Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | OLIVEIRA ROCHA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE BANCÁRIA BANCO CONVENÇÃO DE CHEQUE ASSINATURA FALSIFICAÇÃO DEVER DE DILIGÊNCIA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR | ||
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Nº do Documento: | SJ200803070018502 | ||
Data do Acordão: | 03/07/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - O banco depositário deve arcar com os prejuízos decorrentes do pagamento de cheques com a assinatura falsificada do sacador. II - Pode, porém, subtrair-se a tal responsabilidade se conseguir provar que agiu sem culpa (ou seja, que usou toda a diligência que um qualquer banqueiro usaria nas circunstâncias do caso concreto) e que foi a conduta negligente do depositante que contribuiu decisivamente para o irregular pagamento verificado. III - A similitude entre a assinatura da ficha de assinaturas arquivada no banco e aquela que foi aposta no cheque adulterado não significa, por si só, que a falsificação se possa considerar como perfeita, ao ponto de não ser possível detectá-la e de, assim, afastar-se a culpa do sacado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA" intentou a presente acção, com processo comum sob a forma de processo ordinário, contra a "". Pede que se condene a ré a pagar-lhe € 76.000,00, acrescidos de juros vencidos e vincendos às taxas legais, desde 8-3-2005 e até pagamento. Para tanto, e em síntese, alega ser titular de conta de depósito na ré e ter-se o seu motorista apropriado, indevidamente, de três cheques dessa conta, falsificando, grosseiramente, a assinatura daquele e obtendo o pagamento da quantia de € 76.000,00, de que se mostra desapossado. Regularmente citada, contestou a ré, dizendo, que as assinaturas são semelhantes; que o motorista do autor efectuou, por diversas vezes, o levantamento de cheques, tendo acesso àqueles e ao saldo da respectiva conta. Conclui, pedindo a absolvição do pedido. A autora replicou. Saneado, instruído e julgado o processo, foi preferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 38.000,00, acrescida de juros de mora. Inconformados, tanto o autor como a ré recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa. O autor agravou, ainda, do despacho que indeferiu parcialmente a prova pericial às assinaturas apostas nos cheques. Este tribunal superior, por acórdão de 8.1.2008, negou provimento ao agravo e à apelação da ré, mas julgou totalmente procedente a apelação do autor, tendo condenado a ré a pagar àquele a quantia de 76.000,00 €. Irresignada, a ré pede revista, tendo concluído a alegação do recurso pela seguinte forma: Inexiste culpa do Banco no que concerne ao pagamento do cheque de 72.000,00 € a BB; Efectivamente, foi o comportamento negligente do autor que possibilitou o pagamento daquele cheque; O autor confiou no seu motorista, que iniciara a respectiva relação laboral há um mês, confiando-lhe tarefas que exigem um grau de confiança elevado (o levantamento dos seus cheques pessoais, o acesso à assinatura que usava nos cheques), grau esse que não pode existir - pelo menos à luz das regras de experiência comum do homem médio -, quando o empregado em causa tinha tão pouco tempo de funções; No Acórdão em crise, não foi ponderada - e devia tê-lo sido, para determinar a responsabilidade do autor - a circunstância de o motorista deste, não obstante ter tão pouco tempo de serviço, poder aceder ao conhecimento da assinatura que o autor usava nos seus cheques, sendo certo que esta circunstância se verificou independentemente de se não ter apurado se o autor manteve ou não a bom recato quer os seus cheques quer os restantes elementos de informação bancária relacionados com a conta (v.g. os seus extractos com a informação do saldo médio), atendendo a que o autor confiava ao seu motorista a tarefa do levantamento dos cheques; O acesso por parte do motorista do autor à assinatura deste permitiu-lhe proceder à falsificação da mesma com um grau de precisão, que foi suficiente para iludir o funcionário bancário, que efectuou a conferência das assinaturas; Também se verificou incúria e negligência por parte do autor, porquanto, não obstante ter regressado de França a 30.06.2002, e de o seu motorista se ter ausentado para parte incerta do Brasil logo em 01.07.2002, não cuidou de verificar imediatamente se algo se passava com a sua conta bancária, atendendo a que o dito motorista era quem procedia, por diversas vezes, aos levantamentos dos seus cheques; Com efeito, só muito mais tarde, quando foi consultar o seu saldo, em 16.07.2002, é que detectou o débito do cheque de 72.000,00 €, sendo certo que se tivesse tido o cuidado de verificar o seu saldo logo que ocorreu o desaparecimento do seu motorista, teria tido hipótese de avisar o Banco e este teria igualmente a hipótese de cancelar o pagamento do cheque; Pelo seu lado, o Banco cumpriu com os deveres que decorrem do contrato de cheque, tendo procedido à análise comparativa entre a assinatura constante do cheque de 72.000,00 € e a assinatura constante da respectiva ficha de cliente e concluído que eram semelhantes; Não se afigura curial concluir - como o fez o Acórdão aqui impugnado - que existia uma divergência de tal forma notória entre as assinaturas, que, à vista desarmada, permitisse concluir pela existência da falsificação, atendendo a que, se assim fosse, nem sequer teria sido necessária a produção de prova pericial a esse respeito, o que não foi o caso; Acresce que não decorre nem consta no relatório do exame pericial que a divergência era de tal forma notória que era visível à vista desarmada; Por outro lado, o juízo constante do dito relatório tem subjacente a análise de elementos documentais que não estavam (nem é suposto estarem) à disposição do funcionário do Banco que efectuou a análise das assinaturas, tais como as duas folhas de autógrafos assinadas e redigidas pelo autor, elaboradas expressamente para o fim tido em vista com este exame pericial, bem como os 25 fac símiles de cheques disponibilizados também para esse fim, sendo igualmente certo que o juízo pericial a emitir nestes casos é sempre um juízo póstumo relativamente à ocorrência dos factos e quando já existe um litígio e uma dúvida instalada relativamente à autenticidade de assinaturas; Por outro lado, é um facto consabido que ninguém consegue fazer a assinatura duas vezes da mesma forma e que a escrita varia até consoante o estado de espírito em que a pessoa se encontra, quando está assinar; não é preciso estar doente nem ser idoso para efectuar uma assinatura trémula, basta que se esteja nervoso para a assinatura sair tremida, pouco consistente, sem um traçado preciso. Se a pessoa estiver sob comoção na altura de firmar a sua assinatura, esta não lhe sairá certamente com o mesmo grau de firmeza e de precisão que sairia se não estiver sob esse estado de espírito, o mesmo se passando se a pessoa estiver com pressa, ou se não efectuar a assinatura sobre uma superfície plana, ou ainda se utilizar esta ou aquela caneta, etc. Também não vinga a conclusão avançada no Aresto em crise de que o funcionário do Banco deveria ter efectuado um telefonema a certificar-se da genuinidade da assinatura do cheque em causa. Desde logo, porquanto este se convenceu que a assinatura do cheque era semelhante à da ficha e, depois, porque não existe nenhum dever, nem legal nem contratual, de contactar o cliente titular da conta para o questionar sobre a veracidade e genuinidade das assinaturas. Nem tal prática sequer se compadece com o comércio bancário hodierno, como, aliás, tem vindo a ser jurisprudencialmente e doutrinariamente reconhecido; Subsidiariamente, para o caso de se concluir pela bondade do aresto aqui em crise, deverá ser ordenada pelo STJ a ampliação da matéria de facto, ao abrigo do preceituado no art. 729º, n° 3, do CPC (na versão aplicável), atendendo a que o Tribunal da Relação fundamentou o seu Acórdão, expressando que nada se alegou nem provou no que concerne às concretas circunstâncias em que ocorreu o furto dos cheques, sendo que tal importava sobremaneira para se poder aquilatar da eventual co-responsabilidade do autor. Todavia, nada se provou relativamente a esta matéria tão somente porque ela nem sequer passou, aquando da laboração do douto despacho saneador, nem para os factos assentes nem para a base instrutória e sendo certo que tal matéria foi expressamente alegada pelo Banco no n° 18 da sua contestação, bem ao contrário do que se afirma no aresto aqui impugnado. O Acórdão recorrido fez, assim, uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 799° n°1, 769°, 770° e 476°, n° 2, do C.C. Nas contra-alegações, o autor pronuncia-se pela manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2. Estão provados os seguintes factos: O autor é titular da conta nº ... da Empresa-A, sedeada na Praça do Comércio, em Lisboa. A ré descontou os cheques infra enumerados da conta identificada: a) - o cheque nº ..., no valor de € 72.000, com data de 27-6-2002, à ordem de BB, que foi depositado na conta nº 0675/043350000 da agência da ré, no Largo do Rato, em Lisboa; b) - o cheque nº ..., no valor de € 2.000, com data de 28-6-2002, ao portador, que foi depositado na conta nº 10072 do Banco de Brasil; c) - o cheque nº ..., no valor de € 2.000, com data de 28-6-2002, ao portador, que foi depositado na conta nº 10072 do Banco de Brasil. O autor apresentou queixa crime, à qual foi atribuído o NUIPC 11840/02.6 da 5ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa, por furto e falsificação dos cheques identificados e burla, aí tendo sido deduzida acusação, cuja cópia consta a fls. 21. A assinatura do cheque aludido em a) foi visada pelo sub-gerente da agência da ré, na Praça do Comércio, na sequência de pedido nesse sentido, feito por fax, pela agência da ré sedeada no Rato. O autor remeteu à ré o doc. junto a fls. 42, datado de 16-7-2002, em que lhe comunicou que o levantamento do cheque aludido em a) só poderia ter sido efectuado por falsificação da assinatura ou por alteração do montante do cheque já assinado. Os cheques aludidos não foram preenchidos, assinados e sacados pelo autor. Os cheques aludidos haviam sido subtraídos ao autor pelo seu então motorista, que fora contratado pela entidade para que trabalha. O então motorista do autor preencheu, assinou e apresentou a depósito nas suas contas os cheques enumerados, à revelia do autor. E deixou de se apresentar ao serviço em 1-7-2002, tendo-se ausentado para parte incerta do Brasil. Em 16-7-2002, o autor deslocou-se à agência da ré, sita em A1gés, apercebendo-se do extravio ao solicitar o extracto de conta. As assinaturas do sacador dos cheques referidos apresentam similitudes com as que figuram na ficha de assinaturas da conta sacada. O funcionário da ré, depois de comparar a assinatura constante do cheque com a constante das fichas de assinaturas, entendeu que eram semelhantes. O motorista do autor, no âmbito das suas funções, por diversas vezes, efectuou o levantamento de cheques daquele. O motorista do autor conhecia o nível médio do saldo da conta do autor. Nos dias em que os cheques foram sacados, o autor encontrava-se em França, em trabalho, de onde regressou a 30-6-2002. 3. O Direito. Tendo em conta que as conclusões da alegação apresentada delimitam o objecto do recurso, são as seguintes as questões a decidir: - Foi o comportamento negligente do autor que possibilitou o pagamento do cheque de 72.000,00 € a BB? - Não é curial concluir-se que existia uma divergência de tal forma notória entre as assinaturas, que, à vista desarmada, permitia concluir pela existência da falsificação? - Subsidiariamente, para o caso de se concluir pela bondade do aresto aqui em crise, deverá ser ordenada pelo STJ a ampliação da matéria de facto, ao abrigo do preceituado no art. 729º, n° 3, do CPC? Na 1ª instância considerou-se que a ré suavizou os procedimentos no tocante aos levantamentos, pois que a assinatura presente nos cheques tem aspectos de diferença até a olho nu, mas também o autor tornou mais fácil a imprevidência do depositário, não mantendo os cheques a bom recato, atribuindo uma participação na culpa de 50% a cada uma das partes. No acórdão recorrido, pelo contrário, a culpa foi atribuída exclusivamente à ré. Importa, pois, determinar quem é o responsável pelos danos resultantes do pagamento, pelo sacado, de cheques falsificados. Pode definir-se cheque "como o escrito datado e assinado que leva a designação de cheque, através do qual uma pessoa ordena incondicionalmente a um banco ou outra instituição de crédito a tanto autorizada e onde tem provisão, que desembolse, à vista, a quantia nele inscrita" (Pinto Furtado, Títulos de Crédito, pág. 225). Na base da emissão de um cheque há duas relações jurídicas distintas: a relação de provisão e o contrato ou convenção de cheque. A 1ª pode consistir num depósito, numa abertura de crédito, numa conta corrente, num desconto, tendo como efeito caracterizador a disponibilidade de certos fundos que se conservam na posse do banco. A provisão aparece, assim, como requisito interno típico do cheque. Para o surgimento deste não basta apenas a provisão, é também necessário o contrato de cheque (v. Correia Gomes, A Responsabilidade civil dos bancos pelo pagamento de cheques falsos ou falsificados). Segundo Sofia Galvão, não há confusão possível entre contrato de cheque e relação de provisão. E justifica:"desde logo, porque pode estabelecer-se a relação de provisão sem que se convencione a utilização de cheques. Mas também porque, quando se celebra um contrato de cheque, tal implica um universo totalmente novo de direitos e deveres recíprocos que a relação de provisão nunca poderia por si explicar" (Contrato de Cheque, pág. 35). Também José Maria Pires distingue a disponibilidade de fundos e a convenção de cheque, sendo que a 1ª pode resultar de diversos contratos (depósitos, aberturas de crédito, empréstimos), registados em conta bancária, funcionando segundo as regras de escrituração da conta corrente, a 2ª, além do direito do sacador a dispor dos fundos provisionados e do correlativo dever do banco de os pagar, inclui outro direitos e outros deveres (O Cheque, pág. 29). O acórdão recorrido considerou que, na base da emissão de um cheque, há duas relações jurídicas distintas, uma - a relação de provisão e outra - a do contrato de cheque. Concordamos inteiramente com a consagração desta distinção. Igualmente concordamos com a posição consagrada de que em causa está a responsabilidade da ré por eventual incumprimento do contrato de cheque. Com efeito, só pela celebração deste contrato, o banco fica obrigado para com o cliente a pagar, aos eventuais interessados, os cheques que, por aquele, venham a ser emitidos, até ao limite da provisão. Correia Gomes, depois de caracterizar o contrato de cheque como um contrato de prestação de serviços, mais concretamente como um contrato de mandato sem representação (no mesmo sentido José Maria Pires, O Cheque, pág. 32 e sgs., e Sofia Galvão, obra citada, pág. 58 e sgs.), conclui que é no complexo de deveres recíprocos dele resultantes que se deve resolver a questão da responsabilidade pelo pagamento de cheques falsos e falsificados (obra citada, pág. 21 e sgs.). Posto isto, importa analisar a eventual responsabilidade da ré à luz dos pressupostos da responsabilidade civil contratual. Assim, para que recaia sobre o devedor a obrigação de indemnizar o prejuízo causado ao credor, é necessário que o não cumprimento lhe seja imputável; isto mesmo decorre do art. 798º do C. Civil. A ilicitude resulta da relação de desconformidade entre a vontade devida (a prestação debitória) e o comportamento observado (v. Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. II, 6ª ed. pag. 93). A culpa, na responsabilidade contratual, presume-se do devedor - art. 799º do C. Civil. A questão que ora se coloca é a de saber se a ré alegou e provou factos suficientes que permitam afastar a presunção legal de culpa. Para Correia Gomes, o banco, num caso como o dos autos, só se exime à responsabilidade total pelos prejuízos sofridos pelo cliente se: - conseguir provar que agiu sem culpa; - conseguir provar a culpa exclusiva do cliente; - provando-se negligência sua, se provar, igualmente, negligência do cliente (ob. cit., pag. 39). José Maria Pires é também da mesma opinião, na medida em que defende que “o banco depositário assume a responsabilidade pelos danos resultantes de um levantamento indevido derivado de documento falsificado, a não ser que o mesmo banco possa provar que o depositante agiu com dolo ou negligência”, caso em que a responsabilidade deve ser repartida entre depositante e o banco, segundo o grau de responsabilidade de cada um deles. Não deixa, contudo, de notar que a posição do banco se apresenta juridicamente menos protegida, na medida em que lhe compete o ónus da prova (Direito Bancário, II vol., pag. 334). Como dissemos, da celebração do contrato de cheque deriva uma obrigação recíproca de diligência das partes: cabe ao cliente a obrigação de guardar cuidadosamente a caderneta e de dar imediatamente notícia de uma eventual perda e ao banco a obrigação de cumprir as ordens do cliente e de zelar pelos seus interesses. O principal dever do banco é o dever de pagamento. Na sequência da celebração do contrato de cheque, o banco é obrigado a pagar os cheques apresentados, quando estes forem emitidos pelos clientes, quando para tanto forem utilizados impressos próprios e quando haja provisão. Mas, para além deste dever, outros há a realçar. Assim, o dever de rescindir o contrato de cheque sempre que a utilização indevida possa pôr em perigo o espírito de confiança que deve subjazer ao trânsito do cheque como meio de pagamento; o dever de esclarecer um terceiro que peça qualquer informação relativamente à existência do bloqueio ou revogação de cheques; o dever de verificar cuidadosamente os cheques que lhe são apresentados; o dever de observar a revogação do cheque (art. 32° da L.U.); o dever de não pagar em dinheiro o cheque para levar em conta (art. 39° da L.U.); o dever de informar o cliente/sacador sobre o destino e tratamento do cheque, especialmente sobre a pessoa do apresentador (v. Sofia Galvão, ob. cit., pág. 46 e sgs., Correia Gomes, ob. cit., pág. 12 e sgs.). Também José Maria Pires vai de encontro ao exposto ao dizer: "O sacado deve, antes de proceder ao pagamento do cheque, tomar algumas precauções, respeitantes umas ao próprio cheque em si, outras à provisão e outras ao portador. Em relação ao cheque, o sacado deve verificar a sua regularidade, mediante o exame do impresso e todos os requisitos do cheque; a averiguação da regular sucessão de endossos (não sendo obrigado a verificar a assinatura dos endossantes - art. 35° da L.U.); a conferência da assinatura do sacador, comparando-a com o espécime existente no banco. Quanto à provisão, o sacado deve verificar a sua existência, através do saldo da respectiva conta bancária. O sacado deve, pelo menos, em situações em que a segurança o aconselhe, identificar o portador" (Direito Bancário, 2° Volume, pág. 333). Ainda sobre este ponto especial, cremos que ser útil a leitura do Ac. do S.T.J., de 09 de Novembro de 2000 (Relator Cons. Lucas Ferreira de Almeida), o qual, apoiado em opiniões de doutrinadores nacionais e estrangeiros, sublinha que da convenção do cheque decorrem direitos e deveres recíprocos para o depositante e para o banqueiro, sendo que a responsabilidade decorrente da violação desses deveres deve ser suportada pelo contraente que tenha procedido culposamente. E, citando Pedro Fuzeta da Ponte (Da Responsabilidade Civil dos Bancos Decorrente do Pagamento de Cheques com assinaturas falsificadas, Revista da Banca, nº 31, pág. 65 a 81), sentenciou que, "em regra, devem ser os bancos depositários a arcar com os prejuízos decorrentes do pagamento de cheques com a assinatura falsificada do sacador, podendo, porém, subtrair-se a tal responsabilidade se conseguirem provar que agiram sem culpa e que foi a conduta negligente do depositante que contribuiu decisivamente para o irregular pagamento verificado" (cfr. C.J., Ano VIII, Tomo III, pág. 108 e ss.). A propósito da responsabilidade do banqueiro, nos dias de hoje, mas centralizando a sua atenção no mútuo, escreveu o saudoso e ilustre advogado CC: "É o Banqueiro um emprestador profissional especializado, não um mutuante qualquer, muito menos um amador ou aprendiz de feiticeiro...O Banqueiro por obrigação, mais do que ninguém, deve assegurar-se, por todos os meios ao seu alcance, do cabal e rigoroso exercício da actividade a que se votou" (Alguns Aspectos da Responsabilidade do Banqueiro 30 de Maio de 1985 - Temas de Direito Comercial, pág. 222). Estas judiciosas considerações valem também para a responsabilidade do banqueiro no que toca à diligência que deve ter decorrentes da celebração de um contrato de cheque, malgrado a natureza do comércio de massas relacionado com a emissão e pagamento de cheques (v. Ac. da Rel. de Lisboa – rec. 2971/05 – Relator Des. Urbano Dias e em que o ora Relator interveio como adjunto e que, nesta parte, seguimos de perto). Deste modo, também no cumprimento do contrato de cheque são exigíveis ao banqueiro a observância de deveres como contra partida das obrigações impostas ao cliente: estamos perante um contrato sinalagmático, ou seja, perante um contrato de que nascem obrigações para ambas as partes, unidas uma à outra por um vínculo de reciprocidade (Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, pág.485). Mas, incidindo a eventual responsabilidade da ré no incumprimento de um contrato de cheque, o certo é que sobre ele recai necessariamente uma presunção de culpa. A culpa do devedor é apreciada nos termos gerais da responsabilidade civil (nº 2 do art. 799° do C. Civil), o que significa que vigoram para a responsabilidade contratual tanto os critérios de fixação de imputabilidade estabelecidos no art. 488°, como o princípio básico de que a culpa do devedor se mede em abstracto, tendo como padrão a diligência típica de um bom pai de família e não em concreto, de acordo com a diligência habitual do obrigado (Antunes Varela, Direito das Obrigações, Vol. II, 6ª ed., pág. 98 e sgs.). De tudo isto decorre que a ré, como vista a afastar a sua responsabilidade, teria de fazer a prova de que usou de toda a diligência que é exigida a uma pessoa normal, tendo como padrão a conduta de uma pessoa "medianamente cuidadosa, atendendo à especialidade das diversas situações", sendo que "por homem médio" não se entende o puro cidadão comum, mas o modelo de homem que resulta do meio social, cultural e profissional daquele indivíduo concreto, isto é, "o homem médio que interfere como critério da culpa é determinado a partir do círculo de relações em que está inserido o agente" (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., pág. 535). Ou seja, sobre a ré impendia o ónus de provar que usou toda a diligência que um qualquer banqueiro usaria nas circunstâncias a que os presentes autos se reportam. Será que o fez? Voltando ao caso dos autos, e relativamente aos cheques nº ..., no valor de € 2.000, com data de 28-6-2002, e cheque nº ...., no valor de € 2.000, com data de 28-6-2002, a ré não verificou sequer a veracidade das assinaturas por confronto com a existente na ficha arquivada, conforme alega na contestação e é sublinhado no acórdão recorrido. Já quanto ao cheque nº ..., no valor de € 72.000, com data de 27-6-2002, está provado que a assinatura do mesmo foi visada pelo sub-gerente da agência da ré, na Praça do Comércio, na sequência de pedido nesse sentido, feito por fax, pela agência da ré sedeada no Rato, o qual, depois de comparar a assinatura constante do cheque com a constante das fichas de assinaturas, entendeu que eram semelhantes. Mais se provou que as assinaturas do sacador dos cheques referidos apresentam similitudes com as que figuram na ficha de assinaturas da conta sacada. Consideraram as instâncias, citando o relatório do exame de escrita, que a observação da escrita das assinaturas contestadas do autor, no seu aspecto geral, revela um traçado pouco fluente, hesitante e com levantamentos de pena anormais no desenho das letras aí referidas, enquanto que, pelo contrário, as assinaturas genuínas daquele exibem um traçado fluente. Consta, ainda, do mesmo relatório que, em face disso, se procedeu ao exame comparativo entre a escrita das assinaturas contestadas e das genuínas, partindo dos elementos gerais para os de pormenor, no sentido de se verificar se, para além dos indícios de falsificação observados, os hábitos gráficos estão ou não presentes na escrita das assinaturas contestadas, tendo-se concluído considerar como muitíssimo provável a verificação da hipótese de a escrita das assinaturas contestadas do autor, apostas nos três cheques, não ser do seu punho. Quer dizer, apesar das similitudes entre as assinaturas do sacador dos cheques com as que figuram na ficha de assinaturas da conta sacada e do facto de a assinatura do cheque nº ..., no valor de € 72.000, com data de 27-6-2002, ter sido visada pelo sub-gerente da agência da ré, na Praça do Comércio, não significa, automaticamente, que a ré tenha procedido com toda a cautela antes do pagamento do cheque. Similitude de assinaturas não significa que a falsificação se possa considerar como perfeita, ao ponto de não ser possível detectá-la. E tanto assim é que a assinatura constante dos cheques e a genuína tem aspectos de diferença, como se conclui no relatório pericial e é referido pelas instâncias, ao ponto de “a simples comparação das assinaturas em questão, a olho nu, sem a utilização de qualquer equipamento específico, logo revelava estar-se na presença de traçados bem distintos”. Este facto e a circunstância de se tratar de um cheque de valor bastante avultado deveria alertar o funcionário incumbido de validar a assinatura a usar de cuidados acrescidos, sendo certo também, como refere o acórdão recorrido, que o facto de a assinatura ter sido transmitida por fax, o que tende a distorcer a imagem real do que se transmite, não pode desculpabilizar a ré. Podemos, portanto, concluir que a recorrente não logrou afastar a sua presunção de culpa. Mas será que ficou provada a negligência do recorrido, porque confiou no seu motorista, que iniciara a respectiva relação laboral há um mês, atribuindo-lhe tarefas que exigem um grau de confiança elevado, podendo aceder ao conhecimento da assinatura que o autor usava nos seus cheques e permitindo-lhe proceder à falsificação da mesma? Como se verificou incúria e negligência por parte do autor, porquanto, não obstante ter regressado de França a 30.06.2002 e de o seu motorista se ter ausentado para parte incerta do Brasil, logo em 01.07.2002, não cuidou de verificar imediatamente se algo se passava com a sua conta bancária, atendendo a que o dito motorista era quem procedia, por diversas vezes, aos levantamentos dos seus cheques? Da matéria de facto assente apenas decorre que os cheques aludidos haviam sido subtraídos ao autor pelo seu então motorista e que os preencheu, assinou e apresentou a depósito nas suas contas, à revelia do autor, numa altura em que este se encontrava em França, em trabalho, de onde regressou a 30-6-2002. Mais se provou que esse motorista conhecia o nível médio do saldo da conta do autor e que, no âmbito das suas funções, por diversas vezes, efectuou o levantamento de cheques deste, tendo deixado de se apresentar ao serviço em 1-7-2002, ausentando-se para parte incerta do Brasil. Contudo, vendo esta matéria factual e procurando surpreender nela uma actuação culposa do autor no cumprimento do seu dever de guardar cuidadosamente a caderneta, não a encontramos. Na verdade, estes factos, só por si, não permitem determinar as circunstâncias em que se deu a subtracção dos cheques pelo motorista do autor e como acedeu à assinatura deste e a falsificou ou como tomou conhecimento do nível médio do saldo da conta do recorrido. O facto de o motorista ter, no âmbito das suas funções, por diversas vezes, efectuado o levantamento de cheques do autor também não se reveste de relevância, precisamente porque se desconhecem as circunstâncias em que se deu o furto dos cheques. Nem releva o facto de não ter verificado se algo se passava com a sua conta bancária logo que o motorista se ausentou para o Brasil, por um lado, porque não está provado que o autor tivesse, desde logo, conhecimento das razões da ausência ao serviço do seu motorista e, por outro, porque no mesmo dia em que se apercebeu do extravio dos cheques, comunicou à ré que o levantamento do cheque nº ... só poderia ter sido efectuado por falsificação da assinatura ou por alteração do montante do cheque já assinado. Finalmente, pede a recorrente ampliação da matéria de facto, ao abrigo do preceituado no art. 729º, n° 3, do CPC, atendendo a que o Tribunal da Relação fundamentou o seu Acórdão, expressando que nada se alegou nem provou no que concerne às concretas circunstâncias em que ocorreu o furto dos cheques, sendo que tal importava sobremaneira para se poder aquilatar da eventual co-responsabilidade do autor. Todavia – continua a ré -, nada se provou relativamente a esta matéria tão somente porque ela nem sequer passou para os factos assentes ou para a base instrutória, apesar de expressamente alegada pelo Banco no n° 18 da sua contestação. Como é sabido, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, aplica definitivamente aos factos fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico que julgue aplicável (art. 729º, nº1, do CPC). Consequentemente, não conhece de matéria de facto, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (arts. 729º, nº 2 e 722º, nº 2, do mesmo diploma). É que, sem qualquer dúvida, cabe às instâncias apurar a factualidade relevante, sendo que na definição da matéria fáctica necessária para a solução do litígio, a última palavra cabe à Relação. Daí que, a tal propósito, a intervenção do Supremo Tribunal se apresente como residual e apenas destinada a averiguar da observância de regras de direito probatório material – art. 722º, nº 2 – ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto – art. 729º, nº 3. Com o devido respeito, entendemos que não se verifica, no nosso caso, qualquer das situações aludidas nestas disposições legais. De resto, no art. 18º da contestação alegou a ré o seguinte: “Competia ao A. guardar os cheques, que requisitou à R. para movimentação da conta, em lugar seguro e controlar o seu uso”. Ora o que a ré pretende levar à base instrutória, como bem refere o recorrido, não é um facto, mas uma conclusão. Facto é o acontecimento ou circunstância exterior que pode reportar-se ao passado ou ao presente e deve ser concretizado e definido, no espaço e no tempo, apresentando-se no processo com as características de objecto, seja na alegação processual, seja da prova feita em juízo (Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, pág. 44). Improcedem, portanto, todas as conclusões da alegação do recurso. 4. Face ao exposto, decide-se negar a revista. Custas pelo recorrente, Lisboa, 07-03-2008 Oliveira Rocha Oliveira Vasconcelos Serra Baptista |