Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, páginas 160 e 570). E isto precisamente porque se trata de uma declaração "não séria", por isso mesmo, inquinada de nulidade, como há pouco se demonstrou. De resto, o que as Rés expressam na cláusula em referência - se a supuséssemos válida! - é o facto complexo de terem recebido a quantia aí aludida a título de sinal ou princípio de pagamento. Mas isso não se provou. Assim se se quiser cindir tal afirmação - excluindo a razão desse recebimento - para significar que isso não impediria que elas a pudessem ter recebido a outro título, tal implicaria uma violação frontal da regra da indivisibilidade da declaração, consignada na 2. parte do n. 2 do artigo 376 do Código Civil. Face ao exposto, só fora do âmbito do teor do documento em referência (folha 113), é que os Autores eventualmente poderiam esgrimir, na falta de outro fundamento, como o enriquecimento sem causa para exigir a entrega da quantia em causa. Mas, em tal hipótese, competia-lhes o ónus de provar, em consonância com o n. 1 do artigo 342 do Código Civil, os pressupostos daquela figura, nomeadamente a injustificada obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, por banda das Rés, a custa dos Autores, decorrente da entrega que estes lhes teriam feito da importância reclamada. Os Autores não fizeram, porém, essa prova. Assim, nega-se a revista, condenando-se os recorrentes nas custas. Lisboa, 9 de Novembro de 1999. Machado Soares, Fernandes de Magalhães, Tomé de Carvalho. 3. Juízo Tribunal Judicial de Viseu - P. 44/95. Tribunal da Relação de Coimbra - P. 512/98. |