Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
416/13.2GBTMR-A. E1. S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: RECURSO PENAL
REENVIO DO PROCESSO
TRIBUNAL CÍVEL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
QUESTÃO PRÉVIA
DUPLA CONFORME
RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
INADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Nos termos do art. 400.º, n.º 2, do CPP, que, sob a epígrafe da norma “Decisões que não admitem recurso”, estatui: “Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.”
II - Apesar da norma aludir a “sentença”, a mesma pretende abarcar, como resulta da sua epígrafe, todas as “decisões” relativas ao pedido de indemnização civil, onde se inclui, naturalmente, o despacho, o que está em consonância com o art. 399.º, do CPP, onde se firma o princípio geral relativo a (i)recorribilidade, ali se fazendo menção ao “despacho”.
III - Ora, o valor da alçada da Relação está fixado em € 30 000,00 (art. 44.º, da Lei n.º 62/13, de 26-08, LOSJ), pelo que os recursos para o STJ estão limitados, em regra, às decisões proferidas em processos cujo valor seja igual ou superior a € 30 000,01 e em que o recorrente tenha ficado vencido em valor igual ou superior a € 15 000,01.
IV - A nossa lei consagra “um regime híbrido ou misto quanto à admissibilidade de recurso, pois que esta depende, cumulativa e simultaneamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (differendum), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este” (AUJ n.º 10/2015).
V - Refira-se que não se afigura que o despacho de reenvio, ao abrigo do art. 82.º, n.º 3, do CPP, se integre no art. 400.º, n.º 1, al. b), do CPP, como tratando-se de uma decisão dependente da “livre resolução do tribunal”, e, por essa via, não passível de recurso.
VI - Na verdade, apesar do art. 82.º, n.º 3, do CPP, mencionar “pode”, tal não significa que o tribunal não se rege, neste domínio, por critérios de legalidade. Isto porque a norma elenca, na sua parte final, os pressupostos para determinar o reenvio. Ora, se estes se verificarem, o juiz não pode negar o reenvio por critérios de oportunidade, ou de conveniência. É que, nesta situação, o próprio legislador afirma a necessidade de separar o pedido cível do processo penal, porque os seus fins são colocados em crise com a manutenção da adesão. E, porque esses fins estão conexos com as garantias do arguido e, também, com o interesse público na administração da justiça, sobre o juiz recai o dever de ordenar o reenvio, verificados os pressupostos legais.
VII - Não se verifica, assim, a causa de inadmissibilidade do recurso vertida no art. 400.º, n.º 1, al. b), do CPP.
VIII - No entanto, deverá atentar-se no art. 671.º, n.º 2, do CPC: “Não é admissível recurso de revista do acórdão da Relação que recaia sobre uma decisão interlocutória da 1.ª instância, a não ser que se verifique algum dos casos específicos previstos no art. 671.º, n.º 2, als. a), e b), do CPC, desde que devidamente alegados e demonstrados pelo recorrente”.
IX - Não se verificando nenhum dos casos elencados no art. 671.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC, não estamos perante uma situação em que o recurso é sempre admissível, por não se subsumir no elenco vertido no art. 629.º, n.º 2, do CPC [nomeadamente, apesar de se tratar de questão que tem a ver com qual o tribunal que deve tramitar e decidir a acção cível enxertada no processo penal, não está propriamente em causa a violação das regras de competência em razão da matéria (art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC)]. Nem existe contradição com outro acórdão “transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”.
X - Por outro lado, o Tribunal da Relação apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual. Não se trata de decisão que tenha conhecido do mérito da causa cível, absolvido da instância cível ou do pedido (predicados para a subsunção no art. 671.º, n.º 1, do CPC). A mesma recaiu sobre uma questão interlocutória, incidental, apenas tendo por objecto aferir da verificação dos pressupostos processuais vertidos no art. 82.º, n.º 3, do CPP, que legitimam o reenvio para o tribunal civil. Não se trata de uma decisão de fundo, uma apreciação de mérito, nada decide em definitivo, não é final, nada apreciando em termos substantivos, mas apenas abordando uma questão de índole processual.
XI - É certo que o despacho que determina o reenvio para o tribunal cível visando que este aprecie o pedido cível faz com que a instância cível enxertada no processo penal termine. Mas, não implica a extinção da causa cível. Esta transita para outro tribunal. O referido despacho não emite qualquer pronúncia sobre o mérito do pedido cível. Não se debruça sobre a causa de pedir da indemnização, pressupostos ou bondade dos montantes peticionados. Apenas incide sobre uma questão “lateral” relativa à necessidade de separar o pedido cível do processo crime.
XII - Trata-se, assim, de recurso de decisão interlocutória que se debruça sobre a relação processual, pelo que, não se verificando as circunstâncias específicas previstas nas als. a) e b) do n.º 2 do art. 671.º, do CPP, não é admissível o recurso para o STJ, por força das disposições conjugadas do art 671.º, n.º 2, do CPC e dos arts. 4.º e 400.º, n.º 2, do CPP.
XIII - Apesar de entendermos que são as normas de processo civil, a que se aludiu, que definem o fundamento da rejeição, para quem vislumbre na ressalva da 1.ª parte do art. 400.º, n.º 2, do CPP, a habilitação para aplicar a rejeição do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP à acção cível enxertada no processo penal, ou, que o processo penal tem norma expressa sobre a inadmissibilidade de recurso da questão interlocutória da acção criminal e civil (pelo que não haveria fundamento para chamar à colação o processo civil por via do art. 4.º, do CPP), lograr-se-ia o mesmo resultado interpretativo. Em 1.º lugar, trata-se de uma decisão interlocutória, pelos motivos já aduzidos. Em 2.º lugar, não se enquadra na al. d) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, que pretende tutelar o direito do recorrente de aceder ao tribunal superior quando o recurso da questão interlocutória apenas possa subir com recursos, da competência do STJ, enunciados no arts. 432.º, do CPP. Não é o caso dos autos, em que o recurso da questão interlocutória subiu de imediato.
XIV - Em suma, as normas de processo civil e de processo penal coincidem na rejeição do recurso. E, apesar de, como notámos, dever aplicar-se, de forma remissiva, o art. 671.º, n.º 2, do CPC, para quem tem entendimento diverso, defendendo que se deve, primeiro, perscrutar o normativo do processo penal, também, o recurso não seria de admitir por força da conjugação do art. 432.º, n.º 1, als. a) e d), à contrário, e 400.º, n.º 1, al. c), do CPP.
XV - A aplicação da dupla conforme ao pedido cível formulado no processo penal, pelos argumentos aduzidos no ac. do TC, não fere a nossa Constituição. Para se verificar o requisito da dupla conforme, que impede o recurso para o STJ, estabelecem-se dois pressupostos: a) inexistência de voto vencido; e, b) ausência de uma fundamentação essencialmente diversa.
XVI - Pelo que é de rejeitar o recurso, nos termos do disposto no art. 420.º, n. º 1, al. b), do CPP, o que exclui a competência deste STJ.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 416/13.2GBTMR-A. E1. S1

Acordam, precedendo conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça

I.

1. O assistente/demandante AA, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora (TRE) do despacho prolatado, em 29.01.2019, no Juízo Local Criminal de ... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., que determinou o reenvio do conhecimento das questões relativas ao pedido de indemnização civil para o tribunal civil, ao abrigo do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP).

2. O TRE, por acórdão de 22.10.2019, confirmou o despacho de 1.ª instância.

3. Deste acórdão recorreu o assistente/demandante, para o Supremo Tribunal de Justiça, que veio se ser rejeitado, por inadmissibilidade.

4. Reclamou o assistente/demandante, tendo sido proferida decisão pela Exma. Sra. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a dar procedência à reclamação, decidindo pela admissibilidade do recurso, tendo, nessa sequência, sido proferido despacho pelo juiz relator do Tribunal da Relação de Évora a admitir o recurso, subindo, nessa sequência, os autos ao Supremo Tribunal de Justiça.

5. São as seguintes as conclusões do recurso que se transcrevem:

(…)

1. O douto Tribunal de primeira instância proferiu despacho que remete, ao abrigo do art. 82º n° 3 do CPP, por via da segunda parte do art. 712 do CPP, “as partes cíveis para os meios comuns, prosseguindo os presentes autos apenas para apreciação da responsabilidade penal dos arguidos” e, manda “em consequência, as testemunhas indicadas quanto ao pedido de indemnização cível notificadas para o dia 11.02.2019, ser desconvocadas”, invocando, simplesmente, que “Não obstante” a adesão obrigatória do art. 712 do CC “a segunda parte deste normativo admite… excepções previstas na lei”, e, “No caso dos autos, temos que a eventual multiplicidade de responsáveis cíveis (os já demandados e outros ainda não demandados) é uma situação que só por si, susceptível de gerar incidentes (designadamente de intervenção de terceiros) que, ou retardariam intoleravelmente o processo penal (no caso de tal intervenção de terceiros ser admissível), ou inviabilizariam uma decisão rigorosa (no caso de tal intervenção não ser admissível)”, bem como invoca ainda: “Acresce que a apreciação da pretensão indemnizatória em acção cível autónoma,… equipada com um arsenal de institutos jurídico processuais que asseguram um tratamento mais adequado de todas as matérias substantivas e que, simultaneamente fornece os meios de defesa mais adequados às partes em litígio, proporciona uma maior segurança, e justifica por si o recurso ao mecanismo do reenvio.” pois “perante a complexidade que a causa reveste (mesmo sob o ponto de vista processual), tal reenvio garante uma melhor defesa às partes litigantes, para além do que a tramitação da acção cível enxertada em processo penal poderia contender, face ao já exposto, com a necessária celeridade deste último.”

2.O assistente/demandante, não se conformando com o douto despacho, entendendo que o mesmo está errado na interpretação e aplicação da lei aos autos concretos supra melhor identificados, mormente do art. 71º segunda parte do CPP e art. 82º nº 3 do CPP, interpôs recurso do mesmo para o Tribunal da Relação de Évora.

3.Invocou o recorrente, no seu recurso para o Tribunal da Relação: Erro de julgamento do tribunal a quo na subsunção jurídico-penal do direito ao caso sub-iudice por não ter acolhido devidamente a especificidade da matéria em causa e o âmbito jurídico da mesma cujo thema decidendum, fundamental, foi da incorrecta apreciação sobre a remessa das partes cíveis para os tribunais civis para apreciação do pedido de indemnização civil deduzido nos presentes autos.

4.Por acórdão datado de 22.10.2019 com referência 6420758 e notificado ao recorrente por referência 6427891, acordaram os Juízes da Relação de Évora em manter a decisão proferida em 1ª instância, julgando não provido o recurso interposto.

5.É admissível o presente recurso pois versa sobre o objecto do processo, atenta a dependência (a “adesão”) processual da acção cível ao processo penal, e não versa sobre acto dependente da livre apreciação do Tribunal, mas de critérios de legalidade na medida em que o Tribunal apenas pode decidir reenviar as partes para os meios civis quando se verifiquem os pressupostos enunciados no art. 82º nº 3 do CPP, nada obstando, portanto, à sua apreciação.

6.O assistente/demandante, aqui recorrente, não se conforma com o Acórdão proferido pela Relação de Évora, por entender enfermar o mesmo acórdão do mesmo erro de julgamento sobre o thema decidendum, nomeadamente na subsunção jurídico-penal do direito ao caso sub-iudice apreciando erradamente sobre a remessa das partes cíveis para os tribunais civis para apreciação do pedido de indemnização civil deduzido nos presentes autos, pelo que vai impugnado e recorrido o douto acórdão com as presentes alegações. Porquanto,

7.É Fundamentação do douto Acórdão recorrido, no ponto 3.3. “ Ora, decorridos já seis anos sobre a morte de BB e não obstante o interesse prático-jurídico do demandante em que se mantenha o julgamento conjunto, a verdade é que, independentemente das causas do retardamento do processo penal e das responsabilidades pelo mesmo, a continuação da tramitação conjunta da Acção cível é de molde a comprometer os interesses prosseguidos pelo processo penal.”, “Com efeito, antes de mais, os incidentes processuais suscitados unicamente pelo pedido cível podem demorar tempo considerável, atrasando o processo numa altura em que parecem estarem finalmente reunidas as condições para finalmente se levar a cabo o julgamento da matéria penal”, “Em segundo lugar. O atraso que a continuação do processamento conjunto da acção cível venha a provocar, pode comprometer seriamente aspectos relevantes da pretensão punitiva do Estado. In casu, o restabelecimento da paz jurídica comunitária ou paz social, particularmente significativa em crimes especialmente graves, designadamente quando estão em causa, como no caso presente, crimes contra as pessoas envolvendo responsabilidade médica e hospitalar, mas também o dever de o Estado assegurar, no processo penal, os direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente dos arguidos, maxime o seu direito de ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.”

8.É ilegal, e por isso eivada de nulidade, a conclusão “independemente das causas do retardamento”, por violação do próprio artigo 82º nº 3 do CPP, nos termos do qual são relevantes e taxativas aquelas causas, e devem ser objecto de especial fundamentação, com especial relevo à impossibilidade de rigor da decisão, por um lado, e, por outro lado, à intolerabilidade do eventual retardamento, à sua anormalidade excepcional.

9.O princípio da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7° do CPP e o artigo 71° do CPP consagra como regra o princípio da adesão obrigatória da ação cível ao processo penal e, como exceção, a dedução da ação cível fora do processo penal, nos termos do n.º 3 do art.º 82º do CPP, impondo que o juiz avalie as concretas questões suscitadas pela dedução do pedido cível, reenviando-o para os meios comuns apenas nos casos nela expressamente previstos e objeto de particular fundamentação.

10.A remessa das partes para os tribunais civis, nos termos do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do CPP, não basta a conclusão no sentido do retardamento do processo… A existência de um incidente, seja de intervenção principal, espontânea ou provocada, ou de habilitação de herdeiros, mesmo com a ocorrência de recurso, embora retarde seguramente o processo, não justifica, por si só, a remessa da acção enxertada para a jurisdição civil - Acordão do TRC de 11.09.2013 in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/5b44d3aecd49f0d380257be5004aeaf7? OpenDocument.

11.A não tramitação conjunta, desprovida inclusive de especifica fundamentação pelos Srs. Desembargadores, nos presentes e com os concretos autos, essa sim, é de molde a comprometer os interesses prosseguidos pelo processo penal, atentando contra o próprio princípio da adesão obrigatória prevista no art. 71º do CPP e contra o princípio da suficiência do processo penal, previsto no artigo 7° do CPP, não podendo postergar-se a dependência (a “adesão”) processual da acção cível ao processo penal» – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 2008, processo 08P1410, disponível na base de dados do IGFEJ (www.dgsi.pt).

12.Não existem nos autos concretas questões suscitadas pela dedução do pedido cível que justifiquem a remessa recorrida, o qual não suscitou incidentes ou produção de prova acrescida (salvo a testemunhal).

13.Admitido em sede de despacho a fls…. com a referência 78742232 e 78800637 datado de 10.07.2018, sendo aí designada data para audição das testemunhas do pedido cível, ab initio, o pedido civil deduzido pelo recorrente, cujas questões são as mesmas da acusação, com o cerne, precisamente, na mesma matéria da acusação, como o evidenciam os elementos que integram os autos, não suscitou nenhum incidente, não sendo previsíveis retardamentos daí decorrentes;

14.O incidente que estará na origem do despacho de remessa – a questão da legitimidade da demandada e a intervenção provocada do Hospital ... - foi deduzido pela seguradora do arguido, por sua vez chamada a intervir pelo arguido e, portanto, no âmbito do direito de defesa do arguido, reportando a questões normais e decorrentes de situações perfeitamente integráveis nos autos que não representam qualquer retardamento intolerável e ainda decorrem da legítima defesa do arguido.

15.O incidente em causa foi suscitado, pela seguradora do arguido repita-se, antes de se iniciar a audiência de julgamento, sem implicações, portanto, na conservação e validade de prova que já tivesse sido produzida e sem que represente violação dos princípios de concentração, continuidade e celeridade que caracterizam o julgamento.

16.A complexidade da causa não adveio do pedido de indemnização cível (cuja base é a mesma que a criminal) mas dos factos ilícitos propriamente ditos praticados pelos arguidos nas respectivas circunstâncias de ocorrência, a possibilidade de incidentes, mormente por parte dos arguidos, nomeadamente de intervenção provocada, era já previsível.

17.É contraditório, ilegal, e motivo de nulidade, impedir ou obstar ao exercício da defesa do arguido, remetendo para os tribunais cíveis o pedido cível porque o arguido pede a intervenção provocada do Hospital por via da intervenção provocada da sua seguradora e o exercício desse direito pode levar mais algum tempo, com a “desculpa” de ser motivado pelo pedido cível e para se assegurar “o direito do arguido de ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa”.

18.Em termos de incidentes, o artigo 73.º do Código de Processo Penal prevê, expressamente, o incidente de intervenção principal espontânea passiva, pelo que, a simples dedução de um incidente, seja ele qual for, não justifica, por si só, a remessa da acção enxertada para a jurisdição civil, o que se invoca.

19.Não se aplicando ao presente caso, nem se verificando nos autos quaisquer das situações taxativas do art.º 72.º, do Cód. Proc. Pen. ou do art.º 82.º, n.º 3, do Cód. Proc. Pen., importa também considerar o princípio com consagração constitucional- cfr. art.º 20.º, n.º 4, da Constituição -, de obtenção de uma decisão num prazo razoável e mediante processo equitativo, também acolhido na Convenção Europeia dos Direitos Humanos no seu art.º 6.º, n.º 1, o qual também se aplica, e como centrais que são neste tipo de crimes, aos direitos da vítima, dos lesados, que não são menores que os dos arguidos.

20.O“ restabelecimento da paz jurídica comunitária ou paz social, particularmente significativa em crimes especialmente graves, designadamente quando estão em causa, como no caso presente, crimes contra as pessoas envolvendo responsabilidade médica e hospitalar, mas também o dever de o Estado assegurar, no processo penal, os direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente dos arguidos, maxime o seu direito de ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.”, alegado no Acórdão recorrido, também passa, não pode deixar de passar, primeiro precisamente pelas pessoas alvo desses crimes, pela segurança jurídica da vítima, dos lesados, de a comunidade de sentir e saber, pela actuação do Estado relativamente a si, que quando for a vítima, o lesado, também serão igualmente equilibrados na balança da justiça e do dever do Estado os deveres fundamentais das pessoas enquanto vítimas e lesadas no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

21.O argumento do Tribunal a quo, no despacho recorrido para a Relação de Évora e com referência citius 80240828/80071918, representa, desde logo, uma actuação que vem contra o próprio acto anterior do douto Tribunal a quo.

22.O Tribunal a quo, e não o assistente, deixou de se pronunciar sobre aquelas mesmas questões da legitimidade e da intervenção provocada suscitadas em 18.10.2018 pela seguradora Ageas no seu despacho de 14.11.2018 com referência citius 79625481, essa sim omissão dilatória, absolutamente alheios ao demandante e que decorrem de retardamentos do próprio Tribunal, ainda assim não expressivos, e não do pedido cível.

23.Em 30.01.2019, data do douto despacho, não tinham ainda sequer saído as notificações para a audiência de julgamento de quaisquer das testemunhas arroladas para 05.02.2019 (acusação), 06.02.2019 (acusação) e 11.02.2019 (pedido cível), o que, além de absolutamente alheio ao demandante e a qualquer incidente do pedido cível, ademais tornaria muito difícil, como se veio a verificar posteriormente ao presente recurso, que o julgamento se viesse a realizar naquelas datas.

24.Tivesse o Tribunal a quo se pronunciado sobre aquelas questões teríamos que, ou, por um lado, a dita intervenção teria sido indeferida, não colidindo com a data de julgamento marcada para 05.02.2019,

25.Ou, por outro lado, fosse aquela intervenção admitida, teria tido a interveniente tempo de deduzir a respectiva contestação se assim o entendesse (se notificada na sequência do despacho de 14.11.2018 o prazo de 20 dias para contestar teria terminado em Dezembro, antes ainda das férias judiciais!) sem colidir com a data de julgamento agendada Fevereiro de 2019.

26.Não se colocam sequer questões de conflito de competências por via daquela intervenção – de facto, apesar de ser uma ISSIP o Hospital, a ser chamado, sê-lo-ia sempre em termos de obrigação de indemnizar por danos causados, baseada na responsabilidade civil por facto ilícito e culposo, nos termos do art. 483. °, n.º 1, do Código Civil, que se subsume no principio da adesão, pois nos termos dos arts. 283.º e 284. ° do CPP os factos indiciariamente criminosos são fixados na Acusação deduzida pelo Ministério Público (e/ou pelo Assistente, desde que não importe alteração substancial daqueles), constituindo-se assim como limite nec pus ultra do pedido de indemnização civil emergente desses mesmos factos.

27.Pelos danos causados pelos crimes respondem os agentes do crime não nos termos da Lei Geral Administrativa, mas nos termos da lei civil/penal, conforme melhor alegado no recurso interposto do despacho do tribunal a quo de fls …...

28.O objecto do pedido de indemnização civil é a Indemnização pelo valor do dano, sendo que o que define o princípio da adesão ao processo penal é precisamente o dano, o dano emergente de crime.

29.Dos presentes autos quando devidamente analisados, resulta ainda clara e inequivocamente que julgar a parte criminal desprovida da parte cível, põe em perigo, aí sim, nas palavras de Maia Gonçalves "uma decisão rigorosa" do pleito a que qualquer arguido tem direito.

30.Não se pode querer sobrepor uma suposta atempada realização e conclusão da audiência de julgamento e consequente decisão final, aos direitos de defesa que assistem ao arguido e ao demandante, que por sua vez afectam directamente o arguido e a defesa daquele, o da tal audiência, sob pena de estarmos então a violar o Princípio do Contraditório, constitucionalmente consagrado, princípio ao qual emerge enquanto corolário das garantias de defesa do arguido e do demandante, o Principio da Adesão, segundo o qual existindo uma dependência funcional e intrínseca entre ambos, tal questão só faz sentido quando apreciada no seu todo.

31.Ao contrário do que vai plasmado no despacho recorrido para a Relação de Évora e no acórdão ora recorrido, tem de concluir-se que a matéria constante do pedido de indemnização cível da demandante deve ser analisada em sede do processo penal, pois não existe fundamento legal para esse reenvio.

32.Neste momento nem se coloca a questão da morosidade do julgamento criminal porquanto a parte criminal já se encontra decidida pela condenação dos arguidos, embora pendente de recurso, nada obstando, com a procedência do presente recurso, a que a mesma seja reaberta para apreciação do pedido cível.

33.Merecendo reparo o acórdão recorrido, e, por via do mesmo, o despacho recorrido, nos termos melhor constantes do presente recurso.

34.Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, deverão V. Exas. revogar o acórdão proferido, determinando a contrario que seja revogada aquela decisão e seja ordenada a prossecução dos presentes autos penais para apreciação do pedido de indemnização cível, o que se requer.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo ofendido/assistente, e, consequentemente, deverão V. Exas. revogar o Acórdão em questão e o reenvio aos meios comuns determinado pelo mesmo, bem como determinar que seja ordenada a prossecução dos presentes autos penais para apreciação em nos presentes autos do pedido de indemnização cível, remarcando-se a audiência de julgamento com data para a audição das testemunhas indicadas quanto ao pedido cível (…)

6. O Magistrado do Ministério Público, junto do TRE, defendeu que este Supremo Tribunal de Justiça não deve conhecer do recurso interposto e admitido, por o objeto do mesmo incidir sobre questão que o não admite, no que foi secundado pela Sra. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal que no seu Parecer, lavrado nos termos do disposto no artigo 416º, n.º 1, do CPP, entendeu que nos termos do que dispõe o artigo 420.º, do CPP, o recurso deve ser rejeitado.

7. Cumprido o disposto no n.º 2, do artigo 417.º, do CPP, nada foi dito.

8. Colhidos os vistos, como decorre do exame preliminar, foram os autos remetidos à conferência.

II.

9. O objecto do presente recurso, tal qual se retira das conclusões da motivação de recurso, cinge-se à apreciação das seguintes questões:
i. Admissibilidade do recurso;
ii. E, em caso de ser recorrível, se se verificam os pressupostos do artigo 82.º, n.º 3, do CPP.

10. Apreciemos a 1.ª questão-  da admissibilidade do recurso- que a verificar-se, preclude o conhecimento das restantes questões.

Vejamos.

O recorrente (assistente/demandante) veio interpor recurso do acórdão do TRE confirmativo do despacho do tribunal da primeira instância que determinou o reenvio da decisão das questões atinentes ao pedido cível para os tribunais civis, ao abrigo do disposto no artigo 82.º, n.º 3, do CPP.

Como já notámos, inicialmente o recurso foi rejeitado, mas, perante a procedência da reclamação, veio ulteriormente a ser admitido.

Ora, antes de mais, cumpre aferir se, in casu, se verificam os pressupostos legais, que admitem o recurso para o STJ, já que, a decisão da Sra. Vice-Presidente do STJ, não é vinculativa, conforme emerge do artigo 405.º, n.º 4, do CPP.

Nem tampouco é vinculativo o despacho proferido pelo Tribunal da Relação (em cumprimento da decisão da reclamação), conforme o disposto no artigo 414.º, n.º 3, do CPP.

Está em causa um recurso relativo a uma questão concernente ao pedido cível enxertado no processo penal. Assim, importa convocar o artigo 400.º, n.º 2, do CPP, que, sob a epígrafe da norma “Decisões que não admitem recurso”, estatui: “Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

Apesar da norma aludir a “sentença”, a mesma pretende abarcar, como resulta da sua epígrafe, todas as “decisões” relativas ao pedido de indemnização civil, onde se inclui, naturalmente, o despacho, o que está em consonância com o artigo 399.º, do CPP, onde se firma o princípio geral relativo a (i)recorribilidade, ali se fazendo menção ao “despacho”.

A nossa lei consagra “um regime híbrido ou misto quanto à admissibilidade de recurso, pois que esta depende, cumulativa e simultaneamente, do valor da causa (alçada) e do valor da sucumbência (differendum), relevando, no entanto, apenas aquele, em caso de fundada dúvida sobre este” (AUJ n.º 10/2015).

Foi, justamente, com base na regra da alçada e da sucumbência que a Sra. Vice-Presidente do STJ admitiu o recurso. Sopesou-se o valor global do pedido. E também tal foi considerado para efeito de aferir da sucumbência.

Mas, mesmo que a alçada e a sucumbência não constituam óbice à admissibilidade, deverá perscrutar-se a (in)verificação dos demais requisitos, sendo que, quanto a estes, não existiu pronúncia na decisão da Sra. Vice-Presidente do STJ.

E antes de mais, refira-se ainda que não se nos afigura que o despacho de reenvio, ao abrigo do artigo 82.º, n.º 3, do CPP, se integre no artigo 400.º, n.º 1, alínea b), do CPP, como se tratando de uma decisão dependente da “livre resolução do tribunal”, e, por essa via, não passível de recurso.

Na verdade, apesar do artigo 82.º, n.º 3, do CPP, mencionar “pode”, concorda-se com o dito no acórdão da Relação de Évora quando salienta que tal não significa que o tribunal não se rege, neste domínio, por critérios de legalidade. Isto porque a norma elenca, na sua parte final, os pressupostos para determinar o reenvio. Ora, se estes se verificarem, o juiz não pode negar o reenvio por critérios de oportunidade, ou de conveniência. É que, nesta situação, o próprio legislador afirma a necessidade de separar o pedido cível do processo penal, porque os seus fins são colocados em crise com a manutenção da adesão. E, porque esses fins estão conexos com as garantias do arguido e, também, com o interesse público na administração da justiça, sobre o juiz recai o dever de ordenar o reenvio, verificados os pressupostos legais.

Não se verifica, assim, a causa de inadmissibilidade do recurso vertida no 400.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

11.No entanto, diga-se, que não é este o cerne da questão.

Com efeito, deverá atentar-se no artigo 671.º, n.º 2, do CPC: “Não é admissível recurso de revista do acórdão da Relação que recaia sobre uma decisão interlocutória da 1.ª instância, a não ser que se verifique algum dos casos específicos previstos no art. 671.º, n.º 2, als. a), e b), do CPC, desde que devidamente alegados e demonstrados pelo recorrente” [ac. STJ, Rel. Cons. Fátima Gomes, 18-01-2018, Revista n.º 933/12.1 TVLSB-A. L1. S1 - 1.ª Secção cível].

Ora, não se verifica nenhum dos casos elencados no artigo 671.º, n.º 2, alíneas a) e b), do CPC.  Não estamos perante uma situação em que o recurso é sempre admissível, por não se subsumir no elenco vertido no artigo 629.º, n.º 2, do CPC [nomeadamente, apesar de se tratar de questão que tem a ver com qual o tribunal que deve tramitar e decidir a acção cível enxertada no processo penal, não está propriamente em causa a violação das regras de competência em razão da matéria (artigo 629º, nº 2, al. a), do CPC)]. Nem existe contradição com outro acórdão “transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito”. O que, aliás, nem sequer foi alegado pelo recorrente.

Por outro lado, o acórdão da Relação de Évora apreciou uma decisão interlocutória que recaiu unicamente sobre a relação processual. Não se trata de decisão que tenha conhecido do mérito da causa cível, absolvido da instância cível ou do pedido (predicados para a subsunção no artigo 671.º, n.º 1, do CPC). A mesma recaiu sobre uma questão interlocutória, incidental, apenas tendo por objecto aferir da verificação dos pressupostos processuais vertidos no artigo 82.º, n.º 3, do CPP, que legitimam o reenvio para o tribunal civil. Não se trata de uma decisão de fundo, uma apreciação de mérito, nada decide em definitivo, não é final, nada apreciando em termos substantivos, mas apenas abordando uma questão de índole processual.

É certo que o despacho que determina o reenvio para o tribunal cível visando que este aprecie o pedido cível faz com que a instância cível enxertada no processo penal termine. Mas, não implica a extinção da causa cível. Esta transita para outro tribunal. O referido despacho não emite qualquer pronúncia sobre o mérito do pedido cível. Não se debruça sobre a causa de pedir da indemnização, pressupostos ou bondade dos montantes peticionados. Apenas incide sobre uma questão “lateral” relativa à necessidade de separar o pedido cível do processo crime. 

Trata-se, assim, de recurso de decisão interlocutória que se debruça sobre a relação processual, pelo que, não se verificando as circunstâncias específicas previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 671.º, do CPP, não é admissível o recurso para o STJ, por força das disposições conjugadas do artigo 671.º, n.º 2, do CPC e dos artigos 4.º e 400.º, n.º 2, do CPP.

Apesar de entendermos que são as normas de processo civil, a que se aludiu, que definem o fundamento da rejeição, para quem vislumbre na ressalva da 1.ª parte do artigo 400.º, n.º 2, do CPP, a habilitação para aplicar a rejeição do artigo 400.º, n.º 1, al. c), do CPP à acção cível enxertada no processo penal, ou, que o processo penal tem norma expressa sobre a inadmissibilidade de recurso da questão interlocutória da acção criminal e civil (pelo que não haveria fundamento para chamar à colação o processo civil por via do artigo 4.º, do CPP), lograr-se-ia o mesmo resultado interpretativo. Em 1.º lugar, trata-se de uma decisão interlocutória, pelos motivos já aduzidos. Em 2.º lugar, não se enquadra na alínea d), do n.º 1, do artigo 432.º do CPP, que pretende tutelar o direito do recorrente de aceder ao tribunal superior quando o recurso da questão interlocutória apenas possa subir com recursos, da competência do STJ, enunciados no artigo 432.º do CPP. Não é o caso dos autos, em que o recurso da questão interlocutória subiu de imediato. Aliás, como se nota no acórdão da Relação de Évora, esse conhecimento imediato da questão interlocutória impunha-se: “Por outro lado, entendemos, quanto ao regime de subida do recurso, que este sobe imediatamente e em separado, nos termos do art. 407º/1 e 406º/2, CPP, tal como fixado pelo senhor juiz a quo. Com efeito, a sua retenção para ser julgado conjuntamente com o recurso interposto da decisão final (art. 407º/3 CPP), torná-lo-ia absolutamente inútil no caso de o assistente, ora recorrente, vir a carecer de legitimidade ou interesse em agir para recorrer da decisão penal a proferir a final, sendo certo que a lei processual penal tutela o interesse das partes, máxime do assistente, em ver julgado o pedido cível no processo penal, pelo que a retenção do recurso podia levar à preclusão daquele seu direito processual sem que o tribunal de recurso apreciasse o mérito da decisão de reenvio. Nada obsta, pois, à apreciação do mérito do recurso.

Em suma, as normas de processo civil e de processo penal coincidem na rejeição do recurso. E, apesar de, como notámos, dever aplicar-se, de forma remissiva, o artigo 671.º, n.º 2, do CPC, para quem tem entendimento diverso, defendendo que se deve, primeiro, perscrutar o normativo do processo penal, também, o recurso não seria de admitir por força da conjugação do artigo 432.º, n.º 1, alíneas a) e d), a contrario, e 400.º, n.º 1, al. c), do CPP.

12. Por último, diremos o seguinte: do que ficou dito, entendemos tratar-se de uma decisão interlocutória que incide sobre a relação processual, a que está vedado o recurso para o STJ. Não obstante, o recorrente, na reclamação que fez para o STJ (da não admissão do recurso pelo Tribunal da Relação de Évora), alude a que estamos perante uma decisão final. Se, com isso, pretendeu significar que se trata de decisão não interlocutória, não lhe assiste razão. Mas, diga-se, mesmo a entender-se que a decisão, por colocar termo à acção cível, no processo penal, não poderia ser qualificada de interlocutória, e seria subsumível no artigo 671.º, n.º 1, do CPC (o que refutamos pelo já exarado), mesmo assim, não seria de admitir o recurso. É que, a acolher-se essa interpretação, mantinha-se a impossibilidade de recurso para o STJ, por força da dupla conforme, por aplicação do artigo 671.º, n.º 3, do CPC [ex vi artigo 4.º, do CPP, e em complemento do artigo 400.º, n.º 2, do CPP], segundo o qual não é admitida revista do acórdão da relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância.

A aplicação de tal instituto à acção cível enxertada no processo penal tem sido defendida, uniformemente, pelo STJ, cf., entre outros, ac. STJ, Relator Cons. Nuno Gomes da Silva, 17-01-2019, Proc. n.º 1700/15.6PYLSB.L1. S1 - 5.ª Secção criminal, ac. STJ, Relator Cons. Manuel Augusto de Matos, 04-12-2019, Proc. n.º 354/13.9IDAVR.P2. S1 - 3.ª Secção criminal e ac. STJ, Relator Cons. Pires da Graça, 19-02-2020, Proc. n.º 368/15.4T9SCR.L1. S1 - 3.ª Secção criminal. E respigando o ac. TC 442/2012, a propósito da aplicabilidade da dupla conforme “ao pedido de indemnização civil enxertado no processo crime”, é de ressaltar a fundamentação sobre a constitucionalidade de tal limitação no acesso ao STJ, aí se escrevendo: “O Tribunal Constitucional tem vindo a apreciar, de modo reiterado e constante, a questão da delimitação da esfera de proteção normativa do direito fundamental de acesso aos tribunais. Precisamente em sede de processo penal, a jurisprudência constitucional tem considerado, de modo unânime, que não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) um direito subjetivo a que determinada questão jurisdicionalmente controvertida goze de um duplo grau de recurso (nesse sentido, entre muitos outros, ver os Acórdãos n.º 338/2005, n.º 2/2006, n.º 575/2006 e n.º 551/2009). Estando em causa, nos presentes autos, um recurso circunscrito a matéria de natureza cível - ainda que enxertado em processo penal -, existem razões acrescidas que justificam que a privação de um duplo grau de recurso não afeta, de modo desproporcionado, o direito de acesso do recorrente aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP). O que este último preceito constitucional garante é a possibilidade de ver sindicadas decisões jurisdicionais proferidas por um tribunal de primeira instância. Tal não significa, porém, que essa possibilidade de confronto de uma decisão jurisdicional perante um tribunal superior exija um grau ótimo (ou pleno) de recurso, que apenas cabe ao legislador ordinário decidir se e em que medida é justificado. Em suma, o direito fundamental de acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP) não abrange o direito a um duplo grau de recurso, pelo que a interpretação normativa que constitui objeto do presente recurso não padece de inconstitucionalidade material.

Em suma, a aplicação da dupla conforme ao pedido cível formulado no processo penal, pelos argumentos aduzidos no ac. do TC, não fere a nossa Constituição (CRP).

Ora, o acórdão da Relação de Évora confirmou o despacho da 1.ª instância que determinou o reenvio para o tribunal cível das questões relativas ao pedido de indemnização civil. Para se verificar o requisito da dupla conforme, que impede o recurso para o STJ, estabelecem-se dois pressupostos: a) inexistência de voto vencido; e, b) ausência de uma fundamentação essencialmente diversa. No que concerne ao primeiro requisito enunciado o mesmo é objectivo, e verifica-se no caso em apreço, já que o acórdão da Relação de Évora mereceu a unanimidade dos juízes desembargadores. Já o outro pressuposto que se mencionou é um conceito mais aberto, mas que tem merecido uma interpretação constante e uniforme pelo STJ. Só “pode considerar-se estarmos perante uma fundamentação essencialmente diferente quando ambas as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão, mostrando-se o mesmo decisivo para a solução final: ou seja, se o acórdão da Relação assentar num enquadramento normativo absolutamente distinto daquele que foi ponderado na sentença de 1.ª instância. Ou, dito ainda de outro modo: quando o acórdão se estribe definitivamente num enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado do perfilhado na 1.ª instância” [ac. STJ, Relator Cons. Ilídio Sacarrão Martins, 20-02-2020, Revista n.º 1003/13.0T2AVR.P1. S1 - 7.ª Secção cível]. “I - Uma coisa é a subsunção normativa gizada e delineada tendente à solução jurídica a dar à problemática em equação, a qual até poderá mostrar-se decidida de forma idêntica; coisa diametralmente oposta, será a redacção dada a tal solução, a qual poderá, obedecer a critérios de escrita mais elaborados e com recurso a obter dicta sofisticados, mas que não colidem, nem alteram a solução jurídica proveniente de primeiro grau, por forma a concluir-se que esta foi obtida com recurso a um argumentário substancialmente diferente. II - Para a descaracterização da dupla conformidade decisória, apenas releva a diferença essencial entre os julgados, não se bastando a mesma com uma qualquer argumentação diversa” [ac. STJ, Relatora Cons. Ana Paula Boularot, 27-02-2020, Revista n.º 5717/15.2T8FNC-B. L1. S1 - 6.ª Secção cível].

Posto isto, como referimos, a Relação de Évora confirmou a decisão da 1.ª instância pois, tal como esta, entendeu que se verificavam os requisitos vertidos na parte final do artigo 82.º, n.º 3, do CPP. Ou seja, o alicerce jurídico que despoletou improcedência do recurso coincide com a motivação jurídica em que assentou a decisão de reenvio da 1.ª instância. É certo que a Relação de Évora, no discurso argumentativo, e cumprindo o seu dever de fundamentação, densificou um conjunto de circunstâncias factuais que, na sua óptica, permitiam a subsunção na norma que admite o reenvio. E acrescentou ainda um conjunto de outra doutrina e jurisprudência. Mas sem com isso fugir à questão central. Quer a 1.ª instância, quer o tribunal da Relação, convergem nas razões para a existência de um reenvio: a verificação dos critérios elencados na parte final do referido artigo 82.º, n.º 3, do CPP.

E, assim, mesmo que se considerasse a decisão não interlocutória, mas sim final e subsumível no artigo 671.º, n.º 1, do CPC, por ter terminado a acção cível enxertada no processo penal, por força da dupla conforme [e não se verificando nenhuma situação enquadrável no artigo 629.º, n.º 2, do CPC], também não seria de admitir o recurso.

            Posto isto, é de concluir que o recurso não é admissível.

13. Destarte,

                     Perante tudo o que fica exposto, rejeita-se, nos termos do disposto no artigo 420.º, n. º1, alínea b), do CPP, o recurso interposto por AA, o que exclui a competência deste Supremo Tribunal de Justiça.

14. Nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 420.º, do CPP, se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente ao pagamento de uma quantia entre 3 UC e 10 UC.

III.

15. Em conformidade com o exposto, decide-se:

        a). Rejeitar o recurso interposto por AA por o mesmo não ser admissível, nos termos do disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea d), 400.º, n.º 1, al. c), e 420.º, nº 1, alínea b), todos do CPP.

         b). Nos termos do artigo 420.º, nº 3, do CPP, o recorrente pagará a importância de 5 (cinco) UC.

Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP.

Lisboa, 24 de Setembro de 2020.

Margarida Blasco (Relatora)

Helena Moniz

Ora, o valor da alçada da Relação está fixado em € 30 000,00 (artigo 44.º da Lei n.º 62/13, de 26-08, LOSJ), pelo que os recursos para o STJ estão limitados, em regra, às decisões proferidas em processos cujo valor seja igual ou superior a € 30 000,01 e em que o recorrente tenha ficado vencido em valor igual ou superior a € 15 000,01.