Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | DUARTE SOARES | ||
Descritores: | PRÉDIO CASA DE HABITAÇÃO PRÉDIO RÚSTICO PRÉDIO URBANO | ||
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Nº do Documento: | SJ200107120022082 | ||
Data do Acordão: | 07/12/2001 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | Uma construção correspondente a uma casa de habitação não pode ser considerada parte componente de prédio rústico, já que do respectivo destino logo ressalta a sua autonomia económica relativamente ao terreno. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Por apenso à execução que AA move a BB e mulher CC, vieram DD e marido EE, como terceiros, deduzir embargos à penhora que incidiu sobre o prédio urbano no sítio da Carreira, no limite e freguesia de Fatela, Fundão, composto de casa de habitação com 100 m2 de superfície coberta e 170 m2 de logradouro, composta de rés do chão e sótão com uma divisão ampla e logradouro, omisso na respectiva matriz e não descrito no registo predial. Alegam que esse prédio corresponde à casa onde vivem os executados, que são seus genro e filha e foi construída pelos embargantes num prédio rústico que compraram por escritura de 9/3/93. A construção da casa foi iniciada há cerca de 10 anos numa parcela do prédio rústico e, logo que o interior foi concluído, aqueles genro e filha dos embargantes passaram a habitá-la com o seu consentimento e tolerância. A penhora ofende, assim, a sua propriedade e posse. Apenas o exequente contestou alegando que os embargantes não adquiriram, na data da sua invocação, a propriedade por usucapião ainda que tivessem praticado actos de posse, que não praticaram, pois a usucapião só teria ocorrido em 9/3/98. São os executados que detêm, actualmente, pelo menos desde 1985, o poder de facto sobre o prédio urbano sendo eles que vêm construindo, por fases, a casa na convicção de que são proprietários do prédio. Gozam, por isso, os executados da presunção da titularidade do direito de propriedade, inexistindo qualquer registo a favor dos embargantes. Foi, a final, proferida sentença julgando os embargos parcialmente procedentes ordenando-se o levantamento da penhora obre o prédio rústico no qual está implantada a casa, subsistindo na parte em que incide sobre a casa de habitação. Conhecendo da apelação interposta pelos embargantes, a Relação de Coimbra julgou-a improcedente. Pedem agora revista e, alegando concluem levantando, no essencial, as seguintes questões: 1 - Estando assente que a construção penhorada, implantada no prédio dos Autores, nele existindo uma outra a partir da qual são fornecidas a electricidade e a água consumida naquela, que não se encontra inscrita na matriz nem está descrita no registo predial e não se provando que a referida construção tenha sido desintegrada do prédio rústico onde está implantada, tem de presumir-se, à luz do nº1 do art. 1344º do CC, que constitui parte integrante do prédio rústico dos embargantes e, consequentemente, que é propriedade destes. 2 - Porque não tem qualquer proporção de solo e não sendo classificável como prédio urbano, são aquelas construções insusceptíveis de autonomização e individualização. 3 - À luz do actual ordenamento, não é possível desintegrar e autonomizar as construções como prédio urbano sem o terreno em que se implantam, sendo nula, por impossibilidade de objecto, a venda de tais construções sem a respectiva porção de terreno. 4 - Assim, estando assente que os embargantes são legítimos donos e possuidores do prédio rústico, tem de, necessariamente, considerar-se que tal posse se estende a tudo o que nele existe e, portanto, às construções penhoradas. 5 - A penhora em causa, com o âmbito a que foi restringida, ainda assim ofende o direito de propriedade e a posse dos embargantes, que são terceiros na acção executiva, pelo que os embargos deveriam ter sido julgados totalmente procedentes. 6 - O acórdão recorrido violou as normas dos art.s 202º, 204º, nº 2, 1251º, 1253º e 1344º do CC e 351º nº 1 e 821º do CPC. Contra alegando, bate-se o recorrido exequente pela confirmação do julgado. Foram colhidos os vistos. Cumpre decidir. A situação de facto pode descrever-se, esquematicamente, do seguinte modo: a) - Os embargantes, por escritura pública de 9/3/83, compraram um prédio rústico composto por souto bravo, sito no lugar de Carreira, freguesia de Fatela, Fundão, confrontando de nascente com FF, poente com caminho público, norte com GG e do sul com HH, inscrito na matriz sob os art.s 784º e 785º e descrito no Registo Predial do Fundão sob o nº 30433. b) - Nele está implantada uma casa de habitação que foi construída ao longo dos anos e na qual passaram a viver os executados, que são genro e filha daqueles, logo que o seu interior ficou, no essencial, concluído. c) - A aquisição do prédio rústico foi registada a favor da embargante em 7/4/95 e há mais de 15 anos que os embargantes o vêm possuindo e fruindo, como coisa própria, de forma contínua e ininterrupta, à vista de toda a gente, sem o estorvo ou oposição de ninguém. d) - A electricidade e a água que os executados consomem na casa é lhes fornecida pelos embargantes a partir dum palheiro que têm no referido prédio rústico. e) - A penhora foi ordenada e executada em 1/10/97 e incidiu sobre o prédio urbano, implantado no prédio referido em 1 composto de uma casa de habitação com 100 m2 de superfície coberta, composto de rés do chão e sótão com uma divisão ampla e logradouro com 170 m2. Para além de alegar a aquisição, por compra e venda do prédio rústico, os embargantes alegaram ainda que foram eles quem directamente procedeu à construção da casa de habitação, ao longo de vários anos com utilização de materiais que escolheram e compraram e que foram eles quem suportou os salários e demais despesas com o pessoal que contrataram para a construção. E ainda que autorizaram e consentem que os executados utilizem a casa para sua habitação enquanto dela necessitarem. Que estes utilizam a casa a título precário e gratuito com a consciência de que ela não lhes pertence detendo-a em nome dos embargantes. Porém tal matéria de facto não se provou argumentando agora - tendo o feito já no âmbito da apelação - com a norma do nº 2 do art. 204º do CC que define prédio rústico como sendo uma parte limitada do solo e as construções nele existentes que tenham autonomia económica. É óbvio que no momento em que deduziram os embargos não era essa a concepção que tinham quanto ao âmbito do prédio rústico. De contrário, não teriam sentido a necessidade de alegar factos de que pudesse concluir-se o seu domínio sobre a casa de habitação. Com efeito, como sem reticências tem entendido a doutrina e jurisprudência, uma construção correspondente a uma casa de habitação não pode ser considerada parte componente dum prédio rústico já que do respectivo destino logo ressalta a sua autonomia económica relativamente ao terreno. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (in CC anot. 1º Vol. pgs. 131) relativamente a prédios rústicos só podem ser tidas como construções sem autonomia económica e, portanto suas partes componentes, edifícios como celeiros, adegas e outra edificações ligadas à exploração agrícola ou pecuária. E, obviamente, a sua falta de ligação às redes de fornecimento de água e energia eléctrica não tem o condão de a transformar em parte integrante do prédio rústico. Daí que, perante aquela falta de prova ficou sem alicerce a alegação da posse e domínio dos embargantes sobre a casa penhorada e, consequentemente o fundamento dos embargos. E não se diga que por desligada do terreno ficou a casa desprovida de autonomia económica e, por isso insusceptível de ser objecto de venda. Na verdade sempre haverá meios próprios para a alienação do todo constituído pela construção e pela parcela de terreno em que está implantada, bastando, para tanto o recurso aos modos de aquisição facultados pelo instituto da acessão industrial imobiliária nos termos dos art.s 1339º e sgts. do CPC. Na improcedência das conclusões do recurso, negam a revista com custas pelos recorrentes. Lisboa, 12 de Julho de 2001 Duarte Soares Abel Freire Moitinho de Almeida |