Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00000082 | ||
Relator: | GARCIA MARQUES | ||
Descritores: | PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA UNIÃO DE FACTO HERANÇA ALIMENTOS ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | SJ200204090006521 | ||
Data do Acordão: | 04/09/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR SEG SOC. DIR CIV - TEORIA GERAL / DIR SUC. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 342 N1 ARTIGO 2009 A D ARTIGO 2020 N1. DL 322/90 DE 1990/10/18 ARTIGO 1 ARTIGO 3 ARTIGO 4 ARTIGO 5 ARTIGO 7 ARTIGO 8. DRGU 1/94 DE 1994/01/18 ARTIGO 1 ARTIGO 3 N1 N2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1999/02/09 IN CJSTJ ANO7 T1 PAG89. ACÓRDÃO RE PROC1948/00 DE 2000/01/25. ACÓRDÃO STJ DE 1995/06/29 IN CJSTJ ANI3 T2 PAG147. ACÓRDÃO STJ DE 1991/11/07 IN BMJ N411 PAG165. | ||
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Sumário : | I - Não é a mera realidade sociológica da convivência em condições análogas às dos cônjuges durante, pelo menos, dois anos até à data da morte que confere o direito à pensão de sobrevivência ou às prestações por morte, exigindo, ainda, a lei a frustração da concretização da obrigação alimentar. II - A possibilidade de prestação de alimentos por parte das pessoas a tal obrigadas não constitui, pois, contra-norma impeditiva daquele direito à pensão de sobrevivência; o direito a esta é que pressupõe, como um fundamento constitutivo, a exclusão daquela possibilidade. III - Por essa razão, recai sobre quem pretenda o reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência o ónus de alegação e prova daquela impossibilidade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I A, intentou acção declarativa com forma ordinária contra o Centro Nacional de Pensões, pedindo que seja reconhecido que, no momento do óbito de B, beneficiário da segurança social, a Autora vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges. Para o efeito, alegou, em síntese, que viveu maritalmente com o referido B, tendo, até, em 1960, nascido um filho dessa relação, sendo que era o seu companheiro que suportava essencialmente as despesas de ambos e do filho, detendo o mesmo, à data da sua morte, em 17-11-91, a qualidade de beneficiário da segurança social. Contestando, o Centro Nacional de Pensões, além de impugnar os factos alegados pela A., arguiu a excepção dilatória de ilegitimidade, uma vez que, na sua óptica, a acção teria de ser intentada contra a herança do falecido - cfr. fls. 14 e seguintes. A Autora replicou, mantendo a posição anterior - fls. 24 e 25. Foi proferido despacho saneador que julgou a excepção procedente (fls. 46-47), o qual viria a ser revogado pelo Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 22-05-97, que julgou o Réu parte legítima - cfr. fls. 98 a 103. Organizados a especificação e o questionário, procedeu-se a audiência de julgamento e, decidida a matéria de facto, foi, em 17-09-99, proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o Réu do pedido - fls. 134 a 137. Inconformada, apelou a Autora, tendo, porém, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 19-06-2001, confirmado a sentença da 1ª instância, julgando improcedente o recurso. É desse acórdão que a Autora traz a presente revista, repetindo, ao alegar, quase na íntegra, o teor das alegações que formulara na antecedente apelação, concluindo, no essencial, o seguinte: 1. A atribuição das prestações por morte às pessoas que se encontram na situação prevista no artigo 2000º, nº 1, do Código Civil, depende de sentença judicial que lhe reconheça o direito a alimentos da herança do falecido, ou do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção declarativa interposta, com essa finalidade, contra a instituição de segurança social competente, no caso de não ser reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança (artigos 8º do D.L. nº 322/90, de 18 de Outubro e 3º, nºs 1 e 2, do D.R. nº 1/94, de 18 de Janeiro). 2. Nos termos do nº 2 do artigo 2020º do Código Civil, o direito a alimentos da herança caduca se não for exercido nos dois anos subsequentes à data da morte do autor da sucessão. 3. A ora apelante só poderia observar o disposto no nº 1 do artigo 3º do DR nº 1/94, se o autor da herança não tivesse morrido há mais de dois anos aquando da publicação daquele diploma legal - o que não aconteceu. 4. Com base no nº 2 do artigo 3º do DR nº 1/94, o direito às prestações por morte "(...) depende do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção declarativa interposta, com essa finalidade, contra a instituição de segurança social competente para a atribuição das mesmas prestações", não só nos casos em que não é reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança, mas, por maioria de razão, também no caso de ter caducado o direito a alimentos da herança do falecido, como resulta da interpretação extensiva daquela norma. 5. Julgada provada e procedente a presente acção declarativa de simples apreciação proposta contra o Centro Nacional de Pensões, (...) irá resultar um "prejuízo" para o Centro Nacional de Pensões, isto é, a recorrente terá direito ao pagamento das prestações por parte do Centro. 6. Ora, pelo factos invocados, a apelante (1) não pode, nem poderá, lançar mão do nº 1 do artigo 3º do DR nº 1/94. 7. Deve ser feita uma interpretação extensiva do preceituado no artigo 3º, nº 1, do DR nº 1/94. Se assim não for, qualquer pessoa que se encontre na situação da recorrente, isto é (...) tendo operado a caducidade do direito a que se refere o nº 1 do artigo 2020º do C.C. antes da entrada em vigor daquele DR, não poderá beneficiar jamais das prestações por morte (...). 8. O Tribunal da Relação não podia entender que para a acção proceder a recorrente tinha de alegar e demonstrar que não pode obter alimentos da herança do falecido através dos familiares referidos nas als. b), c) e d) do artigo 2009º do C.C. (...) É de concluir que o legislador quis atribuir o direito da recorrente às prestações por morte do seu companheiro sem fazer depender tal direito da impossibilidade de obter alimentos nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º do C.C. 9. Aliás, tal não poderia ser, pois: a) se a recorrente pudesse obter alimentos através dos familiares referidos nas alíneas b) a d) do artigo 2009º, jamais lhe seriam atribuídas as prestações por morte do seu companheiro já que não obteria sentença judicial que lhe viesse a reconhecer o direito a alimentos da herança do falecido, nos termos do artigo 2020º; b) no caso "sub judice", mesmo que a recorrente não conseguisse obter alimentos através dos familiares referidos nas als. b) a d) do artigo 2009º, também não poderia obter sentença judicial que lhe viesse reconhecer o direito a alimentos da herança do falecido por o seu direito a alimentos da herança ter caducado (...). 10. Acresce que o nº 2 do artigo 3º do DR (...) só contempla a possibilidade de não ser reconhecido o direito a alimentos da herança do falecido, "com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança", nada sendo dito quanto à parte final do artigo 2020º do C.Civil. 11. Assim, a douta sentença (2) recorrida viola a lei por errada interpretação e aplicação da lei substantiva, ou seja, do disposto nos artigos 9º e 2020º do C. Civil; 8º, nº 1, do DL nº 322/90, de 18 de Outubro, e 2º e 3º do DR nº 1/94, de 18 de Janeiro. Contra-alegando, o Réu pugna pela manutenção do julgado - fls. 179 e seguintes. II São os seguintes os factos dados como provados: 1 - A Autora nasceu a 6 de Janeiro de 1923 e nunca foi casada; 2 - B nasceu a 20 de Janeiro de 1931 e manteve, por toda a sua vida, o estado de solteiro; 3 - Da relação mantida entre a Autora e B existe um filho, de nome C, nascido a 30 de Julho de 1960; 4 - O B faleceu em 17 de Novembro de 1991; 5 - B era beneficiário do Centro Nacional de Pensões com o nº 109426946; 6 - O último arrendamento que fizeram data de 1 de Julho de 1963, tendo-se o contrato mantido ao longo dos anos; 7 - À data da morte do seu companheiro ainda estava em vigor; 8 - A Autora vivia, desde, pelo menos, 1958, com o B; 9 - Pernoitavam sempre juntos; 10 - Faziam as refeições em conjunto; 11 - A Autora lavava e zelava pelas roupas do seu companheiro, estando a seu cargo a realização de todas as lides domésticas; 12 - Ambos criaram o filho e cuidaram da sua educação; 13 - Passeavam juntos; 14 - Viveram sempre juntos e em casa arrendada; 15 - As despesas inerentes à alimentação, vestuário e demais encargos domésticos de ambos os filhos eram suportados, essencialmente, pelo B; 16 - Que exercia a profissão de marmorista; 17 - A Autora exercia a profissão de padeira e auferia da mesma rendimentos não concretamente apurados de baixo valor; 18 - A partir do momento em que se reformaram, a Autora e o B continuaram a dispor de rendimentos de baixo valor para as despesas emergentes da vida em comum que mantinham; 19 - Nos últimos tempos de vida do seu companheiro, face à doença prolongada que o atingiu, a Autora diligenciou pelo seu tratamento e cuidados médicos, dando-lhe toda a assistência como se casados fossem; 20 - Todos os vizinhos os consideravam como casados. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. III Nota prévia Poder-se-ia colocar, como questão prévia, o problema de conhecer das consequências resultantes da repetição quase textual das conclusões das alegações da presente revista relativamente ao teor das conclusões apresentadas nas alegações da apelação. A jurisprudência deste S.T.J. divide-se entre considerar que "a simples repetição formal da alegação do recurso de apelação reconduz-se a falta de objecto do recurso" e entender que tal reprodução se traduz em mera irregularidade - cfr., no primeiro sentido, os acórdãos de 28-11-96, processo nº 401/96, e de 06-03-97, processo nº 319/96, ambos da 2ª Secção, e, no segundo sentido, o acórdão de 20-02-97, processo nº 587/96, também da 2ª Secção. De todo o modo, no presente caso, é manifesta a falta de procedência das razões alegadas pela recorrente. A qual, diga-se a título incidental, não se deu ao esforço de adaptar o conteúdo das suas alegações em termos que melhor pudessem responder à fundamentação do acórdão impugnado, continuando a sustentar a tese que vinha defendendo nos autos - a respeito da alegada caducidade do direito a alimentos da herança do falecido e da necessidade de se proceder a uma interpretação extensiva do disposto no artigo 3º do DR nº 1/94, de 18 de Janeiro -, sem se aperceber, de que eram outras as razões da inevitável improcedência da sua pretensão. Em face da clareza da questão e da manifesta falta de procedência das razões alegadas pela recorrente, poderia, muito simplesmente, fazer-se uso do mecanismo previsto no artigo 713º, n.º 5, do CPC, remetendo-se para os fundamentos do acórdão impugnado. Com efeito, a decisão recorrida, em sentido diverso do defendido pela recorrente, equacionou bem a solução jurídica do caso sub judice e interpretou e aplicou correctamente as normas pertinentes à situação em apreço. A sua fundamentação é clara e merece acolhimento. Nenhuma questão ficou por responder. Verifica-se, assim, o condicionalismo dos artigos 713º, n.º 5, e 726º, ambos do Código de Processo Civil No entanto, tendo presente o desejável objectivo de que não subsistam dúvidas, poderá justificar-se a produção de uma reflexão complementar, mediante a elaboração de algumas considerações adicionais. Atento o exposto, passaremos de imediato à apreciação da questão dos pressupostos do reconhecimento da titularidade do direito à pensão por parte do sobrevivente de união de facto. 1 - O Decreto-Lei nº 322/90, de 18 de Outubro, definiu a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social (artigo 1º, nº 1). A protecção por morte dos beneficiários activos ou pensionistas é realizada mediante a atribuição das prestações denominadas pensões de sobrevivência e subsídio por morte (artigo 3º, nº 1). Acerca da "titularidade do direito às prestações", depois de, no artigo 7º, se estabelecer que a mesma é reconhecida às seguintes pessoas: (a) cônjuges e ex-cônjuges; (b) descendentes, ainda que nascituros, incluindo os adoptados plenamente; (c) ascendentes, o artigo 8º, sob a epígrafe "Situação de facto análoga à dos cônjuges", prescreve o seguinte: 1. O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no nº 1 do artigo 2020º do Código Civil. 2. O processo de prova das situações a que se refere o nº 1, bem como a definição das condições de atribuição das prestações, consta de decreto regulamentar. Desincumbindo-se de tal tarefa, veio a ser publicado o Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18 de Janeiro, cujo artigo 3º, sob a epígrafe "Condições de atribuição", prescreve o seguinte: 1. A atribuição das prestações às pessoas referidas no artigo 2º fica dependente de sentença judicial que lhes reconheça o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do disposto no artigo 2020º do Código Civil. 2. No caso de não ser reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações depende do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção declarativa interposta, com essa finalidade, contra a instituição de segurança social competente para a atribuição das mesmas prestações. Nos termos do artigo 4º, "para os efeitos previstos no Decreto-Lei nº 322/90", as pessoas que se encontrem nas condições estabelecidas no artigo 3º, consideram-se equiparadas a cônjuge. Por sua vez, o requerimento das prestações por morte, a conceder ao abrigo do disposto no diploma em causa, deve ser acompanhado de certidão da sentença judicial que fixe o direito a alimentos ou declare a qualidade de titular das prestações por morte - artigo 5º. 2 - No texto do citado artigo 3º do Decreto Regulamentar nº 1/94 prevêem-se duas acções. A distinção entre essas duas acções reside em que, na do nº 1, intentada contra a herança do companheiro de facto, deveria pedir-se o reconhecimento do direito a alimentos e o pagamento da respectiva pensão, o que depende da prova de capacidade financeira dessa herança e, na do nº 2, proposta contra a instituição de segurança social, deveria alegar-se e provar-se a incapacidade da herança para a prestação de alimentos, limitando-se a sentença à declaração da qualidade do autor como titular das prestações por morte de que era beneficiário o companheiro de facto. Ou seja, nesta perspectiva, o requerente teria que propor uma acção com a finalidade de a mesma improceder, o que corresponderia a ter de propor previamente uma acção sem real interesse em agir. O que corresponderia à ofensa dos elementares princípios de economia processual, celeridade e eficácia. Daí a desnecessidade de propositura de duas acções. Como se explica no Acórdão deste STJ de 9 de Fevereiro de 1999, "a sentença a apresentar para obter a pensão do Centro Nacional de Pensões será a que fixe o direito a alimentos ou que declare que o autor tem direito a eles, sendo desnecessário propor duas acções: uma de condenação da herança, contra esta, e outra de reconhecimento do direito a alimentos contra o Centro Nacional de Pensões" (3). Diga-se, a propósito, que esta temática já tinha sido objecto de considerações pertinentes por parte do acórdão recorrido. Resulta do exposto a irrelevância das considerações, por demais repetidas pela recorrente, a respeito da impossibilidade de lançar mão da medida prevista pelo nº 1 do artigo 3º do DR nº 1/94, de 18 de Janeiro e, bem assim, da alegada caducidade do direito a alimentos da herança do falecido. Dir-se-á apenas não fazer sentido nem ter justificação falar-se de caducidade, na medida em que não se trata de exigir alimentos da herança, mas de ver reconhecido ou declarado esse direito. Trata-se, porém, de matéria que foi também abordada com desenvolvimento e pertinência pelo acórdão sob impugnação, para que ora se remete nos termos dos artigos 713º, nº 5, e 726º do CPC. 3 - Resulta das disposições enunciadas que o direito a prestações por morte de beneficiário, pela pessoa que com ele vivia em situação de união de facto, não depende apenas da prova dessa situação, exigindo-se a prova de todos os requisitos previstos no artigo 2020º, nº 1, do Código Civil: a vivência de duas pessoas de sexo diferente, em condições análogas às dos cônjuges, verificação dessa situação na altura do falecimento do beneficiário das prestações sociais e desde há mais de 2 anos; ser essa pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens; e não poder a pessoa sobreviva obter alimentos do seu cônjuge, descendente, ascendente ou irmãos, para além do requisito geral da carência ou necessidade dos alimentos (4). Como se concluiu no Acórdão de 9 de Fevereiro, já citado, o direito às prestações por morte do beneficiário da segurança social, por parte de quem vivia com ele em união de facto, depende da verificação dos pressupostos do artigo 2020º do C.C. E então, das duas, uma: ou se reconhece o direito a alimentos da herança e se condena esta a prestá-los, dada a impossibilidade de os obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º; ou se reconhece a necessidade de alimentos mas a impossibilidade ou insuficiência da herança para os satisfazer. Quer num caso quer no outro, o requerente está então habilitado à pensão de sobrevivência (5). Assim, importa concluir que os pressupostos do reconhecimento da titularidade do direito à pensão de sobrevivência por banda do sobrevivente de união de facto são factos constitutivos (positivos e negativos) do respectivo direito. Logo, o ónus da respectiva prova cabe a quem invoca a titularidade desse direito (artigo 342º, nº 1, do C.C.). A impossibilidade de prestação de alimentos por parte das pessoas a tal legalmente vinculadas (artigo 2009º do C.C.) é, assim, não obstante se configurar como um facto negativo, um elemento constitutivo, em caso de união de facto juridicamente relevante, quer do direito a alimentos da herança do falecido, quer do direito à pensão de sobrevivência. Assim, a respectiva demonstração compete a quem invoca tal direito. Como resulta da intencionalidade das normas dos artigos 2020º do Código Civil, 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 322/90, e 1º e 3º do Decreto Regulamentar nº 1/94, aquela impossibilidade - de obtenção de alimentos das pessoas a tal obrigadas - é pressuposto do direito a alimentos da herança e o direito a estes ou a impossibilidade da herança de os prestar são momentos constitutivos do direito à pensão de sobrevivência. 4 - O direito à pensão de sobrevivência no caso de união de facto estável assenta, pois, num reconhecimento judicial, seja do direito a alimentos da herança, seja da necessidade de alimentos e da impossibilidade ou insuficiência de a herança os prestar. Não é a mera realidade sociológica da convivência em condições análogas às dos cônjuges durante, pelo menos, dois anos até à data da morte que confere o direito à pensão de sobrevivência ou às prestações por morte, exigindo ainda a lei a frustração - em primeira linha, relativamente às pessoas a que se referem as alíneas a) a d) do artigo 2009º, ou, subsidiariamente, em relação à herança - da concretização da obrigação alimentar. A possibilidade de prestação de alimentos por parte das pessoas a tal obrigadas não constitui, pois, contra-norma impeditiva daquele direito à pensão de sobrevivência: o direito a esta é que pressupõe, como seu fundamento constitutivo, a exclusão daquela possibilidade (6). Razão por que o ónus da respectiva alegação e prova recai sobre quem pretenda o reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência. 5 - Para isso deveria a Autora ter alegado factos integradores dessa impossibilidade, bem como da carência efectiva de alimentos (7) e da impossibilidade de os obter pelos seus próprios meios. Foram, aliás, esses o sentido e a intencionalidade das decisões das instâncias. O certo é que a Autora não alegou nem fez prova de factos que permitissem concluir acerca da impossibilidade de obter alimentos pelos seus próprios meios ou sobre a inexistência ou insuficiência de bens da herança. Por outro lado, devendo ser demonstrada a impossibilidade de prestação de alimentos por parte das pessoas indicadas nas referidas alíneas do artigo 2009º, e sendo esse um juízo conclusivo a extrair de factos concretos, deveriam ser alegados esses factos concretos e concludentes que, uma vez provados, permitiriam fundamentar tal juízo conclusivo de impossibilidade. Ora, a Autora e recorrente, não alegou tais factos. Improcedem, pois, as conclusões da Recorrente, não se verificando, por outro lado, ao contrário do que alega, qualquer violação das normas legais enunciadas. Termos em que se nega a revista. Custas a cargo da Recorrente. Lisboa, 9 de Abril de 2002 Garcia Marques, Ferreira Ramos, Pinto Monteiro. ------------------------------------------------- (1) - Trata-se de lapso manifesto resultante do facto de a Recorrente ter decalcado praticamente na íntegra o conteúdo das conclusões que oferecera na apelação. (2) - Pelas razões expostas na nota anterior, escreveu-se "sentença" em vez de "acórdão". (3) - Cfr. Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano VII, 1999, Tomo I, págs. 89 e segs. (4) - Acerca dos requisitos de cuja verificação cumulativa depende a concessão do direito a alimentos, veja-se Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1995, volume V, pág. 620.) (5) - Neste sentido, cfr. o Acórdão de 25 de Janeiro de 2000, da Relação de Évora, proferido no Processo nº 1948/00. (6) - Também no Acórdão do STJ de 29 de Junho de 1995 (CJSTJ, Ano III, 1995, Tomo II, págs. 147 e segs.), se concluiu que "é ao pretendente da pensão de sobrevivência que cabe o ónus de prova não só da união de facto com o titular do direito à pensão de reforma por tempo superior a dois anos, como ainda da carência efectiva a prestação de alimentos e da impossibilidade de os obter das pessoas obrigadas a essa prestação". Veja-se também o Acórdão deste STJ de 7 de Novembro de 1991, in BMJ, nº 411º, pág. 565. (7) - Como se sabe, os alimentos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade de quem houver de recebê-los (artigo 2004º, nº 1, do C. Civil). |