Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
809/22.4PHAMD.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO
HOMICÍDIO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
INTERESSE EM AGIR
MEDIDA DA PENA
ARBITRAMENTO
INDEMNIZAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
ASSISTENTE
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. Do alegado pela assistente em sede de recurso, não resulta que a decisão condenatória que pretende impugnar, quanto à pena imposta ao arguido, a tenha afetado, para poder ter direito ao recurso, como prevê o art.69.º, n.º 2, al. c), do CPP, nem tão pouco que essa parte da decisão tenha sido proferido contra a assistente, o que significa que falta o pressuposto previsto no art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP.

II. Não alega a assistente, um concreto e próprio interesse em agir, que permita deduzir que foi afetada por aquela parte da decisão, relativa à espécie e medida da pena aplicada ao arguido, que foi condenado em 7 anos e 6 meses de prisão, após ter beneficiado do regime penal especial para jovens, previsto no DL 401/82, de 23.09, pena essa com a qual o MP concordou e não recorreu.

III. Tão pouco a assistente invocou qualquer razão relacionada com a prevenção especial positiva, nomeadamente, que tivesse a ver com a sua própria segurança, nem deduziu pedido cível ou invocou ter sofrido danos próprios, para se poder ver qualquer relação com a “reparação do mal causado pelo crime”.

IV. Não tendo a assistente invocado ter sido de alguma forma prejudicada nos seus interesses por aquela pena aplicada ao arguido, podemos concluir que, no caso em apreciação, tendo sido o arguido condenado em prisão efetiva, não se suscita a questão de “reparação material ou moral do mal do crime no domínio da aplicação da pena”, como condição da pena aplicada, tanto mais que a prisão imposta (superior a 5 anos) nem sequer foi suspensa a sua execução (não se colocando, por isso, a questão da aplicação do AFJ n.º 2/2020), nem a situação em apreço se enquadra na jurisprudência fixada no acórdão do STJ n.º 5/2011, de 09.02.2011, no DR, I, de 11.03.2011.

V. Com a obtenção da condenação do arguido, ficou antes demonstrado que a assistente conseguiu atingir o interesse próprio e concreto que pretendia, de alcançar uma resposta punitiva estadual, com a aplicação ao arguido de uma pena de prisão efetiva, o que significa que a decisão de condenação apenas pode ser entendida como favorável à assistente e não contra ela.

VI. O Ministério Público, que é o único titular da ação penal neste caso por crime público de homicídio, concordou com a pena de prisão efetiva aplicada ao arguido, não tendo recorrido; não pode a assistente, que aqui tem uma posição de colaboradora do Ministério Público por força do art. 69.º, n.º 1, do CPP, usurpar o papel daquele Magistrado, em situação como a destes autos (e isso, independentemente de, no futuro, ser necessária uma intervenção legislativa para melhor acautelar os interesses da vítima, como vem sendo defendido por parte da doutrina).

VII. Portanto, tendo presente a jurisprudência fixada por este STJ, particularmente no ac. do STJ n.º 8/99, de 2.07.1998, publicado no DR, I-A, de 10.08.1999, mesmo considerando o reforço da posição processual que vem sendo atribuído ao assistente, não se verificando os pressupostos previstos nos arts. 69.º, n.º 2, al. c) e 401.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, por falta de legitimidade e de interesse em agir, não se pode admitir o recurso da assistente da decisão da 1ª instância quanto à espécie e medida da pena aplicada ao arguido, desacompanhada do Ministério Público.

VIII. A decisão proferida relativa ao arbitramento oficioso da indemnização de € 50.000,00 aos filhos da vítima, não foi proferida contra a assistente (art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP, ainda que esta norma esteja mais dirigida à ação penal), a qual até é alheia (na medida em que tal importância foi arbitrada aos filhos do falecido F… e, nem sequer está demonstrado na decisão, que a assistente os represente legalmente e, muito menos, que tenha intervindo nos autos como assistente nessa qualidade de representante daqueles).

IX. Não tendo a assistente deduzido pedido cível, nem em nome próprio, nem em nome dos filhos do falecido F…, não há qualquer decaimento, nem tem legitimidade para recorrer (uma vez que nem formulou pedido cível que não existe, nem é parte cível, nem terceiro que tivesse a defender um direito afetado), nem interesse em agir, não sendo de admitir o recurso dessa decisão.

X. Sendo o arbitramento oficioso, feito ao abrigo do art. 82.º-A do CPP, consoante resulta do seu n.º 3, a quantia atribuída a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização. Isto significa que, os filhos do falecido F..., a favor de quem foi arbitrada a indemnização oficiosa, não estão sequer desprotegidos, pois podem sempre instaurar uma futura ação cível, onde depois será descontada a importância já atribuída na ação penal, por força do art. 82.º-A, n.º 3, do CPP.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. No processo comum (tribunal coletivo) nº 809/22.4PHAMD do Juízo Central Criminal de ..., Juiz 3, da comarca de Lisboa Oeste, por acórdão de 10.07.2023, observado o disposto no n.º 1 do artigo 358.º do CPP, foi decidido, além do mais:

1. Condenar o Arguido AA, pela prática de 1 (um) crime de homicídio, p. e p. pelo art.º 131º do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;

2. Condenar o Arguido no pagamento de indemnização no montante de €50.000,00 (cinquenta mil Euros) aos filhos de BB a título de reparação pelos prejuízos sofridos;

(…)

2. Desse acórdão interpôs recurso a assistente CC (mãe do falecido BB), o qual foi admitido por despacho de 4.10.2023 da 1ª instância admitido para a Relação de Lisboa mas, por decisão sumária de 30.11.2023, o TRL declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer do recurso, por estar confinado, exclusivamente, a matéria de direito, sendo competente para o efeito o STJ, nos termos dos arts. 32.º, 33.º e 432.º, n.º 1, al. c), do CPP.

3. Assim, no recurso interposto pela assistente foram apresentadas as seguintes conclusões:

1-A Assistente vem recorrer do Acordão proferido pelo Tribunal Colectivo que condenou o arguido AA na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses.

2 - O recurso interposto vem impugnar apenas a matéria de matéria de direito, designadamente no que respeita à determinação da medida da pena aplicada ao arguido e à indemnização arbitrada oficiosamente.

3- Discorda a Assistente da interpretação das normas jurídicas contidas nos artigos 40.º, 71.º e 72.º, todos do Código Penal, e bem assim da interpretação do regime penal para jovens delinquentes (Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro) perfilhada pelo Tribunal a quo.

4 - Consequentemente não concorda com as referidas penas aplicadas ao arguido, pugnando pela aplicação de uma pena de prisão mais elevada, uma vez que não se concebe que, à elevada ilicitude e culpa do arguido, possa corresponder a pena aplicada, não se vislumbrando também qualquer atenuante que opere relevantemente a seu favor.

5 - A conduta ilícita do arguido, integradora do crime de homicídio, o qual atenta contra o bem jurídico vida, correspondente ao bem mais fundamental de todos, pelo que a aplicação de pena de prisão de 7 anos e 6 meses não é suficiente.

6 - Em termos de prevenção geral, estamos perante um crime atentatório do bem fundamental correspondente à vida humana, num contexto de relações de vizinhança, gerador de um sentimento muito elevado de insegurança na comunidade, reclamando assim uma tutela efetiva e eficaz da norma jurídica violada, sendo assim as necessidades preventivas gerais elevadíssimas.

7 - No que às necessidades de prevenção especial diz respeito, constata-se, que as mesmas são também elevadas.

8 - Discorda ainda da adequação da aplicação do regime penal para jovens ao arguido, o qual só é aplicável caso se verifiquem razões sérias que permitam formular um prognóstico favorável de ressocialização do agente, a que se chega, fundamentalmente, pela apreciação da natureza e execução do crime cometido, da sua motivação, da personalidade evidenciada pelo agente, do comportamento anterior e posterior ao crime.

9 - A indemnização arbitrada oficiosamente deverá ser de valor bastante superior ao arbitrado atendendo à juventude da vítima, à idade dos seus filhos que já não tinham mãe e ficaram sem pai e também pelo circunstancialismo de a morte do mesmo ter ocorrido no dia de aniversário dos seus filhos gémeos, durante a festa.

Termina pedindo que seja julgado procedente o recurso e, em consequência, revogada a decisão recorrida em conformidade com o peticionado.

4. Na resposta ao recurso o Ministério Público apresentou as seguintes conclusões:

1. Nos presentes autos o arguido AA foi condenado pela prática de 1 (um) crime de homicídio, p. e p. pelo art.º 131º do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. O arguido nasceu em 25.02.2004, pelo que à data da prática dos factos, tinha 18 anos de idade. Confessou parte dos factos que lhe foram imputados, demonstrando arrependimento pela morte da vitima e pelo desgosto provocado à família. Revelou, ainda, interiorização do desvalor da sua conduta o que revela estar interessado no caminho da ressocialização. Não tem antecedentes criminais.

3. Atentos estes factores, pode-se concluir existir um forte e fundado juízo de prognose de não voltar a praticar actos delituosos, havendo sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará a reinserção do arguido.

4. Razão pela qual o tribunal a quo decidiu aplicar, ao caso, o regime constante do art.º 4.º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, não obstante a gravidade do crime.

5. Nada havendo a censurar a tal aplicação.

6. Por força da atenuação especial resultante dos art.ºs 1.º e 4.º do DL n.º 401/82, de 23 de Setembro, e dos art.ºs 73.º, n.º 1, als. a) e b), 41.º, n.º 1, e 47º, n.º 1,do Código Penal, o crime de homicídio praticado pelo Arguido passa a ser punido, em abstrato, com pena de prisão de 1 (um) ano, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de prisão a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de prisão.

7. Na determinação da medida da pena há que ter em consideração: - o dolo, directo e intenso, atendendo ao modo de execução dos factos; - que é elevado o grau de ilicitude dos factos, face à natureza do crime, ao modo da respectiva execução e às suas consequências; - que não regista antecedentes criminais; - que confessou parcialmente os factos e revelou arrependimento; - que tem suporte familiar; - as necessidades de prevenção geral, que são muito elevadas; - as necessidades de prevenção especial que são menos acentuadas, tudo indicando que se tratou de um acontecimento isolado na vida do arguido, relativamente ao qual este assimilou o desvalor da sua conduta e as consequências desta decorrentes para a vítima(que faleceu), para os familiares da vítima (que perderam um ente querido), e para o próprio Arguido (que ficou privado da liberdade e provocou desgosto aos familiares da vítima, por quem é notório nutrir sinceros laços de afeto e que tem receio que deixem de gostar de si).

8. Tudo ponderado, entendeu o tribunal a quo por adequada a aplicação da pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

9. Numa moldura penal abstracta de 1 (um) ano, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de prisão a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de prisão, a pena concreta fixada no acórdão, é inteiramente justa, equilibrada e não merece reparo, mostrando-se conforme aos parâmetros gerais e concretos de fixação, segundo os arts. 40.º e 71.º, respectivamente, do CP.

10. Atenta a fundamentação constante do acórdão recorrido, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, entende-se que a indemnização arbitrada oficiosamente se mostra justa e adequada.

11. No mais, não se mostrará violado qualquer preceito legal nem desrespeitado qualquer direito.

12. Nesta conformidade, negando-se provimento ao recurso e mantendo-se o douto acórdão recorrido, será feita justiça.

5. Na 1ª instância o arguido não respondeu ao recurso.

6. Subiram os autos a este Tribunal e, o Sr. PGA emitiu parecer no sentido de aderir à resposta apresentada pelo MP na 1ª instância, concluindo pelo não provimento do recurso da assistente.

7. Notificado do parecer do Sr. PGA, o arguido veio informar que concordava com o mesmo, devendo manter-se o acórdão proferido pela 1ª instância.

8. No exame preliminar, a Relatora ordenou que fossem colhidos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

II. Fundamentação

9. Consta do acórdão sob recurso, na parte relativa à decisão sobre a matéria de facto, o seguinte:

Matéria de facto provada

Realizado o julgamento, mostram-se exclusivamente provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:

A – Da Acusação:

1) No dia 12.09.2022, cerca das 21:00, o Arguido participou numa festa de aniversário dos filhos de BB, na residência deste, sita na Estrada ..., n.º 181, ...;

2) No decurso da referida festa de aniversário, após serem cantados os parabéns, no interior da residência, em circunstâncias não concretamente apuradas, BB desferiu uma chapada no corpo do Arguido;

3) O Arguido saiu do local;

4) O Arguido muniu-se de uma faca de cozinha, com uma lâmina de cerca de 8 cm de comprimento;

5) Volvidos cerca de 10 / 15 minutos o Arguido regressou para junto da casa de BB, permanecendo no exterior desta;

6) BB, que surgiu, entretanto, no exterior da residência, vindo do seu interior, trocou palavras, não concretamente apuradas, com o Arguido;

7) Munido da referida faca, o Arguido aproximou-se de BB e desferiu, pelo menos, quatro golpes na zona do tórax deste;

8) Após intervenção de terceiros para afastar BB, o Arguido ainda desferiu cinco golpes, com a faca, na cabeça, nos ombros e nos braços de BB;

9) Com a sua conduta, o Arguido causou as seguintes lesões em BB:

a. Na cabeça: Ferida incisa com 2 cm de comprimento na região auricular direita. Ferida contusa com 1.5 cm de comprimento na região labial superior direita. Ferida contusa com 0.4 cm de comprimento na região labial inferior esquerda;

b. Tórax: Ferida incisa com 1.6 cm de comprimento localizada na região infra-mamária esquerda. Ferida incisa com 1.4 cm de comprimento localizada à região torácica posterior mediana. Ferida incisa com 1.1 cm de comprimento localizada à região escapular esquerda. Ferida incisa com 1.6 cm de comprimento localizada à região axilar esquerda;

c. Membro superior direito: Ferida incisa com 2.3 cm de comprimento localizada à região anterior do ombro;

d. Membro superior esquerdo: Duas feridas incisas com 1.4 e 1.2 cm de comprimento localizadas na face póstero-superior do ombro;

10) Apresentando BB:

a. Na “Clavícula, cartilagens e Costelas Direitas”: “Solução de continuidade com 3 cm de comprimento na junção condro-esternal de 6ª e 7ª costelas esquerdas em relação com a ferida incisa na região infra-mamária esquerda”;

b. “Pericárdio e cavidade pericárdica”: “Hemopericárdio 300 ml com presença de solução de continuidade com 1.5 cm de comprimento”;

c. “Coração”: “Coração de configuração e dimensões aparentemente conservadas. Miocárdio apresenta-se nas diferentes secções de corte de tonalidade vermelho-acastanhado uniforme sem evidência de lesões de isquémica aguda ou crónica. Solução de continuidade com 1.5 cm de comprimento localizada ao ventrículo direito;

11) Em virtude dos descritos golpes BB sofreu dores e lesões nas zonas atingidas, sangrando abundantemente, tendo as lesões traumáticas torácicas sofridas sido causa da sua morte;

12) O Arguido, munido de faca de cozinha, ao desferir vários golpes na zona do tórax, da cabeça e dos ombros de BB, representou e quis agir com o propósito de tirar a vida a BB, bem sabendo que os golpes, com faca de cozinha, na direção do tronco do ofendido, iriam atingir zonas vitais de modo adequado a causar a morte do mesmo, o que logrou ao atuar da forma acima descrita;

13) O Arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas criminalmente;

B – Mais se provou:

14) À data da sua morte BB residia com a sua mãe, irmãos e filhos, em casa de sua mãe, auxiliando-os;

C - Das Condições Pessoais do Arguido:

15) À data dos factos em apreço nos autos, o Arguido residia com os pais, DD, agora com 56 anos de idade e EE, de 62 anos de idade;

16) Durante alguns anos o sustento da família foi assegurado pelo pai, enquanto trabalhador na construção civil, e pela mãe, empregada doméstica;

17) Há cinco anos atrás a mãe viu-se forçada a abandonar a atividade laboral devido aos problemas de saúde, do foro oncológico;

18) Há dois anos atrás o pai do Arguido sofreu um acidente Vascular Cerebral (AVC), que o impossibilitam de desempenhar atividade laboral;

19) Atualmente a situação económica da família está bastante fragilizada, subsistindo com recurso ao Rendimento Social de Inserção, num valor de €208,00 mensais, e de apoio externos, nomeadamente do banco alimentar e do apoio alimentar fornecido por familiares, que vivem nas redondezas;

20) A família reside numa casa de autoconstrução, com fracas condições de habitabilidade;

21) A água e energia elétrica é fornecida através da casa de um vizinho, a quem pagam um valor mensal de €110,00 para poder ter acesso a esses bens;

22) Acrescem a estas despesas o consumo do gás e comunicações, num valor médio mensal de €40,00;

23) A habitação localiza-se numa zona associada a problemáticas sociais e económicas e a exclusão social;

24) O Arguido apresentou um percurso escolar caracterizado por dificuldades de aprendizagem e algum absentismo, tendo reprovado nos 3º e 5º anos de escolaridade, mas não lhe sendo conhecidos problemas disciplinares;

25) A partir do 6º ano de escolaridade ingressou num curso profissional de informática, com equivalência ao 9º ano de escolaridade, do qual viria a desistir;

26) Depois frequentou outro curso, na área da fotografia, o qual também não completou;

27) As dificuldades de aprendizagem, a desmotivação e o absentismo constituíram-se os principais fatores para o abandono dos cursos;

28) Antes de preso preventivamente encontrava-se inativo há quatro meses;

29) Os pais do Arguido continuam a manifestar disponibilidade para o apoiarem, visitando-o no Estabelecimento Prisional;

30) AA mantém acompanhamento psicológico em contexto prisional;

31) O Arguido encontra-se bem-adaptado ao meio prisional, mas demonstra uma postura reservada e tímida e dificuldade em trabalhar questões que exijam maior envolvência a nível emocional;

32) No Estabelecimento Prisional tem mantido um comportamento consentâneo com as normas institucionais;

33) O Arguido encontra-se inativo no Estabelecimento Prisional;

34) O Arguido “Não apresenta défices intelectuais/cognitivos”, possuindo “um funcionamento cognitivo que lhe proporciona capacidade para pensar em termos racionais (MPR superior; QIEC estimado a partir do TELPI-104-médio), permitindo-lhe atuar de forma eficaz em relação ao meio envolvente e desenvolver estratégias eficazes de resolução de problemas”; “Apresenta traços disfuncionais e/ou mal adaptativos ao nível da personalidade”, tendo “predisposição paranoide (Pa do Mini-mult superior), ou seja, é excessivamente sensível, desconfiado e ressente-se com facilidade; Evidencia um padrão persistente de comportamento antissocial, com desprezo pelas normas e costumes sociais (CA da SRP-III muito superior”; “Não apresenta psicopatologia significativa e desestruturante” “Não apresenta fatores de risco para reincidir futuramente em comportamentos violentos, mas apresenta défice ao nível dos fatores protetores para violência futura”;

35) O Arguido não tem antecedentes criminais registados.

Matéria de facto não provada

a) Que o Arguido tenha iniciado uma discussão com BB antes deste lhe desferir uma chapada;

b) Que tenha sido por causa dessa discussão que BB desferiu uma chapada no corpo do Arguido;

c) Que os factos descritos no ponto 2) dos Factos Provados tenham ocorrido no exterior da residência de BB;

d) Que após os factos descritos no ponto 2) dos Factos Provados, o Arguido tenha entrado na residência de BB e aí se munido de uma faca;

e) Que na ocasião descrita no ponto 7) dos Factos Provados o Arguido, aproximando-se novamente de BB, tenha dito a terceiros “este gajo é muito abusado, vou dar-lhe uns socos”;

f) Que após uma troca de palavras, o Arguido tenha colocado uma mão no pescoço de BB, apertando-o com força;

g) Que após a intervenção de terceiros para afastar BB, o Arguido ainda tenha desferido mais seis golpes no corpo de BB, sendo um deles nas costas.


*

De resto, não se logrou provar quaisquer outros factos relevantes, alegados ou não, resultantes da discussão da causa, e/ou que estivessem em oposição com os factos atrás referidos, sempre se salientando que não selecionámos matéria conclusiva ou de direito constante do libelo acusatório proferido nos autos.1

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10. Recurso da assistente

Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP).

Os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se exclusivamente ao reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP.

As questões colocadas no recurso da assistente são as seguintes:

- medida da pena (sustentando que não deve ser aplicado ao arguido o regime penal especial para jovens, devendo ser condenado em pena próxima dos 10 anos de prisão);

- indemnização arbitrada oficiosamente aos filhos da vítima (entende dever ser fixada em montante superior).

Neste caso, antes de mais importa suscitar oficiosamente a questão prévia de saber se, a assistente (mãe da falecida vítima) tem legitimidade e interesse em agir para interpor recurso, relativamente à decisão sobre a medida da pena (pedindo a sua agravação) e, também, quanto à decisão sobre a indemnização oficiosa arbitrada aos filhos da falecida vítima no valor de 50.000 euros (discutindo o respetivo montante).

E, coloca-se esta questão prévia porque, por um lado, o Ministério Público, titular da ação penal (sendo, neste caso, a acusação por crime público de homicídio p. e p. no art. 131.º do CP) não recorreu, sendo a pena aplicada ao arguido em prisão efetiva (7 anos e 6 meses), tendo a assistente se constituído enquanto tal, por ser mãe do falecido BB, já na fase do julgamento, antes do início deste e, por outro lado, quanto ao montante arbitrado oficiosamente pelo tribunal aos filhos do falecido BB, porque, a assistente (que se constituiu como tal na sua qualidade de mãe do falecido BB e não como representante daqueles) não deduziu pedido cível, nem em nome próprio, nem em representação de seus netos (de quem afirmou ter a guarda, mas não estando tal facto demonstrado nos autos, nem tão pouco resultando dos factos apurados, como alega, que os filhos da vítima eram dois, sendo gémeos e que também já não tinham mãe).

Vejamos então.

10.1. Em matéria criminal, dispõe o art. 69.º, n.º 2, al. c), do CPP, que aos assistentes compete em especial “Interpor recurso das decisões que os afetem, mesmo que o Ministério Público o não tenha feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça.”

E, segundo o n.º 1 do mesmo art. 69.º, “Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja atividade subordinam a sua intervenção no processo, salvas as exceções da lei.”

Dir-se-á que essa subordinação da intervenção do assistente ao Ministério Público é compreensível na medida em que no processo criminal (ao contrário do que sucede no processo civil), “está imediatamente em causa o interesse público do ius puniendi2.

Com efeito, a “realização prática do poder punitivo estadual” tem o seu campo de atuação no processo penal, “nomeadamente através da investigação e da valoração judicial do crime indiciado ou acusado”3, competindo em especial ao Ministério Público, além do mais, sustentar a acusação no julgamento e interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa (art. 53.º, n.º 2, als. c) e d), do CPP).

De qualquer forma, o legislador ordinário ao reconhecer a posição processual do assistente, enquanto sujeito processual, conferiu-lhe alguma autonomia em relação ao Ministério Público de quem é colaborador (art. 69.º, n.º 1, do CPP).

Também, estabelece o art. 401.º, n.º 1, al. b), do mesmo código, que tem legitimidade para recorrer “O arguido e o assistente, de decisões contra eles proferidas”.

Portanto, resulta do art. 69.º, n.º 2, al. c), do CPP, que ao assistente compete-lhe recorrer das decisões que o afetem e, para além disso, complementando essa norma com o art. 401.º, n.º 1, al. b), do mesmo código, a legitimidade que tem para recorrer é de decisões contra ele proferidas.

De resto, para recorrer tem de ter interesse em agir, tal como decorre do art. 401.º, n.º 2, a contrario, CPP.

Ou seja, das duas normas conjugadas, extrai-se que o legislador ordinário atribuiu ao assistente, a nível processual, o direito de recorrer de decisões que o afetem, contra ele proferidas.

O que se conforma com o estabelecido no art. 32.º, n.º 7, do CRP, quando estabelece que “O ofendido tem o direito de intervir no processo nos termos da lei.”

E, sobre esta matéria, o acórdão do STJ n.º 8/99, de 2.07.1998, publicado no DR, I-A, de 10.08.1999, fixou a seguinte jurisprudência:

«O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir

Em termos genéricos, dir-se-á (acompanhando a fundamentação desse acórdão) que, se o assistente não demonstrar “um real e verdadeiro interesse, no seu pedido de agravação da pena”, não se pode permitir a sua intervenção em sede de recurso, desacompanhado do MP, que é o titular da ação penal, quando está em causa crime público ou semi-público, sob pena de se estar a admitir uma vingança privada, que há muito está vedada por lei.

Baseia-se esse entendimento na regra de que as questões relativas à medida da pena fazem parte do ius puniendi do Estado e, nessa perspetiva, só quando o assistente seja afetado por essa decisão e mostre um concreto e próprio interesse em agir é que tem legitimidade para recorrer em qualquer circunstância, portanto, mesmo desacompanhado do Ministério Público.

Poder-se-á deduzir, linearmente, que resulta desse acórdão, que o assistente terá legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.

Aliás, o próprio Tribunal Constitucional (ac. n.º 205/2001) acabou por concluir que a interpretação constante do referido acórdão de fixação de jurisprudência, “ao condicionar o recurso do assistente à demonstração de um concreto e próprio interesse em agir, quando, desacompanhado do Ministério Público, pretenda impugnar a espécie e medida da pena aplicada, não afecta o núcleo essencial da intervenção do ofendido no processo penal nem coloca em crise o direito ao recurso por parte do assistente, pois não é absoluta, apenas incidindo sobre os pressupostos do recurso e. além disso, respeita a matéria que tem fundamentalmente a ver com o exercício pelos órgãos do Estado do "ius puniendi" relativamente ao arguido e com a realização dos fins constitucionais e legais das penas. (…) Não se surpreende, assim, que a aludida interpretação das normas dos arts. 69º, nº1 e 2, alínea c), e 401º, nº1, alínea b), e nº2, do Código de Processo Penal, seja inadequada e afecte de forma irrazoável e desproporcionada o direito do ofendido intervir no processo penal, consagrado nos artigos. 20º, nº1 e 32º, nº7 da Lei Fundamental.”

E, assim, o TC decidiu negar provimento ao recurso que estava a apreciar uma vez que “a limitação imposta ao assistente não afecta o núcleo essencial da intervenção do ofendido como assistente na tramitação do processo penal, não se vislumbrando qualquer possibilidade de afectação do princípio da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático.”

Ora, neste caso concreto aqui em apreciação, a decisão condenatória do arguido, particularmente quanto à pena que lhe foi imposta, não foi proferida contra a assistente, o que significa que falta o pressuposto previsto no art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP.

Também do alegado pela assistente em sede de recurso, não resulta que a mesma decisão condenatória que pretende impugnar a tenha afetado, para poder ter direito ao recurso, como prevê o art.69.º, n.º 2, al. c), do CPP.

Com efeito, não alega a assistente, um concreto e próprio interesse em agir, que permita deduzir que foi afetada por aquela parte da decisão, relativa à espécie e medida da pena aplicada ao arguido, que foi condenado em 7 anos e 6 meses de prisão, após ter beneficiado do regime penal especial para jovens, previsto no DL 401/82, de 23.09.

Nessa matéria (espécie e medida da pena aplicada) que pretende impugnar da decisão condenatória do arguido, a assistente apenas alega, de forma conclusiva e abstrata, que discorda da aplicação pelo tribunal a quo do referido regime penal especial para jovens, previsto no DL 401/82, de 23.09, e, consequentemente, pede a revogação dessa parte da decisão e a aplicação de pena mais grave, situada perto dos 10 anos de prisão, por (na sua perspetiva abstrata e genérica) ser “a única pena que eficazmente permitirá assegurar as elevadas necessidades preventivas que se fazem sentir no caso concreto”4.

Na motivação de recurso da assistente não se depreende, nem sequer se surpreende, a alegação de qualquer interesse próprio e concreto que necessite de defesa, nem tão pouco que careça de tutela jurídica ou de usar de recurso, para defender algum interesse pessoal que não esteja acautelado, designadamente pela decisão proferida.

Como explica Helena Morão5, “Tendo em conta que, à luz do artigo 40.º do Código Penal, a aplicação de penas promove a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena aplicada ultrapassar a medida da culpa, e não a tutela directa de um interesse do ofendido, e, não cabendo no âmbito do direito ao recurso do assistente a mera fiscalização da legalidade do exercício do poder punitivo do Estado, não se pode afirmar que uma decisão condenatória lhe seja, em regra, desfavorável. Porém, deve admitir-se o recurso do assistente quando este entenda que a pena aplicada não é suficiente para garantir a sua própria segurança, na medida em que a finalidade de prevenção especial positiva também se destina a evitar a reincidência, ou quando se suscite um problema de reparação material ou moral do mal do crime no domínio da aplicação da pena. Atendendo à sua fundamentação, parece ir agora ao encontro desta ideia o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 2/2020, que propugna que o «assistente, ainda que desacompanhado do Ministério Público, pode recorrer para que a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado fique condicionada ao pagamento, dentro de certo prazo, da indemnização que lhe foi arbitrada».

Ora, neste caso concreto agora em análise, nem a assistente invocou qualquer razão relacionada com a prevenção especial positiva, nomeadamente, que tivesse a ver com a sua própria segurança, nem tão pouco deduziu pedido cível ou invocou ter sofrido danos próprios, para se poder ver qualquer relação com a “reparação do mal causado pelo crime”, sendo que a sua intervenção nos autos como assistente foi a título pessoal, como mãe do falecido BB.

Note-se que não se constituiu assistente como representante dos netos, filhos do falecido BB, nem tão pouco deduziu pedido cível em nome destes, nem resulta provado que seja a legal representante daqueles.

Tão pouco a assistente invocou ter sido de alguma forma prejudicada nos seus interesses por aquela pena aplicada ao arguido.

Podemos, pois, concluir que, no caso em apreciação, tendo sido o arguido condenado em prisão efetiva, não se suscita a questão de “reparação material ou moral do mal do crime no domínio da aplicação da pena”, como condição da pena aplicada, tanto mais que a prisão imposta (superior a 5 anos) nem sequer foi suspensa a sua execução (não se colocando, por isso, a questão da aplicação do AFJ n.º 2/2020).

Acrescente-se que, a situação em apreço também não se enquadra na jurisprudência fixada no acórdão do STJ n.º 5/2011, de 09.02.2011, no DR, I, de 11.03.2011, segundo a qual, «Em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público.»6

É que precisamente, no caso ora em apreciação, com a obtenção da condenação do arguido, ficou antes demonstrado que a assistente conseguiu atingir o interesse próprio e concreto que pretendia, de alcançar uma resposta punitiva estadual, com a aplicação ao arguido de uma pena de prisão efetiva, o que significa que a decisão de condenação apenas pode ser entendida como favorável à assistente e não contra ela.

O Ministério Público, que é o único titular da ação penal neste caso por crime público de homicídio, concordou com a pena de prisão efetiva aplicada ao arguido, por satisfazer as finalidades da punição, não tendo recorrido; não pode a assistente, que aqui tem uma posição de colaboradora do Ministério Público por força do art. 69.º, n.º 1, do CPP, usurpar o papel daquele, em situação como a destes autos (e isso, independentemente de, no futuro, ser necessária uma intervenção legislativa para melhor acautelar os interesses da vítima, como vem sendo defendido por parte da doutrina).

De resto, situando-se a crítica da assistente à decisão impugnada apenas na vertente punitiva, não manifestando qualquer interesse próprio, mas apenas no da agravação da pena, é manifesto que lhe falta interesse em agir, atenta a posição assumida pelo MP, quando este se conformou com a decisão proferida, mesmo relativamente à medida da pena7.

Portanto, pelas razões expostas, tendo presente a jurisprudência fixada por este STJ e, mesmo considerando o reforço da posição processual que vem sendo atribuído ao assistente, o certo é que não se verificando os pressupostos previstos nos arts. 69.º, n.º 2, al. c) e 401.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, por falta de legitimidade e de interesse em agir, não se pode admitir o recurso da assistente da decisão da 1ª instância quanto à espécie e medida da pena aplicada ao arguido.

10.2. Importa, agora, apurar, se a assistente tem legitimidade e interesse em agir para recorrer do acórdão da 1ª instância quanto à indemnização oficiosa arbitrada aos filhos do falecido BB no valor de 50.000 euros, discutindo o respetivo montante atribuído.

Nesta matéria consta do acórdão da 1ª instância o seguinte:

Arbitramento Oficioso de Indemnização

O art.º 82ºA do Código de Processo Penal, prevê a reparação da vítima em casos especiais, estabelecendo que “1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham. 2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório. 3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”.

Por sua vez a Lei n.º 130/2015, de 04.09, que estabelece o Estatuto da Vítima, dispõe no seu art.º 16º que “1 –À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”

Considerando-se vítima “os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido diretamente causada por um crime e que tenham sofrido um dano em consequência dessa morte” (art.º 67ºA, n.º 1, al. a), ii), do Código de Processo Penal).

E, para efeitos de tal normativo legal, pela ordem e prevalência seguinte, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens, ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e os ascendentes, na medida estrita em que tenham sofrido um dano com a morte, com exceção do autor dos factos que provocaram a morte.” (art.º 67ºA, n.º 2, do Código de Processo Penal).

Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil pela Assistente (mãe do falecido BB), nem em nome próprio, nem em representação dos seus netos (de quem afirmou ter a guarda) e tendo em atenção os factos praticados pelo Arguido (esfaqueamento e morte de BB), bem como as consequências deste decorrentes impõe-se arbitrar uma indemnização na situação em apreço, relativamente ao que foi assegurado o devido contraditório nos autos.

Assim, e tendo presente:

- o desgosto causado aos filhos de BB pela morte deste, especialmente tendo esta ocorrido em plena festa de aniversário dos mesmos, recordação que certamente perdurará para sempre na vida destes e assombrará aquele que deveria ser um dia de festa na vida destes;

- a perda de um ente querido, com quem estes viviam;

- a idade da vítima (nascido em ........1986);

- o auxílio que vai deixar de lhes ser prestado pela Vítima, que mantinha um relacionamento próximo com os filhos e que não mais estará presente nas suas vidas;

- o dano morte

arbitra-se a título de reparação pelos prejuízos sofridos, a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil Euros).


*

Como acima já se deixou dito, para além da intervenção da assistente no processo ter ocorrido na qualidade de mãe da falecida vítima BB e, não como representante dos filhos daquele, sucede que, não deduziu pedido cível, nem em nome próprio, nem em representação de seus netos, de quem afirmou ter a guarda, mas não estando tal facto demonstrado nos autos, nem tão pouco resultando dos factos apurados, como alega, que os filhos do falecido BB eram dois, sendo gémeos e que também já não tinham mãe.

Ora, a decisão proferida relativa ao arbitramento oficioso da indemnização de € 50.000,00 aos filhos da vítima, não foi proferida contra a assistente (art. 401.º, n.º 1, al. b), do CPP, ainda que esta norma esteja mais dirigida à ação penal), a qual até é alheia (na medida em que tal importância foi arbitrada aos filhos do BB e, nem sequer está demonstrado na decisão, que a assistente os represente legalmente e, muito menos, que tenha intervindo nos autos como assistente nessa qualidade de representante daqueles).

Essa indemnização foi arbitrada oficiosamente no interesse daquelas vítimas, que eram os filhos menores do falecido BB.

Mas, para além disso, e acima de tudo, não tendo a assistente deduzido pedido cível, nem em nome próprio, nem em nome dos filhos do falecido BB, não há qualquer decaimento, nem legitimidade para recorrer (uma vez que nem formulou pedido que não existe).

Acresce que, sendo um arbitramento oficioso, feito ao abrigo do art. 82.º-A do CPP, consoante resulta do seu n.º 3, a quantia atribuída a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.

Isto significa que, os filhos do falecido BB, a favor de quem foi arbitrada a indemnização oficiosa, não estão sequer desprotegidos, pois podem sempre instaurar uma futura ação cível, onde depois será descontada a importância já atribuída na ação penal, por força do art. 82.º-A, n.º 3, do CPP8.

Do exposto resulta igualmente que, não sendo a assistente parte civil e, não tendo sido condenada a pagar qualquer quantia fosse a título de indemnização ou a qualquer outro título aos filhos do falecido BB, também não tem legitimidade para recorrer (seja como parte cível, seja como terceiro) dessa parte da decisão (cf. art. 401.º, n.º 1, als. c) e d), do CPP).

Por último, perante a forma como configurou o recurso (pretendendo discutir o montante atribuído) nem sequer se pode concluir que pudesse ser um “terceiro” que tivesse a “defender um direito afetado” (cf. art. 401.º, n.º 1, al. d), última parte, do CPP) pela decisão de arbitramento oficioso da indemnização.

Em conclusão, não é admissível o recurso, da assistente quanto à decisão de arbitramento oficioso da indemnização, por falta de legitimidade e de interesse em agir (cf. arts. 82.º-A, 401.º, n.º 1, als. c), d) e n.º 2, do CPP).

A admissão do recurso pela 1ª instância não vincula este tribunal (art. 414.º, n.º 3, do CPP).

É, assim, de rejeitar o recurso da assistente (face ao disposto nos arts. 69.º, n.º 2, al. c), 82.º-A, 401.º, n.º 1, al. b), c) e d), n.º 2, 420.º, n.º 1, al. c), e 414.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), sendo certo que não foram violados os princípios e as disposições legais por ela invocados.


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Decisão

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso interposto pela assistente CC, por inadmissibilidade legal (face ao disposto nos arts. 69.º, n.º 2, al. c), 82.º-A, 401.º, n.º 1, al. b), c) e d), n.º 2, 420.º, n.º 1, al. c), e 414.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

Custas pela recorrente/assistente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC`s (art. 515.º, n.º 1, al. b), do CPP e tabela III anexa ao RCP), a que acresce o pagamento da soma de 4 UC´s, nos termos do art. 420.º, n.º 3, do CPP.


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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelas Senhoras Juízas Conselheiras Adjuntas.

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Supremo Tribunal de Justiça, 31.01.2024

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Teresa de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta)

Ana Maria Barata de Brito (Juíza Conselheira Adjunta)

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1. Do acórdão impugnado consta o seguinte quanto à motivação da decisão de facto:

  Serviram de base para formar a convicção do Tribunal a análise critica e conjugada dos vários elementos probatórios abaixo discriminados, apreciados segundo as regras de experiência comum e a livre convicção do julgador, nos termos do art.º 127º do Código de Processo Penal:

  - no teor de auto de notícia constante de fls. 3 a 5 dos presentes autos, no que respeita à data, hora e local onde as autoridades policiais encontraram o corpo de BB;

  - no teor do auto de apreensão de fls. 14 dos presentes autos, concatenado com a imagem da faca apreendida constante de fls. 16 dos presentes autos, e imagens de fls. 18 e 19 (referentes ao local onde a faca foi encontrada) e 113 e 164 a 165 dos autos (onde ainda são visíveis marcas de sangue), determinante para apurar as características da faca utilizada pelo Arguido e com que atingiu BB;

  - no teor das fotografias constantes de fls. 107, 108 a 112 e 159 a 160 (estas do cadáver, onde são visíveis os ferimentos aí deixados), 155, 116 e 156 (permitindo-nos estas últimas ter a perceção do espaço físico onde o Ofendido foi atingido e a localização da mesa a que o Arguido se reporta nas declarações prestadas em sede de audiência de julgamento, a que nos reportaremos infra) e 157 a 158 dos presentes autos (estas últimas do interior da residência, onde o Arguido e a vítima anteriormente se desentenderam);

  - nas fotografias do Arguido constantes de fls. 114 a 115 dos presentes autos, captadas no dia dos factos em apreço nos autos, onde são visíveis vestígios hemáticos na mão direita e manga direita da camisola do Arguido, e onde não são visíveis quaisquer sinais de luta física na roupa do Arguido;

  - no teor do relatório de autopsia constante de fls. 249 a 251 dos presentes autos, determinante para aferirmos a estrutura física da vítima (com 173 cms de altura e 72 Kgs de peso) e lesões sofridas por BB e para que possamos estabelecer o nexo causal entre as lesões traumáticas torácicas por este sofridas e a faca utilizada pelo Arguido, evidenciando o plasmado nos pontos 9) a 11) dos Factos Provados;

  - no teor do relatório constante de fls. 252 dos presentes autos (referente às análises efetuadas à vítima, de acordo com as quais inexistiam vestígios de estupefaciente e álcool no sangue da vítima);

  - no teor do relatório de perícia médico legal referente ao Arguido, junto aos autos em 08.05.2023, de acordo com o qual o Arguido “Não apresenta défices intelectuais/cognitivos”, possuindo “um funcionamento cognitivo que lhe proporciona capacidade para pensar em termos racionais (MPR superior; QIEC estimado a partir do TELPI-104-médio), permitindo-lhe atuar de forma eficaz em relação ao meio envolvente e desenvolver estratégias eficazes de resolução de problemas”; “Apresenta traços disfuncionais e/ou mal adaptativos ao nível da personalidade”, tendo “predisposição paranoide (Pa do Mini-mult superior), ou seja, é excessivamente sensível, desconfiado e ressente-se com facilidade; Evidencia um padrão persistente de comportamento antissocial, com desprezo pelas normas e costumes sociais (CA da SRP-III muito superior”; “Não apresenta psicopatologia significativa e desestruturante” “Não apresenta fatores de risco para reincidir futuramente em comportamentos violentos, mas apresenta défice ao nível dos fatores protetores para violência futura”, determinante para prova da factualidade exarada no ponto 34) dos Factos Provados;

 - nas declarações prestadas pelo Arguido em sede de audiência de julgamento, em que este descreveu o circunstancialismo em que os factos objeto dos autos ocorreram.

  Relatou que, no decurso da festa, no interior da residência da vítima, quando cantavam os parabéns aos filhos gémeos de BB, este lhe desferiu dois murros, na cara, o que motivou que abandonasse a festa, se deslocasse para o exterior de tal residência e se retirasse para a sua própria casa. Cerca de 10 minutos depois decidiu regressar, permanecendo no exterior da habitação onde decorria a festa. Apercebendo-se da presença do Arguido em tal local, BB “veio para cima de si”, ocasião em que, sentindo-se ameaçado, agarrou a faca, cuja fotografia se mostra junta a fls. 16 dos presentes autos (que lhe foi exibida), que se encontrava em cima de uma mesa e disse à Vítima para se ir embora.

  Afirmou não saber explicar porque é que continuou a desferir golpes após serem separados.

  Verbalizou estar arrependido, até porque a partir de agora “poderão não gostar mais de si”.

  - nas declarações prestadas pela Assistente CC, mãe de BB, que pese embora tenha sido perentória ao afirmar não ter presenciados os factos objeto dos presentes autos, não tendo presenciado nesse dia qualquer discussão entre o Arguido e o seu filho BB, só tendo ouvido muito barulho na rua e ter vindo a constatar que o filho se encontrava prostrado no chão, se mostrou totalmente esclarecedora quanto ao facto de no interior da sua residência ter estado a decorrer a festa de aniversário dos seus netos (filhos da vítima), na qual o Arguido (que é como se fosse um filho para si) igualmente esteve presente.

  Foi categórica ao afirmar que BB não trabalhava, o que justificou com o facto deste ter epilepsia, ajudando a levar e buscar os filhos à escola, que se encontram à guarda da Declarante, por terem sido abandonados pela mãe. Esclareceu que os netos se encontram a frequentar o 5º ano de escolaridade, recebendo €390,00 a título de abono de família.

  Declarou que à data dos factos BB residia consigo. Aí igualmente residem os seus outros filhos (FF, GG, HH e II) e os seus três netos (JJ, KK e LL), contribuindo estes seus filhos para as despesas da casa.

  Reconheceu que quando não tomava a medicação BB era agressivo, frisando que no dia dos factos dos autos este tinha tomado a medicação, tendo sido a própria a dar-lha. Negou que este ingerisse bebidas alcoólicas.

  Relatou que BB não gostava que o Arguido desse “carolos” nos seus filhos, o que este fazia quando os mesmos não lhe emprestavam o telemóvel.

  Sendo-lhe exibido o teor de fls. 16 negou que a faca aí fotografada fosse de sua casa, ou pudesse estar na mesa existente no exterior da sua casa (que apenas tem alguidares, ténis a secar e brinquedos), mencionando que a mãe do Arguido lhe confidenciou que o filho tinha ido buscar tal faca a sua casa.

  As declarações por esta prestadas, que se nos afiguraram sinceras e coerentes, sendo notório que apesar do sucedido ainda nutre carinho pelo Arguido (que é como se fosse um filho para si), foram determinantes para prova da factualidade constante do ponto 14) dos Factos Provados, de resto, não contrariada pelos demais meios de prova carreados para os autos;

  - no testemunho prestado por MM, vizinho do Arguido e da Vítima, que igualmente se encontrava na festa de aniversário dos filhos de BB no dia objeto destes autos, que prestou um testemunho claro, objetivo, seguro e rigoroso, inexistindo fundamento para colocarmos em causa a credibilidade que nos mereceu.

  Mostrou-se particularmente esclarecedor quanto ao circunstancialismo em que, enquanto cantavam os parabéns, por alguém ter tocado, por trás em BB, este atingiu o Arguido na face, segundo este com um estalo, e discussão entre estes travada em tal ocasião. Frisou não se recordar se o Arguido abandonou de imediato a casa ou se só o fez passado algum tempo (5 / 10 minutos), estando certo, no entanto, que BB permaneceu no interior de tal habitação, a discutir com uma das irmãs.

  Afirmou ter-se deslocado, entretanto para o exterior, com o NN (o que justificou com a pequena dimensão da sala onde todos tinham estado a cantar os parabéns aos aniversariantes), vendo, entretanto, o Arguido a chegar, da zona onde se situa a casa deste, ocasião em que esteve a conversar com o Arguido, pedindo-lhe para esquecer o sucedido e não armar confusão, recordando-lhe que não valia a pena e que era o dia de aniversário dos miúdos.

  Relatou que, passados cerca de 2 / 3 minutos, BB veio à porta, trocou “umas bocas” com o Arguido, e começou a descer as escadas de acesso da casa ao exterior da mesma, ocasião em que viu o Arguido desferir uma facada na barriga de BB, a que se seguiram outras facadas por cima (o que justificou com o facto do Arguido ser muito grande e por força disso ficar num plano superior ao do Ofendido).

  Afirmou ter ficado convencido que o Arguido tinha a faca escondida na manga.

  De imediato, tentaram separá-los, agarrando o BB, para que este não caísse, ocasião em que o Arguido se afastou.

  Foi categórico ao afirmar inexistir qualquer faca na mesa existente no exterior, sendo que, atenta a inexistência de visibilidade no local, àquela hora da noite, sempre seria impossível que o Arguido aí a localizasse, caso aí estivesse colocada alguma faca.

  Expôs que BB tinha problemas de saúde, mas não o tinha por violento, igualmente não tendo conhecimento que o Arguido fosse violento ou tivesse problemas com terceiros.

  - no testemunho prestado por FF, irmã da Vítima BB, que relatou ter tido conhecimento, pelo seu irmão HH, que o BB deu uma chapada no Arguido, o que não foi por si presenciado, tendo-se tão só apercebido que o BB se deslocou para o exterior da casa onde decorria a festa de aniversário dos sobrinhos e vindo, mais tarde, a ver o irmão a desfalecer, caindo para o chão. Foi perentória ao afirmar não ter visto qualquer faca, realçando que o irmão e o Arguido se davam bem.

  Expôs que, em virtude da sua doença, por vezes, o irmão fazia coisas de que não se recordava (dar chapadas), sendo que o que sucedeu com o Arguido podia ter ocorrido com qualquer outra pessoa. As pessoas que frequentavam a casa sabiam o problema dele e não lhe ligavam, lidando o Arguido bem com tal comportamento do irmão da testemunha e não encontrando explicação para o sucedido. Esclareceu que no último ano o irmão mudou, tendo-se tornado agressivo.

  Ao ser-lhe exibido o teor de fls. 16 dos presentes autos afirmou não se recordar de ter visto a faca aí retratada em sua casa;

  - no testemunho prestado por OO, amigo do Arguido há cerca de 6 / 7 anos, e que vive em situação de união de facto com uma das irmãs da vítima, que, tendo-se apercebido que o Arguido e BB se envolveram numa briga (BB por baixo e o Arguido por cima), no exterior da habitação onde se encontrava, os veio separar, só tendo visualizado a faca na mão do Arguido após os separar.

  Esclareceu ter-se apercebido da ocorrência de desentendimento anterior entre estes, no interior da casa, tendo falado com ambos e ficado convencido que a situação tinha ficado resolvida.

  Caracterizou a Vítima como uma pessoa doente e fácil de acalmar, frisando não ter qualquer razão de queixa do Arguido, que descreveu como uma pessoa calma e tranquila;

  - no testemunho prestado por GG, prima afastada do Arguido (o pai do Arguido é primo do pai da testemunha) e irmã da vítima, que não presenciou os factos objeto dos autos, tendo ouvido apenas gritos, ocasião em que se deslocou ao exterior da casa e ainda tirou a faca da mão do Arguido, atirando-a para o chão, e dirigindo-se, logo de seguida, para o corpo do irmão, ocasião em que o Arguido se refugiou nas traseiras dessa mesma habitação.

  Precisou que, tanto quanto é do seu conhecimento, a faca utilizada pelo Arguido não era de casa da testemunha.

  Tendo-lhe sido exibido o teor de fls. 156 dos presentes autos, fez uma descrição minuciosa do local onde BB e o Arguido se encontravam aquando da ocorrência dos factos em apreço nos autos;

  - no testemunho prestado por HH, primo afastado do Arguido e irmão da vítima, testemunha arrolada unicamente pela defesa do Arguido, e que se mostrou particularmente esclarecedor quanto ao circunstancialismo em que o irmão, no interior da habitação, desferiu dois socos ao Arguido, o que fez com que este abandonasse logo de seguida tal residência. Relatou que, passados cerca de 5 minutos (período temporal que declarou ser compatível com este deslocar-se à sua própria casa e regressar), ouviu dizer que o Arguido havia regressado e tinha uma faca, sendo que, quando se deslocou ao exterior da casa, já entrou o irmão deitado no chão, conduzindo o Arguido para as traseiras da casa.

  - no testemunho prestado por EE, pai do Arguido, que, de relevante relatou que o filho, após o jantar, se deslocou para a festa de aniversário dos filhos da vítima, a que a testemunha apenas não compareceu por nesse dia estar com problemas de locomoção (por causa de uma trombose). Soube, mais tarde, pela Companheira (testemunha DD, que, sendo mãe do Arguido, no uso de uma faculdade que a lei lhe confere, se recusou a depor no âmbito dos presentes autos), pois estava a dormir, que o Arguido veio, entretanto, a casa, desconhecendo se aí se demorou.

  Afirmou que o filho se dava bem com BB, tendo este estado, inclusive, em sua casa antes da festa de aniversário.

  Descreveu BB como uma pessoa doente (com epilepsia, que chegou a ser transportada em ambulância para o hospital) e agressiva (tendo, inclusive, agarrado num garrote para atingir a testemunha), frisando que todos fugiam dele.

  Foi categórico ao afirmar que o Arguido nunca foi agressivo.

  Tendo-lhe sido exibido o teor de fls. 16 dos presentes autos, foi perentório ao afirmar que a faca aí retratada não é de sua casa, não tendo facas destas em casa.

  Estas declarações e depoimentos (especialmente o testemunho prestado por MM, atenta a objetividade e segurança com que depôs), todos conjugados, filtrados por um critério de experiência comum, e confrontados com os elementos periciais e documentais carreados para os autos, permitem ao tribunal chegar à inevitável conclusão de que os factos objeto dos autos decorreram nos termos e com a dinâmica descrita nos pontos 1) a 13) dos Factos Provados.

  Não deixando de se ter presente na conclusão extraída a desproporção física existente entre o Arguido (com cerca de 196 centímetros de altura e peso superior a 120 Kgs, conforme verificado pelo Tribunal e admitido pelo Arguido em sede de audiência de julgamento) e a Vítima (com 173 centímetros de altura e 72 Kgs de peso - cfr. relatório de autopsia constante de fls. 249 a 251 dos presentes autos), a proximidade a que se encontravam e as zonas escolhidas pelo Arguido para atingir BB, onde se encontram órgãos vitais, quando, não pretendendo este a morte da vítima, podia tão só atingi-lo num braço ou perna.

  E sempre se referindo que a testemunha MM, pela espontaneidade e coerência com que depôs, se mostrou particularmente esclarecedora quer quanto ao que sucedeu no interior da residência de BB, na ocasião em que cantaram os parabéns aos filhos deste, quer no que se lhe seguiu, no exterior da residência, situações ambas presenciadas pela testemunha, com uma proximidade que lhe permitiram fazer um relato preciso do que aí sucedeu.

  A explicação apresentada pela testemunha para não ter visto a faca antes do Arguido com esta atingir BB igualmente se mostra compatível quer com o cenário em que os factos ocorreram (de muita pouca visibilidade), quer com a roupa que o Arguido trajava à data (cfr. fotografias constantes de fls. 161 dos presentes autos), que lhe permitiam, com facilidade, ocultar a faca na manga da camisola.

  Pelo contrário, não se mostra minimamente crível a versão dos factos apresentada pelo Arguido, de que apenas agarrou na faca para se defender, quando já se estava a travar de razões com a Vítima no exterior da residência, nem que este apenas aí se tenha munido de tal faca (desde logo atenta a pouca visibilidade do local e a distância a que ainda se encontrava da aludida mesa de apoio, onde nenhuma das testemunhas visualizou qualquer faca ou confirmou que habitualmente aí sejam colocadas facas), sendo certo que nem no Arguido, nem na roupa deste são visíveis quaisquer sinais de luta travada entre o mesmo e a vítima (com estrutura física bem distinta da do Arguido, conforme anteriormente assinalado, e a quem não são conhecidos conhecimentos de artes marciais ou outras técnicas que lhe permitissem neutralizar a notória superior compleição física do Arguido), de resto, igualmente não presenciada por qualquer testemunha.

  Pese embora o Arguido tenha afirmado que no interior da residência BB lhe desferiu dois socos na cara (no que foi corroborado pela testemunha HH, irmão da vítima), tendo a testemunha MM, que se encontrava junto ao Arguido, e que, por ter presenciado tal situação, descreveu com precisão o que aí se passou, falado num estalo (e relatado a discussão que se lhe seguiu), o que se mostra compatível com a inexistência de qualquer marca visível na face do Arguido (cfr. fotografia constante de fls. 161 dos presentes autos) considerámos como provado que BB deu efetivamente uma chapada na cara do Arguido no circunstancialismo descrito no ponto 2) dos Factos Provados.

  Tendo os testemunhos prestados e declarações prestadas pelo Arguido sido unanimes a afirmar que tal situação ocorreu enquanto cantavam os parabéns, no interior da residência de BB, considerámos como provado que tais factos ocorreram no interior da residência (e não no exterior desta, conforme era descrito no libelo acusatório);

 - no teor do relatório social referente ao Arguido, junto aos autos em 16.06.2023, no que respeita às condições pessoais do Arguido (pontos 15) a 33) dos Factos Provados);

  - no teor do certificado de registo criminal atinente ao Arguido, emitido em 02.06.2023, no que respeita à ausência de antecedentes criminais registados do Arguido (ponto 35) dos Factos Provados).

  Quando à factualidade considerada como não provada tratou-se de factualidade não demonstrada nos autos (alíneas e) e f) dos Factos Não Provados), ou relativamente à qual foi feita prova contrária à factualidade alegada (alíneas a), b), c), d) e g) dos Factos Não Provados, sendo que a factualidade exarada nesta última alínea se mostra totalmente contrariada pelo relatório de autopsia, que alude a cinco golpes e não a seis golpes).

  Não podemos, ainda, deixar de salientar que parte da convicção que se forma em relação aos testemunhos prestados alavanca-se precisamente na imediação da inquirição, ou seja, pela avaliação dos gestos, tom de voz, atitude corporal, forma como os depoentes se referem aos factos, permitindo-nos percecionar a verosimilhança dos depoimentos e testemunhos de forma diferente do que aconteceria se esta fosse descrita sem a mencionada imediação.

  E tais fatores adicionais reforçam a nossa convicção sobre a matéria de facto considerada provada nos termos supra exarados e a credibilidade que as declarações e os testemunhos prestados nos mereceram para prova dessa mesma factualidade.

2. Assim, A. Castanheira Neves, Sumário de Processo Criminal, Coimbra: João Abrantes, 1968, p. 12, quando trata da “diversidade normativa e estrutural que distingue os processos criminal e civil” e das diferentes intencionalidades que um e outro realizam. Embora também fazendo referência ao interesse particular do ofendido, como elemento relevante no processo criminal, acrescenta que o mesmo só importa “mediata ou secundariamente”, enquanto no direito processual civil, “o imediatamente em causa são interesses particulares, tutelados juridicamente pelos respectivos direitos subjectivos privados”.

3. Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Questões Fundamentais, A doutrina Geral do Crime, Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 7, a propósito da distinção entre direito penal substantivo e direito processual penal.

4. Consta da decisão da 1ª instância sobre a espécie e medida da pena:

  Determinação da medida da pena e outras consequências jurídicas do crime:

  Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do Arguido, importa agora determinar o tipo de pena a aplicar e a fixação da sua medida concreta.


*

  O crime de homicídio é punido com pena de prisão de oito a dezasseis anos.

  Quanto à determinação da medida da pena, a mesma rege-se pelos princípios consagrados no art.º 40º do Código Penal, nos termos do qual o objetivo primordial da aplicação de uma pena será a proteção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na comunidade (prevenção especial positiva). Haverá que ter em conta, sendo caso disso, o disposto no art.º 70º, que determina a preferência por penas não detentivas da liberdade, em relação àquelas detentivas, sempre que as primeiras puderem “realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

  De acordo como disposto no art.º 71º, n.º 1, do Código Penal, “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (art.º 40º, n.º 2, do Código Penal).

 Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo a culpa concreta do agente, o que implica, por um lado que não há pena sem culpa, e por outro, que esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo, havendo que ter presente as razões de prevenção geral (proteção dos bens jurídicos) quanto aos fins das penas (art.º 40º, n.º 1, do Código Penal), e os fins de prevenção especial.

  Isto é, a determinação da pena concreta fixar-se-á em função:

 - da culpa do agente, que constituirá o limite máximo, por respeito do principio politico-criminal da necessidade da pena, e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art.ºs 1º e 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa);

  - das exigências de prevenção geral, que constituirão o limite mínimo, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;

  - e de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão fixar o quantum da pena dentro daqueles limites – neste sentido v.g. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequência Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, pág. 213 e ss..

  Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do n.º 2 do art.º 71º do Código Penal:

- a ilicitude do facto;

  - o modo de execução e suas consequências;

  - grau de violação dos deveres impostos ao agente;

  - o grau de intensidade do dolo;

  - as circunstâncias que rodearam o cometimento do crime, nomeadamente, os fins ou motivos que o determinaram e a sua reiteração no tempo;

 - condições pessoais do agente e a sua situação económica;

 - a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

  - a falta de preparação para manter uma conduta licita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


*

  Considerando que à data da prática dos factos (12.09.2022) o Arguido (nascido em ........2004) tinha 18 anos de idade, cumpre, pois, sopesar, neste momento, a aplicação do regime inserto no DL n.º 401/82, de 23 de setembro, que estabelece o regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, que tenham praticado um facto qualificado como crime (art.º 1º, n.ºs 1 e 2, in fine, do referido diploma legal).

  Segundo o art.º 4º desse mesmo diploma legal, se for aplicável pena de prisão, o juiz deve atenuar especialmente a pena nos termos dos art.ºs 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

  Conforme jurisprudência maioritária, a apreciação desta matéria não é uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder - dever vinculado, que deve ser sempre apreciado oficiosamente (neste sentido v.g., entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de outubro de 2007, 7 e 22 de novembro de 2007, Processos n.ºs 3199/07-5, 07P3214 e 07P1600, respetivamente, disponíveis em www.dgsi.pt). Ou seja, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o Tribunal não pode deixar de investigar se se verificam aquelas sérias razões, e se tal suceder não pode deixar de atenuar especialmente a pena.

  Tal não corresponde, porém, à obrigatoriedade de aplicação de tal regime, pois embora aquela idade seja pressuposto legal necessário para a obrigatoriedade de apreciação, não vincula na sua aplicação efetiva.

  A sua aplicação dependerá, conforme decorre do disposto no art.º 4º, da existência de sérias razões para crer que da atenuação resultarão vantagens para a reinserção social do jovem condenado, pressupondo, assim, uma avaliação, que tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido.

  Com efeito, o preâmbulo do DL n.º 401/82, de 23 de setembro (§ 7), fornece algumas indicações quanto aos propósitos do legislador na instituição de um regime penal diferente, expressando o pensamento legislativo segundo o qual “as medidas propostas não afastam a aplicação – como última ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos”, e ficando claro, logo à partida, o objetivo de que a ressocialização do menor delinquente é prioritária.

  Estabelece-se, depois, outra orientação básica, no sentido de, tanto quanto possível, se aproximar o direito penal dos jovens imputáveis dos princípios e regras do direito reeducador de menores, sendo princípio geral imanente a todo o diploma, o da “flexibilidade na aplicação das medidas de correção que vem permitir que a um jovem imputável até aos 21 anos possa ser aplicada tão só uma medida corretiva” (§ 4).

  Do exposto resulta, em nosso entender, não ser de aplicar o regime penal especial para jovens, quando do conjunto dos atos praticados pelo arguido e a sua gravidade desaconselham, em absoluto, a aplicação de tal regime, por não ser possível realizar um juízo de prognose à sua reinserção social.

  O prognóstico favorável à ressocialização radica na valoração, no caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e modo de execução do mesmo e dos seus motivos determinantes, o que facilmente se compreende, pois a idade, por si só, não determina o desencadear dos benefícios do regime do DL n.º 401/82, de 23 de setembro, até porque tratando-se de uma atenuação especial da pena, a mesma terá de ser concretizada e quantificada em conjugação com os art.ºs 72º e 73º do Código Penal, preceitos que constituem apoio subsidiário do referido regime (neste sentido v.g., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de março de 2009, Processo n.º 09P0164, in www.dgsi.pt).

  Como se pode ler no citado aresto “não se pode deixar igualmente de ter em conta que a delinquência juvenil, em particular a delinquência de jovens adultos e de jovens na fase de transição para a idade adulta, é um fenómeno muito próprio das sociedades modernas, urbanas, industrializadas e economicamente desenvolvidas, obrigando, desde logo o legislador a procurar respostas e reações que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de crimes, que visem um ciclo de vida que corresponde a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório, procurando evitar que uma reação penal severa, na fase latente da formação da personalidade, possa comprometer definitivamente a ressocialização do jovem (…)”.

  In casu, para além da respetiva juventude – subjacente à aplicabilidade deste regime -, e da ausência de antecedentes criminais, importa salientar que o mesmo confessou parte dos factos que lhe são imputados, demonstrando, relativamente aos mesmos, arrependimento pela morte da vítima, pelo desgosto provocado à família e, sobretudo, pelas consequências que daí advieram para o próprio, o que se nos afigura um sinal de interiorização do desvalor das condutas praticadas e, consequentemente, de ressocialização, fatores que, todos conjugados, pese embora a gravidade dos factos praticados e das suas consequências, permitem a realização do juízo de prognose favorável à aplicação do regime penal mais favorável, o que se decide.


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 Por força da atenuação especial resultante dos art.ºs 1º e 4º do DL n.º 401/82, de 23 de setembro, e dos art.ºs 73º, n.º 1, als. a) e b), 41º, n.º 1, e 47º, n.º 1,do Código Penal, o crime de homicídio praticado pelo Arguido passa a ser punido, em abstrato, com pena de prisão de 1 (um) ano, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de prisão a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de prisão.

  A determinação da medida da pena, in concreto, far-se-á de harmonia com o disposto no já referenciado art.º 71º, n.º 1, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo-se nesta determinação, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente as enunciadas no art.º 71º, n.º 2.

  Pela via da culpa, segundo refere o Prof. Figueiredo Dias (in “As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, pág. 239), releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, ou seja, “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, conforme prevê o art.º 71º, n.º 2, al. a).

  A culpa, como fundamento último da pena, funcionará como limite máximo inultrapassável da pena a determinar (art.º 40º, n.º 2), fornecendo a prevenção geral positiva (“proteção de bens jurídicos”) o limite mínimo que permita a reposição da confiança comunitária na validade da norma violada.

  Por fim, é dentro desses limites que devem atuar considerações de prevenção especial, isto é, de ressocialização do agente (cf., neste sentido, Figueiredo Dias, Ob. Cit., págs. 227 e seguintes; Anabela Rodrigues, in R.P.C.C., 2, 1991, pág. 248 e seguintes; e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 1994, in B.M.J. 441º, pág. 145).

  Relativamente aos elementos elencados no art.º 71º, n.º 2, do Código Penal, há que considerar, in casu:

- o grau de ilicitude dos factos, apreciado dentro dos tipos criminais em apreço, que é elevado;

- o Arguido atuou com dolo direto;

- as exigências de prevenção geral, no sentido de repor a confiança dos cidadãos na validade das normas jurídicas violadas, são elevadíssimas, na medida em que o crime em apreço gera um elevado alarme social, urgindo repor um sentimento comunitário de segurança, necessário à vivência em sociedade;

  - as consequências do crime praticado revelam-se de elevada intensidade, pela violência exercida e pelas concretas lesões sofridas por BB e lhe vieram a causar a morte;

 - as exigências de prevenção especial revelam-se menos acentuadas, tudo indiciando que se tratou de um acontecimento isolado na vida do Arguido, relativamente ao qual este assimilou o desvalor da sua conduta e as consequências desta decorrentes para a vítima (que faleceu), para os familiares da vítima (que perderam um ente querido), e para o próprio Arguido (que ficou privado da liberdade e provocou desgosto aos familiares da vítima, por quem é notório nutrir sinceros laços de afeto e que tem receio que deixem de gostar de si).

  Em favor do Arguido não podemos, ainda, deixar de ter presente a ausência de antecedentes criminais e o suporte familiar de que este beneficia.

  Ora, considerando as circunstâncias e gravidade dos factos e a personalidade do Arguido neles espelhada, e sem esquecer a culpa e as necessidades de prevenção, entende o Tribunal como ajustada a aplicação ao Arguido da pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de 1 (um) crime de homicídio, p. e p. pelo art.º 131º, n.º 1, do Código Penal


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  Atenta a pena aplicada, superior a 5 (cinco) anos de prisão, e o disposto no art.º 50º do Código Penal, mostra-se prejudicada a apreciação de uma eventual suspensão da execução de tal pena.

5. Helena Morão, “Reformando o recurso em processo penal”, in Corrupção em Portugal Avaliação Legislativa e Propostas de Reforma, org. Paulo Pinto de Albuquerque, Rui Cardoso e Sónia Moura, Lisboa: Universidade Católica Editora, 2021, pp. 657 e 658. A mesma Autora, “Da Delimitação Subjectiva Do Direito ao Recurso Em Matéria Penal – Fundamento E Legitimidade Para Recorrer”, in Anatomia do Crime, 2017, n.º 5, p. 26, indica, ainda, como exemplo, de caso em que deve admitir-se o recurso do assistente, a “não aplicação da pena acessória de proibição de contacto”.

6. Sustenta-se neste acórdão que “ao constituir-se assistente, o ofendido ou quem tem legitimidade documenta no processo uma inequívoca vontade não só de que os participantes no crime sejam perseguidos criminalmente, mas também de colaborar nessa perseguição. E, porque, ao contrário do Ministério Público, a pessoa com legitimidade para se constituir assistente não está vinculada a «critérios de estrita objectividade», a vontade de que o procedimento criminal contra o arguido seja desencadeado ou prossiga, manifestada no acto de constituição como assistente, envolve a pretensão de que esse procedimento se conclua, na sua perspectiva, com sucesso, ou seja, com uma decisão de condenação. Sendo esse o alcance da constituição como assistente, parece claro que a decisão de não pronúncia ou de absolvição são decisões desfavoráveis, decisões que, contrariando as suas expectativas, são proferidas contra ele, independentemente de ter ou não deduzido acusação. Como diz Cláudia Cruz Santos, «o assistente tem um interesse próprio e concreto na resposta punitiva que é paralelo ao interesse comunitário na realização da justiça», sendo nessa «coincidência (ainda que apenas relativa e tendencial)» entre o «interesse da comunidade na administração da justiça penal» e o «interesse concreto do assistente em que a justiça penal encontre uma resposta adequada para a ofensa que lhe foi causada» que deve ser encontrado «o fundamento para a possibilidade de recurso autónomo do assistente em matéria penal» (RPCC, 2008, pp. 159 e 160). E é com a aquisição dessa qualidade que o assistente afirma a pretensão de fazer valer no processo esse interesse próprio.”

7. Neste sentido, ver Pereira Madeira, na anotação ao artigo 401.º, em AAVV, Código de Processo Penal Comentado, 4.ª ed. revista, Coimbra: Almedina, 2022, pp. 1282 a 1284.

8. Sobre esta matéria ver Tiago Caiado Milheiro, em anotação ao art. 82.º-A, em AAVV, Comentário Judiciário do Código Processo Penal, Tomo I, 2ª edição, Coimbra: Almedina, 2022, p. 920.