Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JÚLIO GOMES | ||
| Descritores: | RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA FATOR DE BONIFICAÇÃO INCAPACIDADE PRINCÍPIO DA IGUALDADE | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | I. A previsão de um regime mais favorável para os sinistrados com idade igual ou superior a 50 anos, não é desrazoável ou arbitrária, por assente nas características do mercado de trabalho e da mais difícil inserção neste dos trabalhadores com idade superior a 50 anos. II. Tais razões valem tanto quando o sinistrado tem 50 anos à data da alta, como quando atinge, entretanto, essa idade. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 141/13.4TTFUN.2.L1.S1 Acordam, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, Zurich Insurance Europe AG – Sucursal em Portugal, Ré no presente processo emergente de acidente de trabalho, em que é Autor/ Sinistrado AA, veio interpor recurso de revista do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10.07.2025, que incidiu sobre a Sentença de 30.12.2024 e decidiu sobre o mérito do incidente de revisão de incapacidade. No âmbito do presente processo foi fixada ao sinistrado, por Sentença de 06.05.2018, uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de 29,776%, desde 3 de Setembro de 2013; e atribuída, em consequência, a pensão anual e vitalícia no valor global de € 6.831,66, sendo da responsabilidade da seguradora a quantia de € 6.676,80 e da responsabilidade da entidade patronal a quantia de € 154,86 donde deriva a proporção, respetivamente, de 97,7333% e de 2,2667%. Foi-lhe, ainda, atribuído o subsídio por elevada incapacidade permanente no valor de € 3.970,83, sendo da responsabilidade da seguradora a quantia de € 3.880,82 e da responsabilidade da entidade empregadora a quantia de € 90,01 (tendo sido aplicada idêntica proporção à relevada para a pensão anual e vitalícia). O sinistrado suscitou o presente incidente de revisão, tendo sido realizado o exame médico-legal a que alude o artigo 145º, nº 1 a 4, do Código de Processo do Trabalho, o qual concluiu não existir agravamento clínico de sequelas, mantendo a incapacidade permanente parcial de 29,97%, com IPATH. Realizada Junta Médica, foi emitido laudo unânime concluindo, não ter havido agravamento da incapacidade, mantendo a incapacidade permanente parcial de 29,97%, com IPATH. Por Sentença de 30.12.2024 foi decidido o seguinte: “Pelo exposto, e nos termos dos fundamentos de facto e de direito supra mencionados, decido: a) Julgar improcedente, por não provada, a revisão de incapacidade fixada ao sinistrado AA mantendo a pensão fixada por força da incapacidade permanente para o trabalho habitual de 29,776%, que lhe foi atribuída. b) Condenar a Companhia de Seguros a assegurar ao sinistrado consulta de cirurgia vascular, de psiquiatria e medicação, a definir pelo médico assistente.”. O Sinistrado interpôs recurso de apelação. A Ré contra-alegou. O Tribunal da Relação de Lisboa, por aplicação da jurisprudência com valor reforçado do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 16/2024, de 22 de maio de 2024, publicado no DR n.º 244/2024, Série I, de 17 de dezembro de 2024, decidiu o seguinte: “Por tudo quanto se deixou exposto: a) julga-se improcedente a nulidade da sentença; b) nega-se provimento ao recurso; c) oficiosamente, reconhece-se ao sinistrado, por ter perfeito 50 anos de idade em ... de ... de 2023, a IPP de 44,664% (29.776% x 1.5), com IPATH, condenando-se a seguradora e a entidade empregadora a pagar-lhe, desde a referida data, a pensão anual e vitalícia de € 8.236,97 (oito mil duzentos e trinta e seis euros e noventa e sete cêntimos), sendo € 8.050,26 (oito mil e cinquenta euros e vinte e seis cêntimos) a cargo da seguradora e € 186,71 (cento e oitenta e seis euros e setenta e um cêntimos), a cargo da empregadora, pensão essa atualizada, desde 1 de Janeiro de 2024, para o valor de € 8.731,19 (oito mil setecentos e trinta e um euros e dezanove cêntimos), sendo € 8.533,28 (oito mil quinhentos e trinta e três euros e vinte e oito cêntimos) a cargo da seguradora e € 197,91 (cento e noventa e sete euros e noventa e um cêntimos) a cargo da empregadora, e, desde 1 de Janeiro de 2025, para o valor de € 8.958,20 (oito mil novecentos e cinquenta e oito euros e vinte cêntimos), sendo € 8.755,14 (oito mil setecentos e cinquenta e cinco euros e catorze cêntimos) a cargo da seguradora e € 203,06 (duzentos e três euros e seis cêntimos) a cargo da empregadora, e a pagar-lhe a quantia de € 644,25 (seiscentos e quarenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos), a título de subsídio por elevada incapacidade, sendo € 629,65 (seiscentos e vinte e nove euros e sessenta e cinco cêntimos) da responsabilidade da seguradora e € 14,60 (catorze euros e sessenta cêntimos) da responsabilidade da empregadora, sendo que sobre todas as prestações incidem juros de mora, vencidos e vincendos, nos moldes definidos em V.4.3.; d) fixa-se ao incidente o valor de € 112.963,57 (cento e doze mil novecentos e sessenta e três euros e cinquenta e sete cêntimos).”. A Ré Zurich Insurance Europe AG – Sucursal em Portugal interpôs recurso de revista. O seu recurso apresenta as seguintes Conclusões (negritos, itálicos e sublinhados no original): “A – A Recorrente não se conforma com a decisão de fixar ao sinistrado a IPP de 44,664%, por aplicação do fator de bonificação de 1.5 previsto na alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da T.N.I. aprovada em anexo ao Decreto-Lei nº 352/2007, de 23/10, à IPP de 29,776% de que o mesmo é portador, exclusivamente com fundamento em o mesmo ter perfeito 50 anos de idade em 16 de Março de 2023, ainda que não tenha ocorrido agravamento das sequelas do acidente de trabalho. B – Para assim decidir, o douto acórdão recorrido aplicou ao caso sub judicio a doutrina plasmada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência nº 16/2024, publicado no Diário da República, 1ª Série, de 17/12/2024, considerando que, tendo o sinistrado atingido os 50 anos de idade em ........2023, a desvalorização de 29,776% que já se mostrava fixada ab initio deverá beneficiar automaticamente da aplicação do fator de bonificação previsto no nº 5, alínea a) das Instruções Gerais da TNI. C – Consideram os Venerandos Desembargadores no douto acórdão recorrido, não encontrar “razões ou fundamento válido para que nos afastemos da linha interpretativa seguida no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 16/2024.” D – O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 16/2024 não tem força jurídica vinculativa, podendo haver desvios à linha interpretativa nele seguida se houverem diferenças fáticas relevantes e novos argumentos jurídicos que não foram nele ponderados. E – Ora no entender da recorrente o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência não ponderou a correta articulação entre o estabelecido nas Instruções Gerias da T.N.I. aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23/10 e o estabelecido na Lei de Acidentes de Trabalho, atualmente a Lei nº 98/2009, de 04/09. F – Posto que o douto aresto recorrido se sustenta apenas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Uniformização de Jurisprudência nº 16/2024, publicado no Diário da República, 1ª Série, n.º 244, de 17/12/2024, para o qual remete na sua fundamentação, a Recorrente vem juntar aos autos, ao abrigo do disposto no Artº 651º nº 2 do C.P.Civil, Parecer do Senhor Professor Doutor Filipe Albuquerque Matos elaborado para a Associação Portuguesa de Seguradores sobre a questão da aplicação do fator de bonificação previsto no nº 5, alínea a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional das Incapacidades na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 22 de Maio de 2024, cuja argumentação a recorrente faz sua e que tem total cabimento para justificação da necessária revogação do douto acórdão recorrido. G – Como se esclarece no aludido Parecer, cujo argumento a recorrente faz seu, uma vez que a aplicação da bonificação opera no âmbito do incidente de revisão, torna-se então imperioso articular a regra enunciada no nº 5 al. a) das Instruções Gerais da TNI com o disposto no Artº 70º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04/09, que versa, precisamente sobre a revisão das prestações por incapacidade, uma vez que, como o AUJ afirma, a aplicação da bonificação da pensão pelo fator da idade terá de ter na sua base um incidente de revisão da incapacidade. H – Ora, para a aplicação do fator de bonificação no âmbito do incidente de revisão é sempre forçoso que se verifique uma modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado. I – A redação da Instrução Geral n.º 5 da TNI aponta precisamente no sentido de que a aplicação do fator de bonificação está dependente da verificação de uma alteração da incapacidade em consequência do agravamento das sequelas resultantes do acidente de trabalho, pois começa por determinar as regras a aplicar “Na determinação do valor da incapacidade a atribuir”. Ora nos incidentes de revisão só se procede à determinação do valor da incapacidade a atribuir se for avaliada e atribuída uma nova incapacidade. J – A Tabela Nacional de Incapacidades tem um caráter meramente instrumental relativamente â Lei nº 98/2009, de 04/09 e não tendo a Tabela Nacional de Incapacidades previsto nenhum mecanismo especial de revisão automática das pensões, apenas provado o agravamento da incapacidade da sequência do acidente de trabalho em conformidade com os ditames do Artº 70º nº 1 da LAT, se poderá aplicar o coeficiente de bonificação em função da idade previsto no nº 5 al. a) das Instruções Gerais da TNI. Por outro lado ainda, K – A interpretação normativa dada à alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais aprovada em anexo ao Decreto-Lei nº. 352/2007 de 23/10 pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 16/24, que é acolhida no douto acórdão recorrido, é claramente inconstitucional. L – A interpretação normativa dada à alínea a) do nº 5 das Instruções Gerais da T.N.I., aprovada em anexo ao Dec. Lei nº 352/2007, de 23/10, no sentido de a bonificação do fator 1.5 prevista nesse normativo dever ser concedida apenas tendo como critério a idade do sinistrado, aplicando-se a todo e qualquer sinistrado, quer já tenha essa idade no momento do acidente, quer só depois venha a atingir essa idade, é violadora dos princípios da igualdade e do direito à justa reparação dos trabalhadores lesados por acidentes de trabalho ou por doenças profissionais, consagrados constitucionalmente nos Artigos 13º e 59º, nº 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa. M – O Acórdão Uniformizador dá primazia à disciplina do nº 5, al) a) da Tabela Nacional das Incapacidades, concluindo que os trabalhadores lesados que perfaçam a idade de 50 anos em momento posterior à alta médica poderão automaticamente beneficiar da aplicação da bonificação de 1,5, sem que se tenha verificado um agravamento da sua incapacidade resultante de recaída ou recidiva da lesão ou doença que deu origem à reparação, o que leva a que a categoria dos trabalhadores lesados com mais de 50 anos saia manifestamente beneficiada relativamente aos trabalhadores sinistrados que após o momento da alta médica venham a ser considerados não reconvertíveis em relação ao posto de trabalho, não obstante não o terem sido na fase inicial de avaliação da incapacidade, pois para que estes últimos possam vir a beneficiar da bonificação de 1,5 terá necessariamente, nos termos do artº 70º, nº 1 da Lei nº 98/2009, de vir a registar-se uma nova incapacidade (ou melhor dizendo, um aumento do seu grau de incapacidade) decorrente de um agravamento, recaída ou recidiva da lesão ou doença que deu origem à reparação, para que as suas pretensões sejam julgadas procedentes. N – Ou seja, as consequências da aplicação de um modelo de aplicação automática da bonificação prevista no nº 5, al) a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades, tal como preconizado no Acórdão Uniformizador de 22/05/2024, determinam uma gritante e injustificada diferença de tratamento entre o grupo de trabalhadores lesados irreconvertíveis à sua profissão habitual e aqueloutro de trabalhadores sinistrados que tenham atingido a idade dos 50 anos. O – Essa gritante e injustificada diferença de tratamento das duas categorias de trabalhadores lesados contemplados pela bonificação de 1,5 prevista no nº 5, al) a) das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades penderá, de modo manifesto, em desfavor daqueles trabalhadores, que, do ponto de vista funcional, ou seja das respetivas capacidades de trabalho e de ganho, se venham a encontrar numa situação claramente mais grave e penosa; ou seja, daqueles que não sejam reconvertíveis para a sua profissão habitual. P – Como conclui o Prof. Dr. Filipe Albuquerque Matos na Conclusão 12 do seu Parecer que ora juntamos, e a cujo entendimento aderimos, “12 - Não se revela admissível, com efeito, sufragar que a aplicação automática do coeficiente de bonificação 1,5 em função da idade em momento posterior ao da alta médica encontra justificação numa igualdade de tratamento entre os trabalhadores/sinistrados que têm 50 anos no momento da avaliação inicial da incapacidade e os trabalhadores/sinistrados que apenas venham a atingir esta idade em momento subsequente. A realização de um tal confronto entre estas duas categorias de trabalhadores, para efeitos de escrutínio da norma atrás citada da Tabela Nacional de Incapacidades, à luz das exigências de igualdade, além de redutora, manifesta-se ainda altamente tributária de uma concepção meramente formal ou niveladora deste princípio constitucional e também desrespeitadora da lógica ou teleologia tabelar que o Acórdão uniformizador, de tão bom grado, acolheu.” Q – A interpretação normativa acolhida no douto acórdão recorrido viola, pois, o Princípio da Igualdade consagrado no Artº 13º da Constituição da República Portuguesa. R – Mas também o princípio constitucional do direito à justa reparação consagrado no Artº 59º nº 1 f) é desrespeitado com a aplicação automática do coeficiente de bonificação operado no douto aresto sob recurso. S – O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 16/2024, ao determinar que a idade, enquanto requisito para aplicação do coeficiente de bonificação de 1,5 representa apenas e tão somente um critério de correção, não influindo, por conseguinte, no processo de avaliação da incapacidade, permite que esse fator idade venha a ser valorado por mais de uma vez para efeitos de determinação do grau de incapacidade. T – Do disposto no Artº 21º da LAT e nos nºs 6 e 7 das Instruções Gerais da TNI resulta que o fator idade influi na ponderação dos coeficientes ou percentagens de incapacidade a fixar pelos peritos na avaliação médica. U – A idade é um vetor a ser obrigatoriamente considerado na avaliação pericial da incapacidade, por força dos preceitos legais citados. V – A idade é, pois, um elemento muito relevante, mas que há-de ser considerado e ponderado casuisticamente numa avaliação concreta de incapacidade. X – No presente incidente de revisão, o sinistrado foi submetido a exame por junta médica em 14/11/2024, quando tinha já 51 anos de idade, tendo os senhores peritos concluído, por unanimidade, que o sinistrado mantém a IPP de 29,776%, com IPATH. Y – A perícia médica ponderou, seguramente e como a tal estava obrigada, a idade do sinistrado, não tendo constatado nenhum agravamento da sua situação sequelar decorrente da mesma. Z – O douto acórdão recorrido veio, contudo, oficiosamente, por força da interpretação dada à Instrução constante do nº 5 al. a) das Instruções Gerais, desdizer o resultado da perícia colegial e o grau de incapacidade, esse sim, avaliado casuisticamente pelos peritos, determinando um acréscimo automático do grau de IPP que afeta o sinistrado. AA – A interpretação dada pelo Acórdão Uniformizador acolhida no acórdão recorrido permitiu, pois, uma valoração claramente violadora das exigências regulativas do princípio da justa reparação, pois permite um aumento do montante indemnizatório com fundamento no fator idade quando, in casu a idade não determinou nenhum agravamento da situação de incapacidade. BB – Como bem salienta o Prof. Filipe Albuquerque Matos no Parecer que se junta – Cfr. Conclusões 20 e 24 – págs. 67,68: “20 - Uma tal cumulação de montantes indemnizatórios com fundamento no mesmo factor ou causa; ou seja, a idade, ofende frontalmente as regras fundamentais em matéria indemnizatória, mormente o disposto nos artºs 562º, 566º, 568º e 494º do Código Civil.” CC – Atribuir uma bonificação automática pela idade é tratar por igual, pessoas com características diferentes, em claro desrespeito pelos princípios constitucionais da igualdade e do direito à justa reparação, consagrados nos artigos 13º e 59º nº 1 f) da Constituição da República Portuguesa. DD – A Tabela Nacional de Incapacidades em vigor tem já 18 anos de vigência e seguramente que o efeito idade na capacidade de trabalho dos indivíduos é hoje bem diferente do que era no ano de 2007, quando a mesma foi aprovada. EE – A interpretação normativa consagrada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 16/2024 e, logo também aqui no douto acórdão recorrido, esquece as condições específicas do tempo em que a lei é aplicada, violando assim o disposto no nº 1 do Artigo 9º do Código Civil. FF – O douto acórdão recorrido, ao fixar, oficiosamente, em 44,664% o coeficiente de incapacidade permanente parcial do sinistrado desde .../.../2023 e, consequentemente, ao condenar a seguradora e a entidade empregadora a pagar-lhe, desde a referida data, a pensão anual e vitalícia de € 8.236,97 (oito mil duzentos e trinta e seis euros e noventa e sete cêntimos), sendo € 8.050,26 (oito mil e cinquenta euros e vinte e seis cêntimos) a cargo da seguradora e € 186,71 (cento e oitenta e seis euros e setenta e um cêntimos), a cargo da empregadora, violou o disposto nos Artigos 20º, 21º nºs 1 e 3, e 48º nº 3 c), todos da Lei nº 98/2009, de 04/09, bem como a norma constante do nº 5, alínea a) das Instruções Gerais da T.N.I., aprovada pelo Decreto Lei nº 352/2007, de 23/10, e ainda os Princípios consagrados nos Artigos 13º e 59º nº 1 f) da Constituição da República Portuguesa, aprovada por Decreto de 10 de Abril de 1976, pelo que deve ser totalmente revogada a alínea c) do Ponto VI -Dispositivo do Acórdão”. O Autor/Sinistrado não contra-alegou. O Ministério Público, em cumprimento do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código do Processo de Trabalho, emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso, sustentando que o AUJ n.º 16/2024 se aplica à situação dos presentes autos, não existindo qualquer fundamento que justifique o seu afastamento. Fundamentação De Facto Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias: 1. O sinistrado nasceu a ........1973. 2. No dia 12 de março de 2012, pelas 11horas, o sinistrado, no exercício das suas funções de oficial de pedreiro, enquanto fazia o revestimento de uma parede ficou com o pé preso e deu um jeito no joelho direito. 3. E sofreu uma rotura total do ligamento do cruzado anterior e trombose venosa profunda. 4. A alta médica teve lugar em 3 de setembro de 2013. 5. E ficou a apresentar instabilidade anterior do joelho direito, atrofia muscular da coxa direita e insuficiência venosa crónica e perturbação de adaptação do humor deprimido severo (reação depressiva prolongada com caraterísticas major e crónicas). 6. As lesões sofridas determinaram ao sinistrado um coeficiente global de incapacidade permanente parcial (IPP) de 29,776%. 7. No dia referido, o sinistrado encontrava-se a trabalhar, sob as ordens, direção e fiscalização da entidade patronal BB auferindo uma retribuição salarial mensal de 733,20€ X 14 meses + 166,76€ X 11 Subsídio de Alimentação. 8. A responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho da entidade patronal referida estava parcialmente transferida para a Companhia de Seguros pelo salário 733,20€ X 14 meses, subsídio de alimentação no valor de 151,60€ x 11. 9. Submetido a junta médica para efeitos de revisão da incapacidade, esta atribuiu-lhe uma Incapacidade Permanente para o Trabalho Habitual de 29,776% (1.). 10. Submetido a junta médica para efeitos de revisão da incapacidade, esta atribuiu-lhe uma Incapacidade Permanente para o Trabalho Habitual de 29,776% (2.). 11. O sinistrado necessita de consultas de cirurgia vascular, de psiquiatria e medicação, a definir pelo médico assistente. De Direito Em primeiro lugar, sublinhe-se que a Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007 de 23 de outubro e não foi, desde então, alterada. Assim, as opções de política de direito do legislador mantêm-se atuais, já que, atendendo à presunção constante do artigo 9.º do Código Civil, se assim não fosse o legislador teria sentido a necessidade de intervir, o que não sucedeu. É, na verdade, especulativo afirmar como faz o Recorrente que “[o] efeito idade na capacidade de trabalho dos indivíduos é hoje bem diferente do que era no ano de 2007, quando a mesma [a Tabela] foi aprovada” (Conclusão DD), já que diferentes são também a economia e o mercado de trabalho com a sua crescente digitalização e evolução para a chamada economia colaborativa. O que é certo é que a lei se manteve intocada. O artigo 1.º do Decreto-Lei tem o cuidado de consagrar que os anexos I e II fazem parte integrante do mesmo. Nas instruções que fazem parte do anexo I verifica-se que a idade do sinistrado releva em vários momentos: desde logo, a sua idade em concreto releva para a atribuição de incapacidade absoluta para o trabalho habitual já que segundo a instrução 5-A, alínea a), tal atribuição deve ter em conta “[a] capacidade funcional residual para outra profissão compatível com esta incapacidade atendendo à idade, qualificações profissionais e escolares e a possibilidade, concretamente avaliada, de integração profissional do sinistrado ou doente”. Mas além da ponderação da idade em concreto, a instrução 5 na sua alínea a) prevê uma bonificação do coeficiente de incapacidade, que atende entre outros fatores à idade do sinistrado: com efeito, “os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG + (IG x 0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”. Também a alínea b) da instrução 5 prevê o que designa por uma correção: “A incapacidade é igualmente corrigida, até ao limite da unidade, mediante a multiplicação pelo factor 1.5, quando a lesão implicar alteração visível do aspecto físico (como no caso das dismorfias ou equivalentes) que afecte, de forma relevante, o desempenho do posto de trabalho; não é cumulável com a alínea anterior”. Como se vê, a lei prevê uma bonificação de 1,5 (na alínea b) fala mesmo de uma correção da incapacidade) em várias situações: quando a vítima não for reconvertível ao posto de trabalho; quanto tiver 50 ou mais anos (e sublinhe-se que a lei não diz “à data do acidente”); e quando há uma alteração do aspeto físico relevante para o desempenho do posto de trabalho. Estas bonificações não são cumuláveis entre si: assim se o sinistrado já tiver beneficiado da bonificação/correção de 1,5 porque não reconvertível ao posto de trabalho não poderá beneficiar da bonificação resultante da idade (e vice-versa). O Acórdão de Uniformização não afeta, de todo, esta impossibilidade legal de cúmulo das bonificações e não introduz ao contrário do que pretende o Recorrente uma qualquer desigualdade de tratamento entre sinistrados com menos de 50 anos e sinistrados com 50 ou mais anos à data do acidente. Não se compreende, com efeito, o que o Recorrente afirma na sua Conclusão M: “O Acórdão Uniformizador dá primazia à disciplina do nº 5, al) a) da Tabela Nacional das Incapacidades, concluindo que os trabalhadores lesados que perfaçam a idade de 50 anos em momento posterior à alta médica poderão automaticamente beneficiar da aplicação da bonificação de 1,5, sem que se tenha verificado um agravamento da sua incapacidade resultante de recaída ou recidiva da lesão ou doença que deu origem à reparação, o que leva a que a categoria dos trabalhadores lesados com mais de 50 anos saia manifestamente beneficiada relativamente aos trabalhadores sinistrados que após o momento da alta médica venham a ser considerados não reconvertíveis em relação ao posto de trabalho, não obstante não o terem sido na fase inicial de avaliação da incapacidade, pois para que estes últimos possam vir a beneficiar da bonificação de 1,5 terá necessariamente, nos termos do artigo 70.º, n.º 1 da Lei nº 98/2009, de vir a registar-se uma nova incapacidade (ou melhor dizendo, um aumento do seu grau de incapacidade) decorrente de um agravamento, recaída ou recidiva da lesão ou doença que deu origem à reparação, para que as suas pretensões sejam julgadas procedentes”. De acordo com a lei, o sinistrado que não seja reconvertível ao posto de trabalho tem direito a uma bonificação de 1.5; também o sinistrado que tem 50 anos de idade tem direito a tal bonificação (se não tiver, entretanto, beneficiado da mesma por outra razão que não a idade). Mas e como se lê no Parecer do Ministério Público junto aos autos neste Supremo Tribunal de Justiça, “A argumentação da recorrente falece porque compara situações que não são comparáveis. Antes de mais, cumpre referir que a idade ou a inconvertibilidade no posto de trabalho são condições de atribuição do fator 1.5 completamente distintas, sendo que enquanto a primeira é objetiva, a sua segunda importa todo um conjunto de apreciações de facto e de direito. É, assim, a própria natureza da condição que impede desde logo uma atribuição automática do fator de bonificação por inconvertibilidade no posto de trabalho. Daí que, consubstanciando situações diferentes, é perfeitamente legítima a aplicação de um regime diferente. Conforme tem sido reiteradamente dito pelo Tribunal Constitucional o princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP, traduz-se em dar tratamento igual ao que for essencialmente igual e tratamento diferente ao que for essencialmente diferente, proibindo medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, materialmente não fundamentadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objetiva e racional – conforme resulta, e a título de mero exemplo, acórdãos do TC n.ºs 409/99, 546/2011, e 227/2015”. O Recorrente afirma igualmente que “[a] idade é, pois, um elemento muito relevante, mas que há-de ser considerado e ponderado casuisticamente numa avaliação concreta de incapacidade”, só que esta asserção faz tábua rasa de que não foi essa a opção do legislador. Este optou não apenas por atender à idade do trabalhador conjuntamente com outros fatores na avaliação em concreto da incapacidade, como também por introduzir uma bonificação só por ter o sinistrado 50 anos de idade. De iure condendo pode questionar-se a opção, mas no plano do direito constituído tal opção existe e deve ser respeitada. Como já se afirmou no Acórdão de Uniformização de jurisprudência, “[a] solução encontrada pelo legislador com a aplicação automática da bonificação de 1.5 ao sinistrado com 50 anos ou mais (…) tem a vantagem de evitar a difícil determinação do impacto do envelhecimento sobre cada sinistrado em concreto, que variaria em razão de uma grande diversidade de fatores (o organismo de cada um, mas também, por exemplo, as especificidades da atividade laboral e do setor profissional). Admite-se que se possa falar aqui em uma ficção jurídica, como fez o Parecer do Ministério Público junto neste Tribunal e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-02-2016, no qual se pode ler que “o legislador “ficcionou” que, a partir daquela idade as lesões tendem a agravar-se com a consequente maior limitação da capacidade de trabalho do sinistrado/trabalhador”. Como se observou no Acórdão n.º 526/2016 do Tribunal Constitucional proferido a 4 de outubro de 2016, no processo n.º 1059/15, igualmente citado na fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência: “[A] previsão de um regime mais favorável para os trabalhadores com idade igual ou superior a 50 anos, quando não tenham já beneficiado da aplicação do fator em causa, não é desrazoável ou arbitrária, por assente nas características do mercado de trabalho e da mais difícil inserção neste dos trabalhadores com idade superior a 50 anos. Existem, pois, fundamentos racionais, pois assentes em dados empíricos relacionados com as consequências do envelhecimento do trabalhador e com as características do mercado de trabalho, e objetivos, porque aplicáveis de forma genérica e não subjetiva, por o legislador ter em conta a idade do trabalhador ao estabelecer o regime aplicável ao cálculo das incapacidades dos sinistrados ou doentes no âmbito laboral. Cabe-lhe, assim, escolher os instrumentos através dos quais esta ponderação ocorre, tendo optado, neste caso, por consagrar uma repercussão nos coeficientes através da previsão de uma bonificação. O regime também prevê que a bonificação apenas opera uma vez, não ocorrendo se o fator em causa tiver já sido aplicado por outro motivo. Esta solução encontra-se dentro da margem de livre apreciação do legislador, não se apresentando como desrazoável. Existindo fundamento material suficiente, razoável, objetivo e racional, para a diferenciação de trabalhadores com idades iguais ou superiores a 50 anos, nomeadamente relacionados com o efeito do envelhecimento na capacidade de ganho e tendo em conta as características do mercado de trabalho nacional, não é possível concluir que a solução tenha um caráter arbitrário ou que exista violação do princípio da igualdade”. Cremos, pois, que não existe qualquer violação do princípio da igualdade ao aplicar a bonificação não apenas ao sinistrado com 50 anos ou mais à data do acidente, como também ao sinistrado que venha a atingir essa idade posteriormente (desde que não tenha beneficiado da bonificação anteriormente). Como já se disse no Acórdão para Uniformização de Jurisprudência “[s]eria arbitrária e conduziria a uma diferença de tratamento sem qualquer justificação uma interpretação que apenas atribuísse a bonificação a um sinistrado com 50 ou mais anos à data do acidente, ou melhor, à data em que for fixada a incapacidade, mas já não a um sinistrado que tendo menos de 50 anos nesse momento, venha, no entanto, a atingir essa idade – com efeito, se e quando tiver 50 anos este último estará exatamente na mesma situação de agravamento das consequências negativas que justificou a bonificação de que beneficiou o sinistrado que já tinha 50 anos quando se procedeu à primeira avaliação da incapacidade”. Além da alegada violação do princípio da igualdade, o Recorrente invoca uma pretensa violação do princípio constitucional do direito à justa reparação consagrado no artigo 59.º nº 1, alínea f) o qual seria “desrespeitado com a aplicação automática do coeficiente de bonificação” (Conclusão R). Antes de mais sublinhe-se que ninguém duvida que a aplicação do coeficiente é automática ao menos quando o sinistrado tenha 50 ou mais anos à data do acidente sem que tal represente uma violação do direito à justa reparação. A responsabilidade civil por acidente de trabalho tem como escopo, em regra e ressalvado o caso do artigo 18.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro, apenas a reparação de um dano circunscrito, a redução na capacidade de trabalho ou de ganho (e a morte enquanto perda definitiva e irreversível dessa capacidade de trabalho ou de ganho). Trata-se de um dano que se projeta no futuro e é de cálculo difícil e não se vê que a criação de uma bonificação assente na presunção (ou, melhor, ficção) de que a idade agrava as consequências do acidente ponha em causa tal princípio, o qual, aliás, até é compatível, na responsabilidade civil em geral com o recurso à equidade, quando a lei o contempla (artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil). Decisão: Negada a revista. Custas pelo Recorrente Lisboa, 12 de novembro de 2025 Júlio Gomes (Relator) Domingos José de Morais José Eduardo Sapateiro |