Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | GREGÓRIO SILVA JESUS | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO ARRENDAMENTO URBANO ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS ENCERRAMENTO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL OBRAS INCUMPRIMENTO DO CONTRATO LOCADOR RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO ABUSO DO DIREITO EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES PERDA DA COISA LOCADA CADUCIDADE | ||
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Data do Acordão: | 12/11/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIA EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO DE VONTADE / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / CONTRATOS ( ARRENDAMENTO URBANO). DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECVURSOS. | ||
Doutrina: | - Aníbal de Castro, A Caducidade, Na Doutrina, na Lei e na Jurisprudência, 2ª ed., pp. 161/163. - Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, vol II, 4ª ed., pág. 391, nota 7; in RLJ, Ano 100º, pág. 382; in RLJ, Ano 116º, 192. - Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7ª ed., pp. 487/490. - Cunha de Sá, “Caducidade do Contrato de Arrendamento”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1968, vol. I, pp. 67 a 89, 282 e vol. II, pág. 216. - Galvão Telles, “Contratos Civis”, no BMJ 83º-114. - Januário Gomes, Arrendamentos Para Habitação, 2.ª ed., pp. 259, 260, 268/269. - Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial), Contratos, p. 210. - Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, 1996, págs. 572/573 e, 604. - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., p.373. - Vaz Serra, RLJ, Ano 98º, p. 352. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 12.º, N.º1, 237.º, 334.º, 492.º, 798.º, 916º, Nº 2,1031.º, AL. B), 1032.º, AL. B), 1033º, ALS. A), B) E D), 1038º, AL. H), 1043º, Nº 1, 1051.º, AL. E). CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º2, 715.º, 668.º, N.º1, AL. D), 731.º, N.º2. DL N.º 555/99 DE 16/12 –RJUE: - ARTIGO 2.º, ALÍNEA F). REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (RAU), APROVADO PELO DEC. LEI Nº 321-B/90 DE 15/10: - ARTIGOS 5.º, N.º 1,11.º, N.º3, 12.º, 13.º, N.º1, 64º, Nº 1, AL. H), 66.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 28/7/1981, BMJ 309º -336; -DE 11/2/1992, BMJ 414º - 455; -DE 25/11/1998, NO BMJ 481º-484; -DE 26/10/1999, NO BMJ 490º-250; -DE 25/01/2000 NO BMJ 493º-344, 11/06/2002, PROC. Nº 01B4061, 29/04/2004, PROC. Nº 04B1430, 12/05/2005, PROC. Nº 05B1061, E DE 4/10/2006, PROC. Nº 06S2069, NO ITIJ; -DE 15/01/2002, PROC. Nº 01A3474, SUMARIADO, E DE 18/11/2004, PROC. Nº 04B2963, NO ITIJ; -DE 28/11/2002, PROC.Nº3436/02-2ª, NOS SUMÁRIOS DE ACÓRDÃOS CÍVEIS DESTE TRIBUNAL DE 2002, DE 8/06/2006, PROC. Nº 06B1103, E DE 31/01/2007, PROC. Nº 06A4404, NO ITIJ; -DE 18/11/2004 JÁ CITADO, 26/06/2008, PROC. Nº 08B628, 9/03/2010, PROC. Nº 440/07.4TVPRT.S1, 13/07/2010, PROC. Nº 60/10.6YFLSB, E DE 31/05/2012, PROC. Nº 1332/07.2TBCHV.P1.S1, ESTE SUMARIADO, TODOS NO ITIJ. | ||
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Sumário : | I - Alguma jurisprudência tem considerado que integra abuso do direito a conduta do locador que não realiza obras necessárias a assegurar o exercício da actividade comercial no arrendado, permitindo a degradação do prédio que levou à cessação da actividade e, não obstante, pede a resolução do contrato com fundamento em encerramento do prédio. II - Em todo o caso, sendo sinalagmático o contrato de arrendamento, a obrigação de realização de obras pelos senhorios tem de ser aferida de harmonia com o princípio da equivalência das atribuições patrimoniais, de que há manifestação no art. 237.º do CC de consagrar um princípio geral de direito. III - Deve atender-se à relação entre o custo das obras pretendidas e a renda paga pelo arrendatário, dado que, não sendo assim, se estaria a violar o mais elementar princípio de justiça e a proibição do abuso do direito (art. 334.º do CC). IV - Provado que as obras necessárias são no valor de € 200 000 a € 250 000 e que a locatária deposita a título de renda o valor de €130,24, sendo precisos mais de 100 anos para os locadores obterem o retorno do valor da reparação do locado, é indubitável que esta desproporção entre o valor das obras e o das rendas se mostra excessiva, pelo que a exigência aos senhorios da realização de obras no locado naquele montante viola o mais elementar princípio de justiça, caindo na previsão do abuso do direito constante do art. 334.º do CC. V - Considerando que a autora encerrou o locado, onde funcionava um estabelecimento comercial, devido ao estado avançado de degradação do prédio, a colocar em perigo a sua segurança física e saúde, em virtude deste ter deixado de possuir as adequadas condições de utilização, verifica-se que não cumpriu o locador a sua obrigação primária e fundamental de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada (art. 1031.º, al. b), do CC), o que retira a eficácia resolutiva do contrato de arrendamento, dado que tal resolução, a operar-se, representaria também ela uma situação imoral. VI - Repugna aceitar que os locadores, a quem incumbiria a realização das obras que determinaram o encerramento do estabelecimento por parte da locatária, apesar de não lhes ser exigível que as façam, possam aproveitar-se desse encerramento para obter a resolução do contrato, o que integraria um caso de abuso do direito. VII - Haja ou não culpa do senhorio, designadamente por omissão de obras de conservação, basta a verificação objectiva da perda do locado para ocorrer, ope legis, a caducidade do contrato de arrendamento, nos termos do art. 1051.º, al. e), do CC. VIII - Como critério distintivo para aferir do carácter total ou parcial da perda da coisa, deve atender-se ao fim que era dado ao locado, podendo dizer-se que existe perda total quando o mesmo deixa de poder ser usado para o fim convencionado, não sendo de exigir a sua destruição total. IX - A culpa do senhorio pela omissão de obras de conservação releva, apenas, para a eventual indemnização do arrendatário, nos termos do art. 798.º do CC. X - Provado que o imóvel locado está de tal modo degradado que põe em perigo a segurança física e a saúde das pessoas, que não é recuperável, nem reparável, sem que seja totalmente destruído e posteriormente reconstruído, com excepção das paredes que constituem a estrutura do edifício, que o seu interior corre o risco de ruir, verifica-se, dado o estado de ruína irrecuperável a que chegou, que o prédio na sua funcionalidade está perdido, só podendo ser utilizado se reconstruído, pelo que a sua perda é total, assim não pode ter-se por subsistente o arrendamento, verificando-se a caducidade do contrato por perda da coisa locada (art. 1051.º, al. e), do CC). | ||
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Decisão Texto Integral: |
Recurso de Revista nº 655/06.2TBCMN.G1.S1[1] Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – RELATÓRIO
AA, residente no lugar do ..., freguesia de ..., Caminha, intentou acção declarativa, sob a forma ordinária, contra BB e marido CC, residentes na Praceta ..., nº …, …, F..., DD e marido EE, residentes na Rua ..., nº …, ..., Amora, pedindo a condenação solidária dos demandados no pagamento da quantia de 145.818,89€, acrescida de juros de mora, por danos na mercadoria e lucro líquido perdido, e ainda na quantia mensal de 1.250,00€, desde Setembro de 2006, acrescida de juros, correspondente ao prejuízo mensal que a autora está a suportar com o estabelecimento encerrado. Para tanto, alega, em síntese, que é titular de um estabelecimento comercial instalado em prédio dos réus, sito em Caminha, e de que faz parte o direito ao arrendamento sobre o local por que paga a renda mensal de 130,24€. Sucede que surgiram infiltrações de água no tecto do imóvel que se foi deteriorando a ponto de parte dele cair, a autora requereu uma vistoria, os réus foram notificados pelos técnicos da Câmara Municipal para a realização das obras necessárias, mas não as executaram. Devido ás sucessivas infiltrações de humidade ficou danificada mercadoria, por falta de obras a autora encerrou temporariamente o locado em 1998 deixando de ganhar no seu comércio, até à data da instauração da acção, a quantia líquida de 120.000,00€. Aos réus compete reparar tal prejuízo. Regularmente citados, os réus contestaram invocando, considerando as duas contestações de forma conjugada, e em síntese, que em consequência de obras no prédio contíguo ao locado houve infiltrações neste de água das chuvas, nunca tendo o responsável por essas obras concluído a reparação das fendas causadas, obras que o Município não fiscalizou. O prédio tem mais de 100 anos, pelo facto de as rendas serem baixas eram os inquilinos que procediam às pequenas reparações do telhado, janelas e outras, mas o prédio deixou de ter condições de segurança e habitabilidade impondo a necessidade não de obras mas de demolição e construção de um novo prédio. Nessa reconstrução as rés teriam de gastar quantia não inferior a 250.000,00€, que em função do valor da renda paga pela autora só estaria recuperada ao fim de 159 anos, pelo que é inaceitável a obrigação de efectuar as obras para a autora continuar a usufruir o locado, constituindo um flagrante abuso de direito. A autora abandonou o locado em Janeiro de 1998, deixou de pagar as rendas atempadamente e sem os aumentos legais, dedicou-se a outras actividades, e impugnam a existência de prejuízos. Concluíram considerando dever ser a acção julgada improcedente e a autora condenada como litigante de má fé. Deduziram reconvenção, peticionando os réus EE: - a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no encerramento do locado desde 1998, no não pagamento das rendas, pagamento de algumas fora de prazo e de outras sem actualização legal, e na não utilização prudente do locado causando nele deteriorações consideráveis. Subsidiariamente, ainda pediram que se declarasse extinto o contrato por caducidade derivada da perda da coisa locada. Por sua vez, os réus BB e marido CC pediram: - a extinção do contrato por caducidade, e restituição imediata do locado; - a condenação da autora a pagar-lhes uma indemnização não inferior a 25,00€ por dia, a título de ocupação do imóvel, até ao dia da sua efectiva restituição; Mais requereram, os primeiros, a intervenção acessória provocada de FF e mulher, autores das obras no prédio contíguo, e do Município de Caminha, por falta de celeridade nas intervenções camarárias, responsáveis pelos prejuízos que a autora tenha sofrido, devendo, caso os réus sejam condenados, sê-lo também com eles solidariamente. A autora replicou impugnando os factos suporte dos pedidos reconvencionais, cuja improcedência peticionou juntamente com a condenação dos réus em multa e indemnização não inferior a 10.000,00€ por litigância de má fé. Foi elaborado despacho que não admitiu o chamamento requerido (fls. 354/357). No despacho saneador foram admitidos os pedidos reconvencionais e procedeu-se à condensação dos autos, com reclamação, indeferida, dos réus DD e marido. Realizada a audiência de discussão e julgamento, após a prolação da decisão da matéria de facto (fls. 1180/1183), isenta de reclamação, foi proferida sentença (fls. 1186 a 1216) que julgou improcedente a acção e parcialmente procedentes as reconvenções, sendo declarado resolvido o contrato de arrendamento relativo ao estabelecimento comercial de venda de confecções e pronto-a-vestir, e a autora condenada a despejar o local. Inconformada, da mesma apelou a autora. A Relação de Guimarães, por unanimidade, no acórdão de 19/01/12 (fls. 1360 a 1364), decidiu a sua parcial procedência, assim decidindo: “a) Julgam improcedentes os pedidos reconvencionais na parte que vem impugnada, deles absolvendo a Autora/Reconvinda, revogando correspectivamente a sentença recorrida; b) Confirmam a sentença recorrida (dispositivo) na parte em que julgou improcedente a acção e absolveu os Réus do pedido. “. Mostrando-se irresignados, os réus BB e marido CC, e só eles, pedem revista. Das alegações que apresentam tiram as seguintes conclusões:
1ª- Não se pode falar num exercício manifestamente abusivo por parte dos RR. /Reconvintes, de requererem a resolução do contrato de arrendamento quando está sobejamente demonstrado nos autos que o prédio configura um caso de ruína económica e ruína física. 2ª- Concluindo também que se trata de um caso de ruína física, uma vez que o edifício apresenta um esgotamento generalizado dos seus elementos construtivos, exceptuando o alçado principal, que deverá ser mantido e preservado. 3ª- Daí que não podem restar dúvidas que estamos perante uma perda total da coisa locada, uma vez que uma reparação parcial não é tecnicamente viável. 4ª- E tal facto não é imputável aos RR./ Reconvintes, proprietários do edifício, mas sim ao facto de este ter há muito ultrapassado o seu prazo de validade, devido aos materiais utilizados e método de construção. 5ª- Efectivamente, a degradação do edifício não resultou de culpa da RR., mas sim da idade do prédio, e a própria resistência dos materiais (madeiras) que infelizmente não são eternos. 6ª- De resto, diga-se em abono da verdade, que quando a Autora tomou de trespasse o estabelecimento, em 1988, conforme consta da A) da matéria assente já o prédio possuía 96 anos de idade, e se encontrava praticamente nas mesmas condições em que se encontrava em 1994. 7ª - A Autora sabia perfeitamente, quando celebrou o trespasse do estabelecimento, que este não se localizava num prédio novo ou recente, mas sim num prédio com quase um século de existência, num estado de conservação precário. 8ª- Não poderia pois, a Autora esperar que os senhorios, com a parca renda que auferiam lhe fossem recriar o prédio. 9ª- Tanto mais que conforme consta da resposta ao quesito 38° da base instrutória, para a reparação do prédio será necessário despender uma quantia entre € 200.000,00 a 250.000,00. 10ª- Feitas as contas, com o valor pago pela A., a título de renda a obra só seria paga num período compreendido entre os 1535 meses e 1919 meses, ou seja, entre os 127 e os 159 anos. 11ª- É pois evidente que existe, como existia uma colossal desproporção entre a retribuição que os senhorios recebem pela cedência do espaço do locado, e o custo das obras que estas teriam que efectuar para lograr obter a recuperação do imóvel, e poder o A. continuar a usufruir do locado. 12ª- Uma vez que se trata de obras extraordinárias, e face ao seu elevado valor a RR. não está obrigadas a fazê-las. 13ª- A este propósito, o Acórdão da Relação de Lisboa de 11/05/95, (in Bmj 442° - 244), considerou existir abuso de direito num caso em que as obras exigidas pelo inquilino atingiam um valor correspondente a 30 anos de renda, o que torna ilegítima a reivindicação da realização dessas obras, por constituir excesso manifesto dos limites impostos pela boa-fé e pelo fim económico-social desse direito proibido pelo Art. 334° do Código Civil. 14ª- Assim e ao contrário do defendido pelo Tribunal "a quo", não existe nenhum exercício ilegítimo do direito dos RR. Ao pretenderem ver o decretado a resolução do contrato de arrendamento, pelo encerramento do estabelecimento e do arrendado desde o mês de Setembro de 1998, conforme alínea T) da matéria assente, no qual consta que "O estabelecimento da Autora encontra-se encerrado desde Setembro de 1998." 15ª- O não uso do locado por mais de um ano, confere aos RR/Reconvintes o direito de resolver o contrato de arrendamento existente, ao abrigo do disposto na al. h) do n° 1 do art. 64° do R.A.U. 16ª- Provado que ficou que a Autora está a fazer um não uso do locado, há mais de oito anos, consecutivos, o que é de per si causa de resolução do contrato de arrendamento nos termos do previsto nas alínea h) do número 1 do Artigo 64° do RAU e actualmente na alínea d) do número 2 do Artigo 1083° do NRAU. 17ª- Pelo que salvo o devido respeito, o Tribunal "a quo" ao julgar que o direito dos reconvintes à pretendida resolução do contrato não pode actuar por se revelar num exercício manifestamente abusivo, teve uma visão meramente parcial dos factos e aplicou mal o direito. 18ª- Pois, a existir abuso do direito, e diga-se em abono da verdade, este foi e é exercido por parte da Autora, que sempre agiu com o único intuito de adquirir o prédio por um baixo preço, querendo vergar os senhorios pela força do seu poder monetário. SEM PRESCINDIR, 19ª- Atentos os factos provados, veja-se em particular as respostas aos quesitos 31°, 36°, 37° e 38° da base instrutória, ficou plenamente demonstrado que é necessário proceder à demolição do edifício para posterior reconstrução. 20ª- Deve assim, ter-se por verificada a caducidade do contrato de arrendamento, por perda total da coisa. 21ª- E não é exigível aos RR., que façam as obras de que o prédio carece, só para a autora aí se manter, pois sempre se entraria no campo do abuso do direito. 22ª- Deve entender-se, pois, que o contrato de arrendamento caducou, uma vez que a caducidade opera "ipso iure" 23ª- O critério de qualificação da perda total ou parcial para efeitos da caducidade do arrendamento, nos termos da alínea e) do n° 1 do Art. 1051° do C.C., não é físico ou naturalístico, antes dependendo do fim a que a coisa se destina, devendo assim considerar-se a perda total quando o arrendado não fica em condições de satisfazer o fim convencionado. 24ª- Pelo que sem margem para dúvidas, deve ser considerado/declarado que o contrato de arrendamento caducou por perda da coisa locada, de harmonia com o disposto, no artigo 1051° alínea e) do Código Civil. 25ª- Deve assim, ser declarado, atento o disposto na al. h) do n° 1 do art. 64° do R.A.U., e actual alínea d) do n° 2 do Artigo 1083° do NRAU, declarado o despejo do arrendado e Autora, condenada a despejar, imediatamente, o local arrendado. 26ª- Pelo que face a matéria apurada, deve ser declarada a cessação do contrato de arrendamento por caducidade, e em consequência ordenar-se a restituição imediata do rés-do-chão, do prédio urbano em questão aos RR/Reconvintes. 27ª- O Tribunal atentos os factos apurados, não fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nas alínea h) do número 1 do Artigo 64° do RAU e actualmente na alínea d) do número 2 do Artigo 1083° do NRAU, alínea e) do n° 1 do Art. 1051° do C.C., e artigo 334° do Código Civil.
A autora contra-alegou defendendo a manutenção do decidido. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
ª As conclusões dos recorrentes – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 684º nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil[2] - CPC daqui por diante) – consubstanciam as seguintes questões: a) Se os réus ao pretenderem a resolução do contrato de arrendamento estão num exercício manifestamente abusivo do seu direito; b) Caducidade do contrato.
II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
No acórdão recorrido foi considerada assente, em definitivo, a seguinte matéria fáctica: A) No dia 15 de Dezembro de 1988, no Segundo Cartório Notarial de Viana do Castelo, a Autora tomou de trespasse o estabelecimento comercial de venda de confecções e pronto-a-vestir, instalado no rés-do-chão do prédio urbano, sito na Rua Conselheiro Miguel Dantas, freguesia e concelho de Caminha, inscrito na matriz sob o artigo urbano 24°, nos termos constantes da cópia da escritura pública de trespasse que se encontra junta aos autos de fls. 10 a 16 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; B) GG subscreveu os recibos de aluguer que se encontram juntos aos autos a fls. 284, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; C) Para crédito na conta nº ... da Caixa Geral de Depósitos, pertencente a GG, foram recebidos por aquela entidade bancária os montantes pecuniários que melhor surgem descritos nos documentos constantes de fls. 285 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos; D) Para crédito na conta nº ... da Caixa Geral de Depósitos, pertencente a DD, foram recebidos por aquela entidade bancária os montantes pecuniários que melhor surgem descritos nos documentos constantes de fls. 286 a 290, 292 a 297, 300 a 311, 314 a 319 e 321 a 326, cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos; E) Para crédito na conta nº ... da Caixa Geral de Depósitos, à ordem dos presentes autos, foram recebidos por aquela entidade bancária, o montante pecuniário que melhor surge descrito no documento constante de fls. 327 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, nele figurando, como arrendatária, AA, e como senhorios, BB e marido, CC, e DD e marido, EE; F) Por requerimento datado de 13.09.94, mas entregue na Câmara Municipal de Caminha no dia 21.09.94, a Autora requereu ao Presidente da Câmara Municipal de Caminha, ao abrigo do disposto no artigo 10° do RGEU, uma vistoria ao prédio referido na alínea A), nos termos da cópia do documento que se encontra junto aos autos a fls. 18 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; G) Na sequência daquele requerimento, a Câmara Municipal ordenou uma vistoria ao prédio, que se realizou no dia 29.11.94, tendo constatado que: a) no tecto da parte posterior do estabelecimento ocupado pela reclamante, existe um estado avançado de deterioração, verificando-se mesmo a caída parcial desse tecto; b) esta situação é originada pela infiltração de águas da parte superior, colocando em risco a actividade económica exercida pela reclamante com as consequências daí inerentes; tudo conforme o conteúdo da cópia do auto de vistoria constante do presente processo de fls. 22 a 23 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; H) De acordo com tal auto de vistoria, propôs-se a realização, de imediato e com urgência, das seguintes obras: (i) verificação e remodelação, onde necessário, do sistema de esgotos e abastecimento de água no piso superior; (ii) verificação da cobertura do prédio, incluindo os respectivos rufos e caleiros, com a substituição dos elementos partidos ou deteriorados; (iii) arranjo do tecto e outras partes danificadas pelas infiltrações de água no estabelecimento da reclamante; tudo conforme o conteúdo da cópia do auto de vistoria constante do presente processo de fls. 22 a 23 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; I) Tal proposta constante do auto de vistoria mereceu despacho de concordância do Sr. Vereador do pelouro, que ordenou a notificação dos Réus e lhes fixou o prazo de 60 dias para a realização das obras em causa, conforme o conteúdo da cópia do auto de vistoria constante do presente processo de fls. 22 a 23 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; J) Por requerimento datado de 02.04.2002, dirigido à Câmara Municipal de Caminha, a Autora requereu que se notificassem novamente os Réus para a realização das obras em questão, conforme cópia do documento constante de fls. 24 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; K) O qual mereceu da Câmara Municipal de Caminha o seguinte despacho, datado de 30.04.2002: na sequência da notificação feita à CM Seixal, uma vez que a queixosa insiste na queixa, dado que decorreram desde então 5 anos, considero que: (…) 1 – Deve promover-se uma vistoria assinalando as deficiências encontradas e a evolução da situação demonstrada a 29NOV1994”; conforme cópia do documento constante de fls. 24 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; L) Após vistoria realizada ao prédio, em auto de vistoria de 09.07.2002, os Srs. Peritos decidiram, por unanimidade, que “não só se mantém a situação descrita no auto de vistoria datado de 29 de Novembro de 1994, como, o tempo decorrido, agravou naturalmente a situação existente, dado neste período, não ter havido qualquer intervenção”, conforme cópia do documento constante de fls. 36 dos presentes autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; M) Por ofício datado de 24.01.2003, a Câmara Municipal de Caminha notificou a Autora, informando-a que iria realizar nova vistoria, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 89° e seguintes do Decreto-Lei nº 555/99, a ter lugar no dia 06.02.2003, pelas 14.30 horas, conforme cópia do documento constante dos autos a fls. 38 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido N) No auto de vistoria elaborado após a realização desta, lê-se que “viriam a observar-se as condições já antes descritas em auto de vistoria anterior, não tendo igualmente ocorrido, segundo os arrendatários, qualquer novo desenvolvimento. (…). Pelo exposto, os técnicos entendem manter a informação prestada no auto de vistoria datado de 09.07.02 e a descrição pormenorizada constante do auto de 29.11.94”, conforme cópia do documento constante dos autos a fls. 42 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido; O) Em parecer datado de 01.06.2004, a jurista da Câmara Municipal de Caminha, propôs a repetição de todo o processo por preterição de formalidades legais, nos termos da cópia do documento constante dos autos de fls. 46 a 48 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o qual mereceu a concordância do Sr. Vereador do pelouro que ordenou que a comissão de avaliação procedesse em conformidade com a mesma; P) Em 06.09.2004, o técnico, Eng. HH, emitiu a informação que consta da cópia do documento constante dos autos de fls. 71 a 72 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido; Q) Em sequência, foi marcada nova vistoria para o dia 06.06.2005; R) Realizada a vistoria, foi constatado pelos Srs. Peritos o constante da cópia do auto de vistoria que consta dos autos de fls. 79 a 81 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; S) Com data de 19 de Maio de 2006, os Réus requereram à Presidente da Câmara Municipal de Caminha que se dignasse ordenar as diligências necessárias para que: (i) o edifício fosse declarado sem condições de habitabilidade; (ii) os inquilinos fossem notificados e impedidos de entrar no edifício; e (iii) que os ora requerentes fossem desobrigados de fazer obras de recuperação; tudo nos termos da cópia do requerimento que se encontra junto aos autos de fls. 85 a 86 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido; T) O estabelecimento da Autora encontra-se encerrado desde Setembro de 1998. U) O prédio em causa foi construído em 1893. Factos emergentes das respostas aos artigos da base instrutória: 1) Provado apenas o que consta da al. G) da matéria assente. 1-A) Pelo menos em Setembro de 2001 os Réus tiveram conhecimento do auto de vistoria e do despacho que sobre ele recaiu, referidos nas alíneas G), H) e I) dos Factos Assentes. 2) Os réus não executaram as obras em questão. 3) A Ré BB foi convocada para a vistoria referida na alínea M) dos Factos Assentes. 4) Os réus não estiveram presentes nessa vistoria. 5) As Rés e a Autora foram notificadas do dia da realização da vistoria pressuposta no despacho do Sr. Vereador do pelouro referido na alínea O) dos Factos Assentes e para, querendo, indicarem os seus peritos. 6) Os Réus não executaram qualquer obra no imóvel em causa após a vistoria referida na alínea R) dos Factos Assentes. 7) O imóvel em causa está de tal modo degradado que para a sua reparação é necessário destruir o seu miolo e o telhado. 8) Na declaração fiscal de 2007, o valor de mercadoria em stock no estabelecimento da autora era de € 7.263,03. 9) Na sequência dos factos constantes das respostas aos quesitos lº e 2°, e da consequente degradação que os mesmos provocaram no locado, a autora encerrou o estabelecimento comercial que aí explorava. 10) A contabilidade da empresa espelha uma quebra de facturação a partir do ano de 1993, sendo essa redução mais drástica a partir do ano de 1995. 11) FF fez obras no prédio contíguo ao locado. 12) Quando da realização dessas obras foram feitas escavações no quintal, o que provocou derrocada do muro do logradouro do prédio em que está implantado o edifício que integra o locado. 13) Ao nível do l º andar, na parede do alçado encostado o edifício onde foram realizadas as obras referidas na resposta ao quesito 20°, surgiram algumas fissuras. 14) Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 20°, e que o II procedeu à reconstrução e arranjo desse muro. 15) Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 21º. 16) O II mandou reparar as fissuras referidas na resposta ao quesito 21°, mas continuam a verificar-se algumas. 17) O estado actual do prédio põe em perigo a segurança física e a saúde das pessoas. 18) A autora não tem consumido água e electricidade no locado. 19) Com o encerramento, o locado deixou de ter arejamento e ventilação. 20) O rés-do-chão padece de uma evidente falta de ventilação transversal, na medida em que se encontra parcialmente enterrado, sendo apenas desafogado na fachada voltada à Av. …. Para além disso, o contacto do chão do estabelecimento, e da parede do fundo (da parte do armazém), com a terra ocasiona infiltrações de humidade. A falta de arejamento e ventilação acaba por agravar essas patologias e ocasionar um aumento desses teores de humidade, a criação de fungos e outras eflorescências e o surgimento de cheiros desagradáveis. 21) O prédio não é recuperável, nem reparável, sem que seja totalmente destruído e, posteriormente, totalmente reconstruído, com excepção das paredes que constituem a estrutura do edifício, constituídas em alvenaria de pedra nos alçados principal, posterior e laterais. 22) O seu interior corre o risco de ruir. 23) Para a reparação do prédio será necessário despender uma quantia entre € 200.000,00 a € 250.000,00. 24) Provado apenas o que consta das alíneas F) a O) da matéria assente e nas respostas aos quesitos 3° a 7° da base instrutória.
DE DIREITO
Questão Prévia
À acção, intentada em 22/08/06, a autora atribuiu o valor de 135.818,89€ e no despacho saneador o Exmo Juiz, depois de admitir os pedidos reconvencionais, fixou à causa o valor de 137.381,77€ (135.818,89€ + 1.562, 88€) (cfr. fls. 362). Valor este que passou a ser inalterável porquanto não impugnado por qualquer das partes. Este facto, pela sua objectividade, suscitou o juízo inicial de que tendo sido a acção julgada improcedente na 1ª instância e na Relação, e por transitada em julgado excluído o seu escrutínio nesta revista, apenas estaria em causa a apreciação daqueles pedidos reconvencionais no valor de 1.562, 88€, formulados pelos réus EE. Contudo, como bem advertem os réus BB e marido CC, a presente revista foi por eles interposta, não pelos outros réus, e o valor que atribuíram à sua reconvenção foi o de 15.000,00€. Assim é de facto. Revela-se que a decisão que no despacho saneador fixou o valor da acção padece de manifesto erro porque não considerou no seu cálculo o valor da reconvenção deduzida por estes recorrentes, apesar de a haver admitido, subsequentemente apreciada e julgada improcedente. Temos, então, que o valor da acção permanece imutável, por transitado em julgado. Mas o valor da sucumbência é o de 15.000,00€ correspondente ao do pedido reconvencional dos recorrentes, também ele não impugnado. O que leva a concluir, ao invés de antecedente juízo, face ao disposto no art. 678º, nº 1 do CPC, pela admissibilidade da revista.
A) Se os réus ao pretenderem a resolução do contrato de arrendamento estão num exercício manifestamente abusivo do seu direito
Está provado que o estabelecimento da autora se encontra encerrado desde Setembro de 1998, e o encerramento do local arrendado por mais de um ano, nos termos da alínea h) do nº 1 do art. 64º do RAU, confere ao senhorio o direito de resolver o contrato de arrendamento. As instâncias julgaram de modo diferente. A sentença da 1ª instância concluiu que deveria ser declarada a resolução do contrato de arrendamento e ordenado o despejo da autora, não obstante o imóvel se encontrar degradado ao ponto do seu interior ameaçar ruir, pondo em perigo a segurança e a saúde das pessoas, só sendo viável a sua reconstrução com a destruição do seu miolo e telhado. Isso, porque a falta de interpelação dos réus/senhorios para a realização de obras, a faculdade que a autora tinha de executar ela própria obras urgentes com direito ao reembolso, e a falta do aviso a que alude a alínea h) do art. 1038º do Código Civil (doravante CC), foram circunstâncias que conduziram o decisor a ajuizar não se poder atribuir aos réus alguma responsabilidade pelo encerramento do locado, uma vez que não lhes foi dada a oportunidade de proceder à correcção e eliminação dos entraves ao funcionamento do estabelecimento comercial. E quando advertidos e notificados para esse efeito já a autora havia encerrado o estabelecimento. Não partilhou a Relação desta leitura. Não obstante reconhecer aos réus o direito à resolução do contrato, porém, sustentou que os factos provados mostram que como donos do imóvel pelo menos desde 2001 adquiriram conhecimento da existência, reportada a 1994, de deficiências no edifício e no locado, que sem dúvida teriam justificado a tomada de algum tipo de medidas de conservação, ordenadas no auto de vistoria, que não executaram, e desde a vistoria de 2005 sabem que o edifício se foi degradando paulatinamente, ao ponto de haver risco de todo o seu interior colapsar. Por isso, se entendeu ser o pedido de resolução do contrato de arrendamento um exercício manifestamente abusivo, assim se argumentando: “Nesta medida, vistas portanto as circunstâncias idiossincráticas do caso, afigura-se-nos que o direito dos Reconvintes à pretendida resolução do contrato não pode ser actuado, por se revelar num exercício manifestamente abusivo. De facto, repugna ao vector da boa fé que quem deixa chegar praticamente à ruína o edifício onde se insere o locado (ademais sabendo que se trata de edifício deveras antigo, a demandar maior vigilância), que quem conhece que o estado do locado contende com a sua regular utilização para os fins da actividade económica exercida pela arrendatária (isto está claro, repetimos, no auto de vistoria a que se reporta o ponto G), e que chegou ao conhecimento dos Réus pelo menos em 2001), e que quem sabe perfeitamente desde pelo menos 2001 (v. a missiva de fls. 328, documento 79 junto com a réplica) que o estabelecimento está encerrado por razões inerentes ao estado do imóvel, possa ainda assim vir argumentar com o encerramento do locado com vista a resolver o contrato de arrendamento. Não nos parece aceitável que os Reconvintes possam capitalizar sobre uma omissão sua - qual seja, a não manutenção oportuna do edifício, com reflexos no locado - de forma a tirar partido precisamente de um circunstancialismo que somente eles podiam, razoavelmente, ter invertido. É certo que estamos perante um prédio antigo, é certo que há que levar em conta a inevitável fadiga e deterioração natural dos seus elementos, é certo que apenas é exigível ao Réus que, para efeitos do arrendamento, mantenham (conservem) o edifício e não que o recriem. Mas tudo isto deve ser visto e valorizado apenas como parte da questão. Se ao longo do tempo as acções de manutenção fossem cumpridas não estaríamos agora a falar de um imóvel manifestamente degradado. E, de resto, a vetustez incontornável de um imóvel não poderá nunca servir de factor facilitador (e muito menos indutor) da resolução do contrato de arrendamento, mas sim como causa da caducidade do contrato.“. Vejamos onde se encontra a razão. Importa. primeiro que tudo, precisar que ao caso é aplicável o Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Dec. Lei nº 321-B/90 de 15/10, e, no que não esteja em oposição com este, pelo regime geral da locação civil (art. 5.º, n.º 1 do RAU), apesar de revogado pela Lei nº 6/2006 de 27/02, Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), por estar em causa a apreciação e valorização de factos que ocorreram no período da sua vigência, e em conformidade com o que dispõe o art. 12º, nº 1 do CC. Assim, estabelece o art. 64º, nº 1, al. h) do RAU que o senhorio só pode resolver o contrato se o arrendatário: “Conservar encerrado, por mais de um ano, o prédio arrendado para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, salvo se caso de força maior ou ausência forçada do arrendatário, que não se prolongue por mais de dois anos”. Depreende-se dos factos assentes que: - Em 13/09/94, a autora requereu ao Presidente da Câmara Municipal de Caminha, ao abrigo do disposto no artigo 10° do RGEU, uma vistoria ao prédio, na sequência do que essa vistoria se realizou no dia 29/11/94, tendo constatado que:” a) no tecto da parte posterior do estabelecimento ocupado pela reclamante, existe um estado avançado de deterioração, verificando-se mesmo a caída parcial desse tecto; b) esta situação é originada pela infiltração de águas da parte superior, colocando em risco a actividade económica exercida pela reclamante com as consequências daí inerentes”. De acordo com tal auto de vistoria, propôs-se a realização, de imediato e com urgência, das seguintes obras: (i) verificação e remodelação, onde necessário, do sistema de esgotos e abastecimento de água no piso superior; (ii) verificação da cobertura do prédio, incluindo os respectivos rufos e caleiros, com a substituição dos elementos partidos ou deteriorados; (iii) arranjo do tecto e outras partes danificadas pelas infiltrações de água no estabelecimento da reclamante. Tal proposta mereceu despacho de concordância do Sr. Vereador do pelouro, que ordenou a notificação dos réus e lhes fixou o prazo de 60 dias para a realização das obras em causa (F, G, H e I dos factos provados). As obras em questão não foram executadas e, na sequência daqueles danos e subsequente degradação que os mesmos provocaram no locado, a autora encerrou em Setembro de 1998 o estabelecimento comercial que aí explorava (T, 2 e 9 dos factos provados). De realçar, contudo, não se haver provado que os réus tivessem sido notificados do resultado daquela vistoria e subsequente despacho até à data desse encerramento, tão só se tendo apurado que o terão sido “pelo menos em Setembro de 2001”, ou seja, cerca de três anos depois, como resulta da resposta restritiva dada pela Relação ao quesito 3º, acima descrita sob 1º-A. Posteriormente ao aludido encerramento, a autora tomou nova iniciativa junto da Câmara Municipal de Caminha, em 02/04/02, despoletando a realização de novas vistorias em 9/07/02 e 06/02/03, nas quais os Srs. Peritos confirmaram, por unanimidade, que não só se mantinha a situação descrita na anterior vistoria de 29/11/94, como o tempo decorrido agravara naturalmente a situação existente, dado não ter havido qualquer intervenção. Por reconhecimento de preterição de formalidades legais, a Câmara Municipal de Caminha designou nova vistoria para 06/06/05, na qual os Srs. Peritos concluíram que “a degradação evidente do piso do tecto do R/Chão, cujo colapso poderá acontecer, arrastará, por força do método construtivo adoptado, o colapso de todo o interior do edifício”, como consta da cópia do auto de vistoria de fls. 79 a 81 (J, K, L, M, N, O, P, Q, R dos factos provados). Deste acervo cronológico de factos torna-se evidente que à data em que a autora encerrou o seu estabelecimento fê-lo porque aí não poderia permanecer sem elevado risco para a sua integridade física e saúde. As vistorias de 2002 e 2003 confirmam o estado avançado de deterioração em que o edifício se encontrava já em 29/11/94, naturalmente mais degradado ainda em Setembro de 1998, num estado que pela aproximação temporal tudo leva a crer que seria próximo do descrito pela vistoria de 06/06/05. Sem dúvida, pois, que a autora encerrou o locado devido ao facto deste ter deixado de possuir as adequadas condições de utilização. Assim, prescreve o art. 1031º, al. b) do CC que é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que se destina. E se, eventualmente, a coisa apresentar vício, surgido posteriormente à entrega, por culpa do locador, que lhe não permita realizar cabalmente o fim a que é destinada, considera-se o contrato não cumprido (art. 1032.º, al. b) do CC). Então, o locador é obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer a sua necessidade resulte do simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro[3]. No âmbito das prestações que se destinam a assegurar o gozo do arrendatário, o RAU (arts.11º a 18º) especifica o tipo de obras, distinguindo entre obras de conservação e de beneficiação, e dentro das primeiras as de conservação ordinária e extraordinária. E estipula que as obras de conservação ordinária estão a cargo do senhorio (art. 12.º), ficando, ainda, a cargo deste as obras de conservação extraordinária e as obras de beneficiação quando, nos termos das leis administrativas em vigor, a sua execução lhe seja ordenada pela Câmara Municipal competente ou quando haja acordo escrito das partes no sentido da sua realização, com discriminação das obras a efectuar (art. 13º, n.º 1). Assim, e por força dos preceitos citados, a reparação ou eliminação dos vícios subsequentes serão da responsabilidade do locador desde que resultem da omissão dos seus deveres de proceder às obras de conservação ordinária e às obras de conservação extraordinária ou de beneficiação que se lhe impunha que fizesse. As reparações ou despesas que se inscrevem no dever genérico do art.1031º, al. b) do CC têm de ser pedidas pelo locatário, sobre quem impende o dever jurídico de avisar o locador dos vícios que descubra na coisa ou dos perigos que a ameaçam, para que este os possa providenciar (art.1038º, al. h) do CC). E este aviso deve ser feito de imediato, não lhe sendo aplicável o prazo fixado no art.916º, nº 2 do CC, relativamente à denúncia do defeito da coisa, na venda de coisa defeituosa[4]. Segundo os elementos disponíveis, como se percebe dos autos de vistoria de fls. 22, 23, 36, 42, 79 a 81, as deteriorações graves motivadoras da degradação do edifício localizavam-se nos pisos superiores ao do estabelecimento (1º piso e sótão), na cobertura do prédio, partes a que naturalmente a autora não tinha acesso e por isso escapavam ao seu conhecimento, e nas paredes perimetrais. Isto é, não resulta demonstrado que a autora delas soubesse ou devesse saber, e por isso sobre ela impendesse a obrigação de as avisar aos réus, seus senhorios (arts.1033º, al. d) e 1038º, al. h) do CC). Do que ela tinha bom conhecimento era da infiltração de águas no seu estabelecimento com a queda parcial do tecto (als. F e G dos factos provados e docs. fls. 18, 22 e 23), mas estas não eram, obviamente, causa, mas sim efeito das deteriorações. Também são deteriorações que não se enquadram naquelas de conservação e reparação da responsabilidade do locatário (cfr. art. 1043º, nº 1 do CC), antes têm que ver com as reparações que ao longo dos anos devem ser levadas a efeito para assegurar o bom estado do edifício e indispensáveis ao gozo da coisa locada (cfr. al. f) do art. 2º do Dec. Lei nº 555/99 de 16/12 -RJUE). Inicialmente traduziam-se em obras de conservação ordinária[5], que se tornaram de conservação extraordinária desde que o prédio começou a apresentar sinais de ruína e atento o valor em causa (art.11º, nº 3 do RAU), cabendo, por isso, ao senhorio a responsabilidade pela sua realização, sob pena de responder pelos prejuízos causados, com a sua omissão, ao respectivo locatário. Se em causa estivesse somente o problema suscitado com a infiltração de águas no estabelecimento e com a queda parcial do tecto, aceitava-se que deveria a autora avisar os réus, (arts.1033º, al. d) e 1038º, al. h) do CC) para procederem às reparações devidas. Mas o problema de fundo era mais grave, tinha a ver com questões estruturais do edifício, antiguidade do mesmo e saturação dos materiais de construção. E quando assim acontece, o risco da deterioração do prédio ao longo do tempo, sobretudo quando se trata de edifício secular como era o caso, corre por conta do proprietário, que deve estar a par do que com ele se passa, por isso que sobre ele também recai um dever de vigilância (cfr. art. 492º do CC)[6]. Por isso, não se sufraga o entendimento perfilhado na 1ª instância de que os réus não tinham culpa por não haverem sido avisados dos danos que o edifício apresentava, por não lhes ter sido dada a oportunidade de proceder à correcção e eliminação das deteriorações, ou que as mesmas poderiam ter sido realizadas pela autora. Mas igualmente se diverge da fundamentação abraçada pela Relação, que não da solução. Alegam os réus que a autora quando celebrou o trespasse do estabelecimento em 1988 sabia perfeitamente que este não se localizava num prédio novo ou recente, mas sim num prédio com quase um século de existência, num estado de conservação precário. Poderá tudo isso ser certo, mas incontroverso é não vir demonstrado que nessa mesma data a autora conhecesse os defeitos ou deteriorações já existentes no locado, sequer as verificadas à data do encerramento, o que a impediria de exigir, mais tarde, do senhorio a sua reparação (art. 1033º, als. a) e b) do CC). O que se tem a relevar é que os réus só tomaram conhecimento dessas deteriorações “pelo menos em Setembro de 2001”, e depois disso nada fizeram (1-A, 2 e 6 dos factos provados), mas nessa data já a autora encerrara o estabelecimento haviam decorridos 3 anos. Alguma jurisprudência tem considerado que integra abuso de direito a conduta do locador que não realiza obras necessárias a assegurar o exercício da actividade comercial no arrendado, permitindo a degradação do prédio que levou à cessação da actividade, e, não obstante, pede a resolução do contrato com fundamento em encerramento do prédio. A decisão recorrida postou-se nesta linha de entendimento, mas cremos que o mesmo não pode ter uma aceitação dogmática, muito particularmente neste campo em que os detalhes, a postura, e os propósitos dos contraentes nem sempre correspondem a comportamentos padronizados e coincidentes. Há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, muito particularmente aos factores que explicam a não realização das obras, se por excessivamente onerosas e incapacidade financeira dos senhorios, se por uma estratégia de recuperação do espaço que ocupado propicia baixos rendimentos com vista à sua melhor rentabilização. Em todo o caso, sendo sinalagmático o contrato de arrendamento, a obrigação de realização de obras pelos senhorios tem de ser aferida de harmonia com o princípio da equivalência das atribuições patrimoniais de que há manifestação no art. 237º do CC de consagrar um princípio geral de direito[7]. Deve, pois, atender-se à relação entre o custo das obras pretendidas e a renda paga pelo arrendatário, dado que não sendo assim se estaria a violar o mais elementar princípio de justiça e a proibição do abuso de direito (art.334º do CC). Ora, no caso vertente, as obras necessárias são no valor de 200.000,00€ a 250.000,00€. Aceitando alguma redução desse valor se nos reportarmos a 1998, data do encerramento do estabelecimento, mesmo em proporção ao valor de 130,24€ que a autora está a depositar a título de renda à data da propositura da acção (cfr. B) dos factos provados e docs. fls. 320 a 326), seriam precisos mais de 100 anos para os réus obterem o retorno do valor da reparação (9 dos factos provados). É indubitável que esta desproporção entre o valor das obras e o das rendas é excessiva, e a exigência aos réus senhorios, ora recorrentes, da realização de obras no locado naquele montante, ou próximo, violava o mais elementar princípio de justiça, caindo na previsão do abuso de direito previsto no art. 334º do CC[8]. A preconização do dever da realização das obras não constitui no caso sub judice exercício equilibrado, moderado, lógico e racional do direito invocado, importando, mesmo, abuso de direito que o torna ilegítimo. Como escreveu Antunes Varela, “ nesses casos não está apenas, nem sequer principalmente, em causa a obrigação do locador de assegurar o gozo (inicial) da coisa locada, uma vez que razoavelmente se não pode pensar em impor ao locatário a mera restituição do prédio ao estado precário em que se encontrava: as obras que se impõem em casos semelhantes excedem, pela própria natureza das coisas, os limites do dever de manutenção (entretien) da coisa imposto ao locador. O que está, fundamentalmente, em causa nestas situações é o próprio direito do proprietário e consiste em saber até que ponto a exigência de reconstrução da coisa parcialmente destruída ou arruinada excede os encargos normais da propriedade. E a tendência dos tribunais é no sentido de exonerar o locador das despesas excessivas, das reparações que excedam os encargos razoáveis e habituais da propriedade.”[9]. Assim, decai a fundamentação exposta no acórdão impugnado no sentido de a pretensão dos réus/recorrentes em ver declarada a resolução do contrato de arrendamento se revelar como um exercício de abuso de direito. Mas, chegados a esta conclusão, convém, então, recordar que a autora encerrou o locado devido ao estado avançado de degradação do prédio, a colocar em perigo a sua segurança física e saúde, em virtude deste ter deixado de possuir as adequadas condições de utilização. O mesmo é dizer que não cumpriu o locador a sua obrigação primária e fundamental de assegurar ao locatário o gozo da coisa locada (art. 1031º, al. b) do CC), o que retira a eficácia resolutiva do contrato de arrendamento. A resolução do contrato de arrendamento em causa, a operar-se, representaria também ela uma situação imoral. Repugnaria aceitar que os réus, a quem incumbiria a realização das obras que determinaram o encerramento do estabelecimento por parte da locatária, apesar de já virmos não lhes ser exigível que as façam, possam alegar e aproveitar desse encerramento para obterem a resolução do contrato. Nesta vertente, sim, seria caso de abuso de direito. Acresce que a norma em causa, o art. 64º, nº 1, al. h) do RAU, visa acautelar não só “o interesse do senhorio em não ter o prédio deteriorado com o seu encerramento por um período longo e em não sofrer a desvalorização comercial do local (ou ponto) resultante da cessação de actividade do estabelecimento”[10], como o de promover o interesse geral de lançar no mercado do arrendamento todos os espaços susceptíveis de ocupação por terceiros. Ora, pode dizer-se que nada disto está em causa no caso vertente, na certeza de que se sabe que o prédio, devido à sua vetustez, com cerca de 119 anos, e ausência de adequada manutenção, foi perdendo condições de utilização. O seu interior corre o risco de ruir, pondo em perigo a segurança física e a saúde das pessoas, não é recuperável, tem que ser totalmente destruído e, posteriormente, totalmente reconstruído, com excepção das paredes exteriores. Como assim, resulta clara a solução de que sempre deve improceder o direito à resolução do contrato de arrendamento, o que confirma o acerto da decisão recorrida, embora por outras razões.
B) Caducidade do contrato
A segunda questão até aqui trazida prende-se com a caducidade do contrato de arrendamento. Os réus, que apresentaram contestações autónomas, nas suas reconvenções pediram a declaração de caducidade do contrato por perda da coisa locada. Os ora recorrentes como pedido principal, os outros a título subsidiário. O decisor da 1ª instância, depois de concluir haver fundamento para declarar resolvido o contrato e não haver motivos para satisfazer a autora na sua pretensão de indemnização pelos prejuízos que alegara, considerou prejudicadas todas as demais questões suscitadas pelas partes e, consequentemente, não apreciou este pedido reconvencional. Na apelação interposta pela autora o acórdão recorrido, uma vez fixados os factos, à guisa de proémio e clarificação da decisão, depois de censurar a má utilização feita na sentença recorrida do princípio da prejudicialidade, previsto no nº 2 do art. 660º do CPC, concluiu que, por não impugnada pelos reconvintes tal omissão de pronúncia, no referente a esse pedido a decisão estava consolidada, e advertiu que sobre ele o acórdão não se iria debruçar, com a fundamentação que se passa a transcrever: “Pelo contrário, quando o pedido vem apoiado em várias causas de pedir, deve o tribunal apreciar todas elas e não apenas uma ou algumas, mesmo que a que foi apreciada baste para satisfazer o aspirado pela parte (cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., p. 31). Serve isto para dizer que a sentença recorrida omitiu o conhecimento de questões de que lhe competia conhecer, mas contra a nulidade daí adveniente (e que não é de conhecimento oficioso) não se insurgiram os Reconvintes (que eram estes quem tinha interesse em fazê-lo), fosse por via de recurso principal, fosse por via de recurso subordinado, fosse pelo expediente da ampliação do âmbito da apelação da Autora (v. art. 684º-A do CPC). Donde, seja qual for a decisão a proferir neste recurso, estão definitivamente consolidadas e fora de causa as questões cujo conhecimento se omitiu.”. Discordam os recorrentes deste entendimento e reagem defendendo que a caducidade opera “ipso iure”, ficou plenamente demonstrado que é necessário proceder à demolição do edifício para posterior reconstrução, pelo que deve ter-se por verificada a caducidade do contrato de arrendamento por perda da coisa locada, de harmonia com o disposto no art. 1051°, al. e) do CC. Vejamos. Primeiramente, devemos referir que o acórdão impugnado obliterou o comando estabelecido no art. 715º do CPC, particularmente no seu nº 2. Não obstante os réus reconvintes não tivessem impugnado a omissão de pronúncia sobre os demais pedidos reconvencionais formulados, de acordo com a regra da substituição ao tribunal recorrido sempre à Relação estava imposto o conhecimento das questões não apreciadas no tribunal recorrido por as considerar prejudicadas pela solução que encontrara para o litígio. Só se lhe impunha que o fizesse depois de assegurar o contraditório (nº 3 do mesmo preceito). É neste sentido que se vem decidindo com unanimidade neste Supremo Tribunal[11]. Não tendo assim procedido, o acórdão sob recurso incorreu na nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d), do nº 1 do art. 668º do CPC. Nulidade que os recorrentes não arguiram, e não sendo de conhecimento oficioso não há que cumprir o disposto no nº 2 do artigo 731º do CPC. Mas, ainda assim poderá e deverá este Supremo Tribunal conhecer da questão? É o que se passa a ponderar. Sem prejuízo do disposto quanto aos regimes especiais, o arrendamento caduca nos casos fixados pelo art.1051º do CC (art. 66.º do RAU). Estabelece este art. 1051º, na al. e), que o contrato de locação caduca pela perda da coisa locada. Trata-se, em sede do contrato de locação, da reafirmação do princípio geral sobre a impossibilidade superveniente da prestação, contida nos arts. 790º e segs. do CC. Argumentam os recorrentes, e com razão, que o critério de qualificação da perda total ou parcial para efeitos da caducidade do arrendamento não é físico ou naturalístico, antes dependendo do fim a que a coisa se destina, devendo assim considerar-se a perda total quando o arrendado não fica em condições de satisfazer o fim convencionado. De facto, é hoje entendimento unânime na doutrina e jurisprudência, que como critério distintivo para aferir do carácter total ou parcial da perda da coisa, deve atender-se ao fim que era dado ao locado, podendo dizer-se que existe perda total quando o mesmo deixa de poder ser usado para o fim convencionado, não sendo de exigir a sua destruição total[12]. E, haja ou não haja culpa do senhorio, designadamente por omissão de obras de conservação, basta a verificação objectiva da perda do locado para se verificar, ope legis, a caducidade do contrato de arrendamento, nos termos do art. 1051º, al. e) do CC. Tendo deixado de existir o objecto do contrato (aquele determinado locado), por culpa ou sem culpa do senhorio, natural e consequentemente deixa de subsistir a razão de ser deste mesmo contrato, mesmo que se verifique a reconstrução do edifício considerado perdido ou a construção de um novo. “A obrigação de o senhorio proporcionar ao arrendatário o gozo do imóvel, torna-se impossível e, portanto, extingue-se. A obrigação de o arrendatário pagar a renda continua possível; simplesmente, o contrato caduca porque o acontecimento casual, que exonerou uma das partes do seu débito, a priva, simultânea e necessariamente, do seu crédito, dentro do princípio da interdependência das obrigações sinalagmáticas. Trata-se no fundo de um problema de risco, resolvido, afinal, no sentido e que nenhum dos contraentes o suportará.” [13]. A culpa do senhorio pela omissão de obras de conservação releva, assim e apenas, para a eventual indemnização do arrendatário, nos termos do artigo 798º do CC[14]. Como refere Pedro Romano Martinez, “O contrato, na realidade, caduca, mas sobre o locador impenderá uma obrigação de indemnizar a contraparte se tiver havido culpa da sua parte no que respeita à produção do facto que desencadeou a caducidade. Não havendo culpa do locador, não existirá a obrigação de indemnizar. Assim, se a casa arrendada ruiu porque o locador não fez as obras necessárias de reparação, o contrato caduca e haverá que indemnizar o locatário, mas se a casa caiu em razão de um tremor de terra ou por força de um incêndio fortuito, não há qualquer obrigação de indemnizar”[15]. Trata-se, pois, de causa de caducidade que opera ope legis, imediatamente, por força do art. 51º do RAU tem natureza imperativa, não pode ser afastada pela simples vontade das partes, por isso não carecendo de qualquer declaração de vontade[16]. Nesta conformidade, em razão da indisponibilidade dos interesses em causa, uma vez que se trata de matéria onde predomina o interesse público[17], a caducidade é, aqui, de conhecimento oficioso (art. 333º, nº 1 do CC)[18]. É mais uma razão para que a Relação tivesse conhecido desta questão. Aqui chegados, analisemos, então, o que acontece no caso sub judice. Da matéria de facto apurada colhe-se que: - o imóvel em causa está de tal modo degradado que para a sua reparação é necessário destruir o seu miolo e o telhado; - o estado actual do prédio põe em perigo a segurança física e a saúde das pessoas; - o prédio não é recuperável, nem reparável, sem que seja totalmente destruído e, posteriormente, totalmente reconstruído, com excepção das paredes que constituem a estrutura do edifício, constituídas em alvenaria de pedra nos alçados principal, posterior e laterais; - o seu interior corre o risco de ruir (7, 17, 21 e 22 dos factos provados). Demonstrado, pois, se acha o estado de ruína irrecuperável a que o prédio chegou. Ameaça colapsar. O prédio na sua funcionalidade está perdido, só podendo ser utilizado se reconstruído da forma acima referida, e a perda é total. Então, com evidente adequação a um cenário deste tipo, poder-se-á dizer com Januário Gomes, à luz da concepção funcional acima expressa da perda total da coisa, que “ poderá não ser necessário aguardar que um prédio caia como baralho de cartas para se concluir pela perda do mesmo”[19]. Assim sendo, é indubitável não poder ter-se por subsistente o arrendamento pois que inegavelmente se verifica a caducidade por perda da coisa locada. Consequentemente, tem que se considerar que ocorreu a caducidade do arrendamento, nos precisos termos do art. 1051º, al. e) do CC, assim procedendo o pedido reconvencional deduzido pelos recorrentes. Será útil recordar que nesta matéria a sentença não tem natureza constitutiva, mas sim de simples apreciação e declaração, porquanto não é o Tribunal que decreta a caducidade, mas antes reconhece que a mesma se produziu, no passado, em virtude de simples factualidade apurada[20].
III – DECISÃO
Nos termos expostos, decide-se julgar parcialmente procedente a revista e, consequentemente, declarar extinto, por caducidade, o contrato de arrendamento aqui em causa, que vigorava entre os réus-reconvintes e a autora-reconvinda. Custas, aqui e nas instâncias, por ambas as partes, na proporção do respectivo decaimento.
Lisboa, 11 de Dezembro de 2012.
Gregório Silva Jesus (Relator) Martins de Sousa Gabriel Catarino
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