Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA PAULA BOULAROT | ||
Descritores: | REVISTA EXCEPCIONAL NEGÓCIO JURÍDICO ANULABILIDADE ERRO VICIO CADUCIDADE TERMO A QUO | ||
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Data do Acordão: | 11/13/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FALTA E VÍCIOS DA VONTADE / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO / TEMPO E REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / CADUCIDADE / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS – DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS. | ||
Doutrina: | - Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral Do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, p. 417/422; - Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II Volume, p. 122; - Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, p. 416. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 247.º, 251.º, 287.º, N.º 1, 329.º, 334.º, 339.º E 405.º, N.º 1. CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRPERDIAL): - ARTIGO 1.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 03-06-2003, RELATOR ALVES VELHO, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : |
I O erro sobre os motivos, designado por erro-vício, é uma ideia inexacta, uma representação inexacta, sobre a existência, subsistência ou verificação de uma circunstância presente ou actual que era determinante para a declaração negocial, ideia inexacta essa sem a qual a declaração negocial não teria sido emitida ou não teria sido emitida nos precisos moldes em que o foi. II Nos termos do artigo 251º do CCivil «O erro que atinge os motivos determinantes da vontade, quando se refira á pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º.», especificando o artigo 287º, nº1 do mesmo diploma que«Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.», sendo que «O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.» (artigo 339º do CCivil), impondo-se saber a partir de quando é que o direito do Autor, ora Recorrente, podia ser exercido. III Sem embargo de se reconhecer da inépcia verificada em sede notarial, em que se deu conta e fez constar uma errada inexistência de ónus ou encargos sobre o prédio, certo é que, dias depois – a 28 de Dezembro de 2009 – na certidão predial comprovativa do registo de aquisição do imóvel obtida pelo Autor, era patente a inscrição do registo da penhora a favor do Recorrido Banco Mais, SA, e, por isso, desde essa data ter-lhe-ia sido possível constatar e conhecer a incidência daquele ónus e a partir de então estaria apto a intentar a acção de anulabilidade. IV O princípio da autorresponsabilização das partes impede que se possa deixar em claro um comportamento eventualmente negligente consubstanciado na ignorância voluntariamente exercida perante uma certidão onde se certifica a existência de um ónus que impediria certamente a produção dos efeitos do negócio realizado, que se não leu, quando havia, senão uma obrigação da sua leitura, pelo menos a possibilidade de o fazer, ademais porque o Autor/Recorrente é uma instituição bancária, que inclui na sua estrutura interna departamentos vários, incluindo financeiros e jurídicos altamente especializados, aos quais não são estranhas as vicissitudes referentes aos negócios imobiliários, os quais fazem parte da sua actividade social. (APB) | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I NOVO BANCO, SA (anteriormente Banco Espírito Santo, SA), intentou acção com processo comum contra P, A e BANCO MAIS, SA, pedindo a anulação, por erro, da escritura de dação em pagamento e renúncia de hipoteca, celebrada entre o Autor e a primeira Ré, no dia 22 de Dezembro de 2009.
Contestaram os seguindo e terceiro Réus, invocando, nomeadamente, a caducidade do direito do Autor, concluindo pela improcedência da acção.
Foi proferida sentença, na qual se julgou verificada a excepção de caducidade e absolveu os Réus do pedido.
Inconformado, o Autor interpôs recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado improcedente com a confirmação da sentença recorrida.
Recorreu agora o Autor, de Revista excepcional, com fundamento nas alíneas a) e c) do nº1 do artigo 672º, do CPCivil, a qual veio a ser admitida por Acórdão da Formação, cfr fls 538 a 540, com fundamento naquela alínea a), por se ter entendido fulcral a questão do dies a quo da contagem do prazo de caducidade.
O Recorrente, apresentou as seguintes conclusões: - A questão que aqui se traz reveste uma particular relevância jurídica, e é absolutamente essencial para uma melhor aplicação do direito, cabendo, na previsão do art.° 672º, 1/a) do CPC, designadamente, a questão de saber se o prazo de caducidade nos casos de erro na formação da vontade, se conta a partir da data do conhecimento efetivo do vício pelo titular do direito à anulação ou da data a partir da qual seria possível ao mesmo conhecer esse vício. - O Tribunal da Relação de Lisboa, no douto acórdão recorrido, considerou que o prazo de caducidade conta-se, a partir do momento, a partir do qual seria possível conhecer, ao titular do direito à anulação, o vício. - Em 19/02/2013, o Autor, Banco Espírito Santo, agora, Novo Banco, moveu a presente ação declarativa comum, sob a forma de processo ordinário, para anulação de escritura de Dação em Cumprimento, realizada, no dia 22/12/2009, de fração autónoma sobre a qual detinha duas hipotecas voluntárias, para garantir, dois empréstimos, no valor de € 85.000,00 (€75.000,00 + €10.000,00) de capital, juros e demais encargos, alegando, em síntese, que estava em erro, quando celebrou a referida escritura de Dação em Cumprimento e renunciou às duas hipotecas que detinha sobre a referida fração autónoma, porquanto, era condição essencial, para aceitação da Dacção em Cumprimento, que a mesma estivesse “livre de quaisquer ónus ou encargos”, o que era do conhecimento dos demais outorgantes, sendo certo que, por manifesto lapso do Notário que celebrou a escritura este atestou que o imóvel era transmitido livre de quaisquer ónus ou encargos, criando, assim, a confiança necessária e suficiente, para que o Autor de Boa-fé, outorgasse a referida escritura; Só passados cerca de quatro anos, mais concretamente, no dia 04/01/2013, chegou ao conhecimento do Autor, a existência de uma penhora registada sobre o imóvel aqui em causa, a favor da Ré Banco Mais, S.A., em 16/12/2009, 6 dias antes da realização da escritura, 22/12/2009, pelo que, concluiu pedindo a anulação da escritura de Dação em Cumprimento e a consequente reposição dos registos, designadamente, das duas hipotecas voluntárias, e o reconhecimento da dívida à data da escritura de Dação em Cumprimento, pelos 1º, 2º e 3º RR. - O Tribunal de 1ª Instância, pronunciou-se, acerca da questão da caducidade, dizendo que “o prazo de caducidade conta-se a partir da data em que ocorreu a cessação do vício, sendo que neste caso essa cessação ocorre quando o contraente que está em erro conhece essa realidade, ou seja, sabe que aconteceu o erro, deixando, a partir de então, ele de existir.”, mas, acaba por concluir que não obstante resultar dos factos que só em janeiro de 2013 a autora soube que a fração autónoma em causa estava a ser vendida no âmbito de uma ação executiva movida pela ré Banco Mais, o facto de em dezembro de 2009 a ré (aqui Recorrente) ter obtido o documento do registo predial de onde constava a penhora a favor do Banco Mais, é suficiente, para que se considere verificada a caducidade do direito da autora de obter a anulação do negócio jurídico de dação em cumprimento celebrado com a ré, nos termos do art° 287°/l do CCivil, procedendo deste modo a exceção invocada pelas rés. - Por sua vez, o douto acórdão recorrido, considera que o prazo de um ano para a recorrente arguir a anulação do contrato celebrado, nos termos do disposto no art.° 287° do Código Civil com fundamento em erro sobre os motivos determinantes da vontade, nos termos do art.° 251° do C. Civil, já havia decorrido quando intentou a acção, dado que, ficou provado que desde 28/12/2009, “...àquele teria sido possível conhecer, através de documento comprovativo de registo, da existência da penhora incidente sobre o imóvel em causa...” não obstante reconhecer o seguinte “pese embora demonstrado que, só em 4/1/2013, tomou o apelante conhecimento de que o mesmo estava a ser objecto de venda, na execução movida contra a R. P.” - O Novo Banco, não se conforma, com aquelas doutas decisões, porquanto, alegou e provou que só em 4/1/2013, tomou conhecimento do erro, já os Réus, não lograram provar que o Novo Banco tenha tomado conhecimento antes, designadamente, no dia 28/12/2009, pois o que ficou provado foi que “Em 28/12/2009, o A. obteve o documento comprovativo do registo da aquisição do direito de aquisição do direito de propriedade sobre a fração autónoma, do qual constava o registo da penhora a favor da ré Banco Mais.” - A possibilidade do conhecimento por parte do Novo Banco da existência da penhora do Banco Mais, S.A., existe, desde o momento, em que o registo da referida penhora foi efetuado, 16/12/2009, 6 dias antes da escritura celebrada, no dia 22/12/2009. - Não pode, salvo o devido respeito, que é muito, o Venerando Tribunal da Relação, presumir o conhecimento por parte do Recorrente Novo Banco da existência da penhora do Banco Mais, SA, no dia 28/12/2009, quando, na realidade, o que ficou provado foi que: “No dia 04/01/2013, chegou ao conhecimento do A., através da sua agência sita no Cartaxo, que a fracção aqui em causa, estava a ser objecto de venda, no âmbito de execução movida, pelo Banco Mais, SA” (art. 44° da matéria de facto provada) - O certo é que, o vício - erro - só cessa quando o Novo Banco, no dia 04/01/2013, sabe da existência da penhora do Banco Mais, S.A., ainda que pudesse tê-lo sabido antes, a verdade, é que não soube. - Uma vez que o Autor só teve conhecimento da existência do erro, no dia 04/01/2013, tendo a acção dado entrada no Tribunal, no dia 19/02/2013, é manifesto que ainda não havia decorrido o prazo de um ano, previsto no art.º 287° do Código Civil. - A expressão utilizada no art.° 287º do Código Civil “só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento” foi interpretada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no douto acórdão recorrido, como sendo o momento a partir do qual era possível ao aqui Recorrente, conhecer do vício. - De certo, não foi este o pensamento do legislador, porquanto, tal interpretação levaria a que em todos os casos em que o interessado só tem conhecimento do erro decorrido um ano após a celebração do negócio, ao mesmo, ser-lhe-ia negada a possibilidade de ver o negócio anulado. - O art.º 9º do Código Civil diz nos que: “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.” - Foi precisamente para acautelar situações, como a dos autos, que o legislador utilizou a expressão “só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento”, pois poderia ter utilizado a expressão “só dentro de um ano subsequente ao acto”. - A decisão recorrida, constitui uma decisão injusta para o Recorrente que provou que só em 04/01/2013, teve conhecimento do vício e provou ainda : a essencialidade dos elementos sobre o qual incidiu o erro (ponto 41° da matéria de facto provada) o conhecimento do declaratário da essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro ( ponto 42° da matéria de facto provada ). - O Novo Banco, confiando, no Direito, criou a expectativa de que poderia ver o erro reparado, com a anulação do negócio, mas, apesar de ter feito prova dos requisitos, para que a acção procedesse, vê a acção naufragar, por causa de uma interpretação que, no entender do Recorrente é contrária à lei. - O Direito não pode ser exercido de forma arbitrária, exacerbada ou desmesurada, mas antes de um modo equilibrado, moderado, lógico e racional, sendo que, a interpretação da lei deve sempre ter em conta a unidade do sistema jurídico (art.º 9º do C.C.) - Ora, porque em sede de interpretação da lei e da compreensão de textos jurídicos, é para nós essencial que o juiz não se limite tão só em encontrar a solução “legal” mas também, se possível, a solução tanto quanto possível “justa”. É o que as partes de resto também esperam do julgador. - A lei não pode permitir que todos os Réus, aproveitando-se de um lapso do Notário, acabem por se locupletarem à custa do Novo Banco, que tinha duas hipotecas sobre o imóvel, aqui em causa, para garantir o pagamento do seu crédito e que renunciou às mesmas, quando aceitou a Dação, para pagamento, ainda que parcial da dívida da Ia Ré, à qual deu quitação parcial. - O Banco Mais, S.A., quando efetuou a penhora sobre a fração autónoma designada pela letra “I"” correspondente ao terceiro andar esquerdo, destinado à habitação, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal , sito na Rua X, na cidade, freguesia e concelho do X, sob o n° 0, da referida freguesia, inscrito na matriz sob o artigo 0 , da Ia Ré, sabia da existência das hipotecas a favor do aqui Autor, pelo que, as suas expectativas, não ficam, em nada diminuídas com a anulação da venda. - A decisão recorrida, ao fazer a interpretação do art.º 287º do CPC, como fez, acaba por negar ao Recorrente a anulação do negócio ao arrepio de toda a prova produzida, e toma-se, chocante, à luz dos princípios da Boa-fé que sempre devem nortear os contratos, nos termos do disposto no art.º 227º do Código Civil. - O Novo Banco, provou que: “Caso o Banco Espírito Santo, tivesse conhecimento de que sobre a fracção autónoma, objecto da escritura de Dação, impendiam ónus ou encargos, diversos daqueles que eram as suas hipotecas, não teria aceitado celebrar a escritura de Dação.” (art.º 41º da matéria de facto provada ) e provou ainda que “A 1ª R. sabia que era condição essencial para o A. aceitar a proposta de Dação e consequentemente, outorgar a escritura de Dação em cumprimento, que sobre a fracção, não impendessem quaisquer dívidas, ónus ou encargos, para além das hipotecas registadas a favor deste.” (art.º 42° da matéria de facto provada). - No dia 17/11/2009, o Recorrente Novo Banco entregou toda a documentação no Notário, acompanha de certidão predial, onde não constava qualquer ónus/registos, para além das Hipotecas a favor do Novo Banco. Só no dia 16/12/2009, é que foi ali registada a favor do Banco Mais, a penhora aqui em causa. - A escritura de Dação realizou-se, no dia 22/12/2009, seis dias depois. A certidão predial que se encontra a instruir a escritura foi extraída oficiosamente, pelo Notário, no dia 22/12/2009. Quando foi lida a escritura pelo Notário estava tudo em conformidade com os documentos que o Banco tinha entregue, e pela qual o Novo Banco fez a conferência. Na certidão predial que o Novo Banco entregou no Cartório, não existia qualquer penhora, pelo que, quando o Notário leu e atestou que a transmissão era efetuada livre de ónus e encargos, o Banco não tinha razões para duvidar! (Vide artigos 19º, 33º, 34º, 35º da matéria de facto provada ) - Foi o facto do Notário ter atestado que a aquisição era feita livre de quaisquer ónus ou encargos que criou no Novo Banco, a confiança necessária para que o Novo Banco, não mais se preocupasse. - Assim, estando a escritura outorgada e, sendo os registos efetuados pelo Notário, o Autor, deu por concluído o processo de aquisição do imóvel. O que, aliás, foi dado como provado, conforme resulta do art.º 43º da matéria de facto provada “Após a aquisição da referida fracção autónoma, por força da Dação havida, a mesma foi colocada em "carteira", no departamento de gestão de património e ali tem permanecido para ser alienada ou arrendada pelo A.” - Ainda que a interpretação do art.° 287° do Código Civil feita pelo respeitado Tribunal da Relação de Lisboa estivesse correta - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite — o certo é que a situação dos autos, é injusta e atentatória dos princípios da boa fé, na sua vertente da tutela da confiança. (art.º 334º do Código Civil) - O Novo Banco confiou, em primeiro lugar, nas Instituições: no Notário, que atestou que o imóvel era transmitido, livre de ónus e encargos e confiou ainda, no Conservador que ao receber do Cartório Notarial, a escritura, para efetuar o registo, deveria ter constatado que, ao contrário do alegado na escritura, o imóvel não havia sido transmitido livre de ónus, e, em segundo lugar, confiou na mutuária, 1ª Ré, que sabia que o Banco só aceitaria a Dação do imóvel se o mesmo estivesse livre de quaisquer ónus e encargos. - São os próprios notários que fazem a apresentação a registo dos bens após as escrituras serem lavradas, o que retira algum controlo aos adquirentes que podiam ser alertados pela Conservatória, quando fizessem as apresentações, como acontecia no passado. No nosso caso, tendo o registo sido efetuado diretamente pelo Notário, esta última possibilidade foi retirada. - A Conservatória do Registo Predial teve de analisar a escritura antes de lavrar o registo, e apercebeu-se, uma vez que se trata de especialistas, da contradição entre o que foi declarado na escritura - dação livre de ónus e encargos - e a penhora ali registada, a favor do Banco Mais, S.A., pelo que, tinha o dever de alertar o Notário ou o Recorrente, para a existência daquele erro, mas o que é certo é que ninguém - Notário ou Conservatória - alertou o Recorrente Novo Banco, para existência daquele erro, pelo que, só no dia 04/01/2013, é que o mesmo tomou conhecimento efetivo do erro. - Os prejuízos para o aqui Autor, a manter-se, a decisão tomada na douta sentença recorrida, são manifestos e irreparáveis. - O aqui Autor, uma vez que renunciou às suas hipotecas, na convicção de que adquiria uma fracção livre de ónus e encargos, não pode reclamar o seu crédito, no âmbito da execução movida pelo Banco Mais, que está já na fase da venda e onde foi penhorada a fração, aqui em causa. - A penhora do Banco Mais, era e é posterior ao registo das Hipotecas Voluntárias, a que o Autor renunciou, aquando da escritura de Dação em Cumprimento. - Só com a procedência desta acção poderão ambas as partes, Autor e Réus, serem restituídos às posições que tinham antes da realização da escritura de Dação em Cumprimento; i) O Banco Mais, ficará com a sua penhora, nos precisos termos, em que foi realizada, em 16/12/2009; ii) o Novo Banco, adquirirá, com a anulação da escritura de Dação em Cumprimento, a reposição dos seus créditos e das respetivas garantias/hipotecas; iii) a Ré, voltará a ser proprietária do imóvel e iiii) os fiadores garantirão os empréstimos , tudo nos precisos termos em que foram celebradas as escrituras, o que permitirá ao Autor, depois exercer o seu direito, no âmbito da execução movida pelo Banco Mais, reclamando os seus créditos, nos termos do disposto no art.º 788° do CPC. - A interpretação feita do art.º 287 do C.C., no douto acórdão recorrido, não pode manter-se, porquanto, o prazo de caducidade, não havia decorrido, quando o Recorrente Novo Banco, intentou a acção, sub judice improcedendo a excepção da caducidade invocada pelos Réus, a quem incumbia provar o conhecimento do Novo Banco, antes de decorrido o prazo de um ano, prova essa que não foi feita. - Violou, assim, o douto acórdão recorrido, salvo o devido respeito, que é muito, o disposto, nomeadamente, nos art.°s 9º, 227°, 247°, 251° e 287° do Código Civil.
Nas contra alegações o Recorrido Banco Mais pugna pela manutenção do julgado.
II A questão solvenda noa presente Revista consiste em dilucidar qual o termo a quo para a contagem do prazo de caducidade a que alude o artigo 287º, nº1 do CCivil, tendo em atenção o que predispõe o normativo inserto no artigo 329º do mesmo diploma.
As instâncias declararam como assente a seguinte materialidade fáctica: - No dia 22/2/2005, realizaram-se, no Cartório Notarial …, a cargo do notário Y, duas escrituras públicas, uma de compra e venda, mútuo com hipoteca e fiança (C. 0286000383) e outra de mútuo com hipoteca e fiança (C. 0286000384), nas quais intervieram, em ambas, como mutuante, o Banco Espírito Santo, SA, como mutuária, P e, ainda, como fiadores, J e mulher A. - Através das referidas escrituras, o mutuante emprestou, à mutuária, a quantia global de € 85.000 de capital (€ 75.000 + € 10.000), sendo que o primeiro empréstimo foi concedido ao abrigo do Regime Geral do Crédito à Habitação, para aquisição de habitação própria permanente, e o segundo foi concedido para que a mutuária pudesse fazer face a compromissos financeiros assumidos anteriormente e à aquisição de equipamento para a sua residência. - A mutuária confessou-se devedora daquelas importâncias, constituindo como garantia daqueles empréstimos, dos juros às taxas de 3,40% ao ano, para o primeiro empréstimo e de 3,92% ao ano, para o segundo empréstimo, previstas nas referidas escrituras, acrescidas de uma sobretaxa por mora de 2% ao ano, em ambos os empréstimos, e das despesas judiciais e extrajudiciais, que foram fixadas em € 3.000, para o primeiro empréstimo e em € 400, para o segundo empréstimo, duas hipotecas voluntárias, sobre o seguinte bem imóvel: Fracção autónoma, designada pela letra “I”, correspondente ao terceiro andar esquerdo, destinado a habitação, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na …. - Aquelas hipotecas foram, ambas, registadas a favor do Banco Espírito Santo, na CRP …, a primeira, sob a Ap. 6 de 2004/12/16 e, a segunda, sob a Ap. 7 de 2004/12/16. - Mutuante e mutuária, convencionaram que o reembolso daqueles empréstimos seria efectuado, no prazo de 40 anos, correspondente a 480 meses, em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, em ambos os empréstimos. - O pagamento das prestações supra mencionadas, e demais encargos, deveriam ser efectuados por débito da conta à ordem da mutuária, a qual esta se obrigou a manter aprovisionada, para aquele efeito. - A mutuária deixou de ter aquela conta aprovisionada, para suportar o débito das prestações, relativas aos dois empréstimos, a partir de 20/2/2008, para o primeiro empréstimo e de 20/1/2008, para o segundo empréstimo. - Verificado o incumprimento dos contratos/empréstimos, foram os mesmos denunciados, através de cartas, remetidas à mutuária, aqui 1ª R. e fiadores, 2° e 3° R.R, no dia 12/2/2009. - Aqueles empréstimos, foram, ambos, objecto de execução comum, movida pelo aqui A., contra a 1ª R., P e os 2º e 3° RR., no dia 11/3/2009, que corre trâmites no 2° Juízo do Tribunal Judicial …, sob o nº ….. - A 1ª R. P, no dia 14/7/2009, apresentou junto do A., a carta constante de fis. 64, propondo a aceitação da dação em cumprimento da fracção autónoma supra identificada. - O A., na posse da referida proposta, apresentada pela 1ª R., solicitou, no dia 16/7/2009, ao departamento técnico de imobiliário, a avaliação da referida fracção. - O relatório de avaliação, foi emitido, pelo departamento técnico de imobiliário, no dia 22/7/2009. - Os peritos avaliadores, atribuíram à referida fracção, o valor de € 75.000. - No dia 24/7/2009, foi extraída certidão predial da fracção autónoma aqui em causa e não constavam ali quaisquer ónus ou encargos, para além das hipotecas do A. - O valor da avaliação, 75.000, foi comunicado, pelo A., à 1" R., no dia 29/7/2009, de harmonia com o doc. de fls. 70 e com o seguinte teor: “( ... ) De acordo com o solicitado e no seguimento da proposta remetida sobre a entrega do imóvel a título de dação em cumprimento, livre de quaisquer ónus ou encargos, para liquidação dos contratos em nome de V. Exa, somos a informar que o valor apurado para aquisição do mesmo pelo Banco Espírito Santo, foi de € 75.000,00. Este valor não é suficiente para liquidar o total das responsabilidades, existindo o valor remanescente de € 13 809,86. Para resolução do referido montante, o Banco Espírito Santo considera a possibilidade de aceitar o imóvel para liquidação Parcial das responsabilidades, ficando os intervenientes a cargo do valor do remanescente, com as mesmas condições estabelecidas contratualmente no empréstimo 0286000383 / BHP - AQUISIÇÃO e ajustando o valor da prestação ao montante em questão. Estas prestações serão devidas desde a data de aceitação do Banco para aquisição do imóvel ( ... )”. - A 1ª R. enviou ao A. a carta de fls. 71 com o seguinte teor: “( ... ) Venho por este meio informar que concordo com a proposta do Banco Espírito Santo relativamente à entrega do imóvel pelo valor de € 75.000,00 e mais informo que não tenho capacidade financeira para liquidação integral do remanescente, ou seja € 13.809,86. Para resolução do referido montante solicitamos a possibilidade do Banco Espírito Santo aceitar o imóvel para liquidação Parcial das responsabilidades, ficando o interveniente a cargo do valor do remanescente, com as mesma condições estabelecidas contratualmente no empréstimo 0286000383 BHP - AQUISIÇÃO e ajustando o valor da prestação ao montante em questão. Mais informo que reconheço e assumo qualquer dívida existente ao condomínio e que o imóvel será entregue devoluto de bens e pessoas no acto da escritura de dação”. - No dia 17/11/2009, o A. extraiu nova certidão predial da fracção aqui em causa, que entregou, com a demais documentação, no Cartório Notarial, com vista à marcação da escritura constatando-se que, naquela ocasião, sobre a referida fracção, não impendiam quaisquer ónus ou encargos, a favor de terceiros. - A escritura pública de dação em cumprimento e renúncia de hipoteca (C.0286000383) foi lavrada, no Cartório Notarial, a cargo do Notário X, sito em Lisboa, no dia 22/12/2009, de fls. 90 a fls. 92 verso, do livro de notas, para escrituras diversas, n° 184-A - A escritura de dação foi outorgada, pelo Sr. Notário, Dr. X. - A primeira outorgante, aqui 1ª R., P, fez-se representar, na outorga da escritura de dação, pela aqui 2ª R. A, através de procuração datada de 2/11/2009. - O segundo outorgante, aqui A, Banco Espírito Santo, fez-se representar, na outorga da escritura de dação, pela Srª A S, com procuração que se encontra arquivada naquele Cartório Notaria!. - A escritura de dação, foi instruída, com os seguintes documentos: a) Procuração apresentada pela primeira outorgante; b) Declaração para liquidação do IMT, devido pela presente transmissão, apresentada via internet no 2° Serviço de Finanças de Lisboa, …., em 15/12/2009 e o doc. nº 160.609.030.946.403, comprovativo de que a mesma está isenta do respectivo pagamento, nos termos do artigo 8°, nº2, al. a); c) Doc. nº 163.609.001.839.452, comprovativo do pagamento do Imposto do Selo da verba 1.1 da TGIS, no montante de 662,84€, efectuado em 16/12/2009, no Serviço de Finanças …; d) Print da certidão predial online com o código PP-0096-76538-140601-003307, comprovativa dos elementos prediais; Documentos que se encontram arquivados naquele Cartório Notarial e dos quais foram extraídas, no dia 11/1/2013, as certidões que se juntaram com a p. i. como docs.19 a 22. - Aquando da outorga daquela escritura de dação, no dia 22/12/2009, a primeira outorgante, aqui 1ª R., representada pela 2ª R., ali declarou o seguinte: “Que a representada da primeira outorgante é proprietária da fracção autónoma individualizada pela letra "I", correspondente ao terceiro andar esquerdo, para habitação, do prédio urbano sito …., afecto ao regime da propriedade horizontal pela apresentação onze, de vinte e oito de Setembro de mil novecentos e noventa e um, com a aquisição registada a favor da representada P, no estado de viúva, pela apresentação cinco, de dezasseis de Dezembro de dois mil e quatro, prédio inscrito na respectiva matriz …, com o valor patrimonial correspondente à fracção de 82.854,75€”. - Mais declarou, a 1ª R., na referida escritura de dação: “Que sobre a identificada fracção autónoma incidem duas hipotecas voluntárias a favor do “Banco Espírito Santo, S.A.”, registadas pelas apresentações seis e sete, de dezasseis de Dezembro de dois mil e quatro, cujos cancelamentos vão ser feitos com base na declaração de renúncia adiante proferida pela segunda outorgante”. “Que as referidas hipotecas foram constituídas pela representada da primeira outorgante para garantia de dois empréstimos, cuja dívida correspondente às responsabilidades vencidas e não pagas, de capital e juros, decorrente daqueles empréstimos ascende, nesta data, à quantia de oitenta e oito mil novecentos e sessenta e sete euros e vinte e nove cêntimos, da qual a mesma representada é devedora ao Banco representado pela segunda outorgante”. “Que, por nisso terem acordado, para pagamento de parte da referida dívida, no montante de setenta e cinco mil euros, valor que atribuem ao identificado imóvel, a primeira outorgante, em nome da sua representada, dá ao “Banco Espírito Santo, S.A”, livre de quaisquer ónus ou encargos, a fracção autónoma atrás identificada, que se obriga a entregar, de imediato, desocupada de pessoas e bens, constituindo esta escritura título executivo para o efeito, nos termos do artigo 46°, nº1, aI. b) do Código de Processo Civil”. E, ainda “Que, por força do pagamento parcial da dívida decorrente da dação aqui titulada, a representada da primeira outorgante continua devedora do remanescente, no montante de treze mil novecentos e sessenta e sete euros e vinte e nove cêntimos, mantendo-se, quanto a este, em seu inteiro e pleno vigor todas as cláusulas e condições constantes do contrato de mútuo titulado por escritura de vinte e dois de Fevereiro de dois mil e cinco, lavrada pelo Cartório Notarial …, a folhas noventa e duas e seguintes do livro de notas número cento e trinta e oito – F”. - Por seu turno, declarou, o segundo outorgante, aqui A., na referida escritura de dação: “Que, para pagamento parcial da indicada dívida (no valor de setenta e cinco mil euros), de que a sociedade sua representada é credora, aceita, para a mesma, a identificada fracção autónoma e, em nome dela, dá quitação quanto à parte cujo pagamento através da presente dação aqui aceita”. “Que, também através desta escritura, renuncia, em nome da sua representada, às referidas hipotecas, registadas pelas apresentações seis e sete, de dezasseis de Dezembro de dois mil e quatro, para todos os efeitos legais, autorizando, consequentemente, os respectivos cancelamentos, uma vez que o imóvel passou a pertencer ao credor hipotecário”. - O Sr. Notário, que outorgou a escritura de dação, fez a conferência da documentação que instruiu a mesma e atestou a veracidade das declarações ali prestadas, pela primeira e segundo outorgantes. - A certidão predial que se encontra a instruir a escritura, foi extraída, oficiosamente, pelo Sr. Notário, no próprio dia da outorga da escritura, 22/12/2009. - O Sr. Notário não fez constar na escritura de dação, nem advertiu os ali outorgantes, que sobre a fracção autónoma aqui em causa, existia, um registo pendente de penhora, efectuado na CRP …., sob a Ap. 4542 de 2009/12/16. - No dia 28/12/2009, o Cartório Notarial do Sr. Notário X procedeu, oficiosamente, junto da competente CRP, através da Ap. nº 5806, ao registo de aquisição, da fracção e ao distrate, das duas hipotecas voluntárias, que garantiam os dois mútuos/empréstimos bancários, que o A. havia concedido, anteriormente, à 1ª R., nos valores de € 75.000 e € 10.000 de capital, respectivamente. - Com a dação em cumprimento, realizada em 22/12/2009, levada a registo em 28/12/2009, o Banco Espírito Santo, adquiriu o direito de propriedade sobre a referida fracção. - Ficou a constar na referida escritura de dação que a fracção era transmitida livre de quaisquer ónus ou encargos. - Caso o Banco Espírito Santo tivesse conhecimento de que sobre a fracção autónoma, objecto da escritura de dação, impendiam ónus ou encargos, diversos daqueles que eram as suas hipotecas, não teria aceitado celebrar a escritura de dação. - A 1ª R. sabia que era condição essencial para o A. aceitar a proposta de dação e consequentemente, outorgar a escritura de dação em cumprimento que sobre a fracção não impendessem quaisquer dívidas, ónus ou encargos, para além das hipotecas registadas a favor deste. - Após a aquisição da referida fracção autónoma, por força da dação havida, a mesma foi colocada em "carteira", no departamento de gestão de património e ali tem permanecido para ser alienada ou arrendada pelo A. - No dia 4/1/2013, chegou ao conhecimento do A., através da sua agência sita no Cartaxo, que a fracção aqui em causa, estava a ser objecto de venda, no âmbito de execução movida, pelo Banco Mais, S.A. - O A., no mesmo dia 4/1/2013, extraiu certidão predial da fracção autónoma na qual constava registada uma penhora, a favor do Banco Mais, S.A., para garantia do pagamento de uma dívida no valor de € 10.703,01, juros e demais encargos, que corre termos, na 2ª Secção, do 1° Juízo Cível de … - O processo executivo acima mencionado deixou de ser identificado com o n° …., devido a redistribuição, e passou a ter o n° ….. - Foi extraída e remetida carta precatória, ao Tribunal Judicial …, para venda da fracção aqui em causa, a qual havia sido distribuída ao 2° Juízo, daquele Tribunal e a que coubera o n° ….. - A fracção encontrava-se, à venda, por negociação particular. - Sobre a fracção incidia a penhora mencionada supra. - A 1ª R. sabia que, para o A. aceitar a dação, era condição essencial a não existência de ónus ou encargos, sobre a fracção aqui em causa. - Soubesse o A. da existência da dívida/penhora, a favor do Banco Mais, sobre a fracção aqui em causa, e nunca o A. teria aceite a dação e, consequentemente, renunciado/distratado as hipotecas que garantiam o seu crédito e que impendiam sobre a fracção. - A 1ª R., à data da escritura de dação, tinha dívidas a terceiros, nomeadamente, ao Banco Mais. - O A., no dia 30/1/2013, moveu procedimento cautelar, contra os aqui RR., que corre trâmites no 1° Juízo do Tribunal Judicial …., tendo ali o A. requerido a sustação da execução, movida pelo Banco Mais, S.A., contra a ali executada e aqui 1ª R., P e outros, execução esta que corre termos, na 2ª Secção do 1° Juízo Cível de …., da qual foi, já, extraída e remetida carta precatória, ao Tribunal Judicial …., ali distribuída ao 2° Juízo e a que coube o n°…. , para venda da fracção autónoma aqui em causa, e ainda, a devolução daquela carta precatória, ao Tribunal deprecante, no estado em que se encontrar, até que seja definitivamente julgada a presente acção de anulação da escritura de dação em cumprimento. - Na data de celebração da escritura de dação, 22/12/2009, o A. não verificou que sobre a fracção autónoma em apreço se encontrava registada a penhora a favor do R. Banco Mais. - Em 28/12/2009 o A. obteve o documento comprovativo do registo de aquisição do direito de propriedade sobre a fracção autónoma, do qual constava o registo da penhora a favor do R. Banco Mais. - A presente acção foi instaurada em 19/2/2013.
1.Do erro conducente à anulabilidade do negócio jurídico..
O Autor, aqui Recorrente, discorda das decisões das instâncias uma vez que, na sua tese quer o primeiro grau, quer o segundo grau mal interpretaram o preceituado no artigo 287º, nº1 do CCivil, quanto á contagem do prazo de caducidade para a instauração da acção de anulabilidade, quando fundamentam as respectivas decisões no seguinte raciocínio que «[“o] prazo de caducidade conta-se a partir da data em que ocorreu a cessação do vício, sendo que neste caso essa cessação ocorre quando o contraente que está em erro conhece essa realidade, ou seja, sabe que aconteceu o erro, deixando, a partir de então, ele de existir.”, mas, acaba por concluir que não obstante resultar dos factos que só em janeiro de 2013 a autora soube que a fração autónoma em causa estava a ser vendida no âmbito de uma ação executiva movida pela ré Banco Mais, o facto de em dezembro de 2009 a ré (aqui Recorrente) ter obtido o documento do registo predial de onde constava a penhora a favor do Banco Mais, é suficiente, para que se considere verificada a caducidade do direito da autora de obter a anulação do negócio jurídico de dação em cumprimento celebrado com a ré, nos termos do art° 287°/l do CCivil, procedendo deste modo a exceção invocada pelas rés.», sentença de primeira instância; e «[o] prazo de um ano para a recorrente arguir a anulação do contrato celebrado, nos termos do disposto no art.° 287° do Código Civil com fundamento em erro sobre os motivos determinantes da vontade, nos termos do art.° 251° do C. Civil, já havia decorrido quando intentou a acção, dado que, ficou provado que desde 28/12/2009, “...àquele teria sido possível conhecer, através de documento comprovativo de registo, da existência da penhora incidente sobre o imóvel em causa...” não obstante reconhecer o seguinte “pese embora demonstrado que, só em 4/1/2013, tomou o apelante conhecimento de que o mesmo estava a ser objecto de venda, na execução movida contra a R..”, Acórdão recorrido.
O Autor pretende na acção que seja declarada anulada a escritura de Dação em Cumprimento, realizada, no dia 22 de Dezembro de 2009, de fração autónoma sobre a qual detinha duas hipotecas voluntárias, para garantir, dois empréstimos, no valor de € 85.000,00 (€75.000,00 + €10.000,00) de capital, juros e demais encargos, alegando, em síntese, que estava em erro, quando celebrou a celebrou e nela renunciou às aludidas hipotecas porquanto, era condição essencial, para aceitação da Dação em Cumprimento, que a mesma estivesse “livre de quaisquer ónus ou encargos”, o que era do conhecimento dos demais outorgantes, sendo certo que, por manifesto lapso do Notário, por ele foi atestado que o imóvel era transmitido livre de quaisquer ónus ou encargos, criando, assim, a confiança necessária e suficiente, para que o Autor de boa-fé, outorgasse a referida escritura, sendo que, só passados cerca de quatro anos, mais concretamente, no dia 4 de Janeiro de 2013, chegou ao conhecimento do Autor, a existência de uma penhora registada em 16 de Dezembro de 2009 sobre o imóvel aqui em causa, a favor do Réu Banco Mais, SA, sendo certo que, como alega, se tivesse tido conhecimento da existência de tal penhora, nunca teria celebrado o negócio anulando.
O Autor invoca a existência de um erro na sua declaração negocial, aquando da feitura do contrato de dação em cumprimento com renúncia às hipotecas constituídas sobre o imóvel, uma vez que seis dias antes da data de tal escritura, 16 de Dezembro de 2009, havia sido registada uma penhora a favor do Recorrido, Banco Mais, SA, ónus esse que não foi referido pelo Notário, o qual atestou, antes, que o prédio era transmitido livre de ónus ou encargos.
Vejamos.
Poderá ensaiar-se uma definição de declaração de vontade negocial como aquela que traduz um comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência externa de um certo conteúdo da vontade negocial, caracterizando depois essa vontade como a intenção de realizar determinados efeitos práticos, com o objectivo de que os mesmos sejam juridicamente tutelados e vinculantes: o comportamento externo em que se traduz a declaração manifesta, normalmente, uma vontade, formada sem anomalias e coincidente com o sentido exteriormente captado daquele comportamento, cfr Mota Pinto, Teoria Greral do Direito Civil, 3ª edição, 416; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II Volume, 122; Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral Do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, 417/422.
A declaração negocial tem, assim, como função primordial, a de exteriorizar a vontade psicológica do declarante, visando, dessa forma e sob a égide do princípio da autonomia privada, realizar a vontade particular através da produção intencional de um efeito e/ou de uma regulamentação jurídico-privada, Heinrich Ewald Hörste, ibidem.
Daqui não decorre que cada um possa regulamentar as suas relações jurídicas como entender, mas significa que dentro dos limites estatuídos pela ordem jurídica, cada um poderá conformar a sua actuação, veja-se o disposto no artigo 405º nº1 do CCivil «Dentro dos limites da lei, as partes têm a faculadade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir as cláusulas que lhes aprouver.», o qual consagra o princípio da liberdade contratual.
Contudo, o negócio jurídico só poderá operar de pleno, enquanto manifestação de duas (ou mais) vontades livres e esclarecidas, se as mesmas tiverem sido obtidas dessa forma, sem quaisquer deformações provindas de influências externas: se a formação da vontade foi abalada por algum vício que a toldou, é óbvio que a expressão da mesma ficou viciada.
Ocorrendo um vício, está em causa o lado interno da declaração o qual conduziu a uma deformação da vontade durante o seu processo formativo: a vontade viciada diverge da vontade que o declarante teria tido sem a deformação (vontade conjectural ou hipotética), sendo que o vício, nestas circunstâncias, afectou a génese da vontade e repercutiu-se numa declaração negocial coincidente com ela, cfr Heinrich Ewald Hörste, ibidem.
Estamos no âmbito do erro-vício: não existe aqui qualquer divergência entre a vontade e a declaração, pois a declaração está em perfeita sintonia com a vontade, mas é esta que está viciada, porque foi mal esclarecida.
Trata-se de um erro sobre os motivos, ainda que designado por erro-vício: o erro sobre os motivos é, por conseguinte, uma ideia inexacta, uma representação inexacta, sobre a existência, subsistência ou verificação de uma circunstância presente ou actual que era determinante para a declaração negocial, ideia inexacta essa sem a qual a declaração negocial não teria sido emitida ou não teria sido emitida nos precisos moldes em que o foi.
Preceitua o normativo inserto no artigo 251º do CCivil que «O erro que atinge os motivos determinantes da vontade, quando se refira á pessoa do declaratário ou ao objecto do negócio, torna este anulável nos termos do artigo 247º.».
Por seu turno, decorre do artigo 247º daquele mesmo diploma que «Quando em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração negocial é anulável, desde que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.», exigindo, pois, a Lei, como requisitos de relevância daquele vício, que, por um lado a sua existência seja essencial para o declarante, de outra banda o conhecimento ou o dever de conhecer essa essencialidade pelo declaratário, cfr Ac STJ de 3 de Junho de 2003 (Relator Alves Velho), in www.dgsi.pt.
Da materialidade apurada nos autos, cfr pontos 57. e 53., resultou, por um lado, no que a estes requisitos gerais diz respeito, que se o Autor na data da escritura, 22 de Dezembro de 2009, tivesse sabido da existência da penhora, nunca teria outorgado o contrato, sendo que a primeira Ré igualmente sabia, para aquele aceitar a sua celebração, era condição sine qua non a inexistência de ónus e e/ou encargos sobre o imóvel.
Numa primeira abordagem teórica relativa aos requisitos legais sobre a existência de fundamentos para o pedido formulado pelo Autor, podemos concluir que os mesmos estão presentes.
2.Da caducidade do direito de acção.
A mera existência dos apontados requisitos, não esgota a previsão legal normativa quanto à operância da sansão de anulabilidade, fazendo a mesma depender, de um prazo curto - um ano – para a respectiva arguição, passado o qual o acto viciado se regenera.
Dispõe a propósito o artigo 287º, nº1 do CCivil «Só têm legitimidade para arguir a anulabilidade as pessoas em cujo interesse a lei estabelece, e só dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento.», acrescentando o artigo 329º do mesmo diploma, que «O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.».
A vexata quaestio daqui é a de saber a partir de quando é que o direito do Autor, ora Recorrente, podia ser exercido.
As instâncias entenderam que desde 28 de Dezembro de 2009, data em que o Autor obteve o documento comprovativo do registo de aquisição do direito de propriedade sobre a fracção autónoma, do qual constava o registo da penhora a favor do Réu/Recorrido Banco Mais, ter-lhe-ia sido possível constatar e conhecer a incidência daquele ónus e a partir de então estaria apto a intentar a acção de anulabilidade.
Assim é.
Sem embargo de se reconhecer da inépcia verificada em sede notarial, em que se deu conta e fez constar uma errada inexistência de ónus ou encargos sobre o prédio, certo é que, dias depois – a 28 de Dezembro de 2009 – na certidão predial comprovativa do registo de aquisição do imóvel obtida pelo Autor, aqui Recorrente, era patente a inscrição do registo da penhora a favor do Recorrido Banco Mais, SA, e, por isso não pode aquele alegar, sem mais, o desconhecimento de um facto registado, cujo documento comprovativo se encontrava em seu poder e se não leu o aí se encontrava escrito, apenas se poderá queixar de si próprio.
O princípio da autorresponsabilização das partes impede que se possa deixar em claro um comportamento eventualmente negligente consubstanciado na ignorância voluntariamente exercida perante uma certidão onde se certifica a existência de um ónus que impediria certamente a produção dos efeitos do negócio realizado, que se não leu, quando havia, senão uma obrigação da sua leitura, pelo menos a possibilidade de o fazer, ademais porque o Recorrente é uma instituição bancária, que inclui na sua estrutura interna departamentos vários, incluindo financeiros e jurídicos altamente especializados, aos quais não são estranhas as vicissitudes referentes aos negócios imobiliários, os quais fazem parte da sua actividade social.
Dizer-se que só se teve conhecimento do facto registado aquando passados cerca de quatro anos, mais concretamente, no dia 4 de Janeiro de 2013 ter chegado ao conhecimento do Autor/Recorrente, através da sua agência sita …, que a fracção aqui em causa, estava a ser objecto de venda, no âmbito de execução movida pelo Recorrido Banco Mais, SA, porquanto nesse mesmo extraiu certidão predial da fracção autónoma na qual constava registada uma penhora, a favor do Banco Mais, SA, para garantia do pagamento de uma dívida no valor de € 10.703,01, juros e demais encargos, que corria termos, na 2ª Secção, do 1° Juízo Cível de Lisboa, sob o nº…, é fazer tábua rasa daqueloutro facto conhecido, isto é, que em 28 de Dezembro de 2009 o Recorrente já tinha em seu poder uma certidão predial de onde constava o registo da aludida penhora, bem como ignorar que o registo predial tem como finalidade publicitar a situação jurídica dos imóveis, como decorre do artigo 1º do CRPredial.
A situação da oneração do imóvel já era pública desde o respectivo registo e podia e devia ter sido conhecida pelo Recorrente desde 28 de Dezembro de 2009, data em que obteve o registo do direito adquirido sobre aquele, contando-se, pois, desde essa data o prazo de um ano para intentar a respectiva acção de anulação pelo alegado erro vício.
A não se entender assim, deixar-se-ia, quiça, eternizar uma situação de insegurança jurídica, quando a Lei pretende que a mesma se estabilize num espaço de tempo curto, de onde a imposição daquele lapso temporal.
Por último, acrescentamos que não nos impressiona a alegação do Recorrente quando afirma que ainda que a interpretação do art.° 287° do Código Civil feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa estivesse correta - o que só por mera hipótese de raciocínio se admite — o certo é que a situação dos autos, é injusta e atentatória dos princípios da boa fé, na sua vertente da tutela da confiança pois confiou, em primeiro lugar, nas Instituições: no Notário, que atestou que o imóvel era transmitido, livre de ónus e encargos e confiou ainda, no Conservador que ao receber do Cartório Notarial, a escritura, para efetuar o registo, deveria ter constatado que, ao contrário do alegado na escritura, o imóvel não havia sido transmitido livre de ónus, e, em segundo lugar, confiou na mutuária, 1ª Ré, que sabia que o Banco só aceitaria a dação do imóvel se o mesmo estivesse livre de quaisquer ónus e encargos.
Decorre do disposto no artigo 334º do CCivil que «É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito.».
Mas aqui, o titular do direito é o próprio Recorrente e o que o mesmo arvora é a violação da sua confiança por facto de outrém, o que transcende o âmbito e o contexto daquele instituto, não se compreendendo ou mal se percebendo em que medida a defesa dos Réus nos autos o poderá enquadrar, sendo certo que tal direito se encontrava plenamente resguardado desde o princípio porquanto, como se apurou, o Recorrente teve acesso imediatamente após a escritura, através da certidão registal, da situação do prédio, e, assim sendo, da penhora, a favor do Recorrido, que o onerava aí se iniciando o prazo de caducidade tendo em atenção o preceituado no artigo 329º do CCivil.
Soçobram, pois, todas as conclusões de recurso.
III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 13 de Novembro de 2018
Ana Paula Boularot (Relatora)
Fernando Pinto de Almeida
José Rainho |