Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | PAULO SÁ | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA PRAZO CERTO PRAZO RAZOÁVEL INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL MORA INCUMPRIMENTO DEFINITIVO INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA RESOLUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | SJ200802070044371 | ||
Data do Acordão: | 02/07/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - Só o incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa dá lugar às cominações previstas no art. 442.º, n.º 2, do CC, não bastando, para o efeito, a simples mora, porquanto nada justifica que se excepcione o contrato-promessa do regime geral aplicável à generalidade dos contratos. II - O prazo fixado em contrato-promessa para a celebração do contrato prometido tanto pode ser absoluto (quando as partes fixarem um prazo para o cumprimento de determinada obrigação de modo a que a prestação seja efectuada dentro dele, sob pena de o negócio já não ter interesse para o credor), como relativo. Sendo absoluto, decorrido o prazo para a celebração do contrato prometido sem que este seja realizado, caduca o contrato-promessa. Sendo relativo, determina a simples constituição em mora, conferindo ao credor o direito a pedir o cumprimento, a sua resolução (verificados os demais pressupostos legais) ou a indemnização legal moratória. III - A determinação da natureza do prazo depende da natureza do negócio ou da interpretação da vontade das partes, devendo, em caso de dúvida, ter-se como estabelecido um prazo absoluto, por ser de presumir que os outorgantes quiseram efectivamente vincular-se de harmonia com os termos do contrato. IV - Estipulando-se no contrato-promessa o pagamento de sinal de 3.150.000$00, ficando a parte restante do preço, de 12.600.000$00, de ser paga com a celebração da escritura de compra e venda, e que a promitente-vendedora, ora Ré, faria a entrega da fracção prometida aos promitentes-compradores, ora Autores, no prazo de 20 meses, mostra-se correcto, à luz do disposto nos arts. 236.º e 238.º do CC, considerar que as partes quiseram fixar o prazo de 20 meses, após a assinatura do contrato-promessa para a celebração da escritura pública, cabendo o ónus da interpelação, para esse efeito, à Ré. V - Ainda que se entendesse que o contrato não fixava prazo para a realização da escritura, podiam os Autores interpelar a Ré para a celebração do contrato prometido, num prazo razoável. O prazo é razoável se foi fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, permite ao devedor cumprir o seu dever de prestar. VI - Pode fixar-se o vencimento da obrigação através de interpelação directa feita pela parte interessada à contraparte, neste caso pelos Autores à Ré, por ter sido ultrapassado em muito o período de 20 meses que no contrato-promessa havia sido estipulado para a entrega da fracção objecto daquele, sendo suficiente para o efeito a notificação judicial que foi requerida pelos Autores, estabelecendo o prazo de 30 dias durante o qual a Ré devia designar data para a realização da escritura. VI - Não tendo procedido à marcação da escritura, a Ré sempre estaria constituída em mora, se não desde o termo do prazo de 20 meses estabelecido no contrato, pelo menos a partir do termo do prazo de 30 dias indicado pelos Autores no âmbito da notificação judicial avulsa. VII - Terminando este último prazo no dia 13-09-2002, e estando a fracção prometida sem condições de habitabilidade, carecendo os Autores de habitação para acolher o agregado familiar e de recorrer ao “crédito bonificado”, podiam ter resolvido o contrato-promessa, face à sua perda de interesse na celebração do contrato prometido. VIII - Tendo os Autores enviado à Ré carta datada de 23-09-2002 comunicando-lhe a resolução do contrato-promessa, a eficácia desse comunicação não é afectada pelo facto de a Ré ter enviado aos Autores, em 18-09-2002, carta comunicando-lhes a marcação da escritura para o dia 30-09-2002, se os Autores apenas levantaram esta última carta na estação dos correios no dia 25-09-2002, data em que é possível considerar que a carta enviada pela Ré entrou na esfera pessoal dos Autores. IX - Ainda que assim não fosse, a mera marcação da escritura pela Ré não afastava a verificada perda de interesse, já que na fracção continuavam a faltar obras de acabamento, não sendo exigível aos Autores que se dispusessem a celebrar a escritura sem que a habitação reunisse as condições correspondentes ao fim a que se destinava e que era premente para os Autores face às condições precárias em que se encontrava instalado o seu agregado familiar. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – No 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel, AA e mulher BB, instauraram a presente acção declarativa, com processo comum na forma ordinária, contra Empresa-A – CONSTRUÇÕES, L.DA, pedindo que se declare resolvido o contrato-promessa entre ambos celebrado e que, por via disso, se condene a Ré a restituir-lhe, a título de sinal em dobro, a quantia de 31.424,26 Euros, acrescida de juros de mora, desde a citação até efectivo pagamento. Alegam, para tanto, em síntese: Terem celebrado com a Ré, em 05.06.2000, um contrato mediante o qual a Ré, na qualidade de promitente vendedora, se comprometeu a vender aos Autores, e estes prometeram comprar-lhe um apartamento T3, no edifício a levar a efeito em ..., freguesia de Parada de Todeia, Paredes, pelo preço de 15.750.000$00; Em virtude de a R. não ter marcado, em tempo útil, data para a celebração da escritura pública respeitante ao contrato prometido, apesar de interpelada para o efeito, os AA. deixaram de poder beneficiar do crédito bonificado para aquisição de habitação própria e a demora na realização de tal acto revelou-se impeditiva da satisfação de necessidades prementes do seu agregado familiar, o que determinou tivessem perdido o interesse na celebração do referido contrato, o que deram a conhecer à Ré. Citada regularmente, a R. apresentou contestação, impugnando parte da matéria alegada pelos Autores, e defendeu-se por excepção, alegando terem sido os AA. a colocarem-se na situação de incumprimento definitivo, o que motivou lhes tivesse comunicado a resolução do mencionado contrato-promessa. Na réplica, os Autores rejeitaram a procedência da matéria excepcional e mantiveram a sua posição inicial. Convidou-se a Ré a concretizar a matéria que esta alegara em sede de contestação, convite este que ela acatou. O processo prosseguiu termos com a elaboração do despacho saneador, no qual se aferiu a presença dos necessários pressupostos processuais, procedendo-se, depois, à organização da matéria de facto relevante para a decisão da causa, com selecção dos factos assentes e daqueles que então se mostravam controvertidos, tendo os AA. apresentado reclamação da selecção em causa, em parte atendida. Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo, proferindo-se decisão sobre a matéria de facto, que não foi objecto de reclamações. Foi proferida sentença, na qual foi a acção julgada procedente, e, em consequência, se condenou a ré nos pedidos formulados. Inconformada, interpôs a R. recurso de apelação, que foi admitido. Os AA. contra-alegaram. A Relação do Porto veio a proferir acórdão a julgar improcedente o recurso da R., assim confirmando a sentença recorrida. De tal acórdão veio a R. interpor recurso de revista, recurso que foi admitido. A R. apresentou as suas alegações, que conclui pela revogação do acórdão, pugnando pela sua absolvição dos pedidos contra si formulados, tendo, para o efeito, suscitado as questões adiante individualizadas. Não houve contra-alegações. Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação A) De Facto Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: 1. Autores e Ré celebraram entre si, em 05 de Junho de 2000, um contrato a que deram a designação de “contrato promessa de compra e venda”, conforme documento junto a fls. 8 e 9; 2. Por este contrato, a Ré, na qualidade de promitente vendedora, comprometeu-se a vender aos Autores, e estes prometeram comprar, “pelo preço de esc. 15.750.000$00 (quinze milhões, setecentos e cinquenta mil escudos), um apartamento tipo T3, sito no ... andar, ..., fracção ‘....’, do ... Bloco, mais um lugar de garagem, com arrumos, no edifício a levar a efeito em ..., freguesia de Parada de Todeia, Paredes”; 3. Em cumprimento do estipulado na al. A/ da cláusula segunda do referido contrato, os Autores entregaram à Ré a título de sinal e princípio de pagamento, em 05.07.2000, a quantia de esc. 3.150.000$00 (correspondente a 15.712,13 Euros), recorrendo, para o efeito à concessão de um empréstimo junto de uma instituição de crédito; 4. Ficando a parte restante do preço, de Esc. 12.600.000$00 (correspondente a 62.848,54 Euros), de ser paga com a celebração da escritura de compra e venda; 5. Ficando, também, estipulado que a Ré faria a entrega da fracção prometida aos Autores no prazo de 20 meses; 6. Os Autores habitam com os dois filhos, um de 5 anos e outro de 3 meses, por mero favor, num quarto de familiares, sem o mínimo de condições; 7. Para fazer face ao pagamento da quantia já entregue de Esc. 3.150.000$00, em 05.07.2000 os Autores contraíram um empréstimo junto da Caixa Geral de Depósitos, pelo prazo de um ano, que se esgotou e sobre o qual a entidade bancária vem exigindo a sua liquidação; 8. Conforme resulta do contrato celebrado entre as partes, a escritura pública de compra e venda seria marcada pela Ré que avisaria os Autores por carta registada com a antecedência de 8 dias do dia, hora e local onde a mesma se realizaria; 9. Não foi estipulada qualquer data fixa para a realização da escritura; 10. Os Autores enviaram à Ré a carta constante de fls. 12; 11. Os Autores enviaram à Ré a notificação judicial avulsa junta a fls. 14 a 20 dos autos; 12. Mediante carta com A/R datada e expedida de 18.09.2002, a Ré comunicou aos Autores a marcação da escritura pública de compra e venda para o dia 30.09.2002, às 17 horas, no Cartório Notarial de Paredes, a qual não foi recepcionada em mão pelos Autores, mas deixado um aviso, conforme documentos das fls. 78 a 82; 13. A esta comunicação responderam os Autores com a carta constante a fls. 83 e 84; 14. A escritura pública não se realizou em virtude de no Cartório não se encontrarem quaisquer documentos para a elaboração da mesma, conforme certificado emitido pelo Cartório Notarial de Paredes, documento de fls. 85;15. Mediante carta com A/R datada e expedida de 10.10.2002, a Ré comunicou aos Autores a marcação de nova escritura pública de compra e venda para o dia 25.10.2002, às 16 horas, no Cartório Notarial de Paredes, solicitando aos Autores que procedessem à entrega de todos os documentos necessários até 3 dias antes, advertindo-os que consideraria resolvido o contrato no caso de não comparecerem ou de não entrega atempada dos documentos; 16. Os Autores não compareceram no Cartório Notarial de Paredes nesse dia e hora, nem entregaram à Ré os documentos necessários para a realização da escritura, tendo apenas comparecido a Ré, como melhor consta do documento 14 (fls. 94) da contestação; 17. Os Autores tinham contraído junto da “Caixa Geral de Depósitos” um empréstimo bancário, no regime bonificado, para fazer face ao pagamento da aquisição da fracção autónoma em causa; 18. Os Autores enviaram à Ré a carta que consta dos autos a fls. 44 e 45 (doc. 27), com data de 23 de Setembro de 2002; 19. Os Autores enviaram à Ré a carta que consta dos autos a fls. 95/96, com data de 21 de Outubro de 2002; 21. Quando celebraram o contrato-promessa os Autores ficaram convencidos que a escritura seria celebrada quando terminasse o prazo de entrega referido na cláusula 5ª do contrato referido no ponto 1. supra; 22. Em 14 e 28 de Setembro de 2002, a fracção prometida vender encontrava-se nas condições descritas nas fotografias juntas aos autos a fls. 24 a 43; 23. Os Autores solicitaram à Ré que fosse introduzido na fracção um roupeiro embutido adicional e a colocação das fichas eléctricas em sítios diferentes do projectado; 24. Antes de ser possível a instalação da luz e água a Ré podia garantir a mesma às fracções; 25. Era possível colocar uma botija de gás na cozinha para o fogão funcionar. B) De Direito 1. São as conclusões que delimitam o objecto do recurso – art.º 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 4, do CPC. São três as questões em discussão no presente recurso, a saber: a) interpretação do contrato-promessa quanto à obrigação de marcação da escritura; b) a resolução do contrato com fundamento na perda do interesse dos AA; c) a resolução pela R. devida ao incumprimento dos AA. 2. Interpretação do contrato-promessa Insurge-se a recorrente, em primeiro lugar, contra o entendimento perfilhado nas instâncias de que o contrato prometido tinha prazo certo para ser concretizado, ou seja, a celebração da respectiva escritura pública devia ocorrer no prazo de 20 meses, após a assinatura do contrato-promessa, cabendo o ónus da interpelação, para esse efeito, àquela, o que a mesma não cumpriu, assim entrando em mora. Contra a tese defendida pela recorrente, as instâncias consideraram que o contrato e, designadamente, o teor das suas cláusulas 3.ª e 5.ª impunham a interpretação acolhida como “a interpretação possível e necessária”. O acórdão recolhido transcreveu da sentença o seguinte segmento argumentativo: “… não faria qualquer sentido que a Ré se tivesse obrigado a entregar aos Autores a fracção no prazo de vinte meses e que não assumisse igual obrigação para a celebração da escritura pública. É que, na cláusula 2.ª, al. B/I do contrato-promessa as partes estipulam que a restante parte do preço da fracção será pago à Ré com a celebração da escritura pública. Ora, não é razoável aceitar-se que a Ré se dispusesse a entregar a fracção aos Autores sem deles receberem grande parte do preço de aquisição dessa fracção. Acresce que as partes, na cláusula 2.ª, al. A/ do mesmo contrato referem que os Autores «pediram financiamento para a referida fracção» e, como se sabe, os bancos só libertam o dinheiro financiado uma vez celebrada a escritura pública que transmita a propriedade da aquisição financiada para o sujeito financiado, até porque, por via de regra, exigem a constituição de garantias hipotecárias sobre o bem financiado. Ora, reconhecendo os contraentes, através desta cláusula, que os Autores não dispõem de meios financeiros próprios para pagar à Ré o preço de aquisição da fracção, tendo de se socorrer de crédito bancário e não libertando os bancos, por via de regra, o capital financiado sem a celebração da escritura de compra e venda, não é razoável aceitar-se que a Ré se fosse obrigar perante os Autores a entregar-lhes a fracção no prazo de vinte meses e não assumisse igual obrigação em relação à celebração da escritura pública, admitindo que esta pudesse ser celebrada em data posterior, o que implicaria que ela Ré ficaria sem a fracção e sem a restante parte do preço...” Aderindo desta forma a tal argumentação, a Relação sustenta, de seguida, que a referida interpretação colhe apoio no disposto nos arts. 236.º e 238.º, n.º 1, do Código Civil (diploma que, doravante, se deverá subentender como citado, quando nada se disser em contrário). Terá, assim, que se aceitar que as partes quiseram fixar um prazo dento do qual devia ser celebrado o contrato prometido, cabendo o ónus da interpelação para esse efeito à Ré. Entendemos que não merece censura este entendimento. De facto, um declaratário normal, colocado na posição dos promitentes--compradores, ao ler o contrato, interpretá-lo-ia no sentido de que a ré, estava a fixar como prazo limite para a celebração da escritura a data fixada para a entrega, cabendo-lhe a ela o ónus da interpelação (art.º 236.º) A declaração deve ser feita de molde a que um «declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante» os termos em que este se quer obrigar. De acordo com a teoria da impressão do destinatário «o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante» (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, p.223). A este entendimento não constitui obstáculo o que se deu como provado na resposta ao quesito 1.º Cabe dizer, antes de passar adiante, que a resolução do contrato pode ter fundamento legal ou convencional (artigo 432.º, n.º 1). O legislador configurou diversas situações em que consagrou expressamente o direito à resolução (a título de exemplo, artigos 270.º, 437.º, 891.º, 966.º, 1140.º, 1150.º e 2248.º). Entre elas se contam as de impossibilidade definitiva da prestação imputável ao devedor, no âmbito de contratos bilaterais. É o que resulta dos artigos 798.º e 801.º, n.º 2: o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação toma-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor, sendo certo que, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, face à impossibilidade do cumprimento pode, independentemente do direito à indemnização, resolver o contrato. Situação diversa do não cumprimento definitivo é a mora do devedor que ocorre quando a prestação, ainda possível, não foi cumprida no tempo devido, por causa imputável àquele (art.º 804.º, n.º 2). A mora, nos termos do n.º 1 do mesmo normativo, apenas constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Não lhe confere o direito à resolução do contrato. Além das situações de não observância de prazo fixo absoluto, contratualmente estipulado, o carácter definitivo do incumprimento do contrato-promessa verifica-se nas três hipóteses seguintes: a) se, em consequência de mora do devedor, o credor perder o interesse na prestação; b) se, estando o devedor em mora, o credor lhe fixar um prazo razoável para cumprir e, apesar disso, aquele não realizar a prestação em falta; c) se o devedor declarar inequívoca e peremptoriamente ao credor que não cumprirá o contrato. Ou seja, a mora poderá converter-se em não cumprimento definitivo, se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação (perda de interesse apreciada objectivamente) ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor (art.º 808.º, n.os 1 e 2). Nestes dois casos, a demora culposa no cumprimento da obrigação determinará, para o contraente faltoso, a obrigação de indemnizar os danos causados ao credor e confere a este o direito à resolução do negócio. O regime geral das obrigações que brevemente se referiu é inteiramente aplicável ao contrato-promessa de compra e venda, tendo este, no entanto, um regime específico ao nível das sanções aplicáveis ao não cumprimento, quando tenha havido lugar à constituição de sinal. Efectivamente, neste caso, quando se verifique uma situação de incumprimento imputável a quem prestou o sinal, permite a lei que aquele que o recebeu o faça seu e, verificando-se o incumprimento definitivo da parte que recebeu o sinal, confere a quem o prestou a faculdade de exigir o dobro do que prestou (artigos 441.º e 442.º, n.º 2). Atente-se em que só o incumprimento definitivo e culposo dá lugar às cominações previstas no artigo 442.º, n.º 2, não bastando, para o efeito, a simples mora, porquanto nada justifica que se excepcione o contrato--promessa do regime geral aplicável à generalidade dos contratos (neste sentido a jurisprudência, hoje já uniforme, dos nossos tribunais superiores – Acs. do STJ de 24.10.95, CJSTJ, ano III, tomo III, p. 78; de 27.11.97, BMJ n.º 471, p. 388; de 26.05.98, in CJSTJ, ano VI, tomo II, p. 100; de 8.02.00, CJSTJ, ano VIII, tomo I, p. 72; de 12.07.01, CJSTJ, ano IX, tomo III, p. 30 e Acs. do STJ de 22.11.2001, proc. 3306/01, 7.ª Secção, de 19.03.2002, proc. 03A200, in www.dgsi.pt/jstj, de 15.10.2002, proc. 1160/02, 6.ª Secção, de 25.02.2003, proc. 03A200 e de 07.03.2006, ambos in www.dgsi.pt/jstj. A mora poderá também converter-se em incumprimento definitivo quando a prestação não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor. Confere-se ao credor a possibilidade de impor à outra parte um prazo para cumprir, como meio de obter a realização efectiva da prestação a que tem direito ou de obter uma definição clara da situação de incumprimento que lhe permita exercitar os direitos que a lei confere ao contraente cumpridor perante o não cumprimento definitivo da obrigação que impende sobre a outra parte (designadamente o direito a resolver o contrato). Por outro lado, impondo-se ao credor a necessidade de proceder à interpelação admonitória do devedor para converter a mora em não cumprimento definitivo, tem o devedor a garantia de que o credor não pode desencadear contra ele nenhuma das sanções ou providências correspondentes ao incumprimento, enquanto lhe não der uma nova e derradeira possibilidade de cumprir a obrigação, pondo termo à sua negligência. Para ANTUNES VARELA (RLJ, ano 128.º, p. 112 e ss.), a interpelação admonitória consagrada no art.º 808.º constitui uma ponte essencial de passagem do atravessadouro (lamacento e escorregadio) da mora para o terreno (seco e limpo) do não cumprimento definitivo da obrigação. A interpelação admonitória envolve os elementos da intimação para o cumprimento; da fixação de um termo peremptório para o cumprimento e da declaração de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida, se não se verificar o cumprimento dentro do prazo fixado (ANTUNES VARELA, idem, p. 138 e ac. deste Tribunal de 31.03.2004, proc. 4465/03 da 2.ª Secção). Deve, também, considerar-se que o prazo é razoável, se foi fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, permite ao devedor cumprir o seu dever de prestar. Tanto a mora como o não cumprimento definitivo poderão ter origem no decurso do prazo contratualmente fixado para a prestação, sem que esta se mostre cumprida. Neste ponto, tem-se entendido que o prazo fixado em contrato-promessa para a celebração do contrato prometido tanto pode ser absoluto como relativo. Sendo absoluto (o que sucederá quando as partes fixarem um prazo para o cumprimento de determinada obrigação de modo a que a prestação seja efectuada dentro dele, sob pena de o negócio já não ter interesse para o credor), decorrido o prazo para a celebração do contrato prometido sem que este seja realizado, caduca o contrato-promessa. Sendo relativo, determina a simples constituição em mora, conferindo ao credor o simples direito a pedir o cumprimento, a sua resolução (verificados os demais pressupostos legais) ou a indemnização legal moratória (veja-se, neste sentido, Vaz Serra, RLJ, ano 110.º, p. 327 e ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª edição, Almedina, Coimbra, p. 80). A determinação da natureza do prazo depende da natureza do negócio ou da interpretação da vontade das partes, devendo, em caso de dúvida, ter-se como estabelecido um prazo absoluto, por ser de presumir que os outorgantes quiseram efectivamente vincular-se de harmonia com os termos do contrato (entre outros, Ac. do STJ de 11/04/2000, in CJSTJ, ano VIII, tomo II, p. 32 e Ac. do STJ de 19/09/2002, in www.dgsi.pt/jstj. Também, por esta via se deveria chegar ao entendimento de que a Ré não tinha cumprido a respectiva obrigação. Mas, se se devesse entender que o contrato não fixava prazo para a realização da escritura, teríamos que concluir que os AA. podiam, como é reconhecido pela recorrente, interpelar a ré para a celebração do contrato prometido, num prazo razoável. E, como bem se disse no acórdão recorrido, nada obrigava a que a interpelação tivesse de ser efectuada através do recurso ao processo especial do artigo 1456.º do Código de Processo Civil. Pode fixar-se o vencimento da obrigação através de interpelação directa feita pela parte interessada à contraparte, neste caso pelos Autores à Ré, por ter sido ultrapassado em muito o período de 20 meses que no contrato--promessa havia sido estabelecido para a entrega da fracção objecto daquele – v., neste sentido, ANA PRATA, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Civil, pp. 649 a 650. Neste entendimento, é suficiente a notificação judicial avulsa que foi requerida pelos Autores e concretizada a 13.8.2002, por via da qual aqueles estabeleceram o prazo de 30 dias, durante o qual a Ré devia designar data para a realização da escritura. Assim ficou fixado um prazo para o vencimento da obrigação decorrente da celebração do aludido contrato-promessa, devendo a Ré ter procedido às diligências necessárias para a realização da respectiva escritura, dentro do prazo fixado, que terminava em 13 de Setembro de 2002. Não o tendo feito, constituiu-se em mora a partir dessa data, se não se acolhesse a tese defendida na sentença da 1.ª instância, da qual decorria que a Ré se colocou em mora, desde o termo do prazo de 20 meses, estabelecido no contrato, ou seja, desde 5.2.2002. Nada, pois, a censurar relativamente à decisão recorrida, quanto à primeira questão suscitada. 3. A resolução do contrato com fundamento na perda do interesse dos AA. Defende a Ré, também, que não se verificam os pressupostos indispensáveis para dar como válida a resolução do contrato-promessa por iniciativa dos Autores, com fundamento na base da perda de interesse na celebração do contrato prometido. Como vimos, a mora poderá converter-se em incumprimento definitivo quando o credor perder o interesse que tinha na prestação. Esta perda de interesse deverá, por imposição legal, ser apreciada objectivamente, aferindo-se, por isso, em função da utilidade que a prestação teria para o credor, atendendo a elementos susceptíveis de serem valorados pelo comum das pessoas (e necessariamente à especificidade dos interesses em causa no concreto negócio jurídico onde tal apreciação se suscite), devendo mostrar-se justificada segundo o critério da razoabilidade própria do comum das pessoas (RLJ, ano 118.º, p. 55 e ano 124.º, p. 95). Pretende-se evitar que o devedor fique sujeito aos caprichos do credor ou à perda infundada do interesse na prestação, atendendo-se, por conseguinte, ao valor objectivo da prestação (e não ao valor da prestação determinado pelo credor), ou seja, à valia da prestação medida (objectivamente) em função do sujeito (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª edição, com a colaboração de M. HENRIQUE MESQUITA, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 72). O tribunal “a quo”, dando como verificada essa perda de interesse, assim também justificando o incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável à Ré e válida a resolução do mesmo, ponderou que aquela última não havia desencadeado em tempo útil a marcação da competente escritura, dessa forma inviabilizando a possibilidade dos Autores em recorrerem a “crédito bonificado” para aquisição da dita fracção, posto a respectiva candidatura estar dependente da celebração da escritura até ao final de Setembro de 2002, o que jamais poderia suceder por a fracção não se encontrar concluída quanto a acabamentos interiores, para além de ser premente a necessidade dos Autores em obterem habitação própria, dadas as condições precárias em que o seu agregado familiar se encontrava a viver. Contesta a recorrente a verificação dessa perda de interesse, argumentando que a não realização da escritura até ao final de Setembro de 2002 apenas se ficou a dever à actuação dos Autores, que apenas em 25.9.02 procederam ao levantamento da carta registada com a/r que lhes havia remetido em 18.9.02, comunicando a realização da escritura para o dia 30.9.02, não se tendo a mesma concretizado por falta de apresentação de documentação da sua responsabilidade, a que acrescia o facto de naquela data (Setembro de 2002) a mencionada fracção se encontrar em condições de ser habitada, com a competente licença de habitabilidade já emitida. Passemos a analisar este vertente do recurso, à luz da matéria de facto fixada e das considerações jurisprudenciais e doutrinais supra referidas, sobre a invocada perda de interesse. Pôs-se em causa o circunstancialismo acima referido, tido como justificador pelo tribunal “a quo” da perda do interesse por parte dos Autores na celebração do negócio prometido — não marcação da escritura por parte da Ré em tempo útil, por forma a possibilitar aos Autores o recurso ao “crédito bonificado”; premência de habitação para acolher o agregado familiar dos Autores e ausência de condições de habitabilidade da aludida fracção, por ainda inacabada. Através da argumentação da Ré pretende-se colocar em causa a eficácia da comunicação da parte dos Autores, reportada a 23.9.02, contendo a declaração da resolução do contrato-promessa, por a mesma lhe ter sido remetida, quando era já do seu conhecimento a data designada pela recorrente para a realização da escritura, por se dever reportar a 20.9.02 o momento em que chegou ao poder dos autores a comunicação da Ré de 18.9.02. Estando em causa um declaração receptícia — carta remetida pela Ré aos Autores a comunicar a marcação da escritura para 30.9.02 — o declaratário fica vinculado logo que a declaração chegue ao seu poder, à sua esfera pessoal, mesmo que não tome conhecimento dela, ou seja, o que importa é que a declaração seja colocada ao alcance do destinatário, por forma a estar em condições de, por actividade sua, conhecer o seu conteúdo (cit. art. 224 do CC) — v., a propósito, PIRES DE LIMA, RLJ, ano 102, pp. 141 a 144. Porém, no acatamento desta doutrina (da recepção), que se não controverte, o que importa é dilucidar se, no caso em presença, o conhecimento da marcação da escritura se reporta a 19 ou 20 de Setembro de 2002, dando--se então como cumprido o encargo que impendia sobre a Ré, em obediência ao estipulado no dito contrato-promessa e tornando ineficaz a outra comunicação dos Autores de 23.9.02, a declarar resolvido esse mesmo contrato. Não nos merece qualquer reparo o entendimento perfilhado na decisão recorrida que entendeu que, no circunstancialismo dado como provado, a entrada na esfera pessoal dos Autores da comunicação remetida pela Ré deve reportar-se à altura em que procederam ao levantamento na estação dos “CTT” da respectiva carta com a/r, (25.9.02), já que é nesse momento em que a correspondente declaração entra em seu poder, estando ao seu alcance conhecer o seu conteúdo. Porém, mesmo que se defendesse que tal comunicação passou a estar ao alcance dos Autores a partir do momento em que os serviços de correio depositaram na sua residência o competente aviso – o que se rejeita, por ninguém estar obrigado a permanecer ininterruptamente em casa, nem o aviso postal é de per si suficiente para se saber o conteúdo da comunicação – nem assim poderia entender-se configurada uma situação de mora imputável àqueles, com a virtualidade de afastar o incumprimento definitivo do contrato-promessa da responsabilidade da Ré. De facto, à dita fracção continuavam a faltar obras de acabamento, como decorre expressamente do teor da factualidade constante dos Pontos 21, 23 e 24 acima enunciados, não sendo exigível aos Autores que se disponibilizassem a celebrar aquele acto (escritura) sem que a dita habitação dispusesse desde logo de todas as condições correspondentes ao fim a que se destinava, para além de ser premente para os mesmos a disponibilidade dessa habitação, face às condições precárias em que se encontrava instalado o seu agregado familiar. E tal não é contrariado pela invocação da Ré de que a aludida fracção dispunha já da competente licença de habitabilidade, já que se trata de realidade não demonstrada nos autos, face ao que é possível retirar do conjunto da respectiva documentação junta ao processo, como se afirma no acórdão recorrido com remissão para o «doc. de fls. 86 (licença emitida, onde não consta a fracção prometida vender — “AI”)», as «certidões prediais de fls. 258 a 264 e documentação de fls. 274 a 285 que não permite concluir que à fracção prometida vender corresponde a letra “AQ”, por efeito de correcção posterior à propriedade horizontal». Consequentemente, bem se decidiu no acórdão recorrido ao manter o decidido na 1.ª instância, quanto à verificação da invocada perda do interesse negocial por parte dos autores. 4. A resolução pela R. devida ao incumprimento dos AA. Atento o que acima se deixou dito, deixa de ter relevância a comunicação feita pela Ré, através da carta expedida em 10.10.02, a declarar resolvido o contrato-promessa, por inoperante diante da válida, eficaz e anterior comunicação resolutiva dos Autores. Por conseguinte, também aqui falece a argumentação da recorrente, o que implica a total improcedência do recurso. III. – Termos em que se acorda em julgar improcedente o recurso de revista interposto, confirmando-se, por isso, o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 7 de Fevereiro de 2008 Paulo Sá (Relator) Mário Cruz Garcia Calejo |