Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FRANCISCO CAETANO | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO NOVOS FACTOS NOVOS MEIOS DE PROVA PROVA TESTEMUNHAL | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 02/27/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | NEGADA A REVISÃO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I. O recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, a que aludem os art.ºs 449.º e ss do CPP, com a dignidade constitucional conferida pelo n.º 6 do art.º 29.º da CRP, assume-se como um meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários, ou casos de flagrante injustiça, em ordem a sobrepor o princípio da justiça material à segurança do direito e à força do caso julgado; II. Dado o seu carácter extraordinário ou excepcional, está sujeito às causas taxativas e imperiosas elencadas no n.º 1 daquele preceito legal, entre as quais a invocada pela recorrente da alín. d), ou seja, a descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; III. Sobre o conceito de novidade, a jurisprudência do STJ durante muito tempo entendeu que para efeitos dessa alín. d) os factos ou os meios de prova eram novos desde que não apreciados no processo, ainda que não fossem ignorados pelo recorrente à data do julgamento; IV. Essa jurisprudência foi, entretanto, abandonada, podendo hoje considerar-se consolidada uma interpretação mais restritiva e mais exigente do preceito, de acordo com a qual, novos, são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo tribunal; V. Mais recentemente, o STJ têm vindo a admitir a revisão quando, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura. VI. Aquele preceito exige, ainda, que os novos factos ou os novos meios de prova, de per si ou combinados com os que forem apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação; VII. O grau de convicção exigido não é o mesmo que levaria à absolvição do arguido em audiência de julgamento se então fossem conhecidos os novos factos e os novos meios de prova. O grau de dúvida para a revisão é mais exigente. Não é, como ali, a dúvida “razoável”, mas uma dúvida “grave” sobre a justiça da condenação; VIII. O requerente também não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor; XIX. A pretensão de novas declarações da assistente e do próprio recorrente com vista “a sanar as contradições entre a narrativa da declarada para memória futura pela Assistente” e acareação entre ambos (e aquela com outra testemunha), não se integram concretamente nem em novos factos, nem em novos meios de prova, mais não visando o recorrente que um novo e outro julgamento, uma “repetição da prova”, completamente fora do alcance do recurso extraordinário de revisão de sentença; X. Também a inquirição requerida dos filhos do recorrente que não depuseram em audiência de julgamento por a tanto licitamente se terem recusado, não podem ora ser inquiridos, desde logo a matéria cuja novidade igualmente não foi indicada, mais se não visando que uma nova e impertinente produção de prova como se a revisão fosse uma nova oportunidade processual de reexame da causa. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 461/17.9GABRR-F.S1 5.ª Secção Recurso extraordinário de revisão
Acordam em conferência no Supremo tribunal de Justiça:
I. Relatório AA interpôs recurso extraordinário de revisão do acórdão proferido em 15 de Outubro de 2018 pelo Juízo Central Criminal de …, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de …, transitado em julgado em 16 de Setembro de 2019, após recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa e para o STJ, que mantiveram as respectivas condenações, traduzidas (na parte penal) na pena única de 8 anos e 4 meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico efectuado a partir das seguintes penas parcelares: a) – 7 anos e 10 meses de prisão, pela prática de um crime de violação, na forma agravada, p. e p. pelos art.ºs 164.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 177.º, n.º 1, alín. a), do CP; b) – 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alíneas c), da Lei n.º 5/2006, de 23.02 . Concluiu o respectivo requerimento com as seguintes conclusões: I. “O ora Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de violação, na forma agravada, previsto e punido pelos Art.ºs 164.º, n.º 1, als. a) e b) e 177.º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão; e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos Art.ºs 86.º, n.º 1, als. c) e d) e 2.º, n.º 1, al. az), e n.º 3, al. p), 3.º, n.º 3 e 5.º, da Lei n.º 5/2006, de 23/02, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. II. Foi ainda condenado nos pedidos de indemnização civil que lhe deduziram o Centro Hospitalar de …, E.P.E. e a Assistente BB, respectivamente, no montante de € 530,44 (quinhentos e trinta euros e quarenta e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora calculados desde a data de notificação para contestar até integral pagamento, e de € 60.000,00 (sessenta mil euros), acrescido de juros de mora calculados desde a prolação da decisão até integral pagamento. III. O Recorrente recorreu para a Veneranda Relação de Lisboa que, por Acórdão de 27/02/2019, negou provimento ao seu recurso. Desse Douto Acórdão coube recurso para o STJ, o qual foi igualmente não provido, por Acórdão datado de 04/07/2019, tendo o processo transitado em julgado em 16/09/2019. IV. Existe uma nova versão dos factos julgados provados, a qual permite concluir, com os novos meios de prova, inequivocamente pela absolvição do ora Recorrente, sendo que tal versão não foi apresentada, nem pôde ser apreciada pelas Instâncias e pelo STJ por motivos estranhos ao ora Recorrente. V. É facto que o Recorrente teve participação num acto sexual com a Assistente na madrugada do dia 01/10/2017, que confessou, livre e espontaneamente, desde logo na fase de Inquérito, e, depois nas fases de Instrução e de Julgamento, que ora e aqui, coerentemente, mantém. VI. O ora Recorrente nunca assumiu, à data dos factos, que seria o progenitor da Assistente, tendo mesmo equacionado impugnar a sua paternidade: VII. Desconhece-se se as motivações da Assistente terão sido determinadas, na sua conduta, por efeito de um “Síndrome de Electra” ou de um “Complexo de Cassandra” e que tal quadro possa ter determinado – citando a Assistente, “no calor do momento” – uma atípica forma de celebração do seu 18.º aniversário. VIII. Mas tal acto sexual foi consentido, e sem se aferir, de tal, uma “culpabilidade”, quer da Assistente, quer do ora Recorrente – tratando-se de duas pessoas adultas e não havendo, como in casu, abuso ou aproveitamento, mas um acordo expresso, tal dita a não tipicidade do acto sexual sub judicio, por não se verificarem os pressupostos para a sua incriminação, IX. Como decorre, expressamente das próprias declarações, prestadas para memória futura, da Assistente, BB, X. O ora Recorrente nunca protagonizou qualquer conduta inibidora, ou intimidatória, da livre vontade da Assistente (BB) – como resulta das suas próprias declarações ao reconhecer: “Uma vez, depois cedi”, “Não disse não”, não “falou alto”, não disse “Não quero”, não pediu “Saia daqui”. XI. Não houve registo de qualquer tipo de violência – a Assistente apenas refere que a “penetração” foi “agressiva”, porque o ora Recorrente a “penetrava muito”, contudo no momento não se queixou… afinal de algo que é comum num acto sexual, e que o próprio Relatório de Perícia Médica comprova não ter causado quaisquer lesões; XII. Não se registou qualquer forma de ameaça ou de coacção – conforme decorre das próprias declarações prestadas pela Assistente e, que supra se reproduziram, como, ademais, o STJ, no seu Egrégio Acórdão, também conclui; XIII. Nem nunca, em todo o tempo que esteve na casa onde os factos ocorreram viu a sua liberdade diminuída, nunca o ora Recorrente a proibiu de sair, tão pouco de andar pela casa, esteve sempre com acesso ao seu telemóvel e, como tal, comunicável e, livremente, em comunicação com quem quisesse; XIV. Não se deu, também, como provado que a Assistente tenha ingerido bebidas alcoólicas por indução ou comando do ora Recorrente – outrossim, aquela poderia, e deveria, ter sido mais determinada e convincente na sua recusa em se colocar em tal estado “semi-ébrio”; XV. Em boa verdade, a Assistente poderia e devia, a todo o tempo, ter colocado cobro ao que ocorreu – bem como, aliás, também, o ora Recorrente, que sendo um homem adulto, também o poderia e devia; XVI. Sobre o ocorrido impende um inevitável juízo moral de reprovação, que não, todavia, uma matéria sobre a qual o Direito se possa, ou deva, pronunciar – julgar uma relação tida por incestuosa não é uma missão do Direito mas, tão-somente, da moral ou da religião – devendo, por isso, deixar a Assistente e o Arguido resolverem este facto de acordo com a sua consciência; XVII. “Falta em absoluto a legitimidade para punir condutas não lesivas de bens jurídicos, apenas em nome da sua imoralidade” (ROXIN) – Factos que possam ser sentidos como “imorais” não devem ser sancionados – “as puras imoralidades ficam fora do objecto das ameaças penais” (RUDOLPHI). VXIII. Várias e graves são as dúvidas que se suscitam sobre a condenação do ora Recorrente – atenta a explanação e análise dos novos factos probatórios, bem como, das novas Testemunhas e meios de prova, que só após a condenação se tomou conhecimento, e, só agora se poderá trazer a juízo. XIX. A Prova Pericial produzida é inequívoca ao atestar a total ausência de indícios de ter ocorrido o tipo de crime de “violação” – mais e antes revelando, de forma taxativa e conclusiva, que inexistem quaisquer “sinais de lesões traumáticas” no corpo da Assistente; XX. Outrossim, registaram-se graves contradições, seja as várias e já assinaladas, por parte da Assistente, seja por parte da sua progenitora – desde logo, pelo teor das declarações prestadas por esta na Polícia Judiciária: “a filha a contactou telefonicamente nesta data a dizer-lhe que (…) filmou tal contacto sexual através do seu telemóvel”, bem como, quando prestou depoimento em Julgamento, em que também, paradoxalmente, afirma que o Recorrente terá “isolado” a Assistente colocando a sua irmã, CC, a “vigiá-la”; XXI. O consentimento é causa de exclusão da ilicitude, pelo que e para que não remanesça, para além das fundadas supra, qualquer dúvida, se revela de enorme importância a averiguação e apreciação do sobre-descrito, designadamente tomando-se declarações às Testemunhas CC e DD, as únicas que, de facto, presenciaram os factos que antecederam tal acto sexual, e que são reveladores da conduta voluntária da Assistente. XXII. A inquirição das Testemunhas, ora arroladas, EE, FF, e, sobretudo, GG, será de toda a relevância, como novo meio de prova, para atestar os novos factos que demonstram a diferente versão dos factos constantes da Acusação Pública (cfr., mormente, os artigos 1. a 29., que aqui se dão, e por memória, por integralmente reproduzidos). XXIII. E porque estes factos novos e novos meios de prova, devidamente concatenados com os vertidos para a Douta Acusação, já não podem ser apreciados em sede de recurso ordinário pelo STJ, deverá o mesmo ser apreciado em sede de Recurso Extraordinário de Revisão. XXIV. Existe uma colisão evidente e insanável entre o Princípio de Presunção de Inocência e o Princípio de Presunção da Vitimização, que dever ser ilidida nos termos constitucionalmente consagrados – conflito que se desenlaça por o Princípio da Presunção da Inocência se situar num patamar constitucionalmente consagrado e o que o da Presunção da Vitimização não configura esta natureza, prevalecendo, sempre, o Princípio in dubio pro reo. XXV. Tal como cominado nos Art.ºs 449.º e seguintes do CPP, o recurso de revisão, tem por objecto exclusivo a matéria criminal de uma sentença transitada em julgado, pois trata-se de providência excepcional destinada a satisfazer um imperativo da Constituição da República Portuguesa e, também, uma regra da Convenção Europeia dos Direitos do Homem a que o Estado português se comprometeu. Porque o recurso extraordinário de revisão consagra uma solução de compromisso entre o valor da segurança das decisões judiciais consubstanciada no instituto do caso julgado, e o valor da justiça nomeadamente quando estão em causa direitos fundamentais de pessoa humana como sucedeu na condenação penal de que o ora Recorrente foi alvo”. O M.º P.º junto da 1.ª instância, após recortar com clareza a pretensão do recorrente, pronunciou-se pelo indeferimento das diligências de prova requeridas, por irrelevantes e impertinentes. A Exma. Juiz do processo proferiu o seguinte despacho cumulativamente com a informação a que se refere o art.º 454.º do CPP: “Nos termos do disposto no artigo 449°, n° 1, alínea d), do Código de Processo Penal (alínea em que se fundamenta o presente recurso de revisão), "A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação ". Factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes deste. Portanto, não basta que os factos sejam desconhecidos do tribunal, sendo que o arguido só pode indicar novas testemunhas se justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou elas não puderam ser apresentadas (artigo 453°, n° 2, do Código de Processo Penal). Nos termos do disposto no artigo 453°, n° 1, do Código de Processo Penal, "Se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do n° 1 do artigo 449°, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas." Os meios de prova e de obtenção de prova novos só podem ser permitidos se eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderem ser apresentados antes deste. A impossibilidade a que a lei se refere é das testemunhas (dos meios de prova) e não do arguido. Assim, o Recorrente pretende a realização das seguintes diligências: 1- Inquirição das testemunhas EE, FF e GG - alegadamente novos meios de prova testemunhal e conhecedores de novos factos; 2 - Tomada de declarações à assistente BB; 3 - Tomada de novas declarações a si próprio; 4 - Acareação entre a assistente e si próprio; 5 - Acareação entre a assistente e a testemunha GG; 6 - Tomada de declarações às testemunhas CC e DD. Ora, De acordo com o Recorrente, as três testemunhas cuja inquirição requer serão conhecedoras da presença da assistente, poucos dias após os factos, numa festa de aniversário que teve lugar num espaço de diversão nocturna. EE por alegadamente ser "amigo" da assistente numa rede social onde supostamente foram publicadas fotografias da dita festa. GG por, alegadamente, ter-se cruzado com a assistente (que se encontrava alegadamente em "estado semi-ébrio") no referido espaço de diversão nocturna, tendo alegadamente ouvido dela as palavras "não, não estou com disposição, fiz uma coisa muito feia" (quando a convidou para dançar) e mais tarde "não, por causa dos copos é que fiz o que fiz e por isso é que o meu pai está preso" (quando se ofereceu para lhe pagar uma bebida). FF por, alegadamente, acompanhar GG no aludido espaço e este ter-lhe alegadamente relatado a conversa que mantivera com a assistente. Com tais depoimentos pretende demonstrar, mais uma vez, que as relações sexuais que manteve com a assistente foram consensuais e que a assistente tem hábitos de ingestão de bebidas alcoólicas. Ora, estas três testemunhas manifestamente não têm conhecimento directo ou indirecto dos factos que conduziram à condenação do Recorrente pela prática de um crime de violação, sendo certo que se da mera inquirição das mencionadas testemunhas viesse a resultar que poucos dias depois dos factos a assistente esteve num espaço público na festa de aniversário de uma amiga, tendo aí proferido as expressões que atrás se destacaram (estando ou não em "estado semi-ébrio"...), não se vislumbra em que medida tal poderia suscitar dúvidas, e muito menos graves, sobre a justiça da decisão condenatória, perante a factualidade dada como assente e o conjunto da prova em que se fundou. Acresce que, já em sede de audiência julgamento o arguido veio requerer a audição de um funcionário de uma discoteca frequentada pela assistente ao abrigo do disposto no artigo 340° do Código de Processo Penal, o que foi indeferido pois o mesmo não estava no local dos factos objecto dos autos, conforme acta da sessão de julgamento datada de 13 de Setembro de 2018, do qual não foi interposto recurso. Por outro lado, os documentos ora juntos - publicações da assistente nas redes sociais -já foram juntos em sede de contestação pelo arguido e assim já constavam dos autos aquando da prolação do acórdão em primeira instância. Face a todo o exposto, temos que a inquirição das referidas testemunhas mostra-se absolutamente irrelevante e impertinente para a descoberta da verdade material. Quanto às demais diligências requeridas, as mesmas não integram o conceito de "novos meios de prova", emergindo das mesmas que o que ora arguido pretende é um novo julgamento com a repetição da prova já produzida uma vez que o ora Recorrente já foi ouvido sobre os factos, quer em primeiro interrogatório judicial, quer em julgamento; a assistente prestou declarações para memória futura em sede de inquérito (tendo sido indeferida a sua reinquirição em julgamento, em decisão que a instância de recurso confirmou); e as testemunhas CC e DD, filhos do Recorrente, exerceram em julgamento a faculdade de se recusarem a depor nos termos do disposto no artigo 134°, n° 1, alínea a), do Código de Processo Penal (conforme acta da sessão que teve lugar em 13 de Setembro de 2018). Não se vislumbra a realização de quaisquer diligências de prova a realizar para além dos elementos já constantes dos autos. Cumpre, pois, elaborar informação dirigida ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça quanto ao mérito do recurso interposto, em obediência ao estatuído na parte final do artigo 454° do Código de Processo Penal. Assim, O arguido AA foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de um crime de violação, previsto e punido pelos artigos 164°, n° 1, alíneas a) e b) e 177°, n° 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 10 (dez) meses de prisão; e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86°, n° 1, alínea c), da Lei n° 5/2006, de 23/02, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. Em cúmulo jurídico o arguido foi condenado na pena única de 8 (oito) anos e 4 (quatro) meses de prisão. Encontra-se em cumprimento desta pena, primeiramente em prisão preventiva, desde 02/10/2017 e, actualmente, desde o trânsito em julgado do acórdão (16/09/2019) em cumprimento de pena, cujo termo está previsto em 01/02/2026. Os elementos ora trazidos ao processo não são de molde a criar qualquer dúvida quanto à justiça da condenação, a qual se alicerçou nos elementos probatórios constantes na fundamentação da matéria de facto do acórdão prolatado, sendo certo que o arguido recorreu para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa do acórdão proferido pela Ia instância, bem como para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, tendo a decisão proferida em Ia instância sido mantida. Assim, entendo que inexistem factos novos ou meios de prova que suscitem quaisquer dúvidas sobre a justiça da condenação imposta nestes autos ao arguido e, como tal, deverá ser considerado como manifestamente improcedente o recurso extraordinário de revisão ora interposto”. O recorrente pronunciou-se, entretanto, sobre a resposta do M.º P.º e do despacho/informação da Exma. Juíza, reiterando o pedido de tomada de declarações e inquirições formulado no requerimento de recurso. No Supremo Tribunal de Justiça a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela improcedência do recurso, por falta de fundamento bastante, em suma, porque as três testemunhas apresentadas não têm qualquer conhecimento directo ou indirecto dos factos, não têm a virtualidade de colocar em causa a decisão que o condenou pela prática de um crime de violação. Colhidos os vistos e após conferência, cumpre decidir * II. Fundamentação 1. Foi a seguinte a matéria de facto provada que serviu de base à condenação: “- Da acusação pública: 1 - No dia 30 de Setembro de 2017, cerca das 21:00 horas, com o intuito de comemorar o 00º aniversário da sua filha BB (nascida no dia 00/00/0000), o arguido levou-a, juntamente com os seus meios-irmãos, CC (nascida em 00/00/0000) e DD (nascido em 00/00/0000), a jantar ao restaurante “...”, sito na ..., no concelho de .... 2 – Durante o referido jantar o arguido incentivou a sua filha BB a beber vinho, enchendo-lhe o copo várias vezes, tendo ambos consumido ao longo do jantar duas garrafas de vinho branco de 0,75 litros cada, ambas pedidas por iniciativa do arguido. 3 – No final da refeição a BB estava tonta, tendo ido à casa de banho, cambaleando e deixando, inclusive, cair a sua mala no chão. 4 - Depois do jantar o arguido deslocou-se com os filhos para sua casa, sita na Rua …, Lote 0, em …, no concelho do …, onde chegaram por volta das 00:00 horas do dia 01 de Outubro de 2017. 5 – Já em casa, por sua iniciativa, o arguido abriu uma garrafa de vinho espumante para comemorar o aniversário da sua filha, servindo-se a si e à BB, tendo esta última bebido, pelo menos, um copo do referido vinho espumante. 6 – Após, depois dos menores CC e DD terem ido para a cama, o arguido ficou sozinho com a sua filha BB no rés-do-chão da residência, nas imediações da cozinha e zona exterior da residência, pois a BB estava mal disposta, sentindo-se tonta, nauseada, desnorteada, precisando de apanhar ar. 7 – Aí, o arguido começou a tocar-lhe com as mãos na zona interior das pernas e virilhas, passando depois a tocar-lhe na vagina, por cima da roupa que esta envergava, aproveitando o facto de esta estar alcoolizada. 8 – A BB sentiu-se mal e correu para a casa de banho contígua à cozinha para vomitar, facto que o arguido assistiu, tendo-lhe, inclusivamente, segurado os cabelos enquanto esta vomitava para a sanita ali existente. 9 – Após a BB dirigiu-se para o quarto onde iria pernoitar, sito no 1º andar da residência, onde vestiu o pijama, tipo macacão, deitou-se na cama e apagou a luz. 10 – Cerca de dez a quinze minutos depois, o arguido entrou no quarto onde a BB estava, deitou-se ao seu lado e de imediato desapertou-lhe os botões do pijama, na zona genital e retirou-lhe as cuecas. 11 – Beijou-a na zona do pescoço e nos ombros e abriu-lhe as pernas, apesar de, pelo menos por uma vez, a BB ter feito força para as manter fechadas, e tocou-lhe nos lábios vaginais, introduziu-lhe dois dedos de uma das mãos na vagina desta. 12 - Depois, introduziu-lhe com força o pénis erecto na vagina, copulando com a BB, não usando preservativo. 13 - Quando acabou, o arguido foi tomar banho, insistindo com BB para que esta também fosse tomar banho pois se iria sentir melhor, o que esta recusou. 14 – Após, o arguido tomou banho no quarto da ofendida e saiu do mesmo, altura em que a BB telefonou à mãe, pedindo-lhe auxílio, a qual solicitou a comparência das autoridades. 15 – Os militares da G.N.R. chegaram à residência do arguido por volta das 02:00 horas, tendo o arguido se recusado a abrir a porta de casa aos militares, apesar das várias insistências destes, tendo agarrado pela trela um cão da raça pastor Belga Malinois, de grande porte, com o intuito de impedir a aproximação dos militares. 16 - Após alguma resistência e a intervenção de negociadores da G.N.R. o arguido acabou por prender o cão, entrando a G.N.R. na residência e detido o arguido, tudo já cerca das 06:00 horas. 17 - Na mesma data, o arguido possuía, dentro da mesa-de-cabeceira no interior do seu quarto: - uma arma de fogo curta, semiautomática, de calibre 7.65mm Browning (.32 ACP ou .32 AUTO), de marca, modelo e origem não apuradas, com o número de série rasurado, com a inscrição “…” na corrediça e o número “00” gravado em vários componentes, e respectivo carregador com 5 (cinco) munições de calibre 7.65mm Browning e - uma caixa com 12 (doze) munições, todas de calibre 7.65mm Browning; Tudo sem ser titular de licença de uso e porte de arma que o habilitasse a detê-las. 18 - A pistola encontrava-se boas condições de funcionamento e as munições em boas condições de utilização. 19 – O arguido agiu com o propósito concretizado de manter relações sexuais de cópula com a sua filha, bem como de lhe introduzir dois dedos no interior da sua vagina, tudo contra vontade desta, usando para isso os meios apurados em 11) a 12), pondo em causa a sua autodeterminação sexual, bem sabendo que esta estava alcoolizada e assim perturbada e diminuída de forma acentuada na sua capacidade de oferecer resistência às suas investidas, mesmo depois de esta o ter tentado impedir, bem sabendo que esta não queria manter relações sexuais consigo. 20 - Conhecia as características da arma e das munições que tinha em casa, bem como que lhe estava vedada a sua posse. 21 - Actuou sempre de forma livre, deliberada e consciente. 22 – Bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. - Dos pedidos cíveis: 23 – O arguido é pai da BB, nascida em 00 de … de 0000, no …. 24 - A BB vive com a mãe, tendo o exercício do poder paternal regulada por acordo homologado por sentença de 19 de Novembro de 2003, proferida pelo Tribunal de Família e Menores do …, tendo a menor sido confiada à mãe, e o poder paternal exercido por ambos os progenitores, pagando o arguido, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de €450,00 (quatrocentos e cinquenta euros). 25 - Nos últimos anos o arguido não era um pai muito presente para a BB, convivendo ambos no Natal, no aniversário da BB e no aniversário dos seus irmãos. 26 - No dia 29 de Setembro de 2017 o arguido enviou uma mensagem à BB, questionando-a se queria passar o fim-de-semana com ele e os irmãos, comemorando com estes o seu aniversário, já que no dia 00 de … de 2017 esta fazia 00 (…) anos. 27 - A BB aceitou o convite do arguido, tendo este a ido buscar a sua casa no dia 30 de Setembro de 2017, dizendo-lhe que iriam jantar ao “...” no …, tendo primeiramente ido a casa do arguido para a BB deixar os seus pertences. 28 - Já no “...” o empregado de mesa que os atendeu retirou o copo de vinho da frente dos irmãos CC e DD e quando se preparava para retirar o copo de vinho da BB o arguido disse-lhe para não o fazer pois esta já podia beber. 29 - Durante o jantar o arguido incentivou a realização de diversos brindes, indo enchendo com vinho o copo da BB. 30 – Após os factos descritos em 10) a 13), a BB ficou em choque, tendo sido transportada pela G.N.R. ao Instituto de Medicina Legal no Hospital de …, em …, onde foi submetida a exames médicos invasivos que duraram cerca de sete horas, onde teve que relatar o sucedido e realizar exames de diagnóstico de doenças infecciosas, microbiológicos, hematológicos e à urina. 31 - Em consequência do comportamento do arguido, a BB sentiu-se violentada e enganada pelo seu pai, pessoa de quem esperava protecção, sentindo medo, angústia, vergonha e tristeza. 32 – Manifesta sentimentos de insegurança, sente-se vulnerável em locais públicos, o que levou a uma diminuição no contacto com os amigos em eventos sociais. 33 – Tem medo em estar sozinha, sentindo necessidade de estar acompanhada por alguém. 34 – Apresenta alterações no seu ciclo de sono, nomeadamente insónias iniciais (dificuldades em adormecer) devido à presença de pensamentos sobre os factos, bem como insónias intercalares (despertares múltiplos durante a noite), não conseguindo dormir no seu quarto por sentir medo e desprotecção, dormindo no quarto da mãe. 35 - A circunstância de estes factos terem sido relatados por órgãos de comunicação social fez com que esta revivesse a situação passada, sentindo medo com a possibilidade de ser identificada pelas referidas notícias. 36 – BB é acompanhada pela APAV desde 09 de Outubro de 2017, tendo apoio psicológico semanal desde 30 de Outubro de 2017. 37 – Foi ainda seguida no Hospital de … onde frequentou quatro consultas de acompanhamento e realizou diversas análises, designadamente em 03/10/2017, 13/11/2017, 21/11/2017, 11/12/2017, 22/01/2018 e 29/01/2018. 38 - BB encontrava-se a frequentar o curso de …, passando a ter dificuldades de concentração, diminuindo o seu rendimento escolar, temendo ser reconhecida como “a rapariga violada pelo pai”, pretendendo mudar de estabelecimento de ensino. 39 – Em consequência da conduta do arguido, BB recebeu assistência médica no Centro Hospitalar de …, E.P.E. nos dias 01/10/2017, 03/10/2017, 13/11/2017, 21/11/2017, 11/12/2017, 22/01/2018 e 29/01/2018, o qual despendeu nos serviços médicos a esta prestados a quantia total de €530,44 (quinhentos e trinta euros e quarenta e quatro cêntimos). - Mais se provou: 40 – O arguido não tem antecedentes criminais registados. 41 - O arguido nasceu na antiga …, filho de família culturalmente diferenciada. De acordo com o arguido, o seu pai, de origem …, era opositor ao regime, tendo sido preso, nesse contexto, durante a primeira infância do arguido. O arguido não mantém recordações do progenitor, pese embora, veicule uma imagem positiva deste, salientando a sua coragem e fidelidade a princípios. A mãe, licenciada em …, apresentava, de acordo com o arguido, uma educação clássica/conservadora, exigente ao nível da formação mas contida ao nível dos afectos. Atendendo à reclusão do pai e à morte deste quando o arguido contava cerca de seis anos e à ausência de uma estrutura familiar alargada de apoio, o arguido e a sua mãe enfrentaram períodos de precariedade económica. 42 - Em termos escolares, o arguido completou a sua educação em … quando contava cerca de 00 anos, tendo efectuado pós-graduação em …. 43 - Após conclusão dos estudos, o arguido foi trabalhar para companhia estatal, como … …. 44 - Com cerca de 00 anos, o arguido teve um filho, HH (actualmente com cerca de 00 anos), o qual permaneceu aos cuidados da sua mãe. 45 - Aquando da sua frequência da universidade, o arguido conheceu II, estudante portuguesa, por quem se enamorou, tendo vindo com esta para Portugal em 1989. O casal terá ido residir para casa dos pais desta. O arguido terá estudado português e passado cerca de um mês depois da sua chegada ao nosso país foi trabalhar para a …, onde terá exercido funções de “…”, nas quais se terá mantido até 1993. 46 - Em 1993 criou a empresa JJ, Lda., a qual tem tido êxito, permitindo uma situação económica desafogada. 47 – Aquando da criação desta empresa o arguido separou-se de II com quem teve um filho, KK (actualmente com 00 anos). A separação terá ocorrido, de acordo com o arguido devido ao estabelecimento de relação amorosa com LL, mãe da ofendida, com quem manteve uma relação afectiva durante cerca de dois anos e seis meses, não tendo existido coabitação. 48 – Aos 00 anos o arguido contraiu casamento com MM com quem viveu cerca de nove anos. No contexto desta relação nasceram dois filhos, CC e DD, com os quais o arguido mantinha contactos regulares. 49 - Após a separação e aquando dos factos objecto do presente processo o arguido manteve a sua residência em habitação própria, uma vivenda na zona de …. 50 – O arguido residia sozinho e dispunha de apoio de empregada para as tarefas domésticas. Em termos económicos e laborais o arguido dispunha de uma situação estável, auferindo de um salário mensal médio não inferior a € 4.000,00 (quatro mil euros). 51 - Referiu manter, actualmente, uma relação amorosa estável com NN, 00 anos, …, a estudar em …, com a qual tinha casamento previsto para 01 de Dezembro de 2017, o qual não terá sido possível por ter sido preso em 01 de Outubro de 2017. 52 - O arguido denota a presença de distorções relativas às questões da sexualidade e relacionamentos de género que parecem ter sido facilitadoras da assunção de comportamentos socialmente desajustados. 53 - O arguido não reconheceu a ilicitude e a gravidade dos factos, tendo atribuído à ofendida a responsabilidade pelo sucedido, tendo, neste contexto, salientado que esta apresentou vestuário e atitudes de sedução. 54 - O arguido desvalorizou/negou o facto de existir uma ligação de características paterno-filiais entre si e a ofendida, tendo procurado relevar a inexistência de laços biológicos. 55 - O arguido não manifestou, ao nível do discurso, qualquer empatia para com a vítima, não reconheceu o dano, a necessidade de reparação ou mudança. 56 - Após os factos descritos 1) a 22) o arguido intentou uma acção de impugnação da paternidade da BB”. * 2. Como é sabido, o recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, a que aludem os art.ºs 449.º e ss do CPP, com a dignidade constitucional conferida pelo n.º 6 do art.º 29.º da CRP, assume-se como um meio processual especialmente vocacionado para reagir contra clamorosos e intoleráveis erros judiciários, ou casos de flagrante injustiça, em ordem a sobrepor o princípio da justiça material à segurança do direito e à força do caso julgado. Dado o seu carácter extraordinário ou excepcional, está sujeito às causas taxativas e imperiosas elencadas no n.º 1 daquele preceito legal, entre as quais a invocada pela recorrente da alín. d), ou seja, a descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Sobre o conceito de novidade, a jurisprudência do STJ durante muito tempo entendeu que para efeitos dessa alín. d) os factos ou os meios de prova eram novos desde que não apreciados no processo, ainda que não fossem ignorados pelo recorrente à data do julgamento. Essa jurisprudência foi, entretanto, abandonada, podendo hoje considerar-se consolidada uma interpretação mais restritiva e mais exigente do preceito, de acordo com a qual, novos, são apenas os factos ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente à data do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser atendidos pelo tribunal (v. g., Acs. STJ de 27.06.2012, Proc. 847/09.2PEAMD-A.S1 – 3.ª, de 26.04.2012, Proc. 614/09.3TDLSB-A.S1-5.ª ou de 22.01.2013, Proc. 78/12.4GAOHP-A – 3.ª). Mais recentemente, o STJ têm vindo a admitir a revisão quando, sendo embora o facto ou o meio de prova conhecido do recorrente no momento do julgamento, ele justifique suficientemente a sua não apresentação, explicando porque não pôde ou entendeu não dever apresentá-los na altura (v. g., Acs. STJ de 17.10.2012, Proc. 2132/10.8TAMAI-C.S1 – 3.ª e de 20.11.2014, Proc. 113/06.3GCMMN-A.S1 – 5.ª). Aquele preceito exige, ainda, que os novos factos ou os novos meios de prova, de per si ou combinados com os que forem apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. O grau de convicção exigido não é o mesmo que levaria à absolvição do arguido em audiência de julgamento se então fossem conhecidos os novos factos e os novos meios de prova. O grau de dúvida para a revisão é mais exigente. Não é, como ali, a dúvida “razoável”, mas uma dúvida “grave” sobre a justiça da condenação. Também de acordo com o disposto no n.º 2 do art.º 453.º do CPP “o requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”. O recorrente fundamenta o recurso alegando que só em Novembro de 2019, ou seja, cerca de 1 ano após a condenação em 1.ª instância, teve conhecimento da existência de novos meios de prova e de novos factos, traduzidos em 3 testemunhas com conhecimento de que a assistente BB, poucos dias após os factos (a data indicada de 05.10.2019 dever-se-á a lapso, dado que os factos se reportam a 01.10.2017) que levaram à condenação, esteve numa festa na discoteca “...”. Concretamente, a testemunha GG aí conversou com a assistente e que na sua percepção estava em estado “semi-ébrio” e, uma vez convidada para dançar, respondeu que “não, não estou com disposição, fiz uma coisa muito feia” e, oferecendo-lhe uma bebida, respondeu “não, por causa dos copos é que fiz o que fiz e por isso é que o meu pai está preso”. Relatou, depois, essa conversa à testemunha FF. Por seu turno a outra testemunha indicada, EE, também soube que a assistente estivera nessa festa através de fotografias por ela publicadas no Instagram, a que teve acesso por ser seu “amigo” nessa rede social, mormente uma com o texto “Houve, foi no calor do momento” e que posteriormente foi apagada. Sendo estes e apenas estes os novos factos de que serão conhecedoras as testemunhas enquanto novos meios de prova, é preciso convir que, ainda que viessem a lograr comprovação, os mesmos nem de per si, nem combinados com os que foram apreciados no processo estariam longe de suscitar qualquer dúvidas, muito menos graves, sobre a justiça da condenação pelo crime de violação, mormente quanto à falta de consentimento para as relações sexuais havidas, matéria que foi abundantemente discutida nas instâncias e repetida no STJ. Daí que, por irrelevantes e impertinentes, desde logo não mereça qualquer censura o indeferimento das inquirições requeridas. Também as pretendidas novas declarações da assistente e do próprio recorrente com vista “a sanar as contradições entre a narrativa da declarada para memória futura pela Assistente” e acareação entre ambos (e aquela com a testemunha GG), não se integram concretamente nem em novos factos, nem em novos meios de prova, mais não visando o recorrente que um novo e outro julgamento, uma “repetição da prova”, completamente fora do alcance do recurso extraordinário de revisão de sentença. Finalmente, quanto à inquirição requerida dos filhos do recorrente, CC e DD, importa assinalar que os mesmos não depuseram em audiência de julgamento por a tanto e nos termos do art.º 134.º, n.º 1, alín. a), do CPP, legitimamente se terem recusado, não podendo ora ser inquiridos (art.º 453.º, n.º 2, do CPP), desde logo a matéria cuja novidade se não indicou, mais parecendo, também aqui, pretender-se uma nova e impertinente produção de prova como se a revisão fosse uma nova oportunidade processual para reexaminar a causa. E, daí, que não mereça também crítica a decisão que indeferiu tais diligências. O recorrente requereu, a final, a cessação do estatuto de vítima de que beneficiará a assistente, bem como a atribuição de efeito suspensivo ao processo de execução relativo ao pedido cível até ao trânsito em julgado do presente recurso. Quanto à 1.ª questão, é matéria que manifestamente extravasa o objecto do presente recurso de revisão, melhor guarida podendo ter no processo da condenação e quanto à 2.ª, o efeito não suspensivo do recurso de revisão desde logo impede os efeitos suspensivos pretendidos na execução do pedido de indemnização civil. Razão por que se indeferem esses pedidos e, por falta do fundamento invocado da alín. d) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP, ou de qualquer outro, se denega a revisão. * III. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso e negar a revisão. Custas pelo recorrente, com 3 UC de taxa de justiça. * Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Fevereiro de 2020
Francisco Caetano - Relator Carlos Almeida Manuel Braz
|